"Este podia ser mais um curtas, com uma breve análise coletiva e individual ao jogo das águias frente ao Almería. Mas o jogo de hoje encerra tão mais que aquilo que aconteceu nos 90min, que provavelmente merece um destaque diferente. Não pelo facto de o adversário ser o Almería. Ou por estarmos a cerca de duas semanas de um jogo crucial, no qual o Benfica jogará cartadas decisivas para o que resta desta temporada, quer a nível desportivo, quer financeiro. É que, este jogo, pode ter sido um dos últimos de alguns dos atletas que alinharam hoje, num clube da dimensão do Benfica. Nalguns casos, talvez seja mesmo o último! Perdoem-me a fatalidade com que analiso a situação, mas penso que é factual a falta de categoria de alguns jogadores. No então, vamos primeiro a um breve resumo sobre a partida que decorreu hoje no Benfica Campus…
Com Deus no banco e Jesus na lateral oposta, o Benfica continua a afinar um processo em contrarrelógio para a eliminatória da Champions que se avizinha. Talvez por isso, o Benfica voltou a apresentar-se no sistema mais utilizado dos últimos anos – 4-4-2 – de forma a dar um conforto maior aos jogadores e permitir que a equipa inicie oficialmente a época mais consolidada. Contudo, os problemas do passado recente continuam lá: um jogo demasiadamente pausado; excesso de combinações curtas em espaço reduzido (agravadas por um Almería compacto e baixo); desperdício de situações em que a equipa pode acelerar e ir para a frente, em detrimento de bolas para trás e para o lado; movimentos de rutura que, ora não são executados, ora não são respeitados. Tudo isto culmina numa dificuldade enorme em mudar o ritmo do jogo, deixando a equipa do Benfica algo “sonolenta”.
Neste binómio individual/coletivo, nunca poderemos dissociar o jogador da equipa. E vice-versa. Mas existem algumas propriedades que dependem muito mais do individual do que do coletivo. Nesse ponto, podemos também abordar a falta de jogadores desequilibradores no plantel encarnado, que tenham capacidade de ir para cima de um ou mais adversários e de se assumirem como verdadeiras ameaças às defensivas contrárias.
É precisamente nestas individualidades que vou tocar agora, sobretudo porque, numa pré-época, este plano é dissecado ao pormenor, de forma a que se construa um plantel forte…
Agora ou nunca?
Neste grupo, enquadram-se os jogadores que estão numa fase crucial das suas carreiras. Todos nós já assistimos a promessas que não se concretizaram. Outras, foram adiadas, mas renasceram das cinzas anos mais tarde. Veremos o que acontecerá aos seguintes:
- Ferro – como dito anteriormente, o coletivo impacta sempre o individual. De forma positiva ou negativa. Num grande Benfica, vimos um grande Ferro; num Benfica em decadência, as suas fragilidades ficaram a nu. Numa era em que alguns ainda acham que o jogo de pés é o mais importante num guarda-redes, é normal que comecem por avaliar um central pela forma como sai a jogar. Aí, Ferro não só entrega bem, como por vezes consegue desequilibrar, com bolas por dentro ou passes longos de excelência. A passagem pelo Valência não deixou saudades. O regresso ao Benfica não dá para, de momento, ser alvo de avaliação. Pelas opções de Jesus no ano passado, não parece que Ferro conte, pelo menos, para ser uma opção regular.
- Florentino – nas épocas anteriores no Benfica, Florentino exibiu-se regularmente a um nível alto, fazendo valer a forma como defensivamente cobria toda a zona entre linhas e roubava bolas e bolas sem conta, entregando-a depois de forma limpa. Nunca se entendeu o seu súbito desaparecimento das escolhas de Lage. Com o empréstimo ao Mónaco, era de esperar que tivesse tempo de jogo e crescesse. Hoje, foi atirado para a posição de central (será este um sinal do treinador?), onde errou vários passes em zona perigosa. Foi ainda ultrapassado algumas vezes e fica invariavelmente associado ao lance que deu o golo do Almería, ao deixar a bola passar-lhe por baixo do pé. Esta época pode ser crucial para o rumo que tomará a sua carreira.
