quarta-feira, 29 de março de 2023

Porque não acredito que a Kings League seja uma ameaça ao futebol (embora haja ali muita coisa boa)


"Há um prazer inebriante na novidade. Um entusiasmo juvenil, uma felicidade delicada.
A novidade empolga, estimula, emociona. Chega a ser encantador como gestos tão simples se tornam especiais. Carregar no play diante de um filme novo, por exemplo. Descobrir um bom vinho que não se conhece. Correr para dar o primeiro mergulho naquele mar.
O início é sempre assim, inteiro e limpo, como escrevia Sophia de Mello Breyner.
Raramente nas histórias de amor o coração acelera tão descompassado como naqueles instantes imediatamente antes de se dar o primeiro beijo.
Será falta de ferro? Excesso de cafeína? Um pedido de pacemaker?
A verdade, meus caros, é que a novidade é viciante. Deliciosamente viciante, aliás. Uma fonte inesgotável de prazer.
Piqué descobriu-o há coisa de três anos, quando aproveitou a pandemia para criar aquele campeonato do mundo de balões de ar. Quem apostava que um torneio em que o objetivo era não deixar cair um balão pudesse ser um sucesso? Mas foi. Um tremendo sucesso, aliás. Milhares de pessoas inscreveram-se numa plataforma e seguiram os jogos ao vivo.
No final Piqué tinha ficado com uma base de dados de potenciais clientes e criado uma comunidade.
Ora essa espécie de experiência foi o tubo de ensaio para algo muito maior. A Kings League. O segredo é o mesmo, basicamente: criar um produto que atraia o público que se apaixona arrebatadoramente por novidades e entregá-lo através de canais de streaming. Com um extra, desta vez: o futebol.
Mas sejamos claros, o futebol é só um pretexto. Não acredito que alguém siga a Kings League por causa dos jogadores ou dos resultados. O que conta ali é o entretenimento, todo o espetáculo que é criado à volta do jogo e que tem nas figuras públicas que vestem o papel de presidentes os verdadeiros protagonistas.
Interessa perceber o que os jogadores dizem aos árbitros, e ver como reagem os presidentes. Interessa ouvir o que os treinadores gritam, e como reagem os presidentes. Interessa olhar a cara de um jogador que se lesionou, e ver como reagem os presidentes.
Interessa no fundo olhar tudo, ouvir tudo, entrar dentro de campo e no balneário, perceber as conversas e ver a reação dos reais protagonistas, que na tribuna torcem e sofrem com uma câmara apontada a eles.
A Kings League é no fundo o casamento perfeito entre futebol e o big brother. Ou melhor, o casamento perfeito entre futebol, big brother e e-games, porque as cartas que viram os jogos completamente do avesso a qualquer instante são parte importante da equação.
O resto é promoção e é o que Piqué sabe trabalhar melhor.
Basta lembrar, a esse propósito, o que fez quando rebentou o escândalo da Supertaça Espanhola na Arábia Saudita. O país inteiro queria ouvi-lo explicar-se. Ele podia convocar uma conferência de imprensa para uma sala de hotel, mas inteligente e perspicaz preferiu fazê-la através da conta pessoal da Twitch. Toda a gente podia acompanhar a conferência ao vivo, embora só os jornalistas pudessem fazer perguntas. Conclusão: cem mil pessoas ligaram-se ao canal dele.
Isto, sim, é promoção. Genial ou não?
Ora por isso, e sabendo que o triunfo da Kings League dependeria do sucesso da promoção, Piqué chamou para o jogo dez dos mais famosos streamers espanhóis. Que trouxeram com eles a respetiva comunidade que os acompanha.
Podia ter convidado antigos jogadores, por exemplo, mas não era a mesma coisa. Por isso do mundo do futebol só chamou Kun Aguero e Casillas, curiosamente duas estrelas com uma presença muito forte nas redes sociais. De resto, dos doze presidentes convidados, dez vinham do mundo do streaming.
A partir daqui foi só alimentar o que tinha criado. Todas as semanas havia uma notícia viral. Podiam ser os elogios de Ricardinho, a presença de Ronaldinho ou a chegada de um jogador fantasma que não podia revelar a identidade. A Kings League era sempre tema de convesa, estava sempre nas trends do momento.
Conclusão: a primeira edição da Kings League foi um sucesso e não faltou quem visse neste jogo o futuro do desporto.
Mas será que é mesmo uma ameaça ao futebol?
Honestamente, não acredito. Não acredito nem mesmo um bocadinho.
Antes de mais, porque a Kings League viveu do fator novidade e como ela pode ser inebriante, lá está. Foi buscar um público jovem, que gosta de fugir do mainstream, mas que mais tarde ou mais cedo vai partir com a mesma rapidez com que chegou. Provavelmente à procura de outra novidade inebriante.
Não acredito que seja uma ameaça também porque não alimenta paixões. Não faz sonhar as crianças. Nenhum miúdo vai para a rua ou para a escola fazer um jogo com os amigos de Kings League. Aquilo tem muito pouco a ver com futebol, aliás.
Na melhor das hipóteses, será uma ameaça à Netflix, mais do que ao futebol.
Mas há na Kings League uma série de coisas boas e que deviam ser aproveitadas pelo futebol. Por exemplo, aquela capacidade de chegar a uma larga comunidade que vive nas plataformas de streaming. Ou a possibilidade de nos fazer mergulhar dentro do jogo e não ficar apenas de fora a ver. A forma como consumimos futebol tem de evoluir e tem de nos conquistar outra vez. As novas gerações já não aceitam ser apenas espectadoras. É preciso levá-las para dentro do jogo, mostrar-lhes os pormenores, abrir-lhes as portas das grandes estrelas.
O jogo tem de ser mais inclusivo, mais moderno.
Como já o começam a ser outras modalidades, alias, que nos permitem ouvir os treinadores ou as explicações dos árbitros em tempo real.
Infelizmente o futebol é um velho do Restelo. Continua a servir-nos o jogo da mesma forma há décadas, com raras e sempre muito lentas evoluções. Enquanto isso há uma e outra geração que vive nas redes sociais e nas plataformas de streaming, que se está a afastar do futebol e a contagiar outros como elas.
Precisam de novidades que os empolguem, que os estimulem, que os emocionem. Uma coisa verdadeiramente encantadora.
A Kings League já mostrou que é possível."

