quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Talento e ambição no Andebol


"O talento vence jogos, mas só o trabalho em equipa vence campeonatos. Foi com este desígnio, presente no corredor junto ao seu balneário, que o andebol do Sport Lisboa e Benfica arrancou a época 2021/22.
Desde o passado dia 21 de julho que o grupo de trabalho cumpre um planeamento exigente, no sentido de chegar bem ao primeiro compromisso oficial para a EHF European League frente aos suíços do Kriens-Luzern.
No arranque da pré-temporada, o capitão Paulo Moreno sublinhou que esta fase de preparação “é sempre muito importante”, lembrando que preparam “o corpo para aguentar durante toda a época”.
Para atacar com ambição o que vem aí ao longo de 2021/22, o andebol do Sport Lisboa e Benfica identificou as necessidades da equipa técnica para aplicar de forma mais consolidada o seu sistema de jogo.
Os categorizados pivots internacionais Alexis Borges e Rogério Moraes chegaram para dar mais consistência na defesa e no ataque, enquanto o experiente ponta-esquerda Jonas Kälmann “pode fazer todas as posições na defesa, no centro, na lateral e na ponta”, tal como já explicou o treinador Chema Rodríguez, que vê no lateral-direito Demis Grigoras um atleta com “um talento extraordinário”, o mesmo sucedendo com o lateral-direito Tadej Kljun, que acredita que será “uma das figuras do andebol no futuro”.
Depois de uma época de trabalho no Clube, em que já se viu significativas melhorias em termos competitivos, Chema Rodríguez já considerou que os encarnados estão “mais completos e com variantes diferentes”.
“Queremos que esta seja uma equipa lutadora e que o adepto que venha ver os jogos se identifique com estes jogadores, que estão a dar tudo pelo Clube: vencer as partidas e dar espetáculo. Que os benfiquistas se sintam orgulhosos”, vincou o treinador.
Com uma carga física intensa, o plantel vai prosseguir a sua preparação durante a próxima semana, na qual irá participar no prestigiante Torneio Internacional Cidade de Viseu, a partir do dia 20 de agosto, frente aos espanhóis do Ademar León e ao Sporting.
Estes dois jogos servirão para retirar ilações destas semanas de treino e, assim, afinar todos os detalhes para entrar de forma positiva na nova temporada.
Refira-se que, além de ir discutir o apuramento para a EHF, o conjunto benfiquista tem como objetivo mais imediato a participação na edição 2021 da Supertaça, cujo modelo de competição contará com a presença de quatro equipas e que irá decorrer entre os dias 11 e 12 de setembro, na Nazaré."

Analisar os resultados dos J.O.


