segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

O Costa do Marfim

"1. Houve, in illo tempore, o Costa do Castelo que valeu saudáveis gargalhadas. Depois surgiu o Costa do Marfim, incapaz de explicar conversas gravadas e encomendas estranhas vindas de África. E também houve o Costa de África, que tratava o criado por Bijagós. Hoje em dia o Bijagós do Costa do Marfim, nos intervalos de mentir em tribunal e de oferecer cargas de porrada a jornalistas, entretêm-se a fazer relatórios médicos. Martelados como é hábito na casa. Eu sou daqueles que deseja sempre saúde aos seus inimigos. Mesmo quando, mais do que saúde, o que lhe falta é carácter.

2. Algum génio bizantino resolveu levar para o Estádio da Luz umas amostras de bandas filarmónicas ligadas a colunas gigantes de forma a que cada vez que o povo começasse a gritar «Portugal! Portugal!» pudesse abafar as vozes com modinhas e fadinhos tão pacóvios como a inteligência de tal iluminária. Para ser igual à Festa do Pau, lá da minha vizinha Assequins, só faltou um bacalhau pendurado no lato do pau de sebo à espera do valente que por ele trepasse a justificar a iguaria. Há gente que gosta de barulho. Sinal que dentro das suas cabeças confusas nunca se ouviu o som suave do silêncio.

3. O barulho também faz eco contínuo no cérebro daquele jovem que ainda não se decidiu se quer ser jogador, treinador, presidente ou roupeiro do seu clube. Por isso grita. E cada grito é mais alto do que o anterior. Grita tanto que já nem se ouve a si próprio. No dia que parar para se ouvir, achar-se-á ridículo. Tal como nós o acharmos."

Afonso de Melo, in O Benfica

Unidade Benfiquista

"Quanto vale um ponto de vantagem na Liga? Pouco, muito pouco. Ou talvez muito, mesmo muito, se recordarmos o desfecho do último Campeonato. O Benfica, a par do Sporting, morde, agora, os calcanhares ao FC Porto. Um ponto? O que vale? Muito ou pouco?
Valha o que valha, importa recordar que estamos ainda com um terço de competição. Como joga o FC Porto? Mal, muito mal. E tem beneficiado de preciosas ajudas da arbitragem, caso assim não fosse estaria distante da liderança. E o Benfica? Não tem sido persuasivo, pelo menos de forma continuada, mas percebe-se que o clima emocional é mais favorável, que o conjunto está mais próximo da rentabilidade que patenteou na última época, excepção feita ao fatídico mês de Maio. O Sporting? Está voluntarioso, demonstra carácter e ambição, conquanto sabe-se que não dispõe dos mesmos recursos dos seus principais oponentes.
O que se exige aos benfiquistas nesta fase da prova? Apoio incondicional. O horizonte próximo contempla desafios de alguma envergadura, só que muito susceptíveis de se saldarem em triunfos importantes. A recepção ao FC Porto, na última ronda desta primeira volta, afigura-se decisória. Não é de enjeitar que o Benfica receba o seu antagonista na liderança ou a um passo da sua consumação.
O momento é de unidade. Está tudo em aberto e os últimos indicadores são preciosos, fazem recrudescer o clima de entusiasmo. Vamos todos dar um pouco mais à equipa? Não será que a dívida dos jogadores pode ser saldada, atraindo também eles os apaniguados vermelhos? A combinação, a cumplicidade adeptos/equipa é mesmo decisiva. O Benfica justifica, o resultado só pode ser o sucesso."

João Malheiro, in O Benfica

Sofrida...

"1. Vitória sofrida mas bem importante, a do passado sábado, frente ao SC Braga, com uma formação que se mostrou muito acima dos pontos que vem amealhando no Campeonato. A nossa equipa lutou muito (honra lhe seja feita) embora não estivesse nada inspirada. Mas vieram os três pontos, que era o mais importante, e, com o empate do FC Porto, a diferença para liderança, que estava em cinco pontos, já está reduzida a um só. Temos Campeonato! Promete ser disputado ponto a ponto e, por isso, todas as vitórias são importantes.

2. Cardozo não jogou e muita falta fez. Ele conseguiu calar todos quantos o assobiavam e não gostavam da sua forma de jogar. E seria curioso, agora, ler tudo quanto se escreveu a seguir à Final da Taça de Portugal. Que Jesus perderia o balneário se Cardozo voltasse, que seria um péssimo exemplo para todos os outros jogadores, que por muito menos outros jogadores foram afastados, etc., etc. Afinal, Cardozo até tem estado a fazer a sua melhor época de sempre, a correr mais, a lutar mais, até a marcar mais golos. Espero bem que recupere depressa da sua lesão. Faz muita falta à equipa, tal como Sálvio (e Rúben Amorim) - em termos de lesões (e estas traumáticas, não musculares) a época está a ser bem infeliz.

3. Espero que os ecos da arbitragem do Benfica-Sporting para a Taça de Portugal se tenham extinguido. Esquecendo o que se passou no Sporting-Benfica para o Campeonato (e até os sucessivos golos em fora-de-jogo de Montero), o Sporting fez uma das suas habituais campanhas contra as arbitragens. Já cansa...

