sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Sonhei

"HÁ dias, tive um sonho. Numa peregrinação onírica aos programas televisivos sobre futebol, usufruí um Tempo Extra que me permitiu um Prolongamento com Mais Futebol para o Dia Seguinte, dei um Pontapé de Saída no Jogo Jogado, entrei na Zona Mista e, para meu espanto, deparei com o Trio d’Ataque. Nessa altura - eu que até sou hipertenso - passei por Pressão Alta. Extenuado acordei de supetão.
Então lembrei-me do que alguém disse um dia: «A inflação acontece quando a mão fica maior que o bolso.» A proliferação de tantos programas comporta o perigo de a forma se superiorizar ao conteúdo. De tanto excesso, desvaloriza-se o valor.
Claro que há bons jornalistas e bons comentadores. E programas para todos os gostos e desgostos: uns sobre futebol, outros nem por isso. Uns antes, outros depois. Uns sobre o jogo, outros sobre tudo menos o jogo. Uns quase científicos, outros humorísticos. Uns divertidos, outros convertidos. Uns clubisticamente anódinos, outros insuportavelmente tendenciosos. Uns de régua e esquadro, outros de opereta bufa. Uns orientados pela razão, outros conduzidos pela emoção.
Mas o que menos suporto, em alguns deles, é a discussão compulsivamente enviesada à volta da repetição dez ou quinze vezes de um tal lance, falta ou golo. Passam-se horas a fio a falar do desamparado árbitro que errou ou acertou, depois de vistos e revistos em slow motion e imagem parada e ampliada, como se a realidade assim fosse. No fim, sobre o jogo - o tal que é jogado - nem uma palavra.
Nestas alturas, suspiro pela próxima Liga dos Últimos que me diverte e me ensina. É que, afinal, o futebol é genuinamente popular e assim deve continuar. No fundo, o regresso às (boas) origens: «O futebol: esse reino de lealdade humana exercida ao ar livre», como, nesse tempo, bem definiu Antonio Gramsci."
Bagão Félix, in A Bola

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