"Mourinho fez mudanças no onze, Silas também, e as águias impuseram-se (2-0) ao Farense, chegando aos quartos de final da Taça. Os dois reforços marcaram num jogo sem muita história
Há encontros relativamente fáceis de explicar, em que os quês e os porquês não se acham através de grandes teorias ou metáforas. Jogos em que as coisas acontecem porque a vida é assim, os dias têm 24 horas, existe a lei da gravidade, os seres humanos necessitam de oxigénio para sobreviver, etc e tal.
O Benfica, terceiro da I Liga, é muito melhor que o Farense, nono da II Liga. Vários suplentes do Benfica são muito melhores do que vários suplentes do Farense. Numa noite calma e serena no São Luís, as teias da bola não quiseram cozer um traje excessivamente complexo.
Farense 0-2 Benfica. Um golo em cada parte. Algumas situações para os visitantes vencerem por números mais expressivos, mas não muitas, só um bocadinho, nada que alterasse a rotina. Nenhuma oportunidade de golo para os da casa, só a suavidade da burocracia. Mas uma burocracia não asfixiante, meramente um documento simples de preencher.
A equipa de José Mourinho deu continuidade ao bom momento. São seis vitórias e um empate nos últimos sete compromissos, série em que os encarnados sofreram somente dois golos.
Se o Benfica vai estando em crescendo, Ríos personifica essa subida de rendimento. Mais confiante, mais livre, com mais chegada perto da baliza contrária. Não marcou qualquer golo nos primeiros 20 jogos pelo Benfica, vai em três nos derradeiros cinco. Logo aos 11', na sequência de livre lateral de Sudakov, o colombiano atirou para o primeiro. O confronto dos oitavos de final começava a ter ali um desfecho, quase um desfecho pré-anunciado, como sabermos que não vamos saltar da cama mal o primeiro despertador que definimos toque.
Após o 1-0, a eliminatória entrou em ritmo morno, qual refeição cozinhada em lume muito, muito brando, mesmo muito. Era um reencontro entre Mourinho e Silas, antigo técnico e jogador na União de Leiria que projetou o setubalense, e a tranquilidade do jogo teria dado tempo para um e outro se sentarem em diálogo sobre aqueles tempos há mais de duas décadas.
O Farense apresentou-se sem oito dos seus 11 jogadores mais utilizados, com Claudio Falcão, Franco Romero, André Candeias, Poloni, Sangaré, Toni Herrero, Yannick Semedo e Brian Araujo de fora do onze. Um dos pouco utilizados que teve oportunidade, Fran Delgado, empenhou-se em manter o seu estatuto de reserva, com vários erros e más abordagens, entre elas uma falta completamente escusada quando Schjelderup estava de costas dentro da área. No entanto, Otamendi, tal como já sucedera na eliminatória anterior, não conseguiu marcar o penálti, havendo uma bela defesa de Jakob Tannander.
Se Mourinho teve na lesão de Barreiro a pior notícia saída de Moreira de Cónegos, novo problema físico foi o pior do primeiro tempo. Sudakov, após uma falta de Rafinha, teve de sair de campo. Aursnes, num raro dia em que foi poupado, lá saiu do banco ainda com muito desafio por disputar, qual condenado a estar em mais jogos do Benfica do que a águia do símbolo. Após o intervalo seria Samuel Soares, que já se queixara, a ceder o seu lugar a Trubin.
Perto do descanso, Tomás Araújo, lateral devido à inclusão de António Silva como parceiro de Otamendi, cruzou bem para Ivovic, que meteu a bola na baliza. No entanto, o croata estava adiantado, pelo que teria de esperar mais um pouco para o seu golo. Prestianni, em boa posição, não teve pontaria, tal como Ríos, de livre, já no recomeço.
Manu Silva, que não era titular desde 8 de fevereiro, quando se lesionou contra o Moreirense, atuou desde início até ao fim. Teve uma atuação correta, serena, como a noite. Schjelderup, que não era titular desde outubro e não saiu do banco contra Casa Pia, Ajax, Nápoles e Sporting, não fez por reclamar mais oportunidades.
Aos 56', Ivanovic deu para Dahl na esquerda. O sueco rematou e o croata, oportuno, encostou para o 2-0, quebrando um jejum goleador que, exceção feita a um penálti apontado contra o Tondela na Taça da Liga, durava desde setembro. Nem a velha frase feita — "o 2-0 é o resultado mais perigoso do futebol" — assomou em Faro, porque não houve qualquer aroma a perigo ou inesperado no jogo.
Até final, a eliminatória teve um interesse semelhante a ir para a varanda ver a chuva cair. Bom para pensar na vida, ideal para a reflexão, não propriamente um plano entusiasmante ou memorável.
Os jogadores do Farense, incapazes de criar perigo para Trubin, empenharam-se em colocar bolas fora do estádio. Três jogadores (Franco Romero, Gio e Bruno Almeida) chutaram bolas que passaram as bancadas e foram para o exterior do recinto. É o equivalente futebolístico a ver chover.
José Mourinho ainda estreou Daniel Banjaqui, de 17 anos, um dos recentes campeões do mundo. Mais um jovem lançado pelo treinador, que o colocou breves instantes. Veremos se, da coleção de meninos que tem tido direito a alguns minutos, sairá algum que seja verdadeira aposta, ou se tudo ficará por uma contabilidade de debutantes.
Em cima do final, Franco Romero ainda bateu Trubin, mas o golo foi anulado após revisão VAR, que descobriu falta sobre António Silva. E a noite acabou como quase sempre foi vivida, com naturalidade e sem surpresas."