O homem que talvez tenha morrido de costas


"Começou a correr e a cerca de quatro metros da fasquia fez uma curva ligeira e voou de costas deixando bocas abertas de espanto

Não sei se se voa para a morte. Afinal ninguém regressa de lá para contar, não é? Claro que se eu agora for à varanda e me lançar no vazio tenho um percentagem de ir desta para melhor (será mesmo melhor?) mas não é no voo que morro é quando as minhas ossadas esbarrarem no chão lá em baixo, frente ao Sado, e umas poucas de vísceras se esmagarem obedecendo com rigor à velha Lei de Newton. Estou certo de que se alguém morreu voando esse alguém tinha alma de pássaro e sabia todos os segredos do verbo voar como Richard Douglas Fosbury que decidiu partir há pouco para essa planície onde o espaço é suficientemente infinito para que nele caibam todos os anjos. Ou então ultrapassou voando de costas sobre a fasquia da Senhora da Pensão da Vida aterrando do outro lado num daqueles colchões que, na Cidade do México estavam à sua espera como se fossem fiapos de algodão. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, título que só por si já é um romance, Machado de Assis dizia que era preferível cair das nuvens do que de um terceiro andar. Mas pode dizer-se sem fugir grandemente à verdade que naquele dia 20 de outubro de 1968 Dick caiu das nuvens em cima da medalha e ouro olímpica do salto em altura. E de uma maneira que muito poucos tinham visto até então.
A técnica que Fosbury aplicou nessas Olimpíadas ganhou o seu nome: Fosbury Flop. Até então a prática estava na utilização do sistema de rolamento ventral que já viera tomar o lugar do salto-de-tesoura tão primitivo que já começava a parecer tirado de um filme de Buster Keaton. Nessa tarde de outubro todo o mundo assistiu um daqueles acontecimentos que ficam presos na memória como se tivessem sido condenados às caldeiras de Pêro Botelho. Dick começou a correr em direção à fasquia e aí a quatro metros de iniciar o salto fez uma ligeira curva antes de se erguer de costas ultrapassando os 2,24 metros, dois centímetros acima do seu compatriota Ed Caruthers e quatro acima do soviético Valentin Gavrilov. Foi definitivamente maravilhoso. E de tal forma encantador e fascinante que nos Jogos Olímpicos que se seguiram, em Munique-1972, 28 dos 40 atletas que participaram na prova de salto em altura imitaram Fosbury. Dick dera um passo para o futuro e já não havia volta atrás. Hoje não há mais quem se arrisque a regressar ao rolamento ventral. Afinal ficou comprovado que o Fosbury Flop era muito mais eficaz e que só através dele se poderiam superar marcas até então incríveis.
Bom, se pensam que Dick resolveu assim, de um momento para o outro, dar aquela voltinha sobre si mesmo e passar de costas sobre a fasquia em direção ao ouro olímpico estão muito enganados. Apesar de ter nascido em Portland, no Oregon, capital de um Estado com uma população de madeireiros mais do género de Paul Bunyan do que propriamente de um trinca-espinhas com 1,93 que parecia estar à beira de se desmanchar a cada movimento mais brusco, o jovem Fosbury não deixou que o seu Flop fosse obra do acaso. Com 16 anos, a estudar em Medford, fazendo parte da equipa desportiva da universidade, a ideia de alterar por completo a forma como abordava a fasquia na altura de se preparar para voar sobre ela bailou na sua cabeça com uma teimosia notável. Não teve pejo de avisar o seu treinador que considerava o Método Straddle (rolamento ventral) um embaraço completo para saltadores com uma planta física próxima da sua. E apesar de o treinador se ter estado completamente nas tintas para as amalucadas ideias de Dick, mal este se transferiu para a Universidade do Estado, em Corvalis, não tardou a impingi-las ao novo responsável pelas suas sessões de treino. Menos cabeça-de-mula do que o seu antecessor, Berny Wagner, o seu novo mestre, continuou a insistir para que Fosbury mantivesse o estilo clássico embora o deixasse praticar a sua criação com uma razoável dose de liberdade, algo que fez Dick tornar-se cada vez mais confiante no aperfeiçoamento do seu muito peculiar estilo.
Dick Fosbury morreu no último dia 12 de março com 76 anos. Talvez já não tivesse a elasticidade plástica para sobrevoar de costas um fasquia mesmo que esta estivesse apenas a um metro do chão. Em 2015, surgiu nos ecrãs um filme chamado Broken Arrows com banda sonora do DJ sueco Avicii fazendo trovejar a voz de Zac Brown. Logo no início o espetador é devidamente avisado ‘Inspired by a True Story’. A trama dá-nos um protagonista infeliz, um atleta que vive na cidade ficcional de Fairmont, na Florida, com a filha, numa autocaravana a cair aos pedaços. Mergulhado num ambiente de desespero e de alcoolismo, vai ser à custa da força de vontade da garotinha que conseguirá sacudir a desgraça dos ombros e chegar a campeão olímpico de 1968.
«I will meet you by the witness tree
Leave the whole world behind».
Dick sempre foi um solitário. Mesmo quando voava de costas."

