quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Os protetores

"Uma manobra clássica dos ciclos políticos é a incursão legislativa nos meandros do futebol profissional, confundido com desporto apesar de há um século a canibalizar recursos e paixões dos portugueses pela coisa desportiva. Desde meados dos anos 80, embora sem nunca justificar um ministério, o frenesi partidário produziu contraditórias Leis de Base, interferiu no livre associativismo e, certamente pelas piores razões, nunca atinou com um rumo estável que permitisse o crescimento concertado da atividade, nem um paradigma de educação pelo desporto, ao contrário dos parceiros europeus.

Ainda agora terminou, com as sofridas eleições da FPF, o enquadramento à última lei orientadora, com impacto negativo em praticamente todas as outras federações que a ela só se sujeitaram pela dependência extrema das migalhas do OE, e já os novos governantes saem a terreiro com, não um, não dois, mas três estudos de mudanças estruturais, escorados na ambição partidária de realizar “obra”.

Pela mediatização e pelo interesse público as recomendações dos “grupos de trabalho” assestaram pontaria a temas fervilhantes e tão conclusivos como o sexo dos anjos. A profissionalização dos árbitros (de futebol, mas por que não dos outros?) é a senha de entrada no clube restrito dos que sempre dão mais um nó nos emaranhados regulamentares para assegurarem que tudo fica como acham que deve estar, sob controlo deles.

Regimes fiscais e de segurança social de exceção, totonegócio, sociedades anónimas para disfarçar as falências, por um lado, condicionamento dos arquétipos competitivos e do estatuto dos atletas, por outro, praticamente todos os modelos foram alvo de investidas de políticos espertos, incluindo no domínio da segurança e da indústria do espetáculo. Não raro, o rótulo de legislação “mais avançada” da Europa surgia no rodapé propagandístico das inovações, o que torna tudo mais difícil de entender quando, nos balanços, acabam por chegar sempre à conclusão de que as coisas ficam piores do que estavam.

É neste ponto que nos encontramos, no dealbar de mais uma transição rápida, agora pelo flanco da direita: liberal através da alienação das sociedades desportivas, populista pela profissionalização dos árbitros e com laivos de nacionalismo contra o “excesso de estrangeiros”. Para o quadro ser completo só faltaram um grupo de trabalho pela introdução das “novas” tecnologias da bola e outro pelo reconhecimento e legalização das apostas online.
Assustador é que, desta vez, surgem associados ao poder político os novos dirigentes do futebol, entusiasmados com a vontade de aumentar os campeonatos com mais emblemas falidos, porque acham que há muitos fins-de-semana sem futebol, e gulosos pela visão quimérica de inesgotáveis dinheiros da televisão. Sempre com um protecionismo benigno em pano de fundo, que teria, como derradeiro objetivo, a felicidade coletiva em torno de uma atividade transparente, equilibrada e justa, mas também promessa de uma seleção nacional melhor do que a melhor da história. Política sem vergonha."


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