domingo, 4 de setembro de 2011

O novo-rico

"Vivemos tempos complicados para a DESEJADA ramificação dos valores de cidadania, da humanidade e da vivência em sociedade.

Com a massificação dos direitos à educação, à cultura, à saúde, ao trabalho e ao salário, o Homem foi mandando às urtigas certos princípios como a solidariedade, o bem-estar comum, a consciência de grupo e até mesmo de família.

É verdade. A facilidade com que o dinheiro foi entrando nas nossas vidas, às vezes de forma tão absolutamente lotérica ou ilícita -, ora em função das benesses de carácter social criadas pelos estados ditos desenvolvidos, pelo aproveitamento das brancas da lei geral e dos compadrios governamentais -, alterou a postura do homem no planeta e na vida.

Fenómenos como as riquezas súbitas, bem ou mal explicadas, provocaram uma espécie de mutação, digamos, genética, que atirou para as ruas gente de bolso farto e cabeça curta. Era pois inevitável que o mundo passasse a ter que contar com esse espírito novo-rico que tudo arrasta à sua passagem, na ilusão de que o poder material é inesgotável e justifica a agressão. Assim se compreende o significado da inflação. A inflação resulta precisamente desse novo-riquismo que consome e exige, não tanto o melhor, o que até seria compreensível, mas apenas o mais caro, o mais estrondoso nos números e nas fotografias.

O novo-rico está agora em todo lado, aqui e ali com comportamentos de pato-bravo, e não se queixa da alta dos impostos ou da qualidade de vida dos que o rodeiam. O novo-rico, no seu grau mais elevado, conseguiu atingir estado do offshore, do vidro escuro no jipe, da mesa reservada no restaurante, do beija-mão do político carente de votos, e, como não é burro, foi fazendo uma selecção de coisas que lhe dão prazer (e fortuna) e afastou as outras que são uma chatice e por vezes cheiram a suor. O novo-rico está, de facto, hoje em quase todo o lado, até na Selecção Nacional."


Paulo Montes, in A Bola

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