terça-feira, 16 de julho de 2024

"A Criança no Benfica"


"No ano internacional da criança, o Benfica realizou um festival dedicado aos mais novos

O ano de 1979 foi declarado pelas Nações Unidas como o Ano Internacional da Criança, para se assinalar o 20.º aniversário da Declaração dos Direitos da Criança. O Benfica uniu-se a esta causa, realizando o festival 'A Criança no Benfica', no fim de semana de 7 e 8 de julho, no Estádio da Luz. O artista Barata Moura foi o responsável pelo 'inspirado desenho' do símbolo desde evento, que teve como principal organizador o antigo jogador Francisco Calado, que assumiu nesse mês o cargo de presidente da Comissão Central.
A Cidade Desportiva transformou-se num autêntico parque de diversões, em que as crianças podiam praticar livremente várias modalidades - 'futebol, atletismo, andebol, basquetebol, luta, hóquei, tiro ao arco, natação, ténis, voleibol, xadrez, ténis de mesa, campismo e badminton', bem como natação, ciclismo e outros desportos - ou participar nas mais variadas actividades, desde andar de escorrega, aprender na prática as regras de trânsito ou até pintar, com a ajuda de Barata Moura, 'as paredes do nosso Pavilhão (sendo) um dos mais belos testemunhos desta memorável organização benfiquista'. Uma das principais atrações foi a construção de uma rampa de skate, um 'novo desporto oriundo da Califórnia' e que 'teve uma verdadeira explosão entre nós', com o primeiro Campeonato Nacional da modalidade disputado recentemente.
As diversões não terminavam por aqui, pois havia música, espectáculo de palhaços, lançamento de pombos, exibição de paraquedistas, 'tudo no intuito de contribuir com a sua parte para o Ano Internacional da Criança e não com o fim lucrativo, pois tudo o que irá surgir será gratuito e os 'stands' e firmas também não pagarão nada'. O festival desportivo, recreativo e cultural 'A Criança no Benfica' foi um êxito, tendo enchido a 'Luz de 'luz' porque luminoso é o sorriso da criança satisfeita'. As cair da noite, 'o cansaço começava a apossar-se das crianças que, aos poucos, iam regressando a casa, talvez já com vontade de se deitarem, mas, de certeza, bastante lhes foram proporcionados'.
Saiba mais sobre outros acontecimentos da história do Benfica na área 14 - Lisboa e Benfica, do Museu Benfica - Cosme Damião."

Lídia Jorge, in O Benfica

Onda vermelha


"Nesta semana, ficámos a saber que 17 mil pessoas estão em lista de espera para ter o seu lugar de época no Estádio do Sport Lisboa e Benfica. É um número semelhante à média de espectadores por jogo em casa, na época passada do 4.º clube com melhores assistências no principal campeonato de futebol em Portugal - o Vitória SC.
A renovação dos Red Pass para a época 2024/25 é um tremendo sucesso, comprovado por 98% de continuidade. Indiferentes às alegadas crises com que o Glorioso é pintado quase todos os dias, 44 mil pessoas asseguraram o seu lugar cativo na Catedral para uma época que se quer de reconquista e de qualidade futebolística. Só para se ter uma ideia, ao longo de toda a época 2023/24, o Moreirense FC não conseguiu somar 44 mil espectadores nos 17 jogos que disputou em casa para o campeonato. Pior, só o Portimonense SC (quase 40 mil pessoas) e o FC Arouca (pouco mais de 33 mil). Na Luz, só para o Campeonato, entraram mais de 956 mil adeptos.
É a realidade do SL Benfica comparável à conjuntura do futebol português? Não, nem por sombras. Os números não mentem, sejam os do Red Pass, sejam os das médias de assistências nos jogos do SLB em casa e fora, sejam as audiências televisivas, os ganhos relativos ao merchandising e a presença online do universo Benfica.
Não há comparação possível na grandeza nem no tratamento que é dado à realidade benfiquista pelos menos de comunicação social. Um alfinete que caía no relvado da Luz faz mais ruído do que os milhões de dívidas perdoadas, as falcatruas na bilhética ou as contratações falhadas por parte dos nossos rivais. Tudo é um caso, tudo é um drama quando alguém veste de vermelho. Já os outros, podem estar na falência ou com uma equipa a ser retalhada sem serem questionados, arrasados e protegidos. Somos, de facto, grandes em tudo."

Ricardo Santos, in O Benfica

O crepúsculo de um deus


"Num magnífico filme de Billy Wilder, 'Sunset Boulevard', Gloria Swanson interpreta uma antiga estrela do cinema mudo (como ela própria), que o advento do sonoro levou à decadência, mas que se recusa penosamente a aceitar as evidências do novo tempo. Sempre que vejo Cristiano Ronaldo na Selecção, lembro-me desse filme.
Ronaldo foi um dos melhores futebolísticas de todos os tempos. É, sem dúvida, o cidadão português mais conhecido no mundo. Enquanto embaixador do nosso desporto, devemos-lhe muito. Foi um privilégio ser seu contemporâneo, sobretudo para aqueles que, como eu, já não chegaram a ver Eusébio.
Infelizmente, os anos passam por todos. Eu também já tive menos 20 quilos e mais cabelo. E se CR7 mantém o bom aspecto, já não corre como corria, não salta como saltava, não remata como rematava. Marcou 40 golos nas arábias, como marcaria 80 se estivesse no Juventude de Évora. A alto nível não rende o suficiente para ser titular de uma Selecção como a nossa, em que existem muitas e boas alternativas. Não haveria nenhum problema com isso se ele o percebesse, aceitando aquela que é a mais inelutável lei da vida. Paralelamente, a própria FPF lucra milhões com a sua imagem, os patrocinadores exigem-no, e todos em seu redor o veneram - o que, nesta fase da vida, talvez não ajude. Cristiano Ronaldo podia ser útil pelo exemplo no trabalho diário, pela liderança no balneário, pela experiência que passa aos mais jovens, entrando em campo nos últimos minutos de algumas partidas mais fechadas, quando, com frescura nas pernas e perante adversários desgastados, pudesse fazer a diferença. Nunca para obrigar uma equipa a girar em torno do seu umbigo e dos seus recordes.
Não havendo ninguém capaz de lhe dizer isto, teria de ser ele próprio a entendê-lo. Infelizmente, não parece ser o caso."

Luís Fialho, in O Benfica

Vencer!


"Mais que tudo, num torneio, o que se quer é vencer. Mas se vencer é o grande atrativo, no torneio final 'Para ti Se não faltares' é no 'tudo' que está o ganho. Porque esse 'tudo' é feito de camaradagem, é feito de apoio mútuo, de construção de equipa, de caminho traçado em conjunto e de esforço partilhado. Esse tudo é feito de escola, de educação, de aprender a Saber e mais importante ainda, a Ser. Esse 'tudo' é a construção livre de cada personalidade jovem, ciente de si, sonhadora, conquistadora, arrojada e humilde.
Mas deste 'tudo' há uma palavra que ressalta como um sentimento maior no coração dos jovens: é a Pertença. O sentido de comunidade e a partilha do sucesso entre pares. E não há nada mais precioso para um jovem que a aprovação dos outros jovens, como se a opinião do grupo se sobrepusesse (às vezes sobrepõe-se mesmo...) à de cada um, elevando o grupo a uma espécie de ordem de conduta e os seus líderes à condição de modelos. Nada melhor que os valores do Desporto para inspirar os jovens a adoptarem ideias de afirmação positiva em nome do seu bem-estar e do seu futuro! Aí, nesse 'tudo' que se joga diariamente no projeto ao longo do ano letivo, reside seguramente a maior vitória. Uma vitória que todos conquistam 'Ex-aequo' no Primeiro Lugar!"

