segunda-feira, 11 de julho de 2011

Corruptos de todo o País: Uni-vos!

"Com o regresso do cão d'água alaranjado às velhas charnecas britânicas onde ele teima terem nascido as matilhas que o antecederam, vê-se por aí muita animação de gente que parece não fazer a mínima noção das suas verdadeiras faculdades. Dificilmente o seu mérito terá sido tão pequeno nas caçadas que o ano passado levou a cabo pelas coutadas aqui vizinhas, limitando-se a correr esbaforido para apanhar os pombos, as rolas e as perdizes que os caçadores de preto iam abatendo para seu deleite. Ladrando sempre muito, para se fazer ouvir, o apatetado canídeo correu para aqui e para ali numa fona de arrebanhar tudo o que pudesse. Não lhe reconheço maior capacidade do que ter um faro activo. De resto, os cães d'água nunca foram famosos pela inteligência.

Sem dúvidas quanto ao que aqui relato, o dono do cão, ao vê-lo fugir, encolheu os ombros. Desde que não lhe fujam os caçadores que, de joelhos e de cócoras, vão dando tiros certeiros na bicharada que é preciso apanhar. Estão aí, às ordens do dono, submissos e voluntariosos, disponíveis e fáceis como estão há mais de 30 anos.

Atacado por uma demência alucinada que o transforma numa das figuras mais grotescas de Portugal no último quartel do Século XX e do início deste amaldiçoado Século XXI, o dono do cão acorda de quando em vez no auge de excitações. Talvez depois de ter visto perfilada na sua frente uma fileira de corruptos assaltantes de estrada de clavina ao ombro e olhos postos no esvoaçar da passarada, pensou para com os seus botões:

'Sou sério? Não. Sou honesto? Não. Sou corrupto e corruptor? Sou. É necessário muitos outros como eu!' E gritou: 'Corruptos de todo o país: uni-vos!'

O seu cérebro caliginoso repleto de fungos agitou-se: 'É preciso um partido! Um partido de gente como eu. Tomaremos conta da Câmara Corporativa e já posso ir lá comer à borla todos os dias, em vez de só uma vez por ano'."


Afonso de Melo, in O Benfica

1 comentário:

  1. Amén, vem precisam.

    Anda tudo à rasca, olhai o querido Vale e Azevedo, obrigado a aguentar com aquele tenebroso nevoeiro.

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