segunda-feira, 3 de julho de 2023

Efab⚽lação (37) All Cristiano: o Profeta e a Montanha


"Se o futebol fosse uma Religião, Cristiano Ronaldo seria o seu Profeta. Se o Reino Saudita fosse apenas a colina de Safa, lá existiria um vulcão a expelir torrentes de ouro negro, como os poços do deserto da Arábia.
Diz o livro que o monte sobranceiro a Mecca não se moveu quando Maomé o chamou para provar as suas profecias, não porque falhasse o milagre, mas apenas por misericórdia divina de não esmagar as pessoas com o terramoto pretendido: “Irei eu à montanha, agradecer a Deus por nos ter poupado uma geração de obstinados”.
Assim fez Cristiano Ronaldo: em vez de esperar que o dinheiro da Arábia Saudita viesse esmagar a lógica competitiva do futebol internacional, foi ele mesmo para Riade banhar-se na inesgotável montanha dos petrodólares. E arrastando agora uma legião de “obstinados” para quem o profano dinheiro também vale muito mais do que o milagre da vida.
- E pure si muove!
Diz o mensageiro que a Liga da Arábia Saudita, cheia de jogadores e treinadores portugueses e pré-reformados de outros países periféricos, é "muito competitiva” e vai ser uma das melhores. Só Lionel Messi não foi suficientemente crédulo - ou estúpido - para lhe seguir a peregrinação.
Permito-me o pecado da dúvida, quiçá da descrença, Cristiano seja louvado! Que adepto europeu em seu perfeito juízo se dispõe a seguir a Liga da Arábia Saudita? Nenhum. Porque há uma barreira cultural que não permite sequer decorar o nome dos clubes, quanto mais associar-lhes os jogadores ou treinadores e entender as rivalidades.
Há craques ingleses na Liga Saudita? Há alemães? Espanhóis? Italianos? Não, apenas portugueses, franceses islâmicos e alguns africanos e sul-americanos de segunda categoria para fazer número. Nunca suficientes para subir o nível de penúria deste campeonato a um ponto de interesse do público consumidor europeu - ou, sequer, o asiático, que há-de sempre preferir as tradicionais disputas no velho continente.
Em seis meses do melhor jogador do Mundo ao serviço do Al-Nassr, nem um jornal, nem uma televisão, nacional ou internacional, teve interesse em reportar a vida desportiva de qualquer dos nossos heróis com nome de “infiéis”, no coração da vida islâmica, de Cristiano a Jesus, passando por Espírito Santo.
Eles estão no exílio, podres de ricos, mas desportivamente indigentes. Descartados. A indiferença tem sido tão gritante que não pode deixar de se associar o súbito interesse do jogador pelo negócio da informação à ideia de uma próxima jogada de propaganda desesperada ao seu ocaso desportivo: mal posso esperar pelos “pés em riste” e “polémicas” tontas nos rodapés da CMTV de um acalorado “late show” All Cristiano.
Estes erros já tinham sido cometidos há muitos anos com a tentativa de impor o “soccer” nos Estados Unidos, através da contratação de grandes jogadores em fim de carreira - e foram só Pelé, Cruyff, Eusébio, entre muitos outros. E mais recentemente com o estouro de mais de cinco mil milhões de euros em quatro anos na Super Liga da China, levando à falência 16 dos clubes profissionais criados. Porque onde não há religião, nunca haverá fé.
A lavagem do dinheiro saudita enche o tambor da máquina do futebol depois de idênticos empreendimentos noutras modalidades, em particular o golfe, com a sua LIV Golf, que dinamitou o modesto European Tour e fez abanar a poderosa PGA americana, contratando a maioria dos melhores jogadores mundiais e propondo um modelo de competição e de cobertura mediática realmente inovadores numa modalidade tradicionalmente bloqueada por modelos conservadores.
Porém, o sucesso ainda relativo do LIV Golf não me parece replicável no futebol: à excepção da final, as provas são todas realizadas bem longe de Riade, da Austrália à Califórnia, passando pela Andaluzia, onde está esta semana, e não há qualquer jogador saudita envolvido.
Ou seja, quando ajoelha e se prosterna de bolsos bem abertos e virados para Riade, o futebol e o desporto só esperam o milagre da chuva de dinheiro, montanhas dele, e só recitam versículos de sete ou oito algarismos - o “sportswashing” como ritual sagrado."

Uma aventura portuguesa


"Em 1953, uma seleção de Trindade e Tobago fez uma digressão a Inglaterra - com Matthew Nunes e Joey Gonsalves.

