sábado, 4 de setembro de 2021
Isto apenas começou
"Aos primeiros sinais a Liga portuguesa promete, pelo menos há de ser melhor que a anterior, o que não é difícil, reconheça-se, tão mal se jogou globalmente. O campeão Sporting não muda de perfil, apesar de ter perdido dois jogadores fundamentais, Nuno Mendes e João Mário. Como esses não tem, ou seja, nessas funções está mais frágil. À esquerda, Vinagre vai fazer o lugar com competência, sobretudo na estrutura habitual (de 1x5x2x3) que o liberta, mas não tem a qualidade exuberante do agora parisiense. A alternativa óbvia é Nuno Santos, também há Matheus Reis, mas não falta já quem fale do miúdo Flávio Nazinho como o Nuno Mendes de 2003. É só ficarmos atentos, que Amorim não treme na hora de lançar miúdos. Para a vaga de João Mário, sendo óbvia a prioridade dada a Matheus Nunes, a equipa perde em critério o que ganha em aceleração. Em jogos mais difíceis de desmontar, perante adversários que escondem melhor os espaços (como aconteceu em Famalicão), nota-se que falta criatividade na dupla Palhinha-Matheus, nascida mais para pressionar que para jogar. Daniel Bragança é a solução mais próxima do agora benfiquista, porque vê mais campo e passa muito melhor, mas nessa zona do campo Amorim já é bem mais conservador que temerário. E há ainda Ugarte, cuja evolução é obviamente prometedora. Onde o leão fica claramente mais forte é nas duas posições em redor do ponta de lança, que Pablo Sarabia está muito acima do que poderiam garantir Jovane, Nuno Santos ou Tiago Tomás. Com Paulinho como referência, o Sporting passa a ter dois jogadores, e não só um (Pedro Gonçalves), que resolvem jogos sozinhos, mesmo que o espaço rareie. Para uma equipa que é curta em criatividade coletiva, pode ser muito mais importante do que parece.
Seguindo a classificação da época anterior, olhemos o Porto, que perdeu – embora poucos o lembrem já – Marega, jogador referência dos últimos anos, fosse no ataque direto à profundidade ou da capacidade para duelos que permitiam à equipa subir metros e cair pressionante sobre o adversário. Por outro lado, voltou a ter um lateral esquerdo de nível internacional, Wendell, passada que foi a onda de ilusão com Zaidu (como foi possível que tantos tenham afirmado que fizera esquecer Alex Telles?), descobriu em casa um lateral direito, João Mário, melhor que os vários que ensaiou em anos sucessivos e ainda recuperou Marcano, o melhor central que tem para construir. Está, por isso, bem melhor na defesa. E também no meio campo, onde se há crise é de fartura. Sem ter perdido ninguém – Sérgio Oliveira, Uribe, Otávio, Luis Díaz, Corona, todos os titulares dos últimos anos – resgatou Vitinha (com tudo para ser jogador de topo, assim jogue) e Bruno Costa, e ainda vê crescer mais dois talentos raros como Fábio Vieira e Francisco Conceição, que reclamam novas oportunidades. Difícil mesmo vai ser gerir os contentamentos e os descontentes. Só no ataque, e apesar da qualidade indiscutível de Taremi, não há fartura idêntica, porque nem Toni Martínez (apesar do excelente arranque) nem Evanilson são herdeiros na linha de um Jackson ou Falcao. Mesmo assim, o plantel é muito forte, Sérgio Conceição vai na quinta época, pelo que toda a ambição é permitida, pelo menos no plano interno.