"Após a euforia inicial, a euforia do melhor resultado de sempre de Portugal em J. O., após a exaltação dos objectivos nos Jogos Olímpicos de Tóquio terem sido “plenamente atingidos, senão ultrapassados” *, após se terem lançado os foguetes é necessário apanhar as canas.
"Tínhamos previsto um resultado não inferior a duas posições de pódio, alcançámos quatro. Um resultado não inferior a 12 diplomas, alcançámos 15, nos quais se incluem os quatro pódios” foi o mote. Para reforço acrescentou-se que foram alcançados “três recordes nacionais, cinco recordes pessoais, 17 melhores marcas em Jogos Olímpicos e 26 melhores classificações também em Jogos Olímpicos” conseguidos por atletas portugueses. Alguém que falou em nome de todos os portugueses afirmou que “foram superadas todas as metas contratualizadas e as expectativas dos portugueses.” Afirmações que dão razão a Millôr Fernandes: “o homem é um produto do meio. O meio é um produto do homem. O produto é um homem do meio.”
Olhando para os números a frio, a tirania desses mesmos números na realidade aponta para o melhor resultado de sempre, mas essa mesma tirania cria falácias. Pretendermos só analisar os resultados será redutor, pelo que teremos de recorrer também ao destaque da filáucia de alguns competidores e à ausência de hombridade de outros, onde poderemos também incluir treinadores e dirigentes.
Nuns J. O. onde desfilaram cerca de 11 mil competidores em representação de mais de 200 países, nuns J. O. em que o COP recebeu do Estado 18,5 milhões de euros de 1 de Janeiro de 2018 a 31 de Dezembro de 2021 para a preparação olímpica de desportistas que estiveram presentes em Tóquio – mas também de alguns que não estiveram lá, pois chegaram a ser 141 –, poderíamos analisar os resultados da comitiva portuguesa analisando a classificação dos competidores em relação ao número de presentes em cada uma das provas (rácio classificação/participantes), poderíamos analisar esses resultados comparando-os com as medalhas ganhas por outros países com uma população semelhante a Portugal, ou até em relação a países com PIB parecido com o nosso (Portugal rondará o 49º posto em termos de PIB e é o 38º no Índice de Desenvolvimento da ONU) ou ainda em relação a países com o mesmo número (ou aproximado) de participantes nestes Jogos… alguém mais habilitado o fará! Seguiremos uma outra linha, até porque, como dizem os japoneses, “quando um sábio aponta para o céu, o ignorante olha para o dedo.”
As 4 medalhas conquistadas posicionaram-nos num 56º lugar numa tabela em que apenas 86 países foram medalhados. Logo, abaixo da metade e no limite final dos dois terços. Ahhhh, mas participaram cerca de 200 países! Sim, aí ficamos no início do segundo quarto…
Olhando só para o medalheiro de todos os J. O., Portugal esteve presente em 23 Jogos antes de Tóquio 2020. Em 11 destes Jogos teve um lugar inferior ao 56º lugar obtido nos presentes Jogos. Nos restantes 12 a posição no medalheiro foi superior… E se o esquecimento é próprio da sociedade, ou dos indivíduos, não é por esse motivo que a história é reescrita…
No medalheiro actual, Portugal está a um nível da Etiópia… abaixo da Eslovénia, Grécia, Irlanda, Ucrânia, Bielorússia, Roménia, Eslováquia e Áustria. Longe da Bulgária, da Bélgica, ou da Croácia, e muito longe de países como a Dinamarca, a Suécia, a Suíça, a Espanha, a Noruega, a República Checa ou a Polónia (esqueçamos a Itália, a Alemanha e a Grã-Bretanha). Países europeu depois de Portugal só a Estónia, a Letónia, a Lituânia e a Finlândia. E nem valerá a pena falar dos Países Baixos (36 medalhas, 10 de ouro) ou da Hungria (20 medalhas, 6 de ouro), ou até daqueles que se situam nos antípodas: a Nova Zelândia, um país com metade da nossa população, conquistou 5 vezes mais medalhas (20 medalhas, 7 de ouro).
Esta foi a terceira maior Missão Olímpica de sempre. Noventa e dois desportistas! Não sabemos quantos treinadores, quantos médicos/fisioterapeutas, quantos árbitros/juízes, quantos dirigentes – sim, porque para o cômputo geral todas as presenças implicaram despesas…
O desempenho da Missão Olímpica, que se iniciou com desaires atrás de desaires, logo começou a ser branqueado na comunicação social e nas redes sociais. “O 5º lugar foi o melhor 3º lugar de sempre nos J. O.” ou “ o 11.º lugar a 75 centésimos da final, o terceiro melhor resultado olímpico” foram narrativas que nos começaram a inundar. E eram premonitórias…
“É difícil falar neste momento porque não me preparei para um discurso de derrota. A única coisa que me cabe dizer é: desculpa. Desculpa, Portugal!” Há, para além da imprevisibilidade do resultado, variáveis que um(a) competidor(a) e um(a) treinador(a) não conseguem dominar, não podem controlar. Os resultados também dependem dessas variáveis. Por isso o acaso, por muito que muitos não o queiram admitir, está presente no desporto. Uma desportista que fica à beira de um lugar de pódio, uma competidora que se preparou a longo prazo para estar no seu pico de forma nos J. O. mas porque devido exactamente a essas variáveis não consegue alcançar o pódio, não tem que pedir desculpa a Portugal. Nem aos portugueses. Mas devido à imprevisibilidade do resultado deveria ter preparado um discurso de derrota. Faz parte do planeamento, principalmente quando sabemos que a este nível os participantes são sempre solicitados no final das suas provas para prestarem declarações à comunicação social. E o planeamento não é da sua responsabilidade. Mas a sinceridade acima de tudo!
