terça-feira, 20 de maio de 2014

Cento e quarenta e três quilómetros para Oeste

"Não foi a primeira vez que o Benfica decidiu uma final europeia em Itália. A outra foi em 1965 e foi infame! Contra o Inter, em Milão, em pleno S. Siro. Ficou para a lenda!

DE Milão a Turim são 143 quilómetros. Para Oeste. Não foi esta a primeira final disputada pelo Benfica em Itália. Houve outra, em 1965. Injusta final, essa. Um pouco por toda a parte, havia o incómodo, o desconforto: a UEFA, pela voz do presidente do Comité Organizador da Taça dos Campeões, José Crahay, anunciara, após as meias-finais, que a final se disputaria em S. Siro, a casa do Inter, Campeão Europeu em título. A decisão era inédita, inacreditável. Mas foi levada por diante. Em caso de empate, finalíssima em Bruxelas.
S. Siro encheu, claro! 180 milhões de liras de receita, recorde absoluto do grande estádio de Milão, qualquer coisa como 8.500 contos da época.
80.000 pessoas estariam nas bancadas para assistir à segunda vitória da equipa de Moratti e Heleno Herrera na Taça dos Campeões da Europa.
«Lasciate ogni speranza, voi chi entrate», dizia Dante, no «Inferno».
S. Siro seria o inferno. Não havia esperança para o Benfica.
O Benfica contrariou o Inferno, no entanto.
«Esse Benfica que a UEFA quis transformar num grupo de convictos cristãos da era moderna, a lançar às feras famintas da grande arena de S. Siro, fora a grande sensação do jogo e dera uma 'lição de bola' ao estranho e 'irrealizado' Inter, edição H.H., com o seu futebol manhoso e sádico, marcado por aquilo que se chama em Itália de 'profundo realismo'» escreveu Vítor Santos em «A Bola».
Impressionante! Frente a um conjunto enrolado na sua casca, como o bicho-de-conta, o Benfica efectuara uma exibição estupenda de determinação e de autoconfiança, produzindo um futebol construtivo, profundamente atacante e sempre imbuído daquilo que se pode chamar o espírito imperecível do 'association'.
O Benfica foi, em S. Siro, personagem principal de um dos momentos mais dramáticos do futebol português. A três minutos do intervalo, um remate enrolado do brasileiro Jair, faz a bola fugir, em jeito de galinha assustada, por entre as mãos, por debaixo do corpo, pelo meio das pernas de Costa Pereira. Grande especialista do futebol de não perder Herrera era o mestre dos mestres no futebol de guardar vantagens inesperadas. O Inter defendeu-se, recolheu-se, fechou-se. Todos os verbos que pudesse utilizar seriam reflexos: eram onze homens trancados sobre si próprios, auxiliados pelo lamaçal em que se transformou um relvado infame. E contra isso nada pôde a valentia lusitana.
Aos 12 minutos da segunda parte, Costa Pereira, herói de Berna, réu de Milão, não resiste a uma hérnia discal e a um traumatismo no pé direito. Não sendo ainda tempo de substituições, é Cávem quem se prepara para vestir a camisola de guarda-redes. Mas é Germano que toma, finalmente, o seu lugar, incapacitado, também ele, por uma rotura muscular na coxa.
São dois infernos: o de S. Siro e o das lesões.
Nenhum ser humano seria capaz de atravessar dois infernos assim.