4. Há dias, dei comigo a recordar o que se disse e escreveu aquando da operação a que Salazar foi sujeito, na sequência da sua célebre queda da cadeira, em 1968. No primeiro dia, jornais e rádios anunciavam que havia sido operado e que a intervenção havia corrido bem. Depois, dia após dia, que as melhoras eram evidentes. Uma semana depois, o seu médico pessoal anunciava (e os jornais faziam grandes parangonas): 'Devolvo Salazar definitivamente curado à Nação'. Duas semanas depois, era Marcelo Caetano o novo Presidente do Conselho, como então se chamava ao primeiro-ministro...
(Qualquer relação com um facto actual é pura coincidência...)"

Arons de Carvalho, in O Benfica

Vermelhos

"Quem como eu, por dever de ofício, leia todos os jornais todos os dias, terá eventualmente reparado que nos últimos tempos se intensificaram na Imprensa, para designar o Benfica, as expressões 'os encarnados' ou a 'equipa encarnada'. E o mais curioso é que tais expressões até já contagiaram algumas publicações, impressas ou na Internet, afectas ou próximas do Benfica ou Benfiquistas. Os pequenos vícios, como os grandes, apanham-se por involuntário contágio.
Vermelho e encarnado são sinónimos por terem significado aproximado. Em rigor não querem dizer exactamente a mesma coisa. O vermelho é a cor do sangue vivo, o encarnado é a origem, a cor do sangue, que dá à carne a cor encarnado.
Ora, o 'encarnado', para designar o Benfica, em função da cor das camisolas, surgiu como uma imposição ideológica e uma carga censória. O Clube, os dirigentes, atletas e adeptos Benfiquistas eram os 'vermelhos' até que a Censura e a manipulação salazarista, nos pós-guerra mundial de 1939-1945, proibiram a referência 'vermelho' para designar o Benfica, impondo a expressão 'encarnado'. Do mesmo modo que proibiu o hino original e oficial do Clube, 'Avante, Avante pelo Benfica' que, no vazio criado, ceio pouco a pouco sendo substituído pelo belíssima canção 'Ser Benfiquista' interpretada por Luís Piçarra. Houve nestes casos uma manifesta intenção de escamotear a matriz popular do Benfica que o distinguia, e distingue, dos clubes de barões de Alvalade e de lordes da Foz.
Nos tempos difíceis que vivemos, o Benfica é uma imensa família de gente do povo que neste grande Clube procura, em colectivo, uma força solidária que transmita o amparo de algum calor humano. Os vermelhos nunca estão sozinhos perante a tormenta. Como dizia o hino original dos Vermelhos,
'Todos por um, eis a divisa'."

João Paulo Guerra, in O Benfica

Setenta e um anos, pouco tempo.

"Jornal semanário oficial do Sport Lisboa e Benfica, quando foi criado, foi para sempre. Porque para para todo o tempo, para sempre, é o nosso Glorioso Clube. Diante da eternidade, portanto, os setenta e um anos do nosso Jornal O BENFICA que este número celebramos, são realmente pouco tempo.
Quantos são, em Portugal inteiro e por esse mundo de Cristo e os grandes Clubes mesmo dos maiores de todos os tempo, que podem orgulhar-se de dispor de um órgão oficial de imprensa como este? Poucos. Raros são. E muito menos serão, certamente, aqueles que semanalmente se apresentam aos dedicados leitores-cultores-e-donos do Clube, com esta regularidade constante?
E deste muito poucos, quantos podem ser elogiados como nós, por informar com este registo tão singular que é precisamente este e nunca poderá vir a ser outro, de noticiar e comentar, entrevistar e reportar, com a Verdade sempre de mãos dadas com a paixão pelo rigor, com o permanente drive da 'primeira mão', com o empenho competente de 'não falhar uma' e de estar sempre 'em todas'.
Tantas vezes correndo por foro, porque os meios nem sempre são os devidos nem os mais aconselháveis, aqui, nesta Redacção, nunca ninguém precisou de nos vir cá falar ao ouvido para fazermos exactamente o que temos de fazer. Sem descanso. Sempre pelo Benfica. Pela defesa do Benfica e pela afirmação do Benfica. Sempre pelo Benfica, ainda achamos sempre, que ainda é sempre pouco para tão grande mister. E para um tão grande orgulho naquilo que nos move e naquilo que sempre temos para fazer. Mas sabe deus...
Nem sempre nos chegam as páginas que temos para tudo o que precisamos de dizer. Em defesa do Benfica e em defesa do Jornal. Muitas vezes não nos chegam as palavras; ou não nos basta o espaço. Mas cá vamos, sempre dando o exemplo de que não é com fastios que se cumprem os desígnios da Informação Benfiquista. Não é com desmazelos, nem com incompetência que se diz o que temos para escrever. Não é sentados nas cadeiras que se conseguem as grandes imagens, as notícias palpitantes, ou as vibrantes reportagens. Não é com prosápias, com ilusões, ou arrogância.
Procuramos observar os nosso desígnios e cumprir a nossa missão com profissionalismos dedicado, competente e experto daqueles que a cada semana vemos no coração, no esforço e no desempenho dos nossos melhores atletas, técnicos e dirigentes. Sobretudo olhamos para esses, embora tendo presente que o Desporto por vezes, também se cumpre no insucesso. Mas são os nossos heróis que tomamos sempre como referência e como exemplo. Dos outros, apenas registaremos os empates e as derrotas.
E é com este sentido que, mesmo assim, ainda continuaremos a achar neste septuagésimo segundo ano de vida que hoje se inicia, que tudo é pouco tempo e que as páginas são sempre poucas."

José Nuno Martins, in O Benfica