E se “não podemos ser esquisitos quanto à cor das medalhas”, quando se possuem responsabilidades no campo do treino de um competidor nos J. O., teremos mesmo de ser esquisitos quanto à cor das medalhas, pois só uma nos interessa: a de ouro. A alta competição não se compadece com amadorismos. Temos de deixar de ser pequeninos, tal como teremos de deixar de ser pequeninos quando um competidor afirma que “é melhor um 10º lugar do que um 11º ou qualquer outro.” É um competidor que está completamente errado no seu modo de ver as coisas, o que influencia a sua prestação psicológica no desenrolar da prova.
Mas de realçar o atleta que reconhece o seu desaire ao afirmar “falhei no dia errado”. Falhar faz parte do desporto… haver dias errados também. E que o erro sirva para ser corrigido para que num próximo dia errado a falha não aconteça.
E também houve quem dissesse que “queria fazê-lo bem e não pude”. Alguém operado a um joelho a três meses de uns J. O. nunca se poderá apresentar nestes na sua melhor forma. Que medidas ditaram a sua presença nos mesmos? Um atleta que, vítima das suas próprias palavras, “aprendeu com a vida”. É de lamentar que quem nos deu tantos resultados, quem nos deu tantas alegrias, saia do circuito olímpico pela porta pequena. Como dizem os japoneses, “quando um olho está fixo no destino, só resta um olho para encontrar o caminho." E felizmente que existem atletas que são capazes de reconhecer que “estou muito bem mas nem sempre o nosso muito bem sai e se realiza no grande momento. (…) A cabeça manda muito, o corpo manda ainda mais (…).” A desmistificação de que a mente comanda o corpo… ou de que os limites são para se ultrapassarem…
E felizmente também a existência de atletas que dão conta de que “e foi aí que eu cometi a falha – e por isso sim, o erro foi da cavaleira porque o cavalo estava perfeito.” Aqui sim, aprende-se com o erro, mais um que serve para ser corrigido como a própria reconheceu. Recuperar de adversidades é uma coisa, quando elas foram originadas por variáveis que estão - e sempre estiveram - fora do nosso controle. Cair voluntariamente nessas adversidades é outra totalmente diferente!
Se uma competidora não tem noção das possibilidades do seu rendimento isso só se poderá dever a uma de três coisas: mau planeamento do treino com a consequente preparação insuficiente (estratégica, física e psicológica), falta de competências ou irresponsabilidade. Não queremos acreditar que tenha sido alguma destas duas últimas quando uma competidora afirmou: “tinha boas adversárias na minha eliminatória, mas não sei se dei o máximo.”
A deficiente preparação e planeamentos deficitários de alguns competidores ficaram latentes quando foi afirmado o seguinte: “passei uma época muito longa, intensa e desgastante (…). Aqui, estou a pagar a fatura de tudo isso, pois não estou no máximo das minhas capacidades físicas e mentais.” Não são só os que são visíveis que possuem responsabilidades nos resultados dos Jogos. Treinadores e dirigentes, apesar de na sombra, possuem tanta ou mais responsabilidade que os mesmos. É inglório sacrificar-se carne para canhão quando os decisores são os principais responsáveis. “Relativamente às provas, não tivemos provas. Não treinámos para isto, estamos cá a lutar.” Ficou demonstrado que lutar não chega. Como dizem os japoneses, “visão sem ação é um devaneio. Ação sem visão é um pesadelo”. O desporto ignora a igualdade de condições desses mesmos competidores – condições individuais diferentes (quer sejam de ordem genética, anatómica, fisiológica ou psíquica), condições de treino diferentes (no que diz respeito a metodologias, a instalações, a treinadores e a todo o restante apoio, incluindo o económico) e até diferentes condições de participação no momento (tempo) comum a todos os competidores (onde os antecedentes e todos os níveis de preparação emergem tal como as variáveis de circunstância momentâneas).
A paixão pela pista surge “muito por causa da adrenalina e pelo espectáculo” proporcionado. Exactamente! Desporto é espectáculo em que se exploram os corpos e que serve para entretenimento e para criar consumidores. Quem lucra com isso? Motivo para reflexão! (E sobre o “quem lucra com isso”, só mais uma questão, embora fora do contexto: a quem interessou o Karate no programa destes J. O?).
E para meditarmos sobre resultados, terminamos com uma interrogação: tem mais significado um 20º lugar quando estão presentes 88 atletas e só 73 chegam ao fim ou um 3º lugar entre apenas 12 concorrentes?

