sábado, 29 de junho de 2024
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20 queixas de pagamento em falta que foram pedidos ao FC Porto desde 2020 pic.twitter.com/iMmV3MFj1m
— O Fura-Redes (@OFuraRedes) June 28, 2024
Nenhum sistema é autosuficiente, ‘mister’ Roberto Martínez
"Embora o regresso ao 4x3x3 pareça ser o passo seguinte mais seguro, o problema parece estar para lá dos dois ou três centrais, aparentemente nas dinâmicas do ‘ataque posicional’ da Seleção
O contexto era propício. Qualificação e primeiro lugar garantidos, mudança de oito elementos no 11 titular. Só que, mais uma vez, não justifica tudo: apenas silencia ou abafa os que dizem que mesmo um Portugal B ganharia à maior parte das seleções presentes na Alemanha. Não é verdade, porque o futebol é bem mais do que a soma dos jogadores utilizados.
A Geórgia apresentou-se como a Chéquia, de bloco baixo e à espreita. A lição, em teoria aprendida diante do conjunto de Ivan Hasek, tornava-se muito importante para a abordagem aos georgianos, até então mais caóticos em termos organizativos, embora com um Mamardashivili eficaz a defender a baliza.
Roberto Martínez tirou da mala de viagem novamente o ataque posicional e montou o esquema do primeiro jogo (com jogadores diferentes, que obviamente trouxeram um efeito díspar), porém a equipa voltou a mostrar-se rígida. Estava feito o esboço, faltava o resto: acertar o traço, contornos, colorir. E, mais importante, animar.
Parece claro o que o selecionador quer. Um ala por dentro. No entanto, até aí Cancelo faz mais sentido do que Dalot, porque pensa como médio e não como lateral, ao contrário do companheiro. Ainda que tenha saído do seu pé direito uma das raras oportunidades, negada pela mão menos aconselhável no imponente voo do guarda-redes.
Só que a estratégia, reconheça-se, não tem resultado. Com a Chéquia, Cancelo não conduziu a bola, não arriscou, não criou roturas. Havia mais gente a reclamar a batuta e Vitinha até a entregou menos do que o costume a Bruno Fernandes ou a Bernardo. Houve superioridade numérica e a reação à perda funcionou 45 minutos, porém depois implodiu e, na segunda parte, a organização tornou-se instável. Portugal concedeu um golo e depois suou. Houve pouca capacidade de penetração e felicidade na reviravolta — basta ver os golos —, mas não fez disparar os alarmes. Com a Geórgia, Dalot perdeu-se no corredor central, mesmo que descaído sobre a direita. O facto de ser destro não o ajudou. Por sua vez, a superioridade numérica falhou na posse e ainda mais sem esta. Ao não estarem Bernardo e Bruno, importantes na contrapressão, a mudança de referências criou a confusão.
A interioridade do ala também não ajudou os extremos. Em ambos os encontros. No primeiro, Rafael Leão esteve pouco amparado na esquerda porque Cancelo encontrava-se no miolo e Nuno Mendes preso atrás — não havia dinâmica criada para que pudesse subir no terreno, ou seja, precisava da compensação posicional de um dos médios — tal como, no segundo, a irreverência de Francisco Conceição durou poucos minutos, com os caminhos rapidamente a serem tapados, devido à incapacidade de António Silva, pela sua natureza, de fazer o apoio pela direita. Ao mesmo tempo, Pedro Neto também esteve sem a companhia de quem pudesse fazer manobras de diversão pelo seu lado, mesmo com a aproximação de João Félix, claramente aquele que mais tentou ligar o jogo luso, porque não havia ninguém para a sobreposição.
O individualismo, sobre os flancos, muitas vezes em inferioridade numérica, não tem sido suficiente. Porque se defrontam blocos baixos. Nas duas vezes, linhas de 5.
Depois, não há contramovimentos, movimentos sem bola de atração do adversário, tantas vezes nem sequer um pouco de risco. Não há capacidade ou iniciativa de trabalhar a bola sobre um flanco, atrair em número o adversário, para isolar alguém no outro. Não se trata de velocidade de circulação, mas sim de queimar etapas na circulação. Envolver menos jogadores. Portugal coloca-se em posição e não se desmonta, mas também não desmonta os rivais.
