sábado, 24 de setembro de 2011

Ben-u-ron

"Há já vários anos que assentei a minha vida em Vila Nova de Gaia, e tenho acompanhado de perto os sucessos do Futebol Clube do Porto, e o quanto eles mobilizam os seus simpatizantes, a ponto de alguns esquecerem a noção do que é empatar ou sair derrotado de um jogo. Imaginem, portanto, a semana que passou após a igualdade com o Feirense. Incompreensível a falta de paciência para o desacerto, quiçá falta de talento, para repetir outra época com idêntico sucesso como a do ano transato. Mesmo confessando uma inusitada desconfiança, os adeptos azuis e brancos acorreram em massa a garantir o bilhete, ou a cravar os amigos mais influentes para conseguirem o tão desejado ingresso. Em contraciclo, os adeptos encarnados levantaram a crista. Estão de peito feito, ainda que o recalcamento pela goleada da época passada não lhes largue a memória. Sente-se um fervor social. Nem mesmo o facto de o campeonato só ter visto cinco jornadas disputadas retirou ao clássico o entusiasmo dos confrontos de tudo ou nada. Até os insensíveis deste fenómeno de massas estão a apurar os conhecimentos, e intrometem-se nas picardias dos fiéis de ambos os clubes.

Em conversa com um adepto VIP de um dos clubes envolvidos, discutíamos as recentes incidências do jogo. Acabámos refletindo sobre a importância terapêutica destes momentos. Com tamanhas privações a que estamos sujeitos, imaginando as que aí vêm, e nem sequer supondo o que possa advir, a descarga emocional proporcionada, e a transferência, apesar de momentânea, das preocupações para um mero jogo de futebol contribui para um equilíbrio dos estados de alma de milhões de portugueses. Dir-me-ão que este ópio nos remete para uma letargia, que acentua, após os 90 minutos, a dor a uns, e que serve de antipirético a outros. Somente alivia a dor e não cura a causa da mesma.

Por muito que custe admitir, a paixão que comove milhares de adeptos de todas as cores, jogo após jogo, ano após ano, procede a uma terapia gratuita à população, que qualquer dirigente político respeita e anseia. Mesmo que alguns vândalos persistam em comportar-se como animais, deslocados em rebanho, por não terem a mínima noção do ridículo e de urbanidade. São marionetes ao sabor de extremismos bacocos e provincianos. Felizmente ainda não chegamos às dastricíssimas medidas da federação turca de futebol, que para erradicar a violência dos estádios proibiu os homens de assistir aos jogos das equipas que tenham sido punidas devido a atos violentos dos adeptos. De acordo com o novo regulamento, apenas as mulheres e as crianças com idade inferior a 12 anos serão autorizadas a assistir, gratuitamente, aos encontros dos clubes prevaricadores.

Que o futebol permaneça um escape, com um filtro de partículas de bom senso, para manifestarmos o nosso descontentamento em local certo, longe dos estádios, dando ao mundo um exemplo civilizacional que nos distinga no mundo."


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