Jorge Miranda, in O Benfica

Núm3r0s d4 S3m4n4


"1
A equipa feminina do Benfica de minitrampolim sagrou-se campeã nacional;

3
O canoísta Fernando Medalha conseguiu 3 medalhas no Campeonato da Europa de Velocidade. De bronze em K1 1000 metros, de prata em K1 500 metros e de ouro em K1 5000 metros;
Agate Sousa ganhou a medalha de bronze do salto em comprimento no Campeonato da Europa de atletismo, juntando-se a Pedro Pichardo entre os atletas do Benfica medalhados (prata no triplo salto);

4
O Benfica é tetracampeão nacional de futsal sub-17;
Catarina Santos foi 4ª classificada no escalão júnior do Europeu de duatlo;

6
São 6 os jogadores ligados ao Benfica no Campeonato da Europa de futebol: Trubin (Ucrânia), Bah (Dinamarca), António Silva (Portugal), Jurásek (Chéquia), João Neves (Portugal) e Kökcü (Turquia);

13
Há 13 jogadores associados ao Benfica Campus (formação e equipa B) no Campeonato da Europa: a seleção portuguesa conta com 10 jogadores: José Sá, Nélson Semedo, João Cancelo, Rúben Dias, António Silva, Danilo, João Neves, Bernardo Silva, João Félix e Gonçalo Ramos. Na seleção polaca consta Paweł Dawidowicz. Na seleção sérvia, Jovic. Na seleção eslovena, Oblak (apenas 2 jogos pela B);

50
A nova camisola principal do futebol benfiquista é inspirada na usada há 50 anos, em 1974/75, a dos primeiros campeões nacionais em democracia. Na apresentação, António Bastos Lopes, Cavungi, Diamantino Costa, José Henrique, Shéu Han e Toni foram os representantes desse plantel campeão;

1992
Na Assembleia Geral Ordinária do Sport Lisboa e Benfica, para apreciar e deliberar sobre o orçamento ordinário de exploração, o orçamento de investimentos e o plano de atividades para o exercício 2024/25, votaram 1992 sócios do clube."

João Tomaz, in O Benfica

PS: Não é habitual, mas o João esqueceu-se do Kevin Csboth na seleção Húngara!

Um estádio para mais tarde recordar


"Os momentos partilháveis, vistos à lupa de uma sociedade de expressão performativa nas redes sociais, constituem um valor tremendo para uma marca como o Benfica

Ontem li um texto muito pertinente de José Manuel Delgado na edição diária d’A BOLA. Fala-nos da importância da experiência de estádio e de como o valor dessa experiência pode ser capitalizado pelos clubes que saibam agarrar esta oportunidade. José Manuel Delgado aborda essencialmente a experiência do estádio, lembrando que essa há muito deixou de ser apenas o que acontece ali dentro, sem contacto com o mundo exterior.
Mas comecemos pelo início. A procura registada para o Red Pass é motivo de orgulho para os Benfiquistas e um reflexo da grandeza do clube e da sua massa associativa. Clubismos à parte, qualquer adepto de futebol que tenha alguma noção da realidade dos clubes e da realidade sócio-económica do país, será obrigado a constatar que, em termos de força bruta dos números, existe um clube em Portugal e depois há os restantes. Não é nada que não se soubesse, mas é um pouco como o voo da águia Vitória e o hino: nunca deixa de impressionar. Como se isto não bastasse, a longa lista de espera, já a rondar os 20 mil sócios, só vem reforçar esta ideia. Também acredito que cause frustração a muitos dos que sabem que não vão ter lugar cativo no estádio, pelo menos num futuro próximo. É uma pena que o Benfica não tenha lugares para todos, mas até aqui há oportunidades de comunicação. O que prevê o clube para quem pagou 50€ por um lugar nessa lista de espera? Seria positivo que, para além do dinheiro em carteira, se pudesse pensar num conteúdo personalizado para estes milhares de adeptos como forma de diminuir a tristeza por não terem conseguido um lugar.
Este tema não cabe nos 5 mil caracteres que me são disponibilizados, mas o facto é que, como explica José Manuel Delgado, aquilo que acontece hoje num estádio de futebol tem uma nova dimensão que extravasa o jogo jogado e acima de tudo o perímetro físico do estádio. Por muito que os adeptos da minha idade coloquem no topo das suas recordações os jogos em que jogámos melhor e marcamos mais golos, a dimensão experiencial, em particular vivida pelas novas gerações, não se fica por aí. Como tal, parece-me que existe ainda hoje um défice de aproveitamento na experiência de estádio. O Benfica, sempre na liderança destas tendências a nível nacional, deve trabalhar para multiplicar os momentos vividos dentro do estádio que geram mais experiências memoráveis e, como tal, multiplicam os conteúdos criados em torno da presença física no local. 

Há que pensar também em como se pode modernizar o próprio estádio, que hoje proporciona uma experiência relativamente pobre em que por vezes as coisas mais simples parecem falhar, por muito que aspectos como o investimento na iluminação led e um acesso wi-fi, ainda que instável, tenham melhorado a experiência de consumo de conteúdos e contribuído para mais momentos partilháveis. Ainda assim, fazem-se as contas e não é fácil por vezes utilizar uma casa de banho ou ir a um bar durante o intervalo, sendo a gama de produtos oferecidos bastante pobre quando comparamos com outras experiências de estádio na Europa ou nos EUA, por exemplo. Também não me parece normal que em 2024 continuemos a achar normal a proibição de venda de álcool num estádio de um clube patrocinado por uma marca de cerveja. Bem sei que não é o meu clube que determinará sozinho a regulamentação existente sobre o tema, mas deve fazer os possíveis para mudar esta situação. Não me parece concebível que esta medida se mantenha por muito mais tempo. Aliás, apelo desde já aos próximos candidatos à Liga de clubes e à FPF para que pensem seriamente sobre este tema, sem as lentes que contribuem para uma certa infantilização do adepto, mas antes comparando a nossa realidade com a de muitos outros países iguais a nós, para os quais este é um não-tema e, como se compreende, uma oportunidade de rentabilização financeira e comunicacional de cada evento desportivo.
Os momentos partilháveis, vistos à lupa de uma sociedade de expressão performativa nas redes sociais, constituem um valor tremendo para uma marca como o Benfica. Haverá oportunidade de falar sobre o que isto significa no contexto daquilo que acontece fora do estádio, nomeadamente nas redes sociais, onde as oportunidades para o Benfica continuam a ser mais que muitas e, não obstante o bom trabalho realizado, merecem uma reflexão ambiciosa. Mas, mantendo o foco na experiência de estádio, como explicar por exemplo que não se faça mais para estimular a interação entre os adeptos e as dezenas de câmaras no estádio? Isso tanto pode ser feito com base no clubismo puro e no amor à camisola demonstrado por alguém que tem uma câmara apontada para si (o que já acontece em alguns momentos), como pode ser incentivado por via de mecânicas de passatempo e momentos que passam a repetir-se em cada jogo. A Kiss Cam, momento tradicional da NBA em que dois adeptos do clube são convidados a beijarem-se, existe há décadas e continua a funcionar. O mesmo acontece com momentos em que o adepto é convidado a dançar. Ou, porque não, vincular o evento desportivo a promoções ativadas e disponibilizadas em primeira mão aos adeptos presentes sempre que alguém marca um golo? O que nos impede de apresentar memes nos ecrãs ao intervalo ou durante os jogos e tentar tornar o Benfica um clube com uma cultura de internet acima da média? Ou, por exemplo: bem sei que existe a fan zone, mas parece-me que poderia beneficiar muito de uma versão 2.0 ou 3.0. O que pode ser feito para criar mais eventos dentro do evento principal e aproveitar as longas horas que os adeptos passam de bom grado no estádio ou nas imediações? Como podemos considerar o uso de realidade virtual no contexto do estádio, tanto na fan zone como no interior, mesmo em dia de jogo? Ou como explicar que os momentos de pré-jogo e intervalo não sejam mais ricos e mais potenciadores de experiências interativas? Por que não disponibilizar acesso a conteúdo exclusivo no estádio, mediante o wi-fi ou a app oficial do clube cruzada com georeferenciação? O que podemos fazer para melhorar a experiência de segundo ecrã, cruzando a tecnologia hoje disponível e a capacidade de monitorização de cada nanosegundo de atividade dentro de campo? Nunca o desporto viveu tanto do cruzamento entre aquilo que se vê e a análise estatística disponibilizada no imediato. Se permite às casas de apostas afinarem as suas odds, será que não permitem ao clube utilizar isso para gerar mais conteúdo? Não me parece prudente esperar que toda a gente consiga ir à casa de banho ou se entretenha a olhar para o seu telefone, num scroll interminável, enquanto a segunda parte do jogo não começa, até porque o nosso valor acrescentado aí tem margem para melhorar.
Percebo que se possa ver em muitas destas sugestões uma certa americanização da experiência futebolística, e admito que sou influenciado por isso, apenas porque sinto que a experiência de estádio americana e de alguns países europeus é fundamentalmente melhor em todos os aspectos. E estou convicto de que será a experiência dominante em todos os recintos desportivos de referência, dentro de pouco tempo. Certo, nem tudo será propício a uma adaptação portuguesa no contexto de um estádio de futebol em 2024 (as cheerleaders são uma coisa datada, por exemplo). Mas há muito que se pode fazer para propiciar mais momentos que as pessoas recordam, sem ignorar que o jogo jogado em determinado momento irá ditar o sucesso destas iniciativas, mas assegurando que a experiência do estádio não é sempre mais do mesmo, mas antes uma cereja no topo do bolo que foi ter acesso a um estádio tão desejado por tantos adeptos, tornando a recompensa mais memorável devido ao esforço financeiro que esses mesmos adeptos fizeram. Podemos sempre confiar que a bola entra e que isso é suficiente para continuar a esgotar os lugares anuais, mas nunca me pareceu boa ideia dormir à sombra da bananeira. Os adeptos vão exigir mais e têm motivos para isso. É nesse mundo que vivem hoje."