Isso vai ao encontro da polémica linha de 3. Três centrais, todos rígidos, incapazes de quebrar linhas de pressão com o transporte. Daí Nuno Mendes até ter feito algum sentido por aí. Faltou o resto.
Cristiano Ronaldo, cuja presença no onze sempre me pareceu discutível, sobretudo quando começar a apertar em encontros a eliminar — embora se esteja a criar o cenário para que não haja contraditório e o jogo com a Geórgia tenha sido apenas mais um exemplo —, anda demasiado sozinho no ataque. É mais uma dinâmica que falta. Diogo Jota é o elemento que faz melhor esse tipo de movimentos e terá de entrar rapidamente na equação. E até ajudar à definição: a sua eventual presença a titular obrigará sempre a que alguém dê largura.
Não me parece, contudo, que seja apenas um problema de sistema, mas sim de dinâmicas, que não se notaram muito no 4x3x3 com a Turquia pelas vicissitudes do jogo e também pelo maior conforto de alguns jogadores nas suas posições: desde logo Nuno Mendes, capaz de dar largura pela esquerda, e até Cancelo, mesmo que por vezes ocupasse o canal entre lateral e central (o que era bem diferente do que Dalot andou a fazer), dado o entendimento natural com Bernardo Silva. Os turcos não apresentaram um bloco baixo e deixaram espaço. Até tiveram a primeira oportunidade, todavia depois fizeram hara kiri. Por isso, o esquema não foi testado perante uma equipa ultradefensiva como será a Eslovénia.
Um sistema, seja qual for, não é uma identidade, e algo não estará a passar para o relvado. É preciso perceber o quê e porquê. Claro que nada está perdido e há tanto talento que isso seria sempre impossível, mas os sinais não são bons. Martínez, que tem sido corajoso na hora de montar os esquemas, embora não tanto, por culpa própria e que vem de trás, quando escolhe os nomes para preencher as posições, tem rapidamente de encontrar a solução.
É legítimo que o selecionador queira jogar em 3x4x3 ou alternar esquemas. No entanto, a urgência agora não pode estar no rival que se defronta, mas sim em fazê-los funcionar. E não é claro que o 4x3x3 esteja assim tão apto como o jogo com a Turquia pareceu dar a entender. Embora pareça, tudo somado, ser o passo seguinte mais seguro no caminho. Por falta de tempo.
P.S. A crucificação de António Silva é inconcebível. É verdade que deve alertar o jogador para o momento menos feliz, mas apenas isso. E é preciso olhar além do erro. Sobretudo, no primeiro caso, o posicionamento da linha na construção e o dos apoios de Danilo no momento do passe para Kvaratskhelia."
Portugal: pior do que perder é não saber porquê
"Portugal tem pouco tempo para perceber o que falhou - e primeiros sinais não são bons
Uma das primeiras justificações encontradas por Roberto Martínez para o desastre frente à Geórgia foi Portugal ter entrado «com pouca intensidade». E talvez isso me tenha preocupado ainda mais do que aquele sistema que parece muito rigoroso mas funciona à base da anarquia, ou do que ter jogadores com tão grande talento e criatividade presos a supostos conceitos de segurança, que na prática só têm mostrado uma Seleção com pânico da perda de bola e demasiado exposta aos erros. É que desconfio que mais ninguém além do selecionador tenha terminado o jogo e pensado de imediato: a Geórgia foi mais intensa do que Portugal (seja lá o que isso for). Dar os parabéns pela exibição à 74.ª classificada do ranking FIFA de seleções não pode ser suficiente, há que olhar bem para dentro e corrigir rapidamente esta atração por colocar um conjunto de bons jogadores a tentar fazer coisas que os tornam maus.
No final, a autocrítica de Martínez acabou por limitar-se à «falta de definição perto da baliza» - quando me parece que o problema está em chegar perto dela -, mas mesmo aí também disse ter havido «uma exibição muito boa» do guarda-redes da Geórgia (não me lembro de nenhuma enorme defesa que tenha feito a diferença...). Isso e o penálti não assinalado sobre Cristiano Ronaldo, pois claro, não podia faltar... E não esquecer também o azar pelo golo cedo, que deixou os georgianos mais confortáveis num bloco baixo. Parece que estava tudo contra nós!
