quinta-feira, 1 de março de 2012

Caldeirada

"O senhor presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional avança, com a resignação digna de um pagador de promessas, para uma proposta originalíssima no quadro nacional, um modelo nunca antes testado, uma fórmula resolvente que vai certamente acabar com os ordenados em atraso, com as dívidas dos clubes ao fisco, com as assistências desérticas em tantos dos nossos estádios – se depender dele, vem aí a liguilha de fim de época, esse extraordinário método que permite salvações caídas do céu ou que viabiliza prémios que nunca estiveram em causa, subvertendo – a mais de meio da viagem – o estabelecido.
Num momento em que o país se retrai, eventualmente mais do que devia, por força das circunstâncias, o futebol – que é mau pagador e que aparece sempre, com muitas culpas de alguns dos seus principais agentes, como aquele familiar de gosto duvidoso, capaz de exibir anéis e luxos numa fase de contenção – decide colocar no terreno uma estratégia expansionista, chamando mais gente a uma mesa que já alimenta deficientemente alguns dos que, acima de estratagemas, lá chegaram por mérito próprio e sem “tickets refeição” de secretaria. Daqui a algum tempo, sobretudo se as dificuldades sociais se mantiverem, lá haverá um portador de bom senso, menos interessado nas disputas eleitorais do que na resolução dos problemas, que vira incutir algum juízo a esta plateia de candidatos a novos-ricos.
Acresce, neste preciso momento, que uma decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa pode vir a obrigar à criação de mais um lugar excedentário entre os primodivisionários, destinado ao Boavista. Não será este o local para discutir os argumentos que foram esgrimidos em favor e contra o clube do Bessa. Apesar de ainda haver subterfúgios legais (os que habitualmente surpreendem o cidadão comum, incapaz de seguir o emaranhado de pormenores técnicos e armadilhas processuais) que possam impedir o regresso pleno do clube portuense, é uma hipótese que não pode ser descurada. Pelo que apetece perguntar se, confirmada a “liguilha” e assente a ressurreição boavisteira, vamos ter Liga a 19.
Por mim, para arredondar a coisa, proponho que o vigésimo seja aceite. Tendo em conta o descalabro económico que há-de seguir-se em qualquer circunstância, defendo mesmo que a realização de um leilão pode juntar o útil ao agradável, precavendo alguns cobres para os dias da miséria e criando mais uma originalidade no futebol português. Nada de chocante, neste futebol português que tem sempre este cheiro de caldeirada, nem por isso fresca nem apurada. Talvez por ter enguias a mais para um só tacho.
Nota – Ao clássico só peço isto: que seja limpo. É o que se exige, uma vez que ali vai nascer um campeão."


1 comentário:

  1. Se é caldeirada, porque devia o clássico ser limpo?
    Com o "bom" exemplo dado na escolha de quem vai temperar a caldeirada? 

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