Cultura de vitória


"1 - Terminou o Europeu, tendo a Espanha sido uma justíssima vencedora. Maior capacidade. Maior velocidade. Maior entrosamento. Maior juventude. Melhor futebol. Nuestros hermanos descobriram uma nova geração para singrar e os seus principais elementos ainda nem 20 anos têm.

2 - A Seleção Portuguesa não atingiu o objetivo de poder vencer o seu segundo título, tendo sido zurzida por toda a gente após a eliminação. Extremamente injusto, creio. Não tínhamos a melhor equipa nem passámos a ter a pior. Este fado nacional de buscar sempre culpados para todas as nossas frustrações não tem sentido. Entrámos claramente no lado pior do sorteio onde só chegaríamos à final se eliminássemos duas das três melhores seleções: França; Alemanha; Espanha. Era obviamente difícil. Fomos eliminados, mas não fomos derrotados pela França, fomos aliás até superiores à França. Uma bola bateu no poste; acontece. Não percamos a racionalidade
Mas…

3 - Esta racionalidade e até a humildade de reconhecer que não éramos os melhores não nos pode impedir de analisar mais profundamente a circunstância que creio basilar de vários insucessos: falta cultura de vitória. Espanha também não a tinha. Durante décadas teve grandes seleções que nunca conseguiam vencer, que não tinham essa cultura de vitória apesar de o seu campeonato ter há muito os melhores executantes. Não tinha, mas obteve-a, trabalhou-a, fê-la crescer. A Espanha era uma seleção com jogadores de primeira linha e resultados de segunda linha, e é agora uma equipa que entra em campo para vencer qualquer adversário. Não são os jogadores de hoje que são melhores que os de ontem, é a cultura de vitória que está inculcada em quem vista aquela camisola. Algo que, por exemplo, a Inglaterra não tem e aliás nunca teve, não obstante o brilhantismo dos seus atletas.
O futebol português tem duas figuras que se caracterizam por essa cultura de vitória: Cristiano Ronaldo e José Mourinho. Dois vencedores, conquistadores, provocadores, ultraconfiantes, arrogantes até, aqui e ali. Exibem características que nada têm que ver com o retraimento e humildade exacerbada de que foi impregnada a nossa sociedade com o Antigo Regime.

4 - Também falta um sistema de jogo que se encaixe nas características do jogador português: fortemente tecnicista, de menor condição física, de futebol perfumado e apoiado. Um país que gerou verdadeiros génios como Chalana, Futre, Figo, Rui Costa, Quaresma, Cristiano Ronaldo, entre outros, tem que consolidar um sistema de jogo que se adeque mais ao que somos e gostamos de ser do que aos adversários que enfrentámos. A Holanda fê-lo a partir da laranja mecânica de Johan Cruijff: e durou décadas! Foi seguida pela geração de Van Basten, Gullit e Rijkaard e ainda pela de Bergkamp, Seedorf e Overmars. A Espanha fê-lo a partir da implementação do tiki-taka, assente no Barcelona de Guardiola, que se adaptou às características mais tecnicistas do jogador espanhol e deu à Espanha um Campeonato do Mundo (2010) e dois Campeonatos da Europa (2008 e 2012), praticamente seguidos. Um sistema que privilegie levar aos campos de futebol a alegria e o brilhantismo do jogador português.

5 - Não considero que tenhamos uma geração única. Já tivemos várias – melhores, até – e continuaremos a ter. A geração que deu início a este ciclo em que Portugal saiu da irrelevância para ser um challenger relevante – Fernando Couto, Paulo Sousa, Figo, Rui Costa, João Pinto – nada ganhou e era melhor e mais equilibrada do que esta. E surgirão outras, não tenho disso a menor dúvida. Mas falta um projeto formativo estruturado, a prever alterações regulamentares com impacto nas divisões inferiores (forçando a usar uma percentagem elevada de jogadores de formação, que aumenta à medida que se desce de divisão – tema a que voltarei em texto futuro). Tivemos isso uma única vez sob a batuta de Carlos Queiroz: interessa voltar a esse tema.

6 - Este Europeu revelou também dois fatores característicos dos nossos tempos, absolutamente contraditórios entre si: a precocidade e a longevidade. Atletas a apresentar-se como os principais protagonistas com idades absolutamente incomuns: Lamin Yamal com 16 anos, Arda Güler e Kobie Mainoo com 19. E exemplos de longevidade assinalável como Pepe, com 41 anos e Cristiano Ronaldo com 39. Seria há muito pouco tempo impensável atletas com esta idade apresentarem as condições físicas que hoje apresentam. Sinais dos tempos e que fazem com a que a carreira de futebolista de alta competição deixe de ter apenas 10/12 anos de duração, para poder ter 20/22 anos de duração. Sinal dos tempos de cultura do corpo, de hábitos alimentares melhor informados, de maior preocupação com a saúde e a performance.

7 - Uma nota final para o meu clube, de felicitações pela conquista do Campeonato Nacional de Kickboxing. O Vitória vai singrando no ecletismo e conseguindo, em algumas dessas modalidades (como sucede com o Pólo Aquático) ser mesmo a melhor equipa nacional. Parabéns!"

