sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Futebol de rua

"Noite de sexta-feira, Estádio da Luz, durante a partida Benfica-Rio Ave, minuto 36. Nolito recebe a bola, caminha para a área – passa a bola, penso eu. Ultrapassa o primeiro adversário, caminha para a linha de fundo – passa a bola, penso eu. Enfia-se literalmente na linha de fundo, passa o segundo adversário, fica sem ângulo para marcar, aparentemente perde a noção do tempo e do espaço. Dali é impossível marcar, a física e a geometria provam-no – passa a bola, grito eu da bancada. Golo. Todo Estádio festeja o golo e a decisão do Nolito de não ter passado a bola. Nolito enfiara-se numa cabine telefónica, fintou dois defesas, iludiu o guarda-redes, e saiu pela porta.

Festejava-se o futebol irreverente, o futebol de rua, o futebol em que o puto malandro se entretém a provar que isso dos impossíveis é preocupação de adultos cinzentos com medo da ousadia. O Nolito é essencialmente isto: o miúdo feito homem que se diverte no mundo profissional com a mesma ‘reguilice’ com que um puto enfrenta a baliza demarcada por duas mochilas da escola. Para trás ficam os aborrecimentos de quem pensa o futebol parametrizado em “basculações”, “transições ofensivas e defensivas” e “movimentos de rotura”. Ali, em Nolito, o futebol é um espaço que existe em função da localização da baliza. O tempo mede-se em adversários que têm de ser ultrapassados até chegar à baliza. O modo vive-se pelo gozo do momento. O resto são meros aborrecimentos de gente grande que se esqueceu de que a génese do futebol é a rua.

Feito o golo e festejado o momento, levanta-se a questão: como conciliar a irreverência do futebol de rua com as obrigações do futebol profissional? Haverá lugar para ‘Garrinchas’ no futebol actual? Verdadeiramente preocupante é tentar perceber que futebol é este em que se questiona se há nele lugar para os que acreditam que se podem marcar golos impossíveis."


Pedro F. Ferreira, in O Benfica

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