- Gédson – o mundo parecia dele com Rui Vitória, tendo sido inclusive chamado à seleção, onde o próprio Fernando Santos já admitiu que esperava que fosse, a partir daí, presença assídua nas suas opções. Foi perdendo o lugar na transição Vitória-Lage, atuando, com este último, como extremo direito ou segundo avançado. O empréstimo não deu ao Tottenham uma mais-valia, nem a Gédson a oportunidade de crescer. Tampouco o Benfica ficou a lucrar, pois não é um jogador desportivamente melhor do que o que era, nem um ativo mais valioso antes da sua partida. A última metade da época passada pode ter sido fundamental para Gédson não perder o comboio e seguir, quiçá, o exemplo de Renato Sanches, tornando-se um jogador mais maduro e menos intermitente. É uma época de tudo ou nada para o jovem formado no Seixal, que hoje começou na direita e, a poucos minutos do fim, foi testado no corredor central, fazendo dupla com João Mário. Seria curioso ver como estes se relacionariam, pois provavelmente comporiam um meio-campo no qual não seria possível dizer qual era o “seis” e qual era o “oito”, alternando em “vaivém”.
- Jota – brilhou intensamente na formação e equipa B. Na seleção, sagrou-se campeão europeu de sub-20 em 2018, tendo sido o melhor marcador da prova, a par de Trincão. Tem uma qualidade técnica muito acima da média, mas nunca conseguiu desequilibrar na equipa principal ou nos empréstimos que teve, como fazia na equipa B ou formação. O tempo passa e Jota ainda parece algo perdido e instável. Jogar na direita ou por dentro também não parece ser a melhor solução para um jogador que se destacou em lances de 1 para 1, 1 para 2 e até 1 para 3 da esquerda em diagonal para o meio, sobretudo se só lhe forem dadas oportunidades a 5min do fim.
- Gonçalo Ramos – joga, marca e deixa marca. Mas parece ter ainda que remar contra alguns estatutos do plantel do Benfica. Só o tempo de jogo lhe permitirá subir para outro patamar. Gonçalo já marcou nesta pré-época, tendo hoje ganho um penálti. A sua experiência como médio na formação podem fazer dele um bom segundo avançado, mas a forma como trabalha dentro de área em espaço reduzido, ou mesmo pelo ar, são sinais de um ponta-de-lança que pode servir de referência.
Na corda bamba
O campeonato português já foi palco de grandes duelos. Os espetáculos só o são, se os executantes também forem… espetaculares. E, para tal, são necessários alguns requisitos mínimos de qualidade. Atualmente, nenhuma equipa em Portugal se pode orgulhar de ter um plantel de luxo. No Benfica, existem alguns casos… na corda bamba:
- Gilberto – jogo bastante razoável frente ao Casa Pia, pelo que, frente ao Almería, ainda se registou uma evolução. Procura sempre tabelas e combinações curtas por fora, sendo esse o seu ponto forte. No entanto, as fragilidades de Gilberto são conhecidas da temporada passada. Apesar do grau de acerto até ser considerável, não é um jogador que deslumbre. É necessário algo mais para representar o Benfica – ou pelo menos foi, num passado recente. No conjunto dos últimos 180min, Gilberto assinou boas exibições, mas os adversários estão bem longe do nível Champions. Diogo Gonçalves e André Almeida também chegarão em breve.
- Gabriel – chega a ser desesperante a quantidade de passes falhados do brasileiro. Como agravante, é facilmente detetável o padrão, mas Gabriel ainda não conseguiu alterar o rumo dos acontecimentos: arrisca jogar longo quando é desnecessário. Muito estilo, pouco acerto. Por vezes, tem momentos de notoriedade, nos quais está realmente bem. Mas os dois passes longos que acerta não apagam os 10 que falha. O nível dum grande português exige mais. Muito mais.