Resumidamente, o selecionador falou numa «mistura» de razões, mas não foi claro na resposta às perguntas bastante diretas dos jornalistas sobre a sua responsabilidade nesta derrota. Ficámos, então, sem saber se Roberto Martínez já percebeu o que correu mal contra a Geórgia (e a Chéquia, já agora), ou se a passagem aos oitavos de final será um voltar à estaca zero nas escolhas e decisões do selecionador. Gosto de treinadores que têm uma ideia e a defendem mesmo quando os resultados não a acompanham, mas tenho dificuldades em ver na cara de Ronaldo, Bruno Fernandes, Bernardo Silva, Rúben Neves, Diogo Dalot, João Cancelo e muitos outros uma equipa que sabe o que está a fazer e, talvez ainda mais importante, que acredita nisso.
E se muitas vezes somos críticos com os adeptos portugueses - na vitória contra a Turquia éramos os maiores e agora já somos os piores?!? - devo sublinhar aqui a maturidade de uma grande maioria que não se atirou a António Silva por oferecer dois golos à Geórgia. Porque quando tudo e todos parecem incapazes, é só mais fácil e redutor destacar isso.
Terminada a fase de grupos, a Seleção ainda não sabe como deve jogar e passa mais tempo preocupada com o que os outros podem fazer do que com o que sabemos fazer e não conseguimos. E se estes 90 minutos já não contavam para nada, pelo menos que servissem para se aprender com eles - o que duvido, tendo em conta esta análise no final."
Roger Schmidt como nunca o conhecemos
"Para conhecermos alguém precisamos de recuar às suas origens. Às suas motivações, inspirações e ambições. E esse será também o ponto de partida para nos conhecermos a nós mesmos. Como uma viagem a Dellbruck me mostrou um treinador diferente daquele que conhecemos na Luz
DELLBRUCK — Sou da opinião que para conhecermos alguém precisamos de recuar às suas origens. De ter um contato direto com as motivações, inspirações e ambições. Esse será sempre o ponto de partida também para nos conhecermos a nós mesmos. Os melhores e os piores. Todos os traços da personalidade são ali criados, nas raízes, nas vivências, na forma como nos relacionamos.
Nesta viagem de A BOLA ao ponto de partida do técnico das águias tive oportunidade única para conhecer aquele que julgo ser, sem margem para dúvida, o verdadeiro Roger Schimdt. Um treinador que, ao contrário de tantos outros, começou de baixo para cima, passou pelo caminho das pedras, para chegar, como sempre desejou, à elite do futebol europeu. Licenciado em engenharia mecânica, com uma carreira modesta como jogador, abdicou da estabilidade profissional que tinha para cumprir os seus sonhos. E foi essa ilusão que o levou alto e hoje serve de grande exemplo para os mais novos.
Treinador comunicativo, disciplinado, exigente e ambicioso. Sem nunca se desviar da sua linha orientadora, apesar dos obstáculos que foram aparecendo. Real, verdadeiro e de trato fácil. Daqueles que com ele foram crescendo, no início de carreira, nesta viagem às suas origens, retenho uma frase. «Isto no futebol pode mudar uma pessoa conforme a exigência do clube. Para conhecerem Schmidt era preciso conhecerem Dellbruck», diz-me um faz-tudo deste clube germânico que por ali anda há mais de 30 anos. Como os compreendo… No futebol atual somos moldados àquilo que os clubes querem que nós sejamos. E isso nem sempre é fácil de ser interiorizado e digerido pelos treinadores.
Há quem consiga, com disfarce, aceitar tudo e quem rejeite a ideia, colocando-o como refém de um primeiro resultado negativo. Schmidt parece estar no meio. E em Portugal nunca vimos o Roger Schmidt que o povo de Dellbruck conhece. Essa pessoa afável, próxima dos jogadores e das pessoas. Que fala, explica e justifica. Na Luz, as ideias e convicções parecem sempre perder-se nas palavras. A barreira linguística pode ser entrave, mas no mundo em que vivemos não serve de desculpa. Mais do que se encontrar com o Benfica, Schmidt terá de se encontrar consigo e ser aquele treinador, sedento de ambição, que subiu o Dellbruck na distrital alemã. E isso só depende dele…"