quinta-feira, 25 de março de 2021

Clube da década


"De acordo com a IFFHS (Federação Internacional de História e Estatísticas de Futebol), o Benfica foi o 20.º melhor clube de futebol do mundo na última década (2011 a 2020), sendo o único português a figurar no top 20, num ranking liderado por Barcelona, Real Madrid e Bayern Munique.
Com efeito, o Benfica teve, na década recentemente terminada, uma das mais gloriosas da sua história. Ao longo desse período conquistámos 5 Campeonatos Nacionais, 2 Taças de Portugal, 5 Taças da Liga e 5 Supertaças, além de termos marcado presença em duas finais da Liga Europa e conseguido o feito inédito do Tetracampeonato.
O desempenho desportivo nessa década deve ser ainda mais valorizado se comparado com o passado recente, ficando demonstrada a evolução positiva registada: de 1991 a 2000, vencemos 2 Campeonatos e 2 Taças de Portugal; enquanto, de 2001 a 2010, festejámos 2 Campeonatos Nacionais, 1 Taça de Portugal, 2 Taças da Liga e 1 Supertaça. Relativamente à percentagem de vitórias, considerando os jogos de todas as competições oficiais internacionais e nacionais, foi 69,2% de 2011 a 2020, 58,3% no decénio anterior e 58,8% de 1991 a 2000.
Comparando com décadas anteriores, o período compreendido entre 2011 e 2020 pode ser equiparado, grosso modo, a 1971-1980 e 1981-1990 (não existia a Taça da Liga e a Supertaça teve a primeira edição em 1979). No primeiro vencemos 6 Campeonatos, 2 Taças de Portugal e 1 Supertaça, ao passo que, no segundo, ganhámos 5 Campeonatos, 5 Taças de Portugal e 2 Supertaças, disputando três finais europeias.
A década de 60 (1961-1970) foi a melhor da nossa história, em que às duas Taças dos Clubes Campeões Europeus ganhas nas cinco finais alcançadas, acrescentámos 7 Campeonatos e 4 Taças de Portugal. 
 Anteriormente, de 1951 a 1960 celebrámos o triunfo em 3 Campeonatos e 6 Taças de Portugal, no decénio precedente fomos vitoriosos em 4 Campeonatos, 3 Taças de Portugal e na Taça Latina e, de 1935 a 1940 (quando o Campeonato Nacional teve início), fomos campeões nacionais três vezes e vencemos 1 Taça de Portugal. Nos anos 30 vencemos ainda 3 Campeonatos de Portugal, a prova que deu origem à Taça de Portugal.
Gloriosa é a história do Sport Lisboa e Benfica, apesar de períodos de menor fulgor desportivo. O sucesso alcançado na última década tem ainda mais significado, por ter sido precedido por anos de crise desportiva, financeira e, até, institucional. A segunda metade da década de 90 do século passado teve consequências nefastas e duradouras, mas o esforço de todos os benfiquistas na recuperação do Clube foi recompensado com muitos títulos.
A revitalização desportiva do Benfica na última década acarreta, agora, enorme responsabilidade. Superarmos o desempenho do decénio anterior é o desafio que se nos coloca, sabendo-nos fortemente empenhados e motivados para cumprirmos esse desígnio.
De Todos Um, o Benfica!"

Supremo Verde !!!