O Benfica também fortaleceu um plantel que já era forte. Os melhores jogadores que perdeu – talentos como Waldschmidt e Pedrinho – foi porque quis, mas acrescentou qualidade global ao grupo. O lateral/ala direito de qualidade, e que era necessário há anos, chegou finalmente, o austríaco Lázaro, porque André Almeida não tem condições para ser ala e só Diogo Gonçalves seria curto. Gilberto é uma contratação falhada e não há golo feliz que o desminta, apenas ilude. Do lado contrário, Gil Dias ainda não se assumiu como alternativa a Grimaldo mas Nuno Tavares também não era. Meité parece-me a contratação desnecessária, perante a qualidade superior de Weigl e a alternativa (que havia) de Florentino. Gastaram-se uns milhões no jogador que muitos reclamavam para o meio campo encarnado (na eterna ilusão de que a solidez vem do físico) mas que nem constrói jogo com qualidade na posição 6 nem terá capacidade de o transportar como Jesus gosta se jogar a 8. Mas a ver vamos, que a procissão vai no adro e o francês será sempre melhor alternativa que Samaris ou Gabriel, sobrevalorizados durante anos, também pela crítica, ou sobretudo por esta. Qualidade indiscutível acrescentam João Mário, pela lucidez com que torna tudo simples e fluido - custa perceber como foi tão pouco valorizado na época passada -, e Yaremchuk, ponta de lança de qualidade, explosivo quando necessário, mas com uma qualidade técnica que lhe permite maior ligação com os colegas do que conseguiriam, por exemplo, Darwin ou Vinícius. E há ainda Rodrigo Pinho, o menos falado dos reforços, mas que acredito ser o que melhor finaliza entre todos os atacantes das águias, além de uma capacidade de se associar e ligar jogo que nenhum dos outros tem. O problema será o de ter oportunidades continuadas e sem ser forçado a movimentos para os corredores laterais, num elenco onde permanecem Seferovic e Darwin e emerge ainda Gonçalo Ramos. Com Radonjic somado à lista dos extremos, não faltam a Jorge Jesus soluções, de qualidade e quantidade, para jogar na estrutura que lhe apetecer e apresentar qualidade regular, independentemente dos apertos de calendário.
Pela primeira vez em mais de 30 anos, nenhum dos três grandes mudou de treinador, o que anula também as desculpas de desconhecimento do grupo, de início de ciclo e coisas do género. E acrescento o Sporting de Braga, onde também Carlos Carvalhal prossegue e com condições para fazer melhor ainda, assim tenha tempo e paz para isso. Ao Braga voltarei em breve e ao talento acrescentado que pode ter na equipa, como quero ver mais do Vitória de Pepa, que noto ainda indefinido quanto a prioridades de jogo, e das melhores notícias deste início de campeonato: Estoril, Vizela e Boavista, mais um Famalicão que já pareceu coisa diferente diante do Sporting. É sempre assim a cada recomeço. Acredito mesmo que não há momento igual no futebol, quando a esperança renasce, o entusiasmo cresce e todos os sonhos são possíveis. Isto apenas começou."
O fim do Cartão de Adepto ou o sonho de uma noite de Verão
"Os estádios estão vazios, as pessoas não têm dinheiro, mas o Governo ainda arranjou maneira de tirar mais pessoas dos estádios, mais dinheiro às pessoas e inventou mais um imposto sobre o futebol.
Foi, provavelmente, a visão da enésima bancada vazia atrás de uma baliza que ficou ali a maquinar no inconsciente. A noite passada sonhei que encontrava no café o Primeiro-Ministro António Costa. E, entre uma cerveja e duas ou três palavras de circunstância, perguntei-lhe o que pensa fazer em relação à mais recente trapalhada do futebol português: o inefável “Cartão do Adepto”.
Eis um resumo da conversa, mais ou menos como ela (não) aconteceu:
– O senhor Primeiro-Ministro tem de recuar naquela ideia peregrina do Cartão do Adepto. Já teve de safar tanta trapalhada dos seus ministros, vai ter de resolver mais esta.
– Qual é o problema do Cartão do Adepto?
– Bom, por qual começar? Para já, em pleno século XXI, exigir que um cidadão forneça um conjunto de dados pessoais só para ir assistir a um jogo de futebol é um ataque aos direitos, liberdades e garantias constitucionais. Depois, logo agora que os clubes andam a tentar recuperar de um ano e meio de jogos à porta fechada e que os adeptos têm de se sujeitar aos 30 ou 50% de lugares permitidos pela Direção-Geral de Saúde, ainda criámos mais um obstáculo no acesso do público aos estádios.
– Não podíamos continuar de braços cruzados perante a indisciplina dos grupos organizados de adeptos – disse o António Costa imaginário. O cartão é uma forma de combater o racismo, a xenofobia e a intolerância.
– Eu diria mais, que é paternalismo, totalitarismo e ganância. Não foi o senhor que inventou o Simplex?
– Então, não fui? Concentrámos cinco ou seis documentos num só cartão, entre muitas outras medidas de simplificação da administração pública e da economia!
– Então, porque é que agora está a complicar? Acha normal que um cidadão português precise de menos burocracia para entrar na Lituânia do que num estádio da I Liga? Para nos identificarmos em qualquer situação, para irmos às Finanças, para irmos ao médico, para votar – até para viajar pela União Europeia – basta o cartão do cidadão, mas para ir ao futebol precisamos de fazer um cartão específico?
