domingo, 20 de junho de 2021

SL Benfica | A revitalização do voleibol


"A equipa de voleibol masculino do SL Benfica sagrou-se bicampeã nacional nesta temporada de 2020/2021 e, sendo a modalidade melhor gerida dos encarnados, já começou a preparar a próxima época, tendo já várias mexidas anunciadas, para além do facto de já terem anunciado a participação na Champions na próxima época.
Nos últimos anos, uma das questões que os benfiquistas que acompanham a modalidade mais têm colocado é quando é que a equipa ia ser renovada, visto que o plantel era maioritariamente constituído por jogadores com mais de 35 anos. No entanto, apesar da idade avançada, estes continuavam a estar entre os melhores a nível nacional nas respetivas posições.
O voleibol é um dos desportos coletivos onde há uma maior longevidade, visto que se trata de uma modalidade que não envolve confronto físico. Para além disso, é um desporto onde a criação de dinâmicas e rotinas é um fator fundamental para definir o sucesso de uma equipa, o que significa que uma súbita revolução no plantel iria quebrar fortemente essas dinâmicas.
Agindo de forma atempada e assertiva, o voleibol do SL Benfica tem conseguido fazer uma renovação gradual do plantel, segurando ao máximo a estrutura-base da equipa. E nesse sentido, creio que as mexidas já anunciadas no plantel foram muito bem feitas.
Na posição de distribuidor, a saída de Nuno Pinheiro foi a primeira a ser anunciada. O jogador de 36 anos fez carreira ao mais alto nível em países como a Itália, Bélgica e França. No entanto, nunca teve a influência que se esperava na Luz, muito por “culpa” de se cruzar com um Tiago Violas no auge da sua carreira.
Para o seu lugar seria contratado Bernardo Westermann ao Uberlândia, um distribuidor brasileiro de 23 anos, internacional sub-21 pela Canarinha. Será claramente uma aposta para a rotação da equipa, podendo mostrar mais capacidades no serviço e no bloco, aspetos onde Tiago Violas não é tão forte.
Na posição de zona 4 seria anunciada a saída de Afonso Guerreiro. O internacional português nunca passou do estatuto de jogador de rotação nas águias e será substituído pelo brasileiro Paolo Natan. Este ponta de 23 anos chega da equipa francesa do Tours, tendo já competido na Champions. Dos reforços anunciados, é, a meu entender, aquele que aparenta ter maior margem de progressão.
Na posição de central, o jovem Miguel Sonfrónio foi emprestado ao Leixões, de modo a evoluir como jogador e ganhar experiência na Primeira Divisão. Para o seu lugar veio o também brasileiro Lucas França. Trata-se de um regresso a Portugal, visto que este central de 24 anos e 2,09m de altura representou o Castelo da Maia em 18/19, tendo também já trabalhado com Marcel Matz no Volei Canoas. 
Na posição de oposto, a saída de Théo Lopes acaba por ser a que terá mais peso na equipa. Apesar de ter realizado uma época irregular, o internacional brasileiro foi decisivo na conquista dos últimos dois campeonatos, sendo daqueles jogadores que se galvanizava nos grandes jogos.
Para o seu lugar seria contratado o internacional finlandês Aaro Nikula. Vindo do VaLePa Sastamala, este oposto de 22 anos sobressai pela sua altura (2,12m), sendo que também já competiu na Champions.
Portanto, sem perder as pedras basilares da equipa, o voleibol do SL Benfica contratou quatro jogadores entre os 22-24 anos, de modo a começar a preparar a sucessão de alguns dos jogadores de idade mais avançada. Com estas mexidas, a espinha dorsal da equipa não será muito afetada e os encarnados têm tudo para partir como favorito para a nova época."