Parte superior do formulário
* Propositadamente não identificamos os autores das declarações que transcrevemos e citamos. Leitor atento facilmente reconhecerá os que as proferiram."

Um passeio no parque de João Mário


"O médio do Benfica rubricou na passada noite uma exibição de mão cheia. Com João Mário, tudo se torna fluido, eficiente e eficaz. A presença do médio traz ainda Weigl para um nível superior – Passa a ter não apenas com quem jogar, mas a redução do número de perdas deixa de expor de forma drástica o alemão.
Recebe, deixa a bola rolar, deixa chegar a pressão, gira, roda, temporiza pela melhor linha de passe, invade espaços interiores, liga o jogo pelo exterior. Tudo com uma simplicidade incrível de quem melhora o jogo e os seus colegas.
Um autêntico passeio no parque. Eis João Mário a pegar na batuta."

Dentadinha em ano de dobradinha


"Na 19.ª jornada, Cavém entrou em campo a pensar que ia jogar futebol, mas no fim parecia saído de um combate de boxe

A época de 1956/57 terminou bem para o Benfica, na medida em que conseguiu a terceira dobradinha da sua história. Em Março de 1957 ergueram o troféu do Campeonato Nacional e em Junho fizeram a festa no Estádio Nacional. Mas ali a meio da época aconteceu algo inédito, uma falta nunca antes vista, que deixou todos boquiabertos. Literalmente.
Estávamos em 20 de Janeiro de 1957 e a equipa acabara de chegar às Caldas da Rainha para disputar a 19.ª jornada do Campeonato. A cidade fundada pela rainha D. Leonor amanheceu fria, mas sob um esplendoroso sol de inverno que se manteve todo o dia. As rústicas bancadas do Campo da Mata estavam a transbordar de vermelho e branco, não havia dúvidas: ali, ia jogar o Benfica.
Do onze rubro fazia parte Cavém, a personagem principal desta história. O jogador tinha integrado a equipa principal do Clube na época anterior e foi sempre considerado um atleta corretíssimo para com os colegas da equipa e adversários, mas neste jogo, frente ao Caldas, a história seria outra, que um homem não é de ferro. Antes fosse!
Soou o apito inicial, e a sorte começou a sorrir ao Benfica. Aos 4 minutos, Cavém marcou de cabeça o primeiro tento da partida. O avançado foi 'o motor do ataque', quem mais contribuiu para o sucesso do Benfica, que acabou por vencer o jogo por 1-4, tomando parte efetiva na maioria dos lances contra a baliza do Caldas, protegida por Rita.
Tudo corria de feição até que, aos 88 minutos, todos assistiram a uma pitoresca situação. A uma bola atirada para a baliza do Caldas, acorreram Cavém e Rita. O guarda-redes intercetou a bola e, num ato de fúria, aproveitou que Cavém estava já ali, abraçou-o pelas costas e... deu-lhe uma valente dentada! Desta é que ninguém estava à espera Cavém gritou de dor e, assim que se conseguiu libertar do abraço envenenado do adversário, virou-se a ele para se defender. Lá está, um homem não é de ferro. Se fosse, nem tinha sentido a carícia. Mas até este repente de raiva lhe saiu furado, pois Rita, assim que viu Cavém furioso, dou-lhe uma valente murraça que o deixou estendido no chão. Os dois acabaram expulsos do retângulo, e Cavém regressou a Lisboa com uma dolorosa recordação marcada nas costas. O correto jogador entrou em campo a pensar que ia jogar futebol, mas no fim parecia saído de um combate de boxe.
Para saberem as histórias de que são feitas as conquistas do Benfica no Campeonato Nacional, visitem a área 6 - Campeões Sempre, no Museu Benfica - Cosme Damião."

Marisa Furtado, in O Benfica