terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Simplesmente Eusébio

"Aqui na distante África, na terra de Eusébio onde ando por estes dias, o grande Mário Coluna diz que perdeu um filho. E, ouvindo o célebre capitão do Benfica e da Selecção dos tempos gloriosos, lembro-me de ouvir contar a história do miúdo que chegado de Maputo – à época Lourenço Marques – tratava Coluna, que tinha mais sete anos do que ele, por… senhor Coluna num sinal de respeito e humildade que o tempo nunca apagou, nem mesmo quando Eusébio passou, primeiro com o brilho das estrelas, depois com a eficácia dos predestinados, a ser o abono de família do Benfica dos anos 60 e início dos anos 70 quando os seus remates certeiros – até mesmo quando os joelhos já não ajudavam – entravam como balas nas balizas adversárias.
O King aplaudido e agraciado, embaixador do Benfica e da Selecção era do futebol e nunca quis ser de outro mundo. Gostava mais de estar no relvado do que no camarote. Gostava daquele cheiro que, dizem, só a relva tem.
Saí de Lisboa ao início da tarde de domingo ainda a notícia da morte de Eusébio era recente. Neste mundo global, tudo o que vi e li chegou aos leitores de Record, mas em plena era da globalização é absolutamente extraordinário como a simples referência à minha condição de português encaminhou todas as conversas para o desaparecimento de Eusébio, o seu legado, a inevitável comparação com Cristiano Ronaldo, o que dele disseram Di Stéfano ou Pelé. No aeroporto do Dubai, em trânsito, encontro um amigo espanhol que me pergunta se lera o que tinha escrito Don Alfredo. Que não, que acabara de aterrar. Sentado, computador à frente, encontro a frase de Di Stéfano – “Para mim, Eusébio, sempre será o melhor.” Não sei se assim é e, na verdade, ninguém sabe porque não há uma maneira de aferir essa condição. Sabe-se que Eusébio da Silva Ferreira está entre os maiores de sempre e, não por acaso, gerações de portugueses emocionaram-se com ele, com a sua genialidade e o seu talento quase tão contagiantes como o seu sorriso de menino pobre a quem a vida deu o que talvez ele nunca pensasse ter. Como escrevi no meu Facebook: Nunca vi o Eusébio jogar. Não é do meu tempo, embora ele – como todos os seres eternos – seja de todos os tempos. Nunca vi o Eusébio jogar, como não vi a partida das caravelas de Vasco da Gama ou a saída do hidroavião de Gago Coutinho e Sacadura Cabral. Vi, vezes sem conta na televisão, aqueles golos à Coreia relatados pelo Artur Agostinho no Mundial de 1966. Não os vi ao vivo, mas vivi-os como se tivesse o secreto desejo de lá ter estado no estádio ao lado do Mundo que abria a boca de espanto. Nunca vi o Eusébio jogar ao vivo mas, eu sportinguista, já expliquei ao meu filho pequeno que aquela estátua, no Estádio da Luz, é a de um jogador de que ele um dia vai ouvir falar. Mesmo sem nunca o ter visto rematar à baliza como, dizem, só ele rematou. Da próxima vez que voltar ao Estádio do Sport Lisboa e Benfica espero que se mantenha nos lugares de estacionamento, onde se pode ler presidente, vice-presidente, administrador e outros títulos pomposos um lugar vago que sempre lá esteve e que diz simplesmente: Eusébio.

O Eu a Eusébio
“Uma coisa me consola, Eusébio. É que não fui eu quem cobriu Você de adjectivos, de apodos, de cognomes mais ou menos imaginosos. Não fui eu quem disse que Você era a pantera, o príncipe, o bota de oiro, o relâmpago negro, o coice para a frente, o astropata. Também não fui eu quem disse que o seu nome era Eusébio. Dar o Eu a Eusébio, que pretensão! Derive, derive e vire, vire e atire sem parança, Eusébio, seu genial tragalhadanças!”
Alexandre O’Neill - Uma Coisa em Forma de Assim

Arquivo
Só acompanhei em directo uma parte do trabalho das televisões portuguesas na cobertura do que é, sem discussão, um grande acontecimento mediático. Vi até à hora de almoço de domingo e, com a ajuda das ferramentas tecnológicas, segui o essencial do restante trabalho quando aterrei. Parece-me claro que a RTP arrancou melhor e fez melhor num terreno onde tinha vantagem e, é justo dizê-lo, a sua equipa de produção estava há muito (como tem que acontecer) devidamente preparada. A RTP tem também uma grande vantagem sobre as televisões privadas em matéria de arquivo e soube usar bem esse material laboriosamente trabalhado ao longo dos anos. Terá havido ou não um excesso na cobertura do acontecimento? A resposta é sim, mas é inevitável que assim suceda. Durante aquelas horas os públicos procuram informação sobre aquele evento em concreto. Se, estando em directo, não há excessos e redundâncias? Claro. Mas só quem nunca esteve em directo é que não entende isso.

Made in Benfica
Eusébio faz parte de uma época que não volta mais. Durante décadas os jogadores oriundos das “colónias” alimentavam as equipas da “metrópole” numa relação onde o colonizador tirava todo o partido e dava pouco em troca. Mas no Benfica do tempo de Eusébio não entravam estrangeiros e, de facto mesmo com esse mercado privilegiado, havia um Benfica, made in Benfica como Luís Filipe Vieira expressou numa recente entrevista. O Mundo mudou tanto que o conceito faz hoje pouco sentido. Talvez seja melhor negócio e crie equipas mais competitivas encontrar jovens talentos em mercados como a Colômbia ou a Sérvia. Essa opção é legítima, mas ela não pode eliminar por completo a criação de valor na formação nem a oportunidade que se dá a esses jogadores para crescer. Isso, sim, é um péssimo ato de gestão até porque, quase 40 anos depois da independência os maiores talentos dos países africanos de língua portuguesa continuam a chegar com destino traçado: Benfica, Sporting e FC Porto. Fácil de entender, não?"

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