O poder corrompe

"Em Outubro último, Julio Grondona foi eleito pela nona vez consecutiva presidente da federação argentina. Significa isto que Don Julio como é conhecido em Buenos Aires, está no cadeirão da AFA há 32 anos e, se vier a cumprir integralmente o novo mandato, acabará por lá permanecer 36! Pelo menos. Com 80 anos, tem passado os últimos meses na Suíça para se tratar de um tumor a que foi operado e para se dedicar à FIFA, de que também é vice-presidente há muitos anos. Uma hegemonia assim tão prolongada, no futebol não tem precedentes. O diário El Gráfico escreveu na altura que os 25 anos de Alex Fergunson no banco do Manchester United parecem uma anedota em confronto com a longevidade de Grondona. Esqueceu-se, porém, de referir que nós, portugueses, nesta matéria não estamos distantes de poder pedir meças aos argentinos. Então, não é verdade que temos Pinto da Costa bem perto dos 30?

Fenómenos destes são mais frequentes na política. Os 50 anos de Fidel Castro em Cuba, os 35 de Stroessner no Paraguai e os 32 de José Eduardo dos Santos em Angola são alguns dos muitos exemplos que existiram por esse mundo fora. Nós cá, mais uma vez, não fugimos à regra: Mesquita Machado na Câmara de Braga há 35 anos é um bom paradigma. O que leva toda esta gente a ficar agarrada ao poder por tanto tempo? A resposta vem na imprensa mundial independente: a corrupção, o tráfico de influências, as falcatruas. No caso de Grondona (que dirige as finanças da FIFA e manipula milhares de milhões!), atolado até ao pescoço (com o compadre Blatter) em escândalos, acrescem razões políticas. A presidente Kirchner, para retirar os direitos televisivos ao império mediático do Clarin, hostil à sua governação, e assim fragilizá-lo, precisa de Don Julio."


Manuel Martins de Sá, in A Bola

Fitas e Fintas

"O António Simões fez anos. Não é que é quase septuagenário? Convidou-me para o jantar de aniversário, regressado há dias do Irão, onde tem coadjuvado Carlos Queiroz. A cerimónia foi muito íntima e não menos tocante. O António gosta de sentir verdade, gosta de sentir certeza nos seus amigos. A meio do repasto, liguei à minha mãe, que já dobrou a barreira dos oitenta. “Nos anos do Simões? Aquele pequenino das fintas que jogava com o Eusébio?”. Esse mesmo.

Simões foi um futebolista genial. Na esteira de Rogério, Bentes, Albano, deliciou o mundo da bola nas décadas de 60 e 70. Um dia, comparei-o a algumas figuras da Banda Desenhada. Foi assim: “Ele era o Rato Mickey, na sua principal alcunha, expressão de agilidade em corpo minguado. Ele poderia ser o Speedy Gonzalez, conceito de rapidez, de velocidade. Ele poderia ser também o Astérix, noção de combatente, de indomável. Ele poderia ser ainda o Lucky Luck, ideal de oportunidade, de precisão. E porque parecia driblar mais rápido do que a própria sombra, ele só poderia ser o nosso Simões. Que ao poema chamava finta”.

Ele tinha a graça dos mais gráceis. Ele tinha a subtileza dos mais subtis. Ele tinha o engenho dos mais engenhosos. Ele tinha tudo o que os outros não tinham. Depois dele, também tiveram o Chalana, o Futre, o Figo, agora o Ronaldo. Gente de fintas como fitas? Ou será que gente de fitas como fintas? Sempre gente das mais belas fitas com as mais belas fintas.

O futebol português tem parido alguns dos melhores filhos da melhor bola. O Simões ainda hoje é o mais jovem campeão europeu de toda a história. Dizer Simões, dizer também Chalana, Futre, Figo ou Ronaldo é dizer acato, é dizer mercê, é dizer honra. Mais ainda, é dizer presente a um passado com sabor a futuro."