A viagem entre Port-of-Spain, na ilha de Trinidad, e Scarborough, em Tobago, é de três horas num ferry confortável como poucos e que anda suficientemente devagar para que vamos apreciando os contornos de Saint James, Point Gourde, e as ilhotas de Chacachacare e Monos, portões de entrada daquilo a que chamam Bocas del Dragón, o verde das árvores da borracha e das casuarinas que se atiram com brusquidão pelas encostas e mergulham num azul tão brilhante que se torna impossível de descrever. Se Port-of-Spain já exibe, com orgulho, meia dúzia de arranha-céus espelhados (não tão altos quanto isso), acompanhando a moda que se implantou nos países do Golfo Pérsico, Scarborough é uma terriola desengraçada onde não se consegue dar uma dentada em nada melhor do que um seco frango assado há horas apesar de, depois de tomarmos a Winward Road em direção a norte, podemos finalmente entrar naquelas praias de areia branca que são tão boas para postais como para escurecer um pouco o coiro já amolecido de tantos e tantos quilómetros de avião, carro e barco. Podemos, por outro lado, atravessar Orange Hill, pasar por Arnos Valley e Plymouth e descer até à baía de Fort James. Se Trinidad é uma ilha cheia de altos e baixos - o ponto mais alto do país é o El Cerro del Aripo com 940 metros de altitude (ou será de altura?), a sua irmã gémea mais pequena, Tobago, prima por ser mais lisa.
Acho que, até dois rapazes idos desta parte para jogarem na Académica pela mão do meu amigo To-Zé Francisco, os portugueses pouco ligaram a Trindade e Tobago. Mas nem todos. Entre 1834 e 1975 um caterva de madeirenses foi à procura de melhores condições de vida num par de ilhas que, tirando a areia branca, nada devem à deles. Os açorianos vieram depois. Uns e outros eram, na maioria, judeus, e nomes portugueses são ainda fáceis de encontrar na comunidade marrano do país. Parece que, ao todo, terão sido cerca de dois mil. Mas eu, se fosse a si, não me fiava nas contas. Depois seguiu-se um acordo económico com a Inglaterra no qual os ingleses se obrigavam a contratar uma primeira leva de 250 madeirenses para trabalharem nas ilhas, seguida de outra, posterior, de 773 - não admira, portanto, que encontremos, aqui e ali, casas de comercio chamadas Ferreira ou Fernandes. E sobretudo duas associações com peso na comunidade local: a Associação Portuguesa Primeiro de Dezembro e o Portuguese Club.
Os anos 50 foram fervilhantes para o futebol tobaguenho - a pesar de Trinidad ser a maior das ilhas, os habitantes são geralmente referidos como os da ilha mais pequeña. Sobretudo quando, em Agosto de 1953, uma seleção de jogadores de Trindade e Tobago embarcaram no SS Golfito em direção a Inglaterra para fazerem uma digressão na qual pudessem mostrar a qualidade do seu futebol. No dia 24 de agosto o navio atracou no porto de Southampton. Estavam agendados 13 encontros contra equipas mais de pacotilha, como aconteceu com o Dorset, na estreia, derrota por 3-7. Ninguém estava à espera de muito melhor. Afinal era a primeira vez que uma equipa de Trinidad e Tobago abandonava o conforto morno aqui das suas ilhas para jogar no estrangeiro.
Apesar de tudo, os tobaguenhos tinham a sua dose de orgulho e não estavam para fazer figura de bacocos em todos os jogos. Por isso, na segunda partida, contra o Somerset, tiraram-se das suas tamanquinhas e trataram de ganhar por 1-0 para enorme alegria do grupo de aventureiros que fora deste lado do Atlântico onde me encontro. O golo foi marcado por Matthew Nunes, um filho de portugueses, habitual titular da seleção e que era tão considerado na região que foi chamado por diversas vezes à Seleção das Caraíbas que se juntava de vez em quando para jogar sobretudo com os Estados Unidos e México, ou com seleções de países da América Central.
No total, os tobaguenhos realizaram 14 jogos entre os dias 16 de agosto e 10 de outubro. Naquele tempo uma digressão era um caso sério, no verdadeiro sentido do termo. Perderam frente ao Blackburn Rovers (o adversário menos pindérico) por 1-4 e face ao Lovell’s Athletic (1-2), Barnstaple Town (1-2), Plymouth Argyle (0-3) e Corinthian League (2-4).
Andrew Delapruche, um poeta tobaguenho, escreveu certa vez:
«Absolutely nothing stops the pipeline
it penetrates all ways of life
all borders, all villages & towns
the pipeline kills everything in its path if it dare stand in the way
of its progress
with black gold funneling back to the
land of the free».
De repente, os homens da terra da gente livre, rebelaram-se: venceram o Ilfracombe Town (2-1), o Torquaay United (4-0), e a Seleção da Cornualha (6-3 e 4-2). Imparáveis como o pipeline Mattew Nunes foi dos melhores e marcou cinco golos. Mas o herói de Trindade e Tobago também tinha sangue português: Joey Gonsalves, filho de açorianos, guarda-redes e capitão de equipa. Deram-lhe a alcunha de Curry Man. O Homem-Caril cujas defesas faziam crescer água na boca..."

Amor sem fronteiras!

Milagre das contas!!!


"E pronto, aí estão os incêndios. Tudo a arder, que desgraça. Curioso que este em particular não tem cobertura mediática. Um fenómeno."

Inigualável...

Presidente, só nas vitórias?!