Da fantástica ‘Laminico’ a Léo


"Euro 2024 e Copa América, juntos, foram um bom torneio. Isolados nem por isso. Espanha (e Alemanha) e Argentina (e Colômbia, Canadá e Uruguai) ficam como referências para o futuro

A Copa América foi o condimento que completou um Europeu­ insosso, o caos na ordem monocórdica que nos chegava quase todos os dias da Alemanha. Felizmente, se é que posso pôr um felizmente nisto, venceu a equipa menos medrosa, mais bem preparada para todos os cenários, mais confiante no próprio processo, que é, sobretudo, muito mais do que isso: é uma identidade. Um ADN que recebeu a mutação certa para voltar a ser triunfal, com a entrada da vertigem de Nico Williams e Lamine Yamal. A Laminico enquanto dupla foi o melhor jogador do Euro. Desculpa lá, Rodri.
A Alemanha, que teve parecenças na abordagem e que vêm da influência profunda de Guardiola no país e ainda nas tendências, graças aos triunfos que alcançou, além do trabalho consequente, foi a melhor derivação da Roja e ao mesmo tempo o seu maior rival, como se confirmou nos quartos, hoje com toda a certeza final antecipada. Todos os outros decalques, como Inglaterra e Portugal, ficaram aquém das expetativas. E, assim, o troféu foi mesmo para casa... certa. Se os ingleses quiseram ser espanhóis e não conseguiram, será que podem contrapor?
Suíça, Áustria e até mesmo Turquia e Países Baixos são notas positivas num torneio cheio de cautelas e caldos de galinha. Por isso, porque a imitação tem papel importante, o melhor que poderia ter acontecido era a Espanha ficar co
mo exemplo e não uma Inglaterra desconexa, que sobreviveu graças ao talento individual e às fezadas de Southgate.
Nos Estados Unidos, houve caos – a mais, fora de campo –, mas sobretudo ritmo, coragem e dose certa de loucura, ou um dos protagonistas não fosse Bielsa, que todo o futebol devia venerar, mesmo que quase nunca ganhe. Faltou-lhe um Suárez ou um Cavani mais novos para dar golo a esta geração. Ganhou a Argentina, com uma identidade muito sua, equilíbrio entre o bilardismo e o menottismo, e um pouco de bielsismo, com três guardas pretorianos a defender o mais-que-tudo Messi, ainda cheio de classe e influência, e o outro mais querido, Di María, a dizer adeus. Scaloni e Aimar merecem estátuas junto ao Obelisco pela transformação competitiva dos eternos favoritos fracassados no pós-Maradona.
Talvez a Colômbia merecesse mais, com um James MVP (De Paul para mim) rejuvenescido, e o Canadá foi um pouco austríaco, marca Red Bull, nas ideias de Jesse Marsch. Tal como a Laminico, Euro e Copa América juntos foram o melhor torneio dos últimos tempos."

Donos de si


"BERLIM - Existem vários caminhos para chegar ao mesmo destino, mas alguns são mais bonitos do que outros. Na estrada também podemos escolher se queremos ir pela via rápida, para chegar rápido, ou se vamos pela estrada nacional, a contemplar a paisagem. Se o título europeu estivesse a ser festejado noutro lado não seria nenhum atentado lesa-futebol, mas a vitória espanhola premeia uma identidade evolutiva e satisfaz todos aqueles que – como eu – valorizam a ideia de que ter a bola é a forma mais segura de controlar o destino. Claro que só há um esférico em campo, para duas equipas, mas a filosofia do futebol espanhol é tomar conta do elemento central ao jogo. Ter uma identidade já é bom ponto de partida para qualquer coletivo, ainda mais quando o elemento comum é a bola. É verdade que a seleção espanhola trocou umas curvas por troços rápidos, no caminho para a glória, mas isso só valoriza a evolução. O essencial não mudou: fazem questão de controlar o próprio destino."

Copa América, emoções e árbitro


"O futebol é especial sobretudo por isto. Por nunca retirar da sua essência a mais genuína característica de quem joga, treina, arbitra ou apoia: a sua humanidade.

I. A imagem de Messi a chorar após ser substituído por lesão na final da Copa América 2024 transportou-me de imediato para o rosto desolado de Cristiano Ronaldo, quando foi às lágrimas pelo mesmo motivo, no jogo em que Portugal se sagrou campeão europeu na França.
Em fases diferentes das suas vidas e com oito anos de intervalo, os dois melhores jogadores dos últimos tempos lesionaram-se em momentos decisivos das suas carreiras, com as camisolas da respetiva seleção nacional vestida. Ambos saíram de campo mais cedo do que queriam, ambos ficaram desolados, ambos cederam às emoções perante o olhar empático do mundo inteiro.
O futebol é especial sobretudo por isto. Por nunca retirar da sua essência a mais genuína característica de quem joga, treina, arbitra ou apoia: a sua humanidade.
Os protagonistas do jogo podem ter talento inato, fama, estatuto, reconhecimento e riqueza material, mas haverá momentos em que será o coração a impor as regras pelos quais se regem. Seja a chorar de tristeza ou a rir de alegria, seja a pontapear garrafas irritados ou a festejar efusivamente, seja a barafustar com o treinador ou aos cânticos com colegas, as emoções é que mandam quase sempre, deixando quase todos expostos à sua mais básica vulnerabilidade. Que a evolução do jogo nunca lhe retire essa marca. É ela que o torna tão apaixonante.

II. E por falar em Copa América, continua a ser gritante a diferença entre a UEFA e as restantes confederações de futebol, no que diz respeito à organização de jogos de topo. As imagens que vimos da final de Miami, onde vários adeptos columbianos tentaram aceder ao recinto entrando pelas condutas de ventilação (!), mostraram uma realidade "terceiro-mundista" que nunca podia nem devia acontecer em eventos dessa dimensão. Já não bastava termos visto vários jogadores uruguaios treparerem as bancadas para tentarem defender os seus de possíveis agressões ou gente eufórica aos saltos, com bebés de colo... ao colo! A falta de segurança evidenciada, aliada à enorme irresponsabilidade de muitos, podiam ter provocado uma tragédia como tantas que a história já nos mostrou que nunca mais se podem repetir no desporto-rei. Emoções sim, claro. Todas! Irracionalidade não.

III. Após o final de cada época, que geralmente acontece nas últimas semanas de maio, os árbitros que dirigem jogos profissionais usufruem de um curtíssimo período de férias (não mais do que dez, quinze dias) antes de voltarem aos seus treinos. É que o regresso oficial das competições pressupõe a realização de provas físicas muito exigentes, que requerem um período de pelo menos oito semanas de preparação intensa. Estamos a falar de cerca de dois meses de trabalho duro para testes que acontecem antes da realização do primeiro jogo oficial, regra geral a Supertaça Cândido Oliveira. Pelo meio vários juízes são nomeados para arbitrar jogos de caráter particular e outros para dirigirem jogos das primeiras eliminatórias UEFA, que se realizam cedo. Não há por isso tempo para parar e descansar, pelo menos para aqueles que estão bem cientes da responsabilidade enorme que a carreira exige e não querem perder o comboio. É quase certo que, entre todos os agentes desportivos que fazem parte do jogo, os árbitros serão aqueles que menos tempo têm para usufruir em pleno junto dos seus. A informação vale o que vale, mas serve para mostrar que esta coisa de arbitrar jogos de topo pressupõe sacrifício, dedicação e compromisso. Tal como acontece com as equipas, aqueles noventa minutos de jogo são apenas o culminar de muita entrega e trabalho de casa. É assim agora e terá que ser cada vez mais assim."

