sexta-feira, 15 de novembro de 2024
Futebol, uma armadilha redonda
"Do sonho de menino ao inferno em crescido, o futebol é tantas vezes um angustiante purgatório. É a bola que não entra, o tempo que voa, a lesão que rasga sonhos, tudo à distância de um acaso. O futebol é o jogo dos jogos porque a sorte e o azar não existem, mas estão sempre lá.
Crescemos a querer ser o próximo Eusébio, Chalana, João Vieira Pinto, Simão ou Jonas. Queríamos a bola nos pés, os aplausos nos ouvidos e a camisola vermelha esvoaçante na capa do jornal do dia seguinte. “Benfica na final com um golo de levantar o estádio.” “Pontapé na crise.” “Ainda há heróis na Luz.” Mentalmente, escrevemos as melhores capas de jornal e ficamos bem em todas. Somos o jogador que nasceu, cresceu e que não abandona o clube. Somos o deus com pés de barro e confiança de hélio.
Na realidade, nem todos cresceram com esse sonho. Eu, por exemplo, cedo percebi que as palavras são mais redondas do que a bola e preferi dar toques nas letras. Outros, aprenderam a afinar a garganta e fazem do apoio um espetáculo sem igual. Também temos os que relatam à peladinha do bairro como uma final da Taça dos Campeões Europeus. E temos ainda os que são mesmo fortes a roer as unhas. O futebol é assim, é feito de todos os tipos. E ninguém fica no banco.
Ainda acredito que a bola é Democracia, mesmo que o mundo corinthiano já tenha estado mais perto. Eu, eterno pessimista, ainda acho que é possível um mundo melhor. E é possível a começar na bancada e no relvado. Aprendi muito com os convidados d’O Brinco, com as conversas na curva, com os desabafos na roulotte. Aprendi, porque ouvi. Essa é a grande lição que o futebol tem para dar ao mundo. Ouçam mais. Mesmo que o barulho à tua volta seja ensurdecedor, ouve o colega ao teu lado. Escuta, recebe a bola, vira, temporiza, passa ao próximo. Querem melhor lição de Democracia?
A ideia deste texto era apenas celebrar o poder transformador do sonho das crianças. De como todos partem de lugares diferentes e tão poucos chegam lá. Mesmo sabendo que o sítio onde queremos chegar seja diferente — eu nunca quis marcar o golo da final, mas adoro descrever o bruááá dos mil adeptos que se encavalitam no momento em que a bola se deita com a rede. Futebol sempre foi este mundo de sonho. E sorrio.
Contudo, o mundo também cresce no poder do “mas”. Talvez seja a adversativa mais famosa — e tem razões para isso. “Mas” abre caminho ao outro lado, traz confronto de ideias ou conceitos, embrulha-nos de dúvidas ou fecha-nos nas certezas. Mas. E se o maior destes “mas” for o que está para lá do sonho?
O sonho de um menino da favela não é ouvir um Carreira qualquer, mas ser o tema do grupo de pagode. O objetivo é ser o maior lá da Vila. No mais recente texto do Players Tribune, Adriano, o Imperador, não exorciza os seus fantasmas, antes liberta os nossos. O relato é longo, duro e emotivo. É quase tão brutal como a sua frieza em frente dos guarda-redes. Adriano viveu lá no Olimpo das vedetas e dos heróis do nosso jogo e preferiu abdicar de tudo. Porque a paz existe e está guardada entre duas, três, quatro — ou demasiadas — cervejas, um dominó, um rolé. No fundo, a serenidade está em voltar ao sitio onde sempre ficou a nossa vida. Somos os nossos.
Vejo o tempo a acabar, tento não perder a bola, mas não consigo resolver este jogo no tempo regulamentar. O sonho de ser parte da história do nosso clube é motivação ou armadilha? “O futebol é o regresso semanal à infância” ou maior engodo dos crescidos? Afinal, o futebol é a nossa salvação ou uma pena perpétua?"
Vencer a Supertaça foi o pior que aconteceu ao FC Porto
"Reviravolta frente ao Sporting criou a ilusão de que tudo era risonho, até porque ainda não havia reforços. Não era. Há muito a fazer
O Benfica venceu o clássico da Luz com clara superioridade, com Bruno Lage num ápice a fazer os adeptos benfiquistas esquecerem-se da derrota e, principalmente, da exibição com o Bayern. A estratégia do treinador dos encarnados em Munique foi de risco, com a equipa a adotar um posicionamento muito defensivo, que, contudo, não evitou a derrota, a segunda (consecutiva) na Liga dos Campeões. Todavia, jogadores como Florentino, Di María ou Pavlidis foram poupados na Alemanha e depois acabaram por fazer a diferença frente ao FC Porto.
