"Ao almoço me dão pêras
Ao jantar pêras me dão
Ao lanche pão com pêras
À ceia pêras com pão
Ia assim a lengalenga da nossa infância. Ia assim o enjôo. Mas pior ainda se Pereira não dá pêras e enjoa na mesma. Pereira vomita sentenças, vela ameaças, solta fel. Os frutos é que não se vêem.
Pereira está aflito, tem medo. Atrás de si uivam os lobos famintos e, na escuridão húmida dos túneis, o Madaleno alimenta os fungos que o hão-de devolver à sua tristonha existência de anónimo. Todo um mundo podre está em polvorosa.
O Copiador de Livros Alheios gane incessantemente baba e ranho incontidos; o Merceeiro Aldrabão agita as asas de borboletas e profere tiradas de intelectualidade de pacotilha da qual nada se retira senão a fosforescência do ódio: o Baladeiro Bacoco de Tiques Estranhos esganiça a voz de castrato e irrita-se por tudo e por nada, acentuando o seu ar de fedelho mimado que passou ao lado da bofetada pedagógica. Mas que quer esta canalha? Que pretende esta súcia de analfabetos de pai e mãe? Pedem contas? Querem saber de que lhes vale investir tanto dinheiro em prostitutas baratas e repastos de lagostas se, volta e meia, há um desses gnomos de cócoras que se recusa a fazer-lhes as vontades? Por isso ladram. Não é a injustiça que lhes dói, é a desobediência. Habituados a corromper, a mentir, a forjar, não aceitam o erro, a falha. Pela sua percepção da realidade, tudo está envolto pelo manto diáfano do suborno e da podridão. O Mundo não é, para estes tunantes, nem sequer a branco e preto. É só a preto. Sujo, enlameado, conspurcado, infecto. É disso que se alimentam e não resistem à necessidade de arrastar todos os outros para o universo inquinado que Mestre Palhaço criou. «Nem mil anos apagarão a culpa da Alemanha!», dizia-se no tempo do Julgamento de Nuremberga. Nem 500 anos apagarão a culpa de tais corruptos! Por isso, CALEM-SE!"
Afonso de Melo, in O Benfica