– O Cartão do Adepto não é uma extravagância nossa – disse o Primeiro-Ministro no meu sonho, já em tom de orgulho ligeiramente ferido. Outros países já tomaram iniciativas semelhantes…
– E já todos desistiram delas! Só a Itália é que mantém uma regra parecida e, mesmo assim, sabe como funciona? Quando compram o bilhete, as pessoas têm de dar o seu número de contribuinte, até para evitar a revenda. É o que já se faz em certos espetáculos culturais…
– Só isso? Não criaram nenhum cartão?
– Senhor Primeiro-Ministro, se a questão é identificar as pessoas, basta o cartão do cidadão. Mas, se não quer voltar atrás para não perder a face, ao menos faça o cartão em formato digital – e gratuito! O certificado da vacinação contra a Covid-19 é digital, mas o Cartão do Adepto tem de ser físico porquê? A máquina do Estado nem os cartões do cidadão consegue fazer a tempo! Como é que vai criar toda uma nova estrutura só para fazer cartões para o futebol?
– Sim, senhor. Tomo boa nota.
– E, no fim, ainda cobram 20 euros?! Por um cartão com validade de três anos?! Os estádios estão vazios, as pessoas não têm dinheiro, mas o Governo ainda arranjou maneira de tirar mais pessoas dos estádios, mais dinheiro às pessoas e inventou mais um imposto sobre o futebol!
– Tomo boa nota, repetiu o Primeiro-Ministro, claramente já com pouca vontade de me ouvir.
– Só mais uma coisa, senhor Primeiro-Ministro: o cartão é para maiores de 16 anos. Como é que eu vou com os meus filhos ao futebol? Compro bilhete para a central, para gritar golo no meio dos adeptos da casa? Se quer mesmo criar uma zona para as claques, ao menos crie outra para as famílias, para os grupos de adeptos “não organizados”.
– Vou falar com o senhor secretário de Estado do Desporto e ver o que se pode fazer.
– O seu secretário de Estado, senhor Primeiro-Ministro, duvido que alguma vez tivesse entrado num estádio de futebol antes de ser secretário de Estado. E já que o Presidente da Liga também não lhe diz nada e se limita a acatar uma norma que vai contra todo e qualquer interesse dos clubes, digo-lhe eu: esta portaria não funciona e nunca vai funcionar. Está errada e é preciso acabar com ela ou alterá-la radicalmente.
– Sim, senhor. Tomo boa nota – disse ele pela última vez e saiu.
E eu, que sou quase tão irritantemente otimista como ele, acredito que tenha mesmo tomado. Se não então, agora. Os adeptos merecem. Os jogadores merecem. O futebol merece."
A sereia e os lombos de porco
"Toda a gente afirmava: nenhuma mulher conseguirá atravessar a Mancha.
Gertrude Ederle tratou de provar o contrário
Gertrude Caroline Ederle passou a infância perdida entre carcaças de vaca e lombos de porco dependurados no talho do pai, Henry Ederle, um dos muitos alemães que emigraram para os Estados Unidos em busca de uma vida mais razoável. Instalado na Amsterdam Avenue, em Manhattan, Henry não podia queixar-se da frequência de clientes e, a meias com Gertrude Anna Haberstroh, que atravessara o Atlântico na sua companhia, criaram uma bonita prole de seis crianças tão rosadas e tão saudáveis como os vitelinhos que Herr Ederle abatia de um golpe só de facalhão certeiro no pescoço nas traseiras do seu estabelecimento.
A família Ederle ganhava dinheiro suficiente a vender quilos de bifes para o que o pai resolvesse comprar uma casa de praia na zona de Highlands, Nova Jérsia, onde ensinou todos os filhos a nadar. Mas com Gertrude foi diferente: a garota apaixonou-se perdidamente pelo mar! Nascera em Nova Iorque, no dia 23 de outubro de 1905, era a filha do meio da fileirinha de Ederles, e aos dez anos já competia em provas oficiais representando a Women’s Swimming Association, a organização que tornara famosas grandes campeãs americanas como Ethelda Bleibtrey, Charlotte Boyle, Helen Wainwright, Aileen Riggin, Eleanor Holm e, sobretudo, Esther Williams, a atriz que protagonizou tantos dos ‘acquamusicals’, com elaborados gestos de natação sincronizada, alguns deles a meias com o campeão olímpico.
Johnny Weissmuller que o mundo aprendeu a conhecer como Tarzan.
