quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Malmequer

"Mesmo depois do forcing de 20 milhões de euros que no final de agosto compôs o ramalhete, parecia que Domingos Paciência seria o melhor reforço para a época de arranque dos novos dirigentes do Sporting. Um magnífico tirocínio em crescendo, de patamar em patamar, indicava a aptidão para um desafio de máxima grandeza, após ter atingido os limites do Sporting de Braga.
Também os pressupostos publicamente colocados estavam corretos: reconstrução do plantel, ambições comedidas, prazo alargado, tranquilidade ambiental, comunicação positiva. Talvez correto de mais, tratando-se de um clube com o passado do Sporting e uma ansiedade por glória difícil de aquietar, sem resultados nem títulos.
De facto, o fervor clubista rebentou, a ritmo quase semanal, em crises de paixão pelos maus resultados iniciais, pelo bode expiatório dos árbitros, pelas recuperações miraculosas, pela sobreavaliação de alguns jogadores, pela deceção dos primeiros percalços, pelo desencontro das vozes de comando, pelas incongruências técnicas, pelo esvaziamento do sonho. Tudo em seis meses, de picos para abismos, como numa montanha russa a alta velocidade e sem timoneiro.
Um clube como o Sporting, eclético e nobre, não podia colocar-se à mercê dos resultados da equipa de futebol, quando esta não dispõe de condições imediatas para se opor ao poderio dos adversários históricos. Por isso, a abordagem comunicacional devia desprender-se da vertigem do sucesso mirabolante e assentar em racionalidade, sem arrefecer o entusiasmo dos adeptos nem atrapalhar a recuperação paulatina das vendas de lugares e merchandising.
Era um belo desafio, portanto, que obrigava a uma concertação entre os responsáveis do futebol e os da comunicação para que todos os planos não escorressem pelo cano aos primeiros deslizes, a maior parte das vezes de modo comprometedor e prejudicial – como ainda ontem aconteceu com um dos principais patrocinadores, compelido a anular uma operação por causa do “mau momento”.
As dificuldades que o treinador tem evidenciado na discussão dos maus resultados, deslizando sem rede com argumentos mal estruturados e confundindo os alvos, realçam o descontrolo interno. E até o que parecia impensável está a acontecer: Domingos a afundar-se, vítima de impreparação num domínio em que, afinal, também era virgem, pois no Porto a comunicação nunca é livre, muito menos descontrolada, e nos clubes mais pequenos não existe pressão mediática, nem fadistas. Quando lhe falhou a retaguarda foi como se lhe abrisse debaixo dos pés o alçapão que recentemente engolira outros treinadores bem menos capacitados.
O pitoresco episódio do passadiço de Alvalade ilustra estes seis meses de bem-me-quer, malmequer, em que o Sporting insiste em viver, como se a estratégia comunicacional fosse desenhada por crianças: assim como a euforia acéfala das claques rouba a lucidez nos ciclos triunfais, também a contemplação depressiva de um campo de flores motiva pouco ao recobro de uma fase de derrotas. Devia ser ao contrário: para sair do túnel, garra, inteligência e personalidade."


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