Uma avalanche de elogios
RODOLFO PAGNINI, jornalista do «L'Unitá»: «Escrevemos estas linhas febris enquanto os jogadores do Inter correm em redor do rectângulo, transportando bem alto, sobre as cabeças, a Taça da Europa. No centro do terreno encharcado de chuva e de suor, distingue-se o vermelho das camisolas do Benfica. Eusébio, Germano, Coluna e os seus companheiros olham para a festa que os envolve, desconsolados, tristes. A alegria do Inter é a sua tristeza. Uma tristeza, uma amargura, plenamente justificada. O público apercebe-se disso. E rompe um aplauso fragoroso e espontâneo. O Benfica perdeu, mas sai de campo com todas as honras. Pode levar consigo, para Lisboa, as armas do nobre vencido. Saído Costa Pereira, todos pensaram: o Inter tem a vitória na mão. E prepararam-se para saborear mais golos. Ao invés, a partida terminava, nesse momento, para a equipa de Milão. Porquê? Porque o Benfica, essa maravilhosa equipa, actualmente a mais forte da Europa, não quis render-se ao inelutável, e fez uma apelo ao seu desmensurado orgulho, lançando-se para a frente, de cabeça erguida, indo buscar forças ao fundo do coração e da alma».
J.L. Manning, jornalista do «Daily Mail»: «Com tudo contra si, o Benfica teve uma actuação memorável em S. Siro. A Taça da Europa foi, no entanto, entregue a uma equipa de Milão pela terceira vez. Mas esta vitória não tem qualquer justificação, desobedecendo a todos os princípios que deveriam balizar um torneio de futebol. Os portugueses foram derrotados por um golo de acaso que nunca teria sido marcado num campo em condições regulares. E durante a última meia-hora suportaram ainda a falta do seu guarda-redes. Ninguém poderá dizer que este jogo se moveu pelas regras da justiça! O Benfica tinha razões suficientes para se queixar da decisão da UEFA de marcar o jogo para o estádio do Inter. Mas presenteá-lo, ainda por cima, com um sepultura inundada, foi um verdadeiro insulto. O jogo devia ter sido adiado».
Jean Eskenazy, uma das figuras do jornalismo francês, conhecido por andar sempre elegantemente vestido e de cravo na lapela, escrevia por sua vez no «France-Soir», no seu estilo curioso e vivo: «Não pretendemos dizer que o Inter foi indigno da vitória. Mas quando recebe, uma pessoa bem educada deve dirigir a conversa. Ora, ontem, em S. Siro, só o Benfica fez as despesas da conversa, só ele recheou o jogo dos melhores trunfos. E mesmo jogando sem o seu guarda-redes obrigou os italianos a defenderem-se ferozmente. Se me fosse dado a escolher uma equipa à qual oferecer a vitória, não teria dúvidas: dá-la-ia ao Benfica. É uma grande equipa, cheia de talento, de coração e de vontade. Caiu como só os grandes sabem cair. Felicitemo-la. No jogo de Milão, foi o vencido que saiu engrandecido e isso força a nossa admiração e respeito».
Cento e quarenta e três quilómetros para Oeste e um sonho por descobrir."

Afonso de Melo, in O Benfica

PS: Afinal, além do Guttmann, parece que existe qualquer coisa entre o Benfica e esta região de Itália!!! Podem assistir aqui ao jogo completo:

3 comentários:

  1. Quase a 50 anos de distância, é a minha primeira lembrança de Benfiquismo!
    Vi o jogo em casa de um tio meu, lagartão, que tinha televisão!
    E sofri nesse dia!
    O meu tio, contente, baptizou um gato que lá tinha com "S. Siro"!
    Sacanóide!

    ResponderEliminar
  2. BENFICA até morrer!!!20 de maio de 2014 às 14:23

    Pois é, jornalistas estrangeiros, aqueles gajos com falas esquisitas mas que têm olhos na cara...

    Ao contrário, por cá, jornalistas são gente ressabiada, incoerente, e com a coluna vertebral de uma lesma, que num jogo onde nada de anormal se passa, vê "batota no casino", mas noutro em que somos descaradamente roubados, em vez de o denunciar, tapam os olhos fingindo nada ver e endeusam um bEtoteiro...

    Continuai a chafurdar naquilo que são, pois nós temos 1 TRIPLETE... e vocês um Tri-Melão!!!

    Carrega, amor da minha vida!!!

    ResponderEliminar

A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!