Um por todos e todos gratos a um


"Houve dias, uma catrefada deles, que Portugal ganhou se não inteiramente por causa dele, por certo especialmente devido a ele.
Na fria Estocolmo, em 2013, cravou os traços mais fundos na pegada que deixará na seleção nacional quando, por três vezes, correu triunfantemente na direção da baliza e marcou o hat-trick contra a Suécia, a gloriosa tripla de golos que colocou Portugal no Mundial do ano seguinte. Cristiano Ronaldo tinha 28 anos. Exibia, então, um zénite das suas capacidades: explosivo na movimentação, ágil a desenvencilhar-se de adversários, letal a finalizar fosse com o pé direito, o esquerdo, a cabeça ou a parte do corpo que tivesse de ser, um esfomeado impossível de saciar no apetite por mais feitos, mais recordes, mais noites de glória que o elevassem a rasgar o céu.
Que nem uma cordilheira montanhosa erguida acima da linha das nuvens, o Monte Ronaldeste conheceu vários picos, sintoma de um futebolista descrente na hipótese de ter um só apogeu: no Europeu prévio a resgatar a seleção naquele play-off contra a Suécia, o capitão da seleção desmantelou a Holanda na fase de grupos, com dois golos e uma exibição épica (tinha 27 anos); marcou duas vezes à Hungria, uma delas de calcanhar, e fez uma assistência no derradeiro encontro da fase de grupos no torneio de 2016, contribuição profética que deu um empate a Portugal e o livrou do lado mais ardiloso do quadro até à final (aos 31 anos); rugiu heroicamente na estreia no Mundial de 2018 com três golos marcados à Espanha (aos 33).
Outros picos haveria por exaltar. Ronaldo é assim, as exibições estonteantes na seleção nacional são várias e farejar o seu trilho implica ir no encalço dos números, embora o futebol não se sirva deles como única unidade de medida, fazê-lo é ser enviesado e redutor, mas, ainda antes de alongar a longevidade nos relvados para longe da órbita dos trinta e até às imediações dos quarenta, o rasto futebolístico de Cristiano virou forçosamente tangível. Trata-se da pessoa que participou em mais de 30% dos jogos feitos pela equipa de Portugal desde a sua criação, que marcou 130 golos nessas 211 internacionalizações, ambos os registos insuperáveis no futebol de seleções, mais dois a incentivarem a frase que Ronaldo galantemente repete para dizer que tem um alvo nas costas.
Quem advoga ser perseguido por recordes rende-se à lei dos números, é uma necessidade inevitável e ainda Ronaldo tinha as aptidões físicas impecáveis, nos seus vintes, quando essa rendição insuflou que nem barriga a rebentar com os botões de camisa: deixou 450 golos no Real Madrid, onde ficou como o melhor marcador da história do clube, enquanto colecionou cinco Bolas de Ouro e chegou aos 141 golos na Liga dos Campeões, registo em que o píncaro também é dele. O português, com o tempo, virou um acumulador nato de feitos binários, tão obesos nas estatísticas que se passou a observar Cristiano sob as lunetas de quais seriam as próximas fasquias concretas que ultrapassaria e por onde conseguiria esticar mais a corda.
Esta recoleção de alguns feitos de Ronaldo constitui o tipo de louvo de que o português não precisa, o rasto que tem no futebol dispensa-o, os números podem ser enviesados se interpretados sem contexto, mas são o recheio mais sustentável dos factos e suportam um dos inquestionáveis que existe em Cristiano: ele é o melhor, mais importante, mais decisivo e influente futebolista que Portugal já teve e provavelmente terá na sua história.
E reconhecer esse óbvio, que é inatacável, não deveria equivaler a ser um sacrilégio defender outra clareza, cada vez mais límpida, em relação ao maior futebolista português de sempre.
Que aos 39 anos, o esculpido e por demais cuidado físico de Cristiano Ronaldo limita-lhe as capacidades, o alcance que consegue ter no campo e a abrangência da sua influência num jogo que seja jogado nos níveis mais exigentes do futebol, como foi é o caso deste Campeonato da Europa. E que a sua preponderância na seleção nacional, à semelhança de qualquer outro futebolista, deveria ser afinada consoante o rendimento que apresente agora, em vez da sublime prestação que outrora era capaz de suster consistentemente.
Afirmá-lo não é prestar um desserviço ao legado de Ronaldo, nem é ser ingrato, muito menos é desrespeitar o que Cristiano inculcou na história da seleção e da bola chutada em clubes. Serem essas as críticas disparadas, em sincronia e de forma visceral, para rebater qualquer defesa da sua descontinuação faseada da equipa nacional é que precipita a legião de admiradores que merecidamente CR7 tem para as mesmíssimas coisas que alegam estarem a ser perpetradas por quem ouse defender o ajustamento, hoje, do tempo em campo do símbolo-maior do futebol português de acordo com o que ele, hoje, é capaz de prestar à seleção: ao ofenderem não servem Ronaldo, ao insultarem não lhe estão a ser gratos, se injuriarem pelo simples motivo de não concordarem é que acrescentam a falta de respeito ao epílogo de um jogador extraordinário.
Louvar Cristiano Ronaldo não pode ser isentá-lo de ser avaliado, no dia a dia, à semelhança dos restantes jogadores, sobretudo quem discute a posição de avançado, do tipo de quem se esperam golos. Aplicar-lhe os mesmos filtros pelos quais os outros passam para aferir o sumo que dá no campo, aos 39 anos, não é uma diminuição do seu legado na seleção. Se ele tem a vontade, a paciência e a dedicação para manter a carreira em rolamento na Arábia Saudita, bem distante da exigência do futebol europeu, há que louvar tal perseverança e respeitá-la não é decretar que Ronaldo joga e ponto final.
Mas, quanto menor é o seu rendimento, maior é o escrutínio a quem se atreve a apontar a sua míngua de rendimento. Neste Europeu, o menor desempenho palpável e visível do capitão desenterrou as acusações de ingratidão e desrespeito dirigidas a quem defende o defensável. O futebol tem no rendimento o seu critério inatacável e evocar o passado de Ronaldo não atenua as carências do seu presente. Apenas constata o óbvio, como óbvio é que até um dos melhores futebolistas de sempre não escapa à idade.
O bom-senso é uma estrada de dois sentidos e o papel que Ronaldo pode ter na seleção - constatámos, no pós-Mundial do Catar, como ainda é suposto que o tenha, sem que tal seja explicado em concreto pelo selecionador - deveria ser julgado pelo jogador que é hoje, não de acordo com o que já foi. 
No seu futebol feito não apenas de números, mas que há duas décadas o eleva a ser magnificado por eles, os dados logicamente refletem a míngua de Cristiano porque o tempo ganha a todos. Deixou 23 remates no Euro 2024 sem marcar um golo. Tocou, em média, 29 vezes na bola por jogo (o menor registo da sua decrescente tendência em Europeus ou Mundiais, desde 2010), bateu vários livres diretos e prolongou a seca de estar há mais de 60 sem converter um pontapé em golo em fases finais e 10 dos últimos 12 que fez na seleção foram contra seleções abaixo do 60.º lugar do ranking da FIFA.
Estes dados dizem respeito a Ronaldo apesar de não se deverem, por inteiro, ao capitão, que não estipula quem são os adversários de Portugal. Mas não invalida que por mais cuidado que dê à sua saúde, ao seu físico e à sua forma, nada estanca o esvaziamento de qualidades a que o corpo humano condena qualquer um. Ser avançado da seleção nacional e ter tocado oito (Chéquia), nove (Turquia), zero (Geórgia), oito (Eslovénia) e cinco vezes (França) na bola dentro da área adversária em cada uma das partidas de Portugal no Europeu não seria automaticamente pouco se golos houvesse a extrair dessa participação, feita ao longo dos 485 minutos (94% dos possíveis), isso sim um tempo que é muito e foi o maior que um jogador português de campo teve no torneio.
A visão, sobretudo desde o último Mundial, que olha para Cristiano Ronaldo com laivos de o jogador ser uma âncora fundeada que encrenque o jogo da seleção, surgiu, precisamente, da insistência em preservar o seu papel na equipa como se ele ainda jogasse com uma das suas versões do antigamente e um dos seus zénites que rendia golos, oportunidades, espaços e atenções desviadas nos adversários que ajudavam Portugal a acumular vitórias por se munir do provável melhor finalizador da história do futebol. Não priorizar o seu rendimento em campo não só ignora o defendido por Roberto Martínez - “As decisões no futebol são tomadas no terreno de jogo”, disse, quando foi apresentado -, como escancara a evidência que houve paredes-meias com Ronaldo neste Europeu: aos 41 anos, Pepe nunca foi questionado.
Porque, apesar da idade, o rendimento prestado pelo defesa central foi extraordinário.
Preservar Ronaldo desta forma, sem curar a realidade, e deixar que a luz finde sem um treinador e uma estrutura que adaptem o papel na equipa de quem tem as capacidades a findarem, isso, sim, é afetar a imagem de uma lenda - não teria sido Ronaldo mais ameaçador e disruptivo se reservado para a segunda parte dos jogos, quando o cansaço tolda a concentração dos adversários?, se o seu faro intacto para se desenvencilhar do marcador direto, na área, em movimentos curtos de engano, fosse lançado nesse período ou reservado para ter uma duração mais curta? Perdeu-se uma oportunidade de o sabermos, porque ao invés de uma gestão ponderada houve a omnipresença de Cristiano no relvado (só falhou os últimos 25 minutos contra a Geórgia).
Defender que ainda bem que assim o foi porque Ronaldo é Ronaldo, é o Cristiano que já deu incontáveis alegrias a quem torce pela seleção, não vai além de um exercício que confunde gratidão e respeito com o embaciamento do ecrã onde será exibido, para a posteridade, o legado lendário do jogador. O capitão da seleção nacional não sai beneficiado por o seu passado ser invocado quando surge uma avaliação do seu rendimento no presente. Ser-lhe grato não é isentá-lo da crítica. Ter-lhe respeito seria adequar o seu lugar que parece cativo na seleção a moldes que dessem à equipa o melhor que Ronaldo ainda alcança.
E não, a culpa de Portugal ter ficado pelos quartos de final do Europeu não é dele, nem de nenhum jogador isolado ou específico. Mas debater o futuro e olhar rumo ao Mundial de 2026, torneio onde a mesma mais talentosa geração de jogadores a coincidir na seleção irá ainda junta, assim as lesões e momentos de forma o permitam, deveria ser sinónimo de avaliar a preponderância que Cristiano Ronaldo tem. E a gratidão não nada tem a ver com isto."

