Hábito de ganhar


"1. O Benfica vai-se habituando a ganhar. É o que parece. Foi suadíssima a vitória tangencial sobre o Famalicão na noite de segunda-feira, na Luz. Mas a sua justiça não tem discussão. O Benfica criou oportunidades, mas só marcou através de uma grande penalidade e sofreu nos minutos finais do encontro frente a um Famalicão que acreditou num desfecho diferente. Mas não passou disso, uma crença que não se concretizou.

2. Foi a 4.ª vitória consecutiva do Benfica em 3 competições. Vitória sobre o Nápoles para a Liga dos Campeões. Vitória em Faro para a Taça de Portugal. E vitórias sobre o Moreirense e sobre o Famalicão para o Campeonato Nacional. Com 9 golos marcados e 0 golos sofridos.

3. É certo que neste período o Benfica jogou e ganhou ao campeão de Itália, mas o adversário que manteve a dúvida sobre o resultado até ao fim foi, honra lhe seja feita, o Famalicão.

4. Se fala, é porque fala; se não fala, é porque não fala. Decidam-se. Não há regulamento que obrigue o treinador do Benfica – ou de qualquer outro clube – a fazer conferências de imprensa nas vésperas de jogos a contar para o campeonato principal. O treinador do Benfica decidiu – sim, decidiu ele, até porque não é imaginável que alguém tenha decidido por José Mourinho –, decidiu, dizíamos, não se prestar a esse serviço banalizando-o à força de repetições. E fez bem.

5. Mas é compreensível o desgosto da comunicação social ao ver-se privada de Mourinho. Sem ele, falarão de quê? Sem palavras do treinador do Benfica, como o poderão acusar de estar a elaborar em mind games malévolos para diminuir os adversários ou para atacar a arbitragem? Nesta última jornada em que o Benfica recebeu o Famalicão, Mourinho não compareceu na sala de imprensa. Já o tinha feito – ou não feito – nas vésperas dos jogos com o Casa Pia, com o Nacional e com o Moreirense, e daí não veio mal ao mundo.

6. Houve dérbi de equipas B, e o Benfica venceu por 1-0 o Sporting. Muito público no Seixal, e valeu a deslocação. O resultado podia ter sido mais dilatado, mas se a equipa foi perdulária contra 11, mais perdulária foi contra 10, e ainda mais perdulária foi contra 9. Ficou a intenção.

7. Foi bom e bonito de se ver. Não só foi bom e bonito como foi um arraso e que arraso. A conquista da 16.ª Supertaça do basquetebol do Benfica, no Pavilhão Dr. Mário Mexia, em Coimbra, resultou de um verdadeiro festival que o resultado ilustra na perfeição. Benfica 91-65 FC Porto. O adversário ofereceu pouco mais do que uma nula resistência ao longo de todo o jogo, e esta foi a 9.ª Supertaça do Benfica nas últimas 16 edições da prova."

Leonor Pinhão, in O Benfica

As intrigas de Trigo


"No início do concerto, o maestro Silva caiu sobre o pódio, sem pulso. O homicida disparou um dardo envenenado de uma pequena zarabatana. Os suspeitos eram o trompetista profissional Carlos Camacho, que esteve no palco minutos antes do homicídio, e Raul Bártolo, que também esteve no palco na mesma altura, porque tinha amigos no Coliseu. Quem matou o maestro?… Ninguém, pois o relato é o sonho ficcional de Alexandre de Sousa, jornalista e personagem principal no cânone de Mistério Ilustrado.
O Mistério Ilustrado foi uma secção policial na revista O Benfica Ilustrado, orientada por Álvaro Trigo. Consistia na publicação de crimes fictícios ligados ao mundo desportivo, acompanhados por fotografias encenadas, produzidas pela equipa responsável por esta secção. Os fãs disponham de 30 dias, desde a publicação do texto, para enviarem uma carta indicando quem cometeu o crime e como.
A secção começava com Alexandre de Sousa a recontar um caso em que participou ou de que ouviu falar. Apresentava o crime, as testemunhas e, por fim, o interrogatório aos criminosos. Os mistérios eram variados, como o homicídio de um promissor jogador de futebol que ia assinar com o Benfica, o rapto de José Águas com Otto Glória como testemunha, ou o roubo da carteira de José Lisboa. As fotografias e as histórias por vezes contavam com a participação de atletas de várias modalidades, como o José Lisboa, no caso do mistério apontado acima, ou o Alberto Ló.
Durante o período de publicação do Mistério Ilustrado, foram realizados seis campeonatos: o primeiro torneio, o segundo torneio, o terceiro torneio, a Taça de 1960, o Circuito da Europa (consistindo nas aventuras de Sousa em diversas capitais europeias) e a Taça de 1963. Os concorrentes foram agrupados dois a dois, e desse par quem passava para a próxima fase era o que tinha a resposta “mais certa” e mais bem fundamentada. O processo repetia-se até sobrarem dois concorrentes. O vencedor ganhava uma taça, o finalista recebia dois livros de mistério, os dois semifinalistas e os cinco primeiros solucionistas obtinham um livro.
O último Mistério Ilustrado, que não foi solucionado, foi publicado na edição n.º 91 de O Benfica Ilustrado. O quadro O Desporto na Antiguidade (fictício) foi roubado de um proeminente museu de arte localizado em Berlim Ocidental. O ladrão passou-o ao jovem Charles Dupond, artista ambulante, que o transportou para Paris. Dupond levou um tiro, disparado de um Renault-Dauphine vermelho, perto do rio Sena. Os suspeitos eram Marie Claude Parizet, que afirmou que o quadro ainda estava em Berlim, pois ninguém ia ter coragem de passar pela fronteira, e Hans Kleinfeldt, que discordou de Parizet, porque ninguém “se lembraria de abrir a parte da frente de um automóvel só para ver se lá iria uma tela volumosa”. Quem roubou o quadro e matou Charles Dupond?
Se quer mergulhar mais a fundo no mundo literário benfiquista, convidamo-lo a explorar a área 16 – Outros Voos, no Museu Benfica – Cosme Damião."

