terça-feira, 12 de março de 2013

Duas doses de Bordéus servidas em Taça Latina

"Voltou a Lisboa o Girondinos de Bordéus, adversário do Benfica na final da Taça Latina. O jogo mais comprido da história do Futebol português, chamou-lhe Ricador Ornellas.
146 minutos foram necessários para encontrar um vencedor. Ou 146 mais 90(+30), se lhe somarmos a primeira final.

O Bordéus está aí outra vez. Não é a primeira vez que se apresenta no caminho do Benfica, não será, provavelmente, a última. Mas houve uma vez... Ou melhor, houve duas vezes...
Sim, porque uma vez não chegou. Foi preciso um desempate. Aquele que Ricardo Ornellas chamou o maior jogo de Futebol jamais disputado em Portugal. Isso mesmo: a final da Taça Latina.
Na altura chamavam-lhes os Girondinos: os Girondinos de Bordéus.
Girondinos: naturais de Gironde, essa zona da Gasconha onde o Garona e o Dordonha se juntam num estuário até ao mar.
O Benfica arredara a Lázio da final; o Bordéus afastara o Atlético de Madrid.
O Benfica queria muito aquela Taça Latina: nesse tempo o Benfica queria muito todas as taças.
A final do Jamor chamara 60.000 pessoas. Dia 11 de Junho de 1950.
Jogo terrível de intensidade. O Benfica chegou à vantagem por Arsénio, os adeptos, felizes, fazem-se ouvir, crêem fortemente na vitória e na conquista deste troféu que antecedeu a Taça dos Clubes Campeões Europeus.
Os 'encarnados' atacam de forma desenfreada, os Girondinos são meros comparsas defensivos de um jogo de sentido único. Corona faz do 2-0 e tudo parece decidido...
Mas não está. Pelo contrário: está muito longe de estar.
Doye reduz. As coisas tremem por entre a folhagem do Jamor. E as sombras adensam-se: Doye faz o empate: ainda só estão decorridos 36 minutos de um jogo absolutamente frenético. Sobre o intervalo, um golpe dramático: 3-2 para o Bordéus, por Persillon.
A segunda parte é nervosa, inquieta. Pascoal faz o 3-3, as equipas encaixam-se. Nem o prolongamento resolverá o vencedor. É preciso esperar uma semana: no mesmo local; à mesma hora.

Segunda dose de Bordéus
Neste domingo, 18 de Junho, tudo se resolverá. A cada empate sobrevirá um prolongamento outro ainda. O público que enche o Estádio Nacional ainda não sabe mas vai assistir a 146 minutos de futebol. Extraordinário!
Mas esperem mais um pouco.
O Benfica entra de rompante, Julinho remata uma bola à trave do guarda-redes, Astresse. Mas Kargu faz o golo dos franceses logo aos nove minutos. E segui-se o sofrimento. Um sofrimento extenso, cansativo. Que o Benfica soube suportar com o estoicismo dos grandes campeões.
Por mais que atacassem, os 'encarnados' não chegavam ao golo. O tempo corria contra eles, minuto a minuto, numa torturante ampulheta desregrada. Viveu-se o intervalo e uma segunda parte por inteiro. Houve centenas e centenas de adeptos que abandonaram o estádio, de cabeça baixa, com a desilução dos derrotados a pesar-lhes sobre os ombros.
Fizeram mal. Foram obrigados a voltar atrás. Aos 90 minutos em ponto, Arsénio devolveu o Benfica ao carreiro do destino. O empate empurrava os adversários para prolongamento, tal como uma semana antes. E o cansaço, inexorável, fazia os seus estragos.
Este novo prolongamento é um massacre. Os músculos cedem, os raciocínios quebram.
Uff! Ainda mais um prolongamento! Mas quinze minutos depois dos quais se seguirão outros quinze minutos. Um golo, só um golo decidirá o destino dos dois contendores.
Um golo de morte!
Canto contra o Bordéus, Julinho salta com Astresse, a bola surge colada às redes da baliza francesa.
Estavam decorridos 26 minutos do segundo prolongamento.
146 minutos tinam sido necessários para encontrar um vencedor. Ou 146 mais 90(+30), se lhe somarmos a primeira final.
O jogo mais longo da história do Futebol português.
O público invade o relvado, leva os jogadores do Benfica em ombros: Campeões da Taça Latina!!!
Os Gorondinos de Bordéus são vencedores dignos.
Regressaram agora a Lisboa como já o haviam feito por outras vezes. Mas sempre com a memória naqueles confrontos infinitos que deram ao Benfica a primeira Taça Europeia da sua história.
11 e 18 de Junho de 1950: o tempo passa mas a memória não prescreve..."

Afonso de Melo, in O Benfica


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