"A um jurista escrupuloso incomoda sempre a lei que é apenas “verbo de encher”. Ou porque ninguém controla o seu respeito ou, controlando, a torce e distorce para que nada valha em concreto. Ou porque a fraude a essa mesma lei é reservada para o terreno fértil da impunidade.
O Regulamento de Competições da Liga (assim como na FPF) comporta, no que toca ao “empréstimo de jogadores”, uma norma que subsiste há anos. Hoje corresponde ao art. 52º: “Nas situações de cedência de utilização temporária de um jogador, por parte do clube a que se mostre contratualmente vinculado a um outro clube, são nulas e de nenhum efeito quaisquer cláusulas, ainda que estabelecidas ou acordadas entre as partes intervenientes, e nomeadamente entre clube cedente e cessionário, que, por qualquer forma, visem limitar, condicionar ou onerar a livre utilização do jogador em causa por parte de clube cessionário na vigência do período de cedência temporária.” O princípio da “livre utilização” correspondeu à necessidade de eliminar dos contratos de “empréstimo” o impedimento de os clubes colocarem a jogar os atletas nos jogos com os clubes de origem (ou outros) e, até, condicionar a sua participação ao consentimento dos clubes que emprestavam.
As cláusulas desapareceram, na forma, dos contratos, mas, substancialmente, a prática permaneceu e permanece “escondida”. Ontem com polémicas, hoje com absoluta indiferença pelas simulações que resultam de óbvios “acordos de cavalheiros” entre os dirigentes dos clubes: empréstimo sim, mas sem utilização nos nossos jogos – e é assim que esses jogadores desaparecem das convocatórias, envolvidos em “lesões” súbitas e outras “justificações”… pueris. Outros clubes, porém, mesmo que nem sempre, respeitam a impossibilidade de tais cláusulas – provocando a incompreensão dos adeptos, quando acontece serem esses jogadores a contribuir para empatar ou derrotar a sua equipa…
Chegamos (também) a este estado desigual porque a consequência disciplinar é dúbia – não é certo que se integre na infracção que pune a “fraude” nos contratos – e, mesmo que fosse, a consequência não é grave. A matéria merece transparência. Ou bem que se proíbe – sindicando-se a sério e punindo com dimensão – ou bem que se confina à liberdade dos clubes o juízo e os riscos tradicionais de um “bom” ou “mau” jogo dos jogadores cedidos. Como estamos é que não estamos bem: urge dotar a competição de uma igualdade entre os participantes e exigir aos clubes que cedem jogadores exactamente as mesmas “regras”. Se assim não for, para que serve, bem à portuguesa, mais esta “lei”?"