- Chiquinho – é inegável que tem uma percentagem de acerto elevada nas suas ações, mas a pouca e intermitente utilização no Benfica não o deixam numa posição segura. Alterna entre extremo (apesar de estes estarem quase sempre por dentro no modelo de Jesus) e segundo avançado. Ao invés, poderia e deveria ser aposta para médio, embora assentasse melhor num meio-campo a três.
Em busca da forma perdida
Outrora, foram jogadores importantes no Benfica, pelo menos em determinado períodos. Hoje em dia, encontram-se abaixo daquilo que podem render, pelas mais diversas razões:
- Grimaldo – quando chegou ao Benfica, demorou meio ano a sentar Eliseu. O facto de ser um jovem formado no Barcelona eram um bom cartão de visita. As exibições que rubricou de águia ao peito, sobretudo quando fazia aquelas incursões pelo corredor central, anteviam mais uma grande venda para um tubarão europeu. O tempo foi passando e Grimaldo foi ficando. Num Benfica sombrio nas últimas temporadas, Grimaldo não conseguiu ser um feixe de luz. Taticamente, parece mais restringido ao jogo exterior, com poucas possibilidades de vir dentro e fazer aquilo que o notabilizou. Também perde várias oportunidades de sacar cruzamentos, mesmo quando essa é a melhor opção. É dos jogadores que mais trava o jogo encarnado. Decisões são modeláveis através do processo de treino, pelo que Grimaldo ainda vai bem a tempo de resgatar a sua melhor versão.
- Waldschmidt – o que vimos no início da época passada é de um jogador para outros voos. O Waldschmidt desde então, parece atordoado por uma crise de (des)confiança e (des)inspiração. Tem pormenores técnicos de grande classe – a forma como consegue receber e encarar de frente a um toque, é impagável – mas erra vários passes, parece incapaz de partir no um para um e tudo isso lhe retira consistência. Some-se-lhe a colocação nas alas, a partir das quais perde influência, ou as trocas constantes de parceiros no ataque. É um talento apagado, que tem rapidamente de ser reacendido. Até a comemoração do golo que apontou hoje parecem refletir o seu momento anímico.
- Taarabt – tal como referido anteriormente, Taarabt teve um despertar tardio da sua carreira, que se lhe augurava infinitamente maior que aquilo que se pensava há 10 anos atrás. Alterna entre momentos de enorme classe, com erros ridiculamente infantis. Consegue tirar um ou dois adversários da frente e rasgar um bloco inteiro com um passe vertical, mas, no jogo seguinte, erra passes de 5 metros, tal como aconteceu nos últimos 180min da pré-época encarnada. Beneficiaria dum sistema de três médios, no qual teria de correr menos e onde poderia atuar como médio ofensivo, pois um eventual passe errado nunca exporia a equipa na transição defensiva. Um passe certo, teria enormes probabilidades de terminar em golo, pela maneira como o marroquino consegue descobrir os seus colegas e entregar a bola de bandeja.
Deixar a nota final para Paulo Bernardo, que uma vez demonstrou pormenores que certamente ficaram na retina de Jesus. Esta pode não ser a sua época de afirmação no plantel do Benfica, mas que ali existe qualidade, é inegável. Já João Mário, parece ser o único reforço “a sério” – é uma garantia segura com a bola no pé, ligando o jogo aqui e acolá em espaços curtos, alternando entre passe e condução. Talvez o médio mais capacitado de todos para jogar num meio-campo a dois, pela forma como consegue estar bem com e sem bola.
Veremos o que esta época reserva ao Benfica, enquanto coletivo, mas também a nível das suas individualidades, que vão arduamente esgrimindo argumentos para convencer Jesus."