O Benfica como caso de estudo


"Para as novas gerações, que busca sensações próximas do epicentro, ver o jogo no conforto do lar, pela televisão, deixou de ser a prioridade e passou a ser a alternativa…

Há um fenómeno que merece reflexão, por desafiar a lógica. Em julho do ano passado, embalado pelo título da época anterior, por uma campanha europeia prestigiante, e pelo regresso, que entusiasmou os adeptos, de Angel Di María, o Benfica viu esgotarem-se, num ápice, os Red Pass, e de repente ficou com uma lista de espera de 14 mil candidatos ao título de época. Em 2024, depois de uma época futebolisticamente pobre, que nada acrescentou ao prestígio europeu, apenas ‘disfarçada’ pela Atalanta, cujo sucesso abriu as postas da entrada direta na Champions aos encarnados, marcada ainda por alguma convulsão social, os lugares anuais, que subiram de preço, voaram a uma velocidade ainda maior, e a lista de espera subiu dos 14 para os 17 mil. Lembrei-me então de uma viagem que fiz em 2008 a Manchester (onde entrevistei Durão Barroso, então presidente da Comissão Europeia, num camarote de Old Trafford) e de me ter deparado com uma fila que dava a volta ao Teatro dos Sonhos. «É para garantirem bilhetes?», perguntei, ao que me responderam: «Não, é para se inscreverem na lista de espera para os lugares anuais que já vai em 80 mil.»

Aqui chegados, deparamo-nos com uma realidade, relativamente nova entre nós, mas que já tinha chegado a Inglaterra há várias décadas, que é a da valorização crescente que as gerações mais recentes dão ao espetáculo ao vivo, na medida da partilha, da imersão na sensação de pertença, na busca por sensações tão próximas quanto possível do epicentro. Ou seja, ver o jogo pela TV, no conforto do lar, deixou de ser a prioridade e passou a ser a alternativa. É preciso que todos os clubes (e alguns já o entenderam) percebam esta mudança e ajam em conformidade, captando, e não afastando dos estádios aqueles que são o seu público-alvo. Estamos no início de mais uma temporada e este é o tempo certo para que sejam tomadas as medidas adequadas, mesmo que difíceis, para ter as bancadas cada vez mais cheias. Quem não perceber isto tem um grande futuro atrás de si…"

Palhinha nunca desistiu 'por dá cá aquela palha'


"Novo médio do Bayern soube sempre lamber as feridas e seguir em frente, sem desculpas; Di María é solução ou problema? Depende dele e de Roger Schmidt; Lamine Yamal, simplesmente!

1
Vamos lá escolher linhas depressa que daqui a pouco está a tocar o sino outra vez. À chegada ao recreio, cientes de que o dono da bola não podia ir à baliza mesmo que se atrapalhasse com ela nos pés, importava não perder tempo para aproveitar cada minuto de pausa entre as aulas. Era assim na escola, mas também na rua, no jardim, na praia, nos terreiros ainda à espera da construção de mais um prédio...
Não sei se João Palhinha - no passado dia 9 celebrou o 29.º aniversário - ainda jogou à bola onde, no mínimo, houvesse espaço para balizas de dois passos delimitadas por duas pedras soltas da calçada. Sei que começou no Alta de Lisboa, depois deu o salto para o Sacavenense e aos 17 anos, em janeiro de 2013, transferiu-se para o Sporting já com contrato de profissional.
Suspeito que em criança, se nessa altura exibisse as características que o fizeram vingar em adulto, não fosse o primeiro a ser escolhido na formação das equipas para os jogos entre amigos. Os preferidos eram os mais habilidosos, capazes de fintarem dois ou três numa cabina telefónica, tabelarem com o lancil do passeio e marcarem de calcanhar. Aqueles que metiam o pé, faziam carrinhos e contribuíam, assim, para que os adversários ficassem com os joelhos marcados pelo alcatrão, esses, como seria o caso de Palhinha, não eram opções prioritárias.
Antes de se estrear no Sporting, em 2016/17, esteve cedido a Moreirense e Belenenses, de onde regressou a Alvalade, pela mão de Jorge Jesus, que, após desaire no Dragão, afirmou que o «FC Porto foi melhor na primeira parte porque o João Palhinha não levou o guião certo para se poder enquadrar com o que estava a acontecer, perdeu-se durante meia-hora e isso foi fatal».
Há palavras que matam, mas Palhinha não se armou em vítima, não culpou o treinador ou o sistema de jogo como os eternos incompreendidos. Lambeu as feridas como um leão, saiu para o SC Braga, voltou para ser campeão com Rúben Amorim e, agora, chegou ao Bayern após se impor no Fulham e ganhar lugar na Seleção.
Admiro Palhinha e todos os Palhinhas, os que vão à luta, sem desculpas por dá cá aquela palha.

2
Solução ou problema? À beira de se despedir da seleção, na próxima madrugada, quando a Argentina defrontar a Colômbia na final da Copa América, Di María, aos 36 anos, vai continuar no Benfica.
Na época passada, que assinalou o regresso à Luz, marcou 17 golos e assinou 13 assistências em 48 partidas. Um registo destes nunca poderá ser um problema, mesmo que por vezes el fideo possa obrigar os companheiros a correrem mais para disfarçarem as sua limitações defensivas; se será ou não uma solução dependerá da gestão de Roger Schmidt e da capacidade de o jogador aceitar que terá de desempenhar outro papel.
«Schmidt sabe que não gosto de sair», disse, selado desaire no Bessa em 2023/24, após ter sido substituído e pontapeado uma garrafa ao chegar ao banco. A Roger Schmidt e Di María fará bem observarem o modus operandi de Roberto Martínez e Cristiano Ronaldo no Euro-2024 e fazerem o contrário do que fizeram o espanhol e o português.

3
Lamine Yamal completou ontem, 13 de julho, 17 anos. Natural de Esplugues de Llobregat, filho de mãe da Guiné Equatorial e pai marroquino, o extremo é a melhor notícia deste Euro-2024 e um raio de esperança para um Barcelona atormentado pelo poderio económico e desportivo do Real Madrid."

A carta...

Angel...

Reis da poupança!!!

O exemplo de Espanha


"'Nuestros hermanos' merecem ser campeões europeus

O Euro-2024 termina hoje com um grande jogo entre Espanha e Inglaterra. As duas seleções têm características diferentes e muito talento: Bellingham, Saka, Kane, Foden ou Rice vs Yamal, Nico, Olmo, Fabián Ruiz ou Rodri. Contudo, coletivamente, a seleção espanhola tem-se destacado. Independentemente do resultado final, para mim, Espanha já venceu pelo exemplo. Trouxe uma forma de jogar que encanta e delicia quem gosta de futebol. Dominou todos os adversários que encontrou e teve de enfrentar seleções de grau de dificuldade elevado: Croácia, Itália, Alemanha e França. Pelo trajeto, pela qualidade, pela alegria, pela filosofia e pela forma como se impuseram perante todos os outros, Espanha é um exemplo e merece ser campeã europeia.