Pouco tempo depois de se ter inscrito na Manhattan Indoor Pool, com uma quota de três dólares mensais, uma revolução autêntica conduziu à explosão da natação feminina nos Estados Unidos; os fatos de banho, inteiros, justos ao corpo, foram legalizados. Gertrude mergulhava nas águas tépidas da minúscula piscina que frequentava sentindo-se livre como uma sereia. E, como uma sereia, sentia bater cada vez com mais força no coração o chamado do mar.
Foi também por essa altura que os americanos pegaram no estilo chamado ‘australian crawl’ e o transformaram e definitivo naquilo que hoje chamamos de simplesmente crawl ou, em português, estilo livre. Rapidamente, Gertrude passou a ser uma especialista. E, ainda por cima, no mar que era a sua paixão. Aos 13 anos já tinha batido o recorde americano das 880 jardas nas águas de Brifgton Beach. Tomou-lhe o gosto. Participava em todas as provas que surgiam pela sua frente. Orgulhoso da filha, o açougueiro acompanhava-a para toda a parte, deixando as costeletas de novilho ao cuidado da mulher.
Em 1924, os Ederle, pai e filha, estavam em Paris. Gertrude, com apenas 19 anos, ia fazer parte da equipa americana que participa nos Jogos Olímpicos. Juntamente com as parceiras Euphrasia Donnelly, Ethel Lackie e Mariechen Wehselau, ganhou a medalha de ouro na estafeta de 4x400 metros livres, colocando o recorde do mundo em 4.58.8. Depois ganhou duas medalhas de bronze, individualmente, nas provas de 100 e 400 metros livres. No final, baixou a cabeça e confessou: «Este é o maior desapontamento da minha vida». O bronze não lhe chegava. E o cloro das águas das piscinas pelos vistos também não. Tornou-se profissional e virou-se para o mar. Não era apenas um chamado íntimo e profundo; era um desafio. Gertrude nascera para enfrentar o mar e ele estava à sua espera desde a mais antiga das suas infâncias. Poucas semanas mais tarde, nadou entre Batttery Park, Manhattan, e Sandy Hook, Nova Jérsia, cobrindo a distância de cerca de 35 quilómetros em 7 horas e 11 minutos, recorde que se manteve imbatível durante 81 anos. O seu sobrinho Bob inventou-lhe uma alcunha: ‘Midnight Frolic’ – ‘A Brincalhona da Meia-Noite’. Nessa altura, Gertrude virara-se definitivamente para outra parte do Atlântico: o Canal da Mancha.
A Women’s Swimming Association patrocinou, em 1925, a travessia do canal para duas nadadoras americanas, Helen Wanwright e, claro está, Gertrude Ederle. Helen, lesionada, nem chegou à Europa. Gertrude, já em Paris, entrou em contacto com a escocesa Jabez Wolffe, que já tinha realizado 22 tentativas frustradas para atravessar a Mancha. O conselho mais sábio que recebeu foi simples: «Não te apresses. Tem paciência. Não é uma corrida, é um desafio».
No dia 18 de agosto atirou-se à água. Poucos quilómetros depois, foi desqualificada quando Jabez, que a acompanhava no barco de apoio, mandou um nadador ajudá-la, pensando que Gertrude estava a afogar-se. Foi um casino: Ederle afirmou que estava a boiar num período de repouso, amaldiçoou a escocesa e teve de ouvir desta: «Nenhuma mulher atravessará a Mancha!». Um ano depois, saiu do Cap Griz-Nez às 7h08 do dia 6 de agosto e só parou em Kingsdon, no Condado de Kent, 14 horas e 34 minutos depois. Provara que as mulheres podiam atravessar a Mancha. A sereia vencera o mar."
Os testemunhos de dopagem
"O que dizem os atletas que se doparam? As confissões são raras. Jérôme Chiotti (2001), um ciclista de montanha arrependido, relata no seu livro o seu primeiro teste de dopagem: «Senti um pouco de pânico, apesar de dois ou três companheiros me terem explicado que os corticosteroides eram indetetáveis e que eu não estava em perigo. Em breve fiquei aliviado. Não sendo ‘controlável’, não me considerei um fora-da-lei» (Chiotti, p. 37). Chiotti transgrediu, mas «não tinha consciência».
Acrescenta que foi responsável pelos seus atos, mas não se considerava culpado. Neste caso, como podemos imaginar um consumidor de corticoides que se apresenta num controlo antidopagem persuadido que ele não transgride as regras?
