quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O último ato

"As eleições da Federação Portuguesa de Futebol terão ficado resolvidas com a confirmação da candidatura do sistema, embrulhada no apoio dos pequeninos e servida no tabuleiro das soluções providenciais. Em menos de três anos, um ex-administrador de uma SAD condenada por corrupção desportiva ascende ao cargo mais alto, passando por uma reciclagem pela estrutura intermédia da Liga, enquanto radicava nesta o exercício dos poderes reais, agora remetidos de novo para a casa-mãe. É obra!

Num país onde os valores morais, a palavra e os atos dos detentores do poder há muito deixaram de servir de referência, este trajeto não surpreende. Os fins justificam os meios e uns bons 30 por cento dos adeptos do futebol exultam com os processos dos seus líderes, preferindo não os questionar, em nome das glórias e festarolas dos finais de época.

Quando acordamos chocados com o último (conhecido) exemplo de esbulho público bem escorado no escrutínio de um povo feliz com idêntica liderança musculada, a constatação deste plano brilhante de recuperação dos cordelinhos do poder futebolístico, trabalhada com a paciência e o pormenor de uma filigrana, merece uma chapelada. Para uns e outros, o Poder a quem o trabalha, salvaguardando alguma pequena diferença: enquanto João Jardim pode ser acusado de “ocultação dolosa”, na família futebolística é tudo feito às claras.

Esta extraordinária fábula do polvo e da bola, que o ressabiado ex-selecionador Queiroz teima em cozinhar ao lagareiro, caminha agora para o grande final, que consistirá na rendição formal dos céticos e contestatários, esvaziados que foram pelos subterfúgios legalistas todos os meios de prova que circularam pelas instâncias mais insuspeitas da verdade e da justiça.

A purificação da face negra do futebol nacional está assim praticamente sublimada, atingindo o clímax numa inesquecível tomada de entronização em que eventualmente poderemos ver, entre outros paladinos, o presidente do Benfica ajoelhar e beijar o anel ao novo “caudillo”, para gáudio da eminência parda de todo este processo que talvez nem se dê ao trabalho de descer ao terreiro.

O futebol é um mundo de dependências de que ninguém pode declarar-se “marginal”, sob pena de um dia vir a necessitar de ajuda e só encontrar desprezo e révanche. Esta lição foi-nos dada, mais uma vez, pelos clubes pequenos, liderados por alguns decanos de enorme experiência, testas-de-ferro deste movimento, em troca das migalhas da mesa soberana que estão habituados a rentabilizar, à escala.

Na hora de escolher um líder, eles usaram de objetividade cirúrgica, eliminando os candidatos espontâneos e também algum D. Quixote que por aí andasse a pensar pegar em armas, montando o cenário para um último ato de comédia, digno da suprema “habitual ironia”, se as previsíveis consequências para o futebol português não fossem as do prolongamento “ad aeternum” de uma tragédia que já dura há tempo de mais."



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