De la Fuente
Ex-jogador, atuava como lateral esquerdo, tendo vencido duas ligas, uma Taça e uma Supertaça de Espanha. Já enquanto treinador, liderou alguns clubes sem grande relevo. Onde se tem destacado é nas seleções espanholas. Foi campeão europeu de sub-19 (em 2015) e de sub-21 (em 2019) e ganhou a Liga das Nações em 2022/23. Sucedeu a Luis Enrique, herdando um estilo de jogo atrativo, dominador e onde o coletivo foi sempre mais importante que o individual. Luis Enrique, seu antecessor, teve a capacidade de eliminar os egos na seleção, sendo muito criticado pelas convocatórias que foi fazendo. Na minha opinião, uma parte do sucesso que a seleção espanhola está a ter neste Europeu deve-se à filosofia e forma de estar que Luis Enrique introduziu.
O ADN foi implementado e respeita a cultura dos jogadores espanhóis do século XXI. De la Fuente teve a inteligência e perspicácia de perceber o que de bom estava a ser feito e, não só, seguiu a filosofia do seu antecessor, como manteve a coerência nas convocatórias, com jogadores que têm as caraterísticas ideais para a forma como pretende jogar e que sabem respeitar as suas decisões.

Ideia de jogo
O sucesso depende sempre de muitos fatores. Um dos principais passa por conseguir fazer com que os jogadores acreditem na ideia de jogo e se mantenham fiéis à mesma. A Espanha de De la Fuente é uma equipa dominadora, que sabe ocupar os espaços e que tem movimentos bem definidos para potenciar as caraterísticas dos seus atletas. Por exemplo, durante os 90 minutos a seleção espanhola consegue criar condições para que os seus extremos (Yamal ou Nico) façam situações de um contra um, fazendo com que nesse momento possam existir desequilíbrios. Fabián Ruiz, Pedri ou Olmo, apesar de serem diferentes, percebem as funções que lhes estão destinadas. Olmo tem mais chegada à área, é agressivo, reage bem à perda de bola e aproveita os espaços deixados pelos movimentos de Morata. Pedri tem uma enorme visão de jogo, capacidade de circulação de bola e define quase sempre bem. Fabián Ruiz tem segurança na posse de bola, sabe entrar dentro de área e finalizar e tem a capacidade de, defensivamente, ocupar o seu espaço com agressividade.

Rodri – o comandante
Atrás de Fabián Ruiz, Pedri ou Olmo está um dos melhores jogadores do mundo: Rodri. Tem uma capacidade incrível de ler o jogo, de simplificar, de definir o momento de pressão e empurrar os colegas, de perceber quando está marcado e tem de arrastar os adversários ou quando tem espaço para ser ele a construir. Tem capacidade de remate de longa distância. É o comandante e é aquele que transmite calma e segurança quando as coisas não correm tão bem. O jogo com a França foi um exemplo. Depois de começar a perder tão cedo, era fundamental manter a concentração e continuar a seguir o caminho e o ADN espanhol com paciência. Rodri foi fundamental para que tal acontecesse. Com Rodri, Yamal ou Nico estão mais próximos de poderem brilhar.

Coletivo ‘vs.’ Individual
Para termos uma noção da qualidade coletiva de Espanha devemos fazer a seguinte questão: antes da competição, quantos jogadores da seleção espanhola colocaríamos como titulares no melhor onze do Euro? Ao dia de hoje, e depois de analisar a prestação dos jogadores espanhóis, possivelmente encontraríamos vários jogadores que encaixariam nesse onze. Tal acontece porque a forma de jogar da seleção espanhola valorizou, praticamente, todos os jogadores envolvidos. Contudo, antes de a competição começar, só encontro um jogador que teria lugar cativo num onze formado pelos melhores jogadores (por posição) das seleções em prova. Esse jogador é o Rodri mas, com a competição a terminar, já olhamos para vários jogadores espanhóis com outros olhos. Isto acontece porque o coletivo de Espanha foi (até ao momento) o mais forte e completo. É a equipa que pratica melhor futebol e que mais vitórias tem na competição. Já esteve em desvantagem no marcador (por duas vezes) e soube reagir sem ter de alterar a sua forma de jogar e sem se deixar levar pela pressão ou ansiedade. Com o passar dos jogos, e com as exibições a subirem de nível, os jogadores foram ganhando cada vez mais confiança, mais união e compromisso entre todos. Ao contrário do que referiu Roberto Martínez, as seleções fortalecem-se com boas exibições e golos e não com vitórias nos penáltis.

Saber dar tempo ao tempo
A performance de Espanha no Euro é o resultado de vários anos de trabalho. Não é fácil substituir jogadores como Iniesta, Xavi, Busquets, Fàbregas, David Villa ou Sérgio Ramos. Não é fácil manter o ADN quando as coisas não correm bem. A realidade é que quando se acredita muito numa ideia de jogo e se tem a coragem de a implementar, nas derrotas e nas vitórias, o sucesso está muito mais próximo. No Mundial, Espanha foi eliminada (injustamente) nas grandes penalidades frente a Marrocos. Estava tudo mal? Não. Estava tudo perfeito? Não. A ideia de jogo ou a forma de jogar estavam bem claras e definidas. A continuidade fez a diferença.

Egos
Outro ponto fundamental no sucesso de Espanha é a ausência de egos. Todos percebemos que existe uma liderança respeitada e bem definida. A convocatória foi feita em função da forma como De la Fuente pretende jogar. O onze inicial tem em conta as características dos jogadores e forma como se complementam. A estratégia para os jogos passa por ser uma equipa dominadora, que respeita os adversários e que sabe que, em alguns momentos, terá de sofrer. Pode alterar alguns movimentos para potenciar as caraterísticas dos seus jogadores, mas nunca altera o seu padrão de jogo. Existem diferentes caminhos para se chegar ao sucesso. No caso de De la Fuente ou Luis Enrique, o caminho passa por serem dominadores no jogo, por fazerem com que os jogadores, independentemente dos adversários e das circunstâncias, tenham a capacidade e personalidade de assumir esta forma de jogar. Isto só se consegue se todos tiverem qualidade, compromisso e se perceberem que o coletivo está acima do individual.

A valorizar:
Yamal
Incrível a qualidade e maturidade que o jovem de 17 anos (feitos ontem) demonstra. O seu golo contra a França nas meias-finais é uma obra de arte. Valorizou-se muito neste europeu. Se não tiver lesões, poderá marcar a sua geração.

A desvalorizar:
Didier Deschamps
Com tanta qualidade individual à disposição, França nunca se apresentou como uma verdadeira equipa e foi vivendo de rasgos individuais. Um futebol pobre que se refletiu nos quatro golos marcados em seis jogos. Muito pouco para quem tinha tantas soluções."

O outro jogo da nova época


"Terminado o Europeu, viram-se de novo todas as atenções para a vida dos clubes. A nova temporada, porém, traz outro desafio bastante interessante de seguir: o da FPF