Uma diferença das águias para os dragões que não se via há muito. Mais: o Benfica não marcava quatro golos ao FC Porto para o campeonato há 60 anos! Só por aqui se vê que o clássico do último domingo foi atípico, o que de imediato teve consequências, com os azuis e brancos a terem muitas dificuldades em aceitar resultado tão pesado. Vítor Bruno assumiu logo a responsabilidade da derrota no final da partida e André Villas-Boas não perdeu tempo e no balneário da Luz pediu atitude aos jogadores e respeito pela história do FC Porto. O presidente sentiu-se envergonhado com a exibição e desde logo vincou que os níveis de exigência têm de estar sempre no topo. Um outro desempenho que os adeptos também exigem. De resto, cerca de duas centenas esperaram a equipa no regresso ao Olival e, claro, não foram nada meigos.
A exibição do FC Porto foi pobre mas não considero que tenha existido falta de atitude. Talvez tenha havido até atitude a… mais. O FC Porto mudou muito nos últimos meses. Novo presidente, novo treinador e também muitos jogadores novos. Basta ver a defesa que se apresentou de início na Luz: três reforços (Nehuén Pérez, Tiago Djaló e Francisco Moura) e um jovem promovido da equipa B (Martim Fernandes).
Muitas mudanças que teriam naturalmente reflexos na equipa, até porque há pouco mais de três meses de competição e Vítor Bruno, sublinhe-se, também dá os primeiros passos como treinador principal. São as chamadas dores de crescimento.
Entendo que o maior erro do FC Porto, na Luz e já em outros jogos de maior grau de dificuldade, seja de abordagem. Vítor Bruno quer que a equipa seja dominadora, mas esta nem sempre está preparada para isso. Arrisco até a dizer que a conquista da Supertaça Cândido de Oliveira tenha sido o pior que aconteceu a este FC Porto. Vencer o Sporting por 4-3 depois de estar a perder por 0-3 criou a ilusão de que tudo era risonho, até porque ainda não havia reforços. Não era. Há muito a fazer. Principalmente nos jogos grandes. Em Portugal ou na Europa."
Kylian Mbappé: golpe psicológico no momento mais difícil
"Kylian Mbappé, com apenas 25 anos, tem sido ao longo dos últimos anos reconhecido como um dos maiores talentos do futebol mundial na atualidade, um prodígio que desde cedo encantou o mundo com sua velocidade explosiva, habilidade técnica e frieza diante da baliza.
Desde que despontou no Mónaco e consolidou o seu lugar como estrela no Paris Saint-Germain, Mbappé conquistou, de forma merecida, destaque entre os adeptos do futebol mundial. A sua trajetória e o carisma elevaram-no ao estatuto de ídolo nacional em frança e tornou-o uma figura incontornável do desporto.
Contudo, os últimos tempos não têm sido fáceis para o jogador, casos com a justiça, fotografias polémicas, exibições menos conseguidas pelo Real Madrid, o seu novo clube, mas também a segunda vez consecutiva que Didier Deschamps o deixa de fora da convocatória. É exatamente sobre este último ponto e o seu impacto para atleta em termos de motivação e saúde mental que este artigo irá recair.
Mbappé sempre demonstrou todo o orgulho e dedicação na representação da seleção gaulesa, contudo, provavelmente, quando mais precisa de apoio e de se sentir de alguma forma acolhido e gostado, a não convocatória pode representar exatamente o contrário.
É verdade que o mundo pode ser injusto e o universo desportivo ainda mais, mas não seria inteligente e estratégico acolher Mbappé na seleção não só pelo que já deu à seleção, mas também por tudo o que ainda poderá dar ultrapassando esta fase difícil?
Para muitos atletas, a identidade está profundamente ligada ao sucesso e ao papel que desempenham no desporto. Segundo a teoria da autoestima de William James, o valor que uma pessoa atribui a si própria depende de uma proporção entre as suas realizações e aspirações. É verdade que o atleta pode não estar na sua melhor forma e claramente tem passado por problemas de adaptação ao clube merengue, mas excluí-lo da seleção nacional, especialmente para um jogador acostumado ao estrelato, cria um desajuste entre o eu ideal (ser líder e representar o país) e o eu real (ficar de fora), gerando frustração e pode levá-lo a questionar o próprio valor.
Este desalinhamento aumenta os níveis de ansiedade e a sensação de estar constantemente sob julgamento, o que pode ser devastador para a saúde emocional e o desempenho em campo.
Além disso, a exclusão em momentos de fragilidade pessoal agrava sentimentos de desamparo e abandono. O conceito de desamparo aprendido sugere que, quando alguém enfrenta adversidades sem apoio, tende a sentir-se impotente e a resignar-se.
E nesta situação será legitimo Mbappé (não estando com problemas físicos) sentir que foi abandonado pela seleção. Para um jogador, sentir que a seleção o deixa de lado num momento crítico leva-o a questionar o seu valor e a enfrentar um ciclo de baixa autoestima e desmotivação.
Este afastamento, ao retirar o apoio emocional de que precisa, pode impactar o equilíbrio e bem-estar do atleta conduzindo em casos extremos a situações de depressão, tornando mais difícil o seu regresso ao alto rendimento."