segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A morte do Dr. Sócrates

"O Benfica foi ao Funchal tropeçar e deixar pelo caminho o sonho da Taça, interrompido um promissor ciclo de invencibilidade. Foi pena, muita pena. Agora falta o resto, e felizmente ainda é muito, a perfilar-se no horizonte como esperança e desafio.

Mas é de Sócrates que hoje vou falar. Não do da política, nem do filósofo da Grécia antiga que escolheu a cicuta para não ter de renunciar aos seus princípios e valores. Este Sócrates era brasileiro, tinha 57 anos e morreu num hospital depois de três internamentos, com uma infecção generalizada, após anos de excessos no consumo de álcool. Recordo-me dele como se fosse hoje, elegante, inteligente, tecnicamente irrepreensível, a deixar a marca da sua presença e do seu estilo na selecção brasileira, nos mundiais de 1982 e 1986.

Ainda por cima, tirando os médicos das selecções, ele era o único a ter esse título académico, coisa raríssima entre jogadores de Futebol de qualquer época, mas sobretudo nessa em que o grau de profissionalização já não permitia acumular uma carreira nos estádios com um percurso académico com êxito. Ele era uma excepção admirável. Ainda por cima, tinha esse nome que rapidamente fica na memória por ser raro e por ter forte carga histórica e filosófica.

Vi-o numa fotografia recente, alquebrado, envelhecido, claramente enfermo. O excesso a que se rendeu, apesar de, sendo médico, saber que caminhava para o abismo, acabou por matá-lo quando já nada tinha para dar ao mundo do Futebol, embora fizesse e continue a fazer parte, por direito pleno, do panteão dos seus heróis e mitos.

A sua morte faz-nos pensar no modo como, terminadas carreiras gloriosas, os grandes craques lidam com o vazio, com o esquecimento e com a nostalgia. Alguns fazem grandes carreiras como treinadores ou dirigentes, mas outros morrem assim ou suicidam-se, porque não é fácil passar da luz ofuscante para a sombra que tudo obscurece e esconde. Paz à sua alma, onde quer que esteja, com a glória do que um dia foi."


José Jorge Letria, in O Benfica

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