quinta-feira, 28 de abril de 2011

O coração das trevas

"Quando as luzes se apagaram uma sensação de alívio tomou conta daquelas insalubres almas penadas às quais o sol faz mal como a qualquer vampiro chupa-sangue barato de novela pobre. Afinal, é a cobro da noite de vielas esconsas que se habituaram a agredir jornalistas incómodos com a cobardia própria de quem tem vergonha da cara com que nasceu.

É na escuridão de bairros suburbanos que conduzem árbitros corruptos para encontros secretos nos quais conbinam resultados falseados.

É na sombra húmida dos calores da noite que se apaixonam por prostitutas, as levam ao altar e as apresentam ao Papa como sobrinhas devotadas aos prazeres sórdidos dos tios decrépitos.

Ah! As trevas são o seu mundo. Apaguem-lhes as luzes; apaguem-lhes as luzes todas; apaguem até a luz do dia!

Quando as luzes se apagaram saltaram uns sobre os outros como animais esfaimados. Veio-lhes, de repente, uma fome de destruição e uma vontade ensandecida do caos que nasce da tibieza de quem se sabe protegido pelo manto negro do anonimato.

É assim que partem ao assalto de gente inofensiva, se enrouquecem em insultos torpes a famílias incautas, agridem crianças sem rebuço, apedrejam qualquer alvo que se mova na fuga a esta turba enlouquecida.

Mas que bichos são estes que assim se comportam?

Quem são esses peralvilhos que se orgulham do que roubam, do que esbulham?

Quem é esta caterva de solípedes que se retouça no própria excremento?

Quem são estas alimárias que se descobrem, por incompetência dos polícias e conluio dos tribunais, acima das leis da República e à margem das regras lhanas das relações humanas?

Gente não é.

Gente não se comporta assim. Por isso, apaguem-lhes as luzes! Apaguem-lhes todas as luzes! Afinal, é no conforto macabro das trevas que os vermes se multiplicam. E os fungos."


Afonso de Melo, in O Benfica

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