Da mesma forma, o ciclista Philippe Boyer, uma das testemunhas que se entregou a Bordenave e Simon (2000, p. 94)), relata: «Assim que a bicicleta foi pendurada no prego, as anfetaminas não me abandonaram. Pelo contrário. Entre 1992 e 1994, não passou uma semana sem que eu lhe tocasse. Por vezes, é ainda mais apertado. Dou a mim próprio uma consciência limpa. Acendo [uma expressão usada para tomar anfetaminas] e depois vou imediatamente dar uma volta de carro. Digo a mim próprio que estou no controlo, que não sou viciado. (...) Não tenho consciência de ser um toxicodependente».
Este segundo testemunho permite uma leitura mais abrangente em termos de interesse e de estratégia. Admitindo que a adição está ligada à capacidade de controlar o consumo, podemos considerar que Boyer participa de uma estratégia de reconquista do público. Confessava uma falta, sem querer aceitar as sanções correspondentes.
Vencedor de sete edições consecutivas do Tour de França, um recorde absoluto que lhe garantiu o estatuto de ícone desportivo, o ciclista Lance Armstrong perdeu em 2012 todos os títulos conquistados a partir de 1998. Foi uma decisão sem precedentes da Agência Anti-Doping dos Estados Unidos, que o considerou o líder do “plano de doping mais sofisticado, profissionalizado e bem-sucedido da história do desporto”. Armstrong não recorreu da decisão e manteve um discurso de inocência, mas acabou por confessar toda a verdade numa entrevista a Oprah Winfrey, em janeiro de 2013. Neste processo é de referir o especialista italiano, Michelle Ferrari, que respondeu em tribunal. Foi acusado de ter aconselhado e administrado substâncias dopantes a diversos atletas e de ter exercido, de forma ilegal, a profissão de farmacêutico. Considerava que o “EPO é tão inofensivo como o sumo de laranja” e, costumava dizer que «se eu fosse corredor e se soubesse que havia produto indetetável, utilizá-lo-ia» (Melo & Azevedo, 2004, p. 132).
David Chaussinand, lançador de martelos, admitiu também se ter dopado, depois de ter sido reconhecido positivo num controlo antidopagem. Refere: «O atletismo é um desporto extraordinário. Não é preciso generalizar com base no meu caso». Sancionado por três anos, continuou a defender a ideia de que o atletismo continua a ser um desporto à parte, isto é, um espaço social ideal, onde a justiça e a igualdade de oportunidades de cada um são respeitadas (Attali, 2004).
Trabal (2002) argumenta que as confissões de atletas arrependidos promovem a ideia que se pode consumir os produtos interditos, sem aceitar ser um desportista dopado. Richard Virenque, acusado de se ter dopado, ilustra perfeitamente esta tendência de desresponsabilização. O ex-ciclista da equipa Festina tentou fazer crer que ele foi dopado sem saber. Defendendo-se, coloca o atleta numa postura quase platoniana (Platão opunha frequentemente a alma e o corpo, dizendo que é preciso um esforço para se concretizar esse desprendimento). Não nos podemos esquecer, como refere Bourdieu (2001, p. 26)), que «Os ‘sujeitos’ são na realidade agentes actuantes e cognoscentes dotados de um sentido prático (…), sistema adquirido de preferências, de princípios de visão e de divisão (…), de estruturas cognitivas duradouras (…) e de esquemas de acção que orientam a percepção da situação e a resposta adaptada».
Estes testemunhos permitem também verificar que vão ao encontro do conceito de “desviantes” de Becker (1995). Na sua perspetiva, todos os grupos sociais instituem normas e esforçam-se para as aplicar, pelo menos em certos momentos e em determinadas circunstâncias. As normas sociais definem as situações e os modos de comportamento apropriadas a estas: algumas ações são prescritas (o que é “bem”) e outras são proibidas (o que é “mau”). Quando um indivíduo é suposto ter transgredido uma norma em vigor, ele pode ser percebido como um tipo particular de indivíduo, ao qual não se pode confiar para viver segundo as normas acordadas pelo grupo. Este indivíduo é considerado como “estrangeiro” ao grupo (outsider). Mas um indivíduo que é etiquetado como estrangeiro pode ver as coisas de forma diferente. Ele pode não aceitar as normas, segundo o qual é julgado ou que ele nega àqueles que o julgam sem competência ou legitimidade para o fazer. O transgressor pode estimar que os juízos são estrangeiros ao seu universo. É o que refere Trabal (2002) quando os atletas se dopam não reconhecem serem transgressores, pois faz parte do seu universo ou, como diria Bourdieu (2001), das disposições sociais (ou dos habitus[1]). De facto, “se existe uma verdade, a verdade é um objecto de lutas”, lutas essas “que têm por objecto a imposição dos princípios legítimos de visão e de divisão do mundo natural e do mundo social” (Bourdieu, 2001, p. 61).
