quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Eusébio

"Eusébio está hospitalizado pela terceira vez em dois meses. A experiência diz-nos que esta frequência é um mau indício e que serão bem-vindas todas as preces para um final feliz, que lhe permita vencer mais este desafio e viver com qualidade junto da família e amigos.

Ele é um ídolo de várias gerações, mas em particular dos que começámos a ver futebol por volta de 1966, o ano em que este desporto maravilhoso despertou definitivamente à escala mundial, graças ao simultâneo desenvolvimento da televisão e das transmissões via-satélite.

A tendência para comparar jogadores de décadas diferentes é um erro comum, em que alguns deles por vezes também se envolvem. Maradona e Pelé, por exemplo, digladiam-se há 25 anos, por vezes com a aspereza picaresca dos velhos dos Marretas. Mas até nos dias que correm a competição incontornável entre Ronaldo e Messi desassossega, alimenta paixões cegas, mas também ajuda ao negócio a ascender ao nível da deificação, sempre irracional e alienante.

Eusébio assumiu muito naturalmente e por decreto popular trono e cetro, adotando com o tempo uma postura majestática, levemente despretensiosa. Gosta que o tratem por “King”, observa os súbditos com paternalismo e, durante muito tempo, gozou de uma abrangência que vem agora sendo posta em causa nalguns ajustes de contas com a história, nomeadamente em relação à sua conturbada relação com o Sporting. Mas nunca invejou a projeção de eventuais herdeiros, tal como no seu tempo soubera relativizar o sucesso em função da grandeza de outros, como Di Stéfano ou Bobby Charlton.

Quem com ele tenha convivido algum tempo e nalgumas missões do seu desempenho de embaixador honoris causa deste país guardará a admiração imensa pela capacidade exemplar de partilhar confiança, vontade e bonomia. Vontade de vencer, em particular, que soube sempre transmitir às equipas do Benfica e da Seleção Nacional, por vezes em ambientes da maior descrença.

Tal como acontece em tantas outras áreas da vida pública, o país não tem aproveitado as suas figuras desportivas de referência, ao contrário do que acontece em praticamente todos os países. É um problema estrutural que decorre da baixa formação desportiva dos nossos dirigentes políticos, que também já emanam hoje das claques e do fanatismo emblemático – fazendo-nos prever, sem margem de erro, que o pior ainda estará para vir.

Mas Eusébio tem uma estátua, um torneio e um reconhecimento público que não carece de mais investimento, nem atenções, embora nem sempre tenha sido assim. A reaproximação promovida pelo atual presidente do Benfica veio retirá-lo de um ostracismo social que afeta realmente todos os ídolos de sucessivas gerações, sem condições de resistirem à voragem do tempo, às modas passageiras e aos epifenómenos que abalam ciclicamente os círculos mais mediatizados. E o seu prestígio inabalável nunca necessitou de qualquer retoque, abono ou aditamento, porque representa uma fase da história em que, sem a mediatização dos nossos tempos, a transparência era total e os dirigentes eram sérios e, sobretudo, responsáveis."


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