2025


"O balanço do ano é de algum modo ambivalente. Se, por um lado, o Benfica não conquistou o Campeonato – e esse será sempre o principal barómetro do Clube –, por outro, além de ter festejado duas competições futebolísticas (Taça da Liga em Janeiro e Supertaça em Julho), teve ainda participações prestigiantes a nível internacional, quer na Champions League da época passada (onde foi a melhor equipa portuguesa), quer no apuramento para esta edição (veremos o desfecho), quer no primeiro Mundial de Clubes da FIFA (voltando a ter o melhor desempenho luso).
Devíamos poder juntar aqui a Taça de Portugal. Infelizmente, a prova não foi decidida no relvado do Jamor, mas, sim, ali ao lado, onde, refastelado numa boa cadeira, e com vários ecrãs de televisão diante do nariz, o VAR não quis ver uma bárbara agressão a um atleta do Benfica – lance que foi determinante no desfecho da final.
O próprio Campeonato foi perdido, numa interpretação mais natalícia, por um remate de Pavlidis ao poste. Se formos menos magnânimos, teremos também de recordar alguns jogos em que a nossa equipa foi bastante penalizada por erros de arbitragem, e, pelo contrário, alguns outros em que os rivais foram beneficiados. Situação que, de resto, se estendeu à nova temporada.
No futebol de formação, o ano foi histórico, com o triunfo inédito em todos escalões – juniores, juvenis e iniciados. No futebol feminino, 2025 também foi glorioso, com a conquista do penta.
Quanto às modalidades, nas cinco principais o Benfica alcançou 2 títulos nos masculinos (basquetebol e futsal), e 4 nos femininos (hóquei em patins, basquetebol, andebol e voleibol). Ou seja, 6 em 10 possíveis. Ninguém ganhou mais do que nós.
Que 2026 não traga pisões na cabeça, nem rasteiras com o ombro. Será um bom princípio para podermos ser mais ganhadores."

Luís Fialho, in O Benfica

Consoar é consolar


"É verdade, a palavra consoada deriva diretamente do verbo latino consolar, e isso explica muita coisa. Nesta refeição ritual católica existe uma intenção para lá da comida. Uma intenção de satisfação plena, de consolação de todos, conducente à paz e à harmonia que se querem neste dia.
Ora, se pensarmos bem, é exatamente disso que se trata todo o espírito natalício em que estão implícitas a empatia e a partilha com os outros tendo por único objetivo proporcionar-lhe uma dádiva de conforto e bem-estar em nome de um ideal de paz social e de remissão espiritual.
É assim que, quando cada um de nós compra um presente, faz uma boa ação. Ou, quando simplesmente convida alguém mais isolado e arredado pela solidão, está na realidade a cumprir, ao menos por um dia, uma utopia que ao longo de todo ano a nossa sociedade simplesmente não é capaz de materializar.
Sociedades houve, e há (cada vez menos), em que toda a cultura material e imaterial se orienta para esse ideal. Essas sociedades praticamente em estádio neolítico, praticando uma economia de caça e recoleção, despojadas de tudo e possuindo apenas os bens necessários ao seu bem-estar e sobrevivência, foram comparadas pelos filósofos iluministas com o paraíso e deram lugar a correntes de pensamento igualitário e de justiça social desenvolvidas a partir do chamado ‘mito do bom selvagem’. Derivam daqui muitas das ideias e das políticas sociais que conhecemos.
Mas tratava-se duma ilusão: não é assim o mundo, esta forma de viver está praticamente extinta, e aos nossos olhos surge como uma enorme pobreza e desolação. Talvez por isso hoje temos tudo e falta-nos sempre alguma coisa, somos ricos e sentimos que somos pobres. Perdemos claramente em comparação com os que, parecendo-nos pobres, vivem na abundância apenas porque têm tudo o que lhes faz falta e com isso se satisfazem.
Nós já não, mas não perdemos nem o sentido da humanidade nem o dom da utopia, por isso, ao menos um dia no ano, viramos o mundo ao contrário e damos em vez de tirar!"

Jorge Miranda, in O Benfica