Eliminação na Alemanha...

Flensburg 33 - 28 Benfica
(19-15)

Os números de hoje até foram 'normais' o problema foi a derrota pesada na 1.ª mão, na Luz!
Adeus à Europa, após o triunfo do ano passado, havia a consciência de que o plantel este ano, não está ao mesmo nível e que os nossos adversários iriam ter outro 'respeito' pelo Benfica... mesmo assim, acho que podiamos ter feito melhor! Na fase de grupos o 4.º lugar, acabou por empurrar o Benfica para um Sorteio, contra um dos favoritos nesta fase... e esse 4.º lugar, ficou muito aquém do nosso potencial!

Algo de errado não está certo!!!

Circo...


"Anos e anos de e-mails.
Anos e anos de conversas de Whatsapp.
Anos e anos de escutas telefónicas.
Anos e anos de pseudo-notícias de jornais.
E é isto que têm para apresentar?
Belo circo que montaram."

O resto é com a intensidade


"1. E ponto. Chegou-nos a primavera. É a primavera mais ansiada dos últimos tempos, não é? Que a nova estação nos traga tudo por que suspiramos. A redenção do mau tempo, do frio, do gelo, das intempéries, dos vendavais. Gloriosa primavera, precisamos de ti em todo o teu esplendor. Cá estamos para te receber e saudar-te passo a passo na tua caminhada, na nossa caminhada. Chegou, finalmente, o tempo das papoilas vermelhas pelos campos e à beira dos caminhos. Abril, maio, junho, estamos à vossa espera.

2. O FC Internazionale de Milão será o nosso adversário nos quartos-de-final da Liga dos Campeões. Assim o ditou o sorteio de Nyon na semana passada. Saiu-nos o Inter, com quem jogaremos duas vezes já no próximo mês. A imprensa milanesa saudou o sorteio vendo no Benfica a equipa mais apetecível. logo vieram uns quantos ex-jogadores italianos alertar que a coisa não é bem assim.

3. Figuras como António Cassano não hesitaram em proferir o seu veredito: 'O Benfica mete medo e joga muito melhor do que o Inter'. Já Daniele Adani foi ainda mais taxativo: 'Inter ou Benfica? Vejo o Benfica na meia-final'.

4. As palavras são muito bonitas, mas não nos devemos deixar embalar por estes elogios que nos sabem bem e que elevam o nome do Benfica no panorama europeu. Pés na terra. O resto é com a intensidade.

5. O Benfica, que venceu o Vitória, viu alargada a vantagem sobre o 2.º classificado e sobre o 3.º classificado, que empatam entre si, concluída que foi a 25.ª jornada do campeonato nacional de futebol. Melhor assim, sem dúvida. O jogo com o Vitória teve uma primeira parte de grande categoria da equipa de Roger Schmidt e deixou extasiadas as bancadas da Luz. Foi bom de se ver. As obrigações da selecção nacional forçam agora uma pausa na Liga. Enfim, um aborrecimento. Que voltem bem.

6. Em Braga, o jogo entre os nossos perseguidores terminou com o resultado de 0-0. Sem golos, portanto. Que sorte a deles. Assim não terão de ouvir o treinador do Vitória, de pseudónimo Moreno, palestrar sobre a praga dos 'golos esquisitos' que só estragam o jogo.

7. Morreu Rui Nabeiro, aos 91 anos, um homem único no mundo empresarial do nosso país. Partiu com o reconhecimento que lhe era devido pelos seus pares, pelos seus trabalhadores, pela sua cidade, pela sua região e pelo seu país. E, obviamente, também pelo Benfica, que, muito justamente, evocou nas suas redes sociais Rui Nabeiro, o sócio n.º 4696, emblema de ouro de dedicação ao seu clube. E com que orgulho podemos dizer hoje e sempre que Rui Nabeiro era um dos nosso, um de nós."

Leonor Pinhão, in O Benfica