E eis que esta segunda-feira, 15 de julho de 2024, marca o regresso à normalidade mediática e futebolística. Jogada a final do Europeu, a atenção vira-se totalmente para a atividade dos clubes. Este acontecimento dá-se depois de uma verdadeira cimeira, em Berlim, entre duas monarquias, o que não deixa de transportar alguma ironia em tempos que se revelam bastante complicados para várias repúblicas Mundo fora. Mas não será a política a principal convidada desta conversa, pelo menos até ver.
Gozadas as férias da maioria, as equipas dos principais clubes já trabalham a todo o gás tendo em vista a nova temporada. Todos eles condicionados até final de agosto, por força do mercado de transferências. Uns mais necessitados que outros, mas nenhum com margem financeira suficiente para se dizer indiferente à força do dinheiro que ditará leis no resto do verão.
Sporting e FC Porto ainda não apareceram em público, mas tem havido notícias de jogo-treino com vitórias prometedoras. O Benfica sim, já chegou ao espaço mediático com dois jogos em dois dias, ainda que em canal fechado. E também ele com fartos motivos para fazer sorrir e inflar de esperança os adeptos. É sempre assim: os candidatos ao título — onde se inclui, por maioria de razão, o SC Braga — vivem defesos cheios de promessas, boas expectativas, regressos saudados, ausências choradas, novidades apetitosas. Quando as coisas se passam de outra forma é sinal de que nem tudo está normal nos mundos mediático e futebolístico. E o futebol também se faz desta magia.
A temporada de 2024/2025 traz desafios importantes: as competições europeias mudaram de formato; a Taça da Liga diminuiu o quadro competitivo, mas os calendários continuarão apertados por força do aumento de jogos europeus, para os que lá vão, e menos preenchidos para quem não joga na UEFA; a centralização dos direitos televisivos é um tique-taque constante que poucos parecem estar a escutar com ouvidos de ouvir; a entrada de estrangeiros está limitada por força de decisões governamentais.
No meio destes desafios — e afinal cá está a política — a Federação Portuguesa de Futebol vai fechar um ciclo de 13 anos sob a presidência de Fernando Gomes, o mais tardar em fevereiro de 2025. Até agora há quatro protocandidatos à sucessão, nenhum oficializado: Pedro Proença (o que significaria alteração também na Liga Portugal), Nuno Lobo, José Couceiro e Rui Moreira. Vai correr muita água debaixo das pontes até percebermos os cenários finais. Mas a par dos resultados desportivos desportivos este será um jogo interessante de seguir na presente temporada."

O Euro-2024 ficará ou não como um marco na evolução do futebol?


"Pontapés de saída longos, mais golos de meia-distância, muita flexibilidade posicional, pressão com referências individuais e proliferação das linhas de 3 e 5 - algumas tendências táticas na Alemanha

As grandes competições de seleções são, muitas vezes, marcos no que diz respeito a tendências táticas. Isto acontece não só porque são as grandes equipas que abrem caminho e influenciam as restantes, mas também por se tratar da grande montra do futebol mundial. Se, por vezes, as tendências podem ser transitórias e esquecidas, noutros casos podem marcar a história evolutiva dos sistemas e dos métodos de jogo.
Mesmo que as novidades não tenham surgido em âmbito de seleção — os curtos períodos preparatórios não ajudam —, a sazonalidade destas grandes provas ajuda a apalpar o pulso à evolução do jogo. Por exemplo, embora o WM tenha sido inventado pelo Arsenal de Herbert Chapman, a tendência ficou marcada nos Mundiais dos anos 30. A marca do aparecimento das linhas de 4 defesas, que quase nos habituámos a ver como cânone, surge em 1958, no primeiro Brasil campeão do Mundo, na Suécia. O futebol total de Rinus Michels e de Cruyff pode ter tido o seu advento no Ajax, mas deixou marcas através dos Países Baixos finalistas do Mundial de 1974 e 1978.
É também impensável não associar Guardiola e o Barcelona aos anos dourados da roja, que venceram tudo entre 2008 e 2012. É, portanto, com natural expectativa que se espera por ver a dinâmica dos melhores treinadores e jogadores do mundo, invariavelmente presentes nestas provas. Quais têm sido, então, as tendências táticas deste Europeu? Terão seguimento?

Rotinas de pontapé de saída
O golo mais rápido de sempre dos Europeus, marcado pela Albânia, surpreendeu toda a gente. Mais do que a oferta de Dimarco a Bajrami, importa lembrar que o lançamento para a Itália no seu terço defensivo proveio de... uma bola longa no pontapé de saída albanês.
Na primeira ronda do Euro 2024, mais de metade das equipas procurou rotinas de pontapé de saída que implicassem uma bola longa, ou na área, ou através de diagonais. Outros trouxeram ainda outras estratégias: por exemplo, a Polónia frente aos Países Baixos colocou vários jogadores de um lado, para iludir o adversário e jogar do lado contrário.
Numa era em que o jogo é analisado ao milímetro, e numa prova em que muitas equipas se apresentam com mais medo de perder do que com vontade de ganhar, talvez esta possa ser uma nova forma de criar desequilíbrios na estrutura adversária.

Remates de meia-distância
Dos primeiros 42 golos da prova, 12 (29%) foram marcados de fora da área. Os Europeus anteriores demonstram o quão estes números estão em contraciclo com a tendência evolutiva do jogo — 13,4% dos golos do Euro 2020 foram de fora da área. Em 2016 foram 15,7% (obrigado, Éder!).
Estes são dados mais alinhados com a realidade atual e, na verdade, demonstram que o tiro de longe é recurso em desuso. Na Premier League deste ano, apenas 11,5% dos golos resultaram destes remates. A baixa eficácia nestas ações e a proliferação do big data pode explicar porque se atira menos de fora da área. Contudo, porque é diferente neste Europeu?
Não há uma explicação clara. A mais óbvia é que se trata de uma anormalidade estatística que a longo prazo se anularia. Não parece absurdo, contudo, que esta possa ser uma estratégia para contornar blocos baixos e equipas que amarram o jogo até mais não o conseguirem.

Flexibilidade posicional e criação de superioridade numérica
Há muito que se diz que o jogo parece evoluir no sentido do desaparecimento dos sistemas e talvez este Europeu tenha sido um passo nesse sentido. Foi cada vez mais recorrente vermos laterais que jogam por dentro, extremos que jogam como médios, ou médios que constroem como centrais ou laterais.
Este tipo de mobilidade ajuda a confundir marcações adversárias, mas principalmente ajuda a criar superioridade numérica em zonas-chave do terreno. Tomemos como exemplo João Cancelo como médio frente à República Checa, ou os ingleses Bellingham e Foden como extremos, mas na verdade a formar um quadrado na zona central com Rice e Mainoo, no jogo frente aos Países Baixos.

Referências individuais na construção adversária
É cada vez mais frequente ver equipas a assumir o risco da referência individual na saída de bola do adversário. Neste Europeu, esta realidade foi frequente em equipas que optaram por pressionar alto, procurando encurralar o adversário em situações de 1x1 em praticamente todo o campo.
A ideia talvez tenha tido o seu epítome na Atalanta de Gasperini, com exemplo claro na final da Liga Europa, em que fez cair com estrondo o imbatível Bayer Leverkusen de Xabi Alonso (3-0). Contudo, teve continuidade neste Europeu: veja-se como a Sérvia ameaçou o empate frente à Inglaterra no primeiro jogo ou como a Áustria procurou quase sempre pressionar alto. Contudo, num torneio em que se joga de 4 em 4 dias, será possível apresentar índices físicos que permitam sempre este comportamento? Por outro lado, se o adversário for melhor no duelo individual, como resolver sem o coletivo?

Linhas de 3/5 defesas
Depois de muitos anos em que as linhas de 4 defesas pareciam ser o paradigma para o futebol europeu, parece que as linhas de 3/5 vieram para ficar. A linha defensiva com 3 centrais, que deixa implícito que dois laterais estejam à largura com propensão ofensiva, parece apenas ter atingido mediatismo nos anos 80, com o 3-4-3 da Holanda e do Barcelona de Cruijff, ou com o 3-5-2 da Argentina de Maradona e de Bilardo.
Mais de metade das equipas do Euro 2024 (Portugal está entre elas) começaram o jogo, em algum momento, numa linha de 3 defesas. Recuemos a 2016: de toda a fase de grupos, apenas País de Gales e Itália jogaram assim. Esta realidade era pouco comum no Velho continente nos anos 90 (embora Jorge Jesus, inspirado por Cruijff, a tivesse trazido da Catalunha), e foi surgindo na Serie A italiana, quem sabe inspirada pelos sul-americanos.
Claro está que vai um universo de diferença da trincheira georgiana em 5-3-2 ao 3-4-3 que a Inglaterra trouxe às meias-finais (um dos alas até era Saka).
A única certeza no futebol é a mudança. Grandes génios do passado inventaram ideias que hoje parecem ultrapassadas. Os jogos de elite do passado parecem agora demasiado lentos e previsíveis. Apreciar a complexidade do jogo é apreciar o seu carácter evolutivo e a sua mutação constante."