A percepção da dopagem


"A dopagem é um fenómeno social de grande escala. Prejudicial para a saúde e infração à regra, é o “mal” do século XXI. Acentuou-se, sobretudo, durante os anos 1990, num contexto de conversão do desporto à economia de mercado, de entrada crescente de financiamento de origem privada, da exaltação do sucesso individual, da forte evolução da farmacologia e da revolução no domínio da comunicação, que constitui a Internet. O Homem tem dificuldades em aceitar os limites físicos ou mentais. Mas não é de agora. Ela inscreve-se na relação natureza-cultura própria da evolução humana.
No caso do atleta, ele corresponde às exigências de uma sociedade concorrencial, que determina uma lógica obsessiva da superação de si mesmo. A proeza desportiva (considerada como um fim em si, representa uma extraordinária perversão do instinto lúdico; encoraja o atleta a explorar o dom corporal precocemente revelado, excluindo todos os outros; é a aventura em nome do proveito imediato) nasce de uma subtil mistura de motivação e de condição física, onde a dopagem encontra uma porta de entrada.
Os estudos apontam que, em 95% dos casos, as substâncias utilizadas são medicamentos, desviados da sua vocação terapêutica. Vejamos alguns exemplos: a efedrina (asma) facilita a ação do sprinter, reduzindo o seu tempo de reação; a hormona de crescimento (pediatria) permite o aumento da massa muscular no halterofilista; o prozac (depressão) reforça a resistência ao sofrimento no maratonista; a eritropoetina ou EPO (anemia) aumenta a resistência do ciclista, estimulando o transporte de oxigénio no sangue; a tacrina (doença de Alzheimer) é consumida pelo piloto de fórmula 1 ou pelo jogador de golfe, por forma a memorizar o futuro percurso; os beta-bloqueantes (hipertensão arterial) reduzem os tremores nos atiradores; a modafinil, molécula anti-sono tomada pelos militares durante a guerra do Golfo, é recuperada pelos navegadores de corridas solitárias.
As múltiplas derivas levantam muitas questões. O que distingue a dopagem do acompanhamento médico? Qual é a dimensão do fenómeno? Quais são os produtos utilizados? Quem são os atores das condutas dopantes? Como é que a indústria da dopagem funciona? O ato de dopagem pode ser assimilado ao comportamento do homo economicus? Podemos imaginar um desporto de alto rendimento que evitaria a dopagem? Será que a conduta dopante no desporto se resume apenas na procura da performance? O atleta faz sacrifícios necessários para ser reconhecido, para ultrapassar as dificuldades e para prosseguir o seu sonho. Será, por isso, que se dopa: para ser melhor, para ser ele próprio, para ser melhor do que si próprio?
A dopagem está omnipresente na sociedade, mas ela é sancionada no desporto, no qual se baseia em vários mitos: pureza do esforço, igualdade de oportunidades, incerteza dos resultados, atividade sã e natural. Segundo Bourg (2004), a dopagem inscreve-se no quadro de uma transformação social (espírito de concorrência e de competição, obrigação do resultado), que exige do indivíduo que seja melhor do que ele mesmo, e num movimento geral de medicalização da sociedade que acompanha uma instrumentalização do corpo. Na realidade, a “geometria” da dopagem constitui a primeira incerteza. E não existe um consenso sobre a sua definição. Existe uma dopagem conhecida e detetável e uma outra indetetável e não procurada.
Se admitirmos que a dopagem consiste no recurso a ajudas artificiais para ajudar na performance, uma dopagem ilícita, mal controlada, surge. A fronteira entre a dopagem autorizada e não autorizada é arbitrária. A primeira abrange o conjunto de medicamentos lícitos, prescritos e ingeridos fora de toda a indicação terapêutica, por forma a otimizar o nível do atleta. A segunda é definida pela lista de produtos proibidos elaborada pela Agência Mundial Antidopagem (AMA), fundada em 1999, segundo três princípios: o produto possui o potencial de melhorar a performance; ele representa um risco para a saúde; ele é contrário à ética do desporto. Para que uma substância faça parte da lista, é preciso que dois destes princípios se verifiquem.
Algumas tentativas para liberalizar ou passar em silêncio a dopagem levanta outras observações. Elas refletem uma conceção produtivista do desporto: o ser humano vê-se reduzido à racionalização de uma máquina para bater recordes. Banalizam o uso destas substâncias, ocultando os efeitos do consumo e as consequências para a saúde.
Para a organização dos controles antidopagem, só uma autoridade externa dos poderes desportivos pode apresentar as garantias suficientes de rigor e de transparência. A eficácia da luta contra a dopagem releva de uma submissão da divisa olímpica: “citius, altius, fortius” (mais depressa, mais alto, mais forte) com a compatibilidade com a saúde dos atletas.
Como toda a prática “desviante”, como diria Becker (1995), a questão da dopagem coloca às ciências sociais dificuldades acrescidas, cujos fundamentos teóricos, epistemológicos e práticos constituem um verdadeiro desafio (Trabal, 2002). Basta, para isso, recensear a fraqueza dos métodos habituais mobilizados pelo sociólogo para apreender as práticas sociais (entrevistas, inquérito por questionário, observação) (Ghiglione & Matalon, 1991). No caso do atleta, a apreensão da dopagem passa, essencialmente, pelo corpo (produto injetado, absorvido, consumido, etc.). O corpo passa a ser o “testemunho”. As estatísticas sobre a dopagem apresentam forças e fraquezas, simultaneamente, pois funcionam pela totalização ou pela redução da realidade. Se aceitarmos que possa haver “interesse no desinteresse”, como sublinhava Bourdieu (1997, p. 148), para se analisar a dopagem convém partir dos interesses e das posições dos diferentes atores sociais.
O contexto da dopagem nos atletas desenvolve-se no contexto de uma sociedade dopada, acostumada ao consumo generalizado de medicamentos, suplementos alimentares, vitaminas e outras substâncias, estimulando a performance quotidiana (Queval, 2004). E é preciso não esquecer que a competição desportiva, exprime a possibilidade de uma harmonia entre o corpo e o espírito, entre o jogo e o rigor moral, entre a competição e a solidariedade, entre a cultura e o povo. O desporto de alto rendimento é apenas uma faceta; a mais mediática, sem dúvida. A dopagem solicita uma reflexão ética."