A Comissão Independente da Reforma do Ciclismo (CIRC), criada em janeiro de 2014, pela União Ciclista Internacional (UCI), lançou um apelo a possíveis testemunhas sobre a dopagem na modalidade entre 1998 e 2013. Garantindo a confidencialidade, o objetivo não era punir as pessoas culpadas de infrações, mas procurar tirar ensinamentos sobre o passado, por forma a assegurar um futuro promissor para o ciclismo.
E em Portugal? O que fazemos neste sentido?"
300 Dias
"Escrevo antes da estreia da série 300 Dias, da BTV, e são enormes as expectativas que deposito neste conteúdo.
Não é para menos: 11 episódios(!) idealizados pelo jornalista da BTV Ricardo Soares, o que, por si só, é garantia de qualidade, com imagens recolhidas por André Araújo, o mesmo dos múltiplos magníficos vídeos dos bastidores da nossa equipa de futebol, uma novidade ainda recente e que em muito nos enriquece enquanto adeptos.
Sou um razoável conhecedor da oferta de documentários sobre futebol e nunca vi um centrado exclusivamente na questão das lesões graves, desde que um futebolista a sofre até que a debela e regressar à competição. E é estranho, devo dizer.
Tive a oportunidade de acompanhar de perto alguns processos desta índole, nomeadamente de basquetebolistas do Benfica, e percebo cristalinamente, por exemplo, as amizades profundas geradas entre atletas e fisioterapeutas, bem mais sólidas, em muitos casos, que entre colegas de equipa. O Benfica através de André Almeida, dá-nos a conhecer esta faceta, entre outras, que quase todos desconhecem, presando assim um autêntico serviço público. E esta é uma componente da comunicação do Clube que merece ser destacada e muito elogiada.
Tem sido notório o esforço de aproximação dos adeptos, abrindo as portas ao 'balneário' e, com isso, humanizando aqueles que, pelo honroso e exclusivo papel que desempenham - representar o Benfica no relvado -, inevitavelmente são colocados num pedestal, tornando-se inacessíveis. Quebrar as barreiras é reforçar a ligação entre jogadores e adeptos, valorizando-se, pelo caminho, o produto futebol em função de uma opção clara pelos protagonistas em detrimento das recorrentes e estafadas questiúnculas do futebol português. Obrigação!
João Tomaz, in O Benfica
Paragem de seleções? Olha que maravilha
"Em condições normais - e o leitor já me conhece - a paragem no campeonato nacional para os jogos internacionais seria um tremendo aborrecimento. Normalmente, este é um período em que tento hibernar, no entanto desta vez estou muito bem acordado. O estado emocional transforma-se por completo num contexto em que o Benfica acaba de saltar para a liderança isolada após ganhar um jogo em cima do minuto 90, depois de estar a perder durante 70 minutos e na sequência de oito meses afastado do topo da tabela. Com este cenário, não só não há problema algum em interromper o campeonato para as seleções nacionais entrarem em acção como até nem me importo se este intervalo durar mais um ou dois anos. Sugiro a criação de um campeonato mundial com os países a jogarem todos uns contra os outros num formato a duas voltas.
Olhar para a classificação e ver o Benfica em 1.º, seja na 4.ª jornada, seja na última - sendo obviamente diferente - , alegra o coração. Com quatro vitórias em quatro jogos, o entusiasmo é ainda maior. Depois de garantir uma qualificação tão histórica quanto obrigatória para a fase de grupos da Liga dos Campeões, melhor sabe esta pausa. Por falar nisso, gostaria de me adiantar e dar já os parabéns ao Barcelona. Não tem nenhuma Liga Europa/Taça UEFA no currículo, mas algo me diz que neste ano vão acrescentar esse troféu ao museu lá na Catalunha. O hino da Liga dos Campeões lá estará de regresso ao Estádio da Luz, onde é tão agradável de ouvir. A medir forças com gigantes europeus, território onde o Benfica se fez e deu a conhecer ao mundo. Queremos todos ouvir o hino da Champions, mas queremos que o hino do Benfica se faça tocar ainda mais alto."
Pedro Soares, in O Benfica