segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

1966

"O meu primeiro ídolo no mundo da bola chamava-se Diego Armando Maradona. O pequeno argentino fez parte da seleção das pampas que jogou o Espanha’82. Não me recordo desse Mundial, pois estava mais preocupado com outras coisas. Como aprender a andar. Mas vi-o a fazer coisas extraordinárias no México’86 e eu tentava imitar tudo no recreio da escola.
– Ó Vasco, não sejas fuço e passa a bola!
– Cala-te, não vês que estou a imitar o golo que o Maradona marcou à Inglaterra?!
– Então porque é que não foi golo?
– Porque o guarda-redes deles é melhor que o Peter Shilton.
Nessa altura, a pergunta que mais se fazia no mundo da bola era “Qual o melhor de sempre? Maradona ou Pelé?” A resposta que eu mais ouvia em casa era dada pelo meu pai: “Eusébio.” Recordo perfeitamente o Natal em que recebi como presente uma cassete VHS com os melhores momentos do Mundial de 1966. (Um pequeno aparte para o leitor do Record mais jovem: não sabeis o que é uma cassete VHS? Ide ao Wikipédia e pesquisai.) Vi a cassete uma vez. E outra. E mais outra. Fiquei viciado naquilo. Todos os sábados, via a cassete assim que acordava. E se tinha as imagens na TV, tinha o prazer de ouvir os comentários do meu pai, na cadeira ao lado, comendo as suas torradas e bebendo o seu chá Li-Cungo. Era o meu Gabriel Alves particular.
– O quê? Nós ganhámos ao Brasil neste Mundial, pai?
– É verdade, filho..
 – Mas eles eram campeões do Mundo e tinham o Pelé!
– Mas nós tínhamos o Eusébio. O meu momento preferido deste filme do Mundial’66? O resumo do jogo contra a Coreia do Norte. Claro que os comentários do Gabriel Alves lá de casa, de roupão cheio de migalhas de torrada, ajudavam muito.
– Filho, estava em casa da Tia Maria Teresa e do Tio Joninho a ver este jogo. E à meia hora estávamos a levar 3 secos. Toda a gente lá em casa calada. E eu disse “se marcarmos um antes do intervalo, ganhamos isto!” O teu pai é que sabe!
Ver o sorriso do meu pai a ver aqueles 4 golos do Eusébio era tudo para mim. Mas eu já sabia que ele se ia levantar e ir para cozinha. Tudo para não ver o resumo da meia-final contra a Inglaterra. O meu pai recusava-se a ver esse jogo.
– Eles é que tinham de ir a Liverpool, não éramos nós que tínhamos de ir a Wembley! A viagem cansou-nos! E perdemos!
Sim. Perdemos. Mas o futebol ganhou tanto com Eusébio.
Partiu ontem. E ninguém lhe tira o lugar na equipa dos melhores de sempre. O melhor, para o meu Gabriel Alves particular."

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