"O Supremo Tribunal Administrativo deu provimento a um recurso apresentado pela Federação Portuguesa de Futebol, revogando as decisões de anulação do castigo do Tribunal Arbitral do Desporto e do Tribunal Central Administrativo do Sul, que consideraram que o CD da FPF não tem competência legal para a aplicação de sanções relacionadas com a concessão de apoios a grupos organizados de adeptos que não estejam registados junto do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ).
O processo em causa começou numa queixa do Sporting, em outubro de 2017, sobre o alegado apoio dado pelo SL Benfica a claques não legalizadas. O CD da FPF corrobora a mesma tese, e, em virtude disso, insiste em interditar o Estádio da Luz por 5 jogos (além das duas multas aplicadas, num total de 34 428 euros).
A ironia da situação é que falamos da mesma Federação que não se coíbe de dar luz verde a uma claque ilegal da Seleção Nacional, integrando membros das claques Super Dragões e Juve Leo, e que, segundo consta, até terá facilitado bilhetes e viagens a esses adeptos para o Euro 2016. Nessa altura, os grupos organizados já faziam sentido…
Nunca é demais relembrar que nessas mesmas claques legalizadas existem elementos que, reiteradamente, incitam ao ódio e à violência, sem que sejam, ou o clube que representam, punidos.
Isto demonstra, cabalmente, que existe uma clara e inadmissível perseguição ao Sport Lisboa e Benfica. Não deixa de ser também curioso que estas habituais perseguições têm início quando o SL Benfica revela sinais de retoma dentro de campo, vencendo partidas de forma regular e dando mostras de força. São as já conhecidas jogadas de bastidores, artifícios com o único intuito de criar instabilidade no SL Benfica.
Esperemos que quando existirem ajuntamentos ilegais de adeptos da Juve Leo e Super Dragões em apoio da Seleção Nacional, a Federação Portuguesa de Futebol também seja isenta e célere em repudiar tais atos e avance para Tribunal."

Perguntei ao meu tio quem era aquele gajo: era Johan Cruyff, o homem eterno


"Nascido, em Amesterdão, em 1947, foi a maior estrela do Ajax e também do Barcelona, e foi um dos maiores jogadores / treinadores / pensadores do futebol moderno

A minha primeira memória de Johan Cruyff remete-me para uma revista “Foot”, de setembro de 1985, onde João Querido Manha assinava um texto sobre o novo Ajax que buscava o ressurgimento internacional com um conjunto de meninos orientados por uma figura polémica – Cruyff, quem mais podia ser – que se recusava a ter a credencial de treinador, utilizando a pomposa designação de “diretor-técnico” para se sentar no banco.
Que coisa tão estranha. Tinha 8 anos, nunca tinha visto a Holanda numa grande competição internacional de seleções (o Mundial 1982 e o Europeu 1984 são as minhas primeiras referências) e o Ajax, um clube com o nome do detergente com que se lavava os vidros lá em casa, ganhava títulos internos, mas andava distante das finais europeias, a outra montra pela qual nos chegava futebol internacional no princípio da década de 1980.
Perguntei ao meu tio quem era aquele gajo. Explicou-me que tinha sido “o” futebolista genial da década de 1970, a principal figura da Holanda vice-campeã do mundo em 1974, ano em que venceu a Bola de Ouro, e que se recusara, por ser contra a ditadura militar argentina, a marcar presença no Mundial 1978, aquele dos papelinhos infinitos sobre a “cancha”, em que a Holanda voltou a ser finalista vencida, e parecia desenhado para o seu futebol poético e desconcertante.
Depois, o meu tio também me contou que Cruyff contribuíra de forma decisiva para que o Ajax conquistasse um ror de títulos nacionais e um tricampeonato europeu consecutivo, e da passagem pelo Barcelona, só com um título de campeão nacional, mas plena de futebol arte. O tal futebol total que, mais tarde, compreenderia.
Posto isto, Johan Cruyff, daqui até à eternidade. Fui acompanhando, pelos resumos curtíssimos do “Domingo Desportivo” e pelas notas de futebol internacional à segunda-feira n’“A Bola”, as peripécias de Cruyff e dos seus petizes: Van Basten, Rijkaard, Ronald Koeman, Vanenburg, Bosman, Rob Witschge e Van’t Schip, uns ilustres desconhecidos sub-23 que viriam a marcar a década seguinte do futebol europeu. Foi através daquelas imagens gigantes que acompanhavam o texto de João Querido Manha que tive o primeiro contacto visual com grande parte deles. Outros tempos, difíceis de serem compreendidos para quem cresceu na era do digital.
Não houve conquistas de campeonatos nacionais, apenas de taças da Holanda, até que chegou o grande dia. 13 de maio de 1987. Às 19h15, depois de aguardar ansiosamente pelo término do maçudo “Brinca Brincando”, indiferente à carne que a CEE não enviou, às lutas entre PRD, PS e MDP para convencerem Maria de Lourdes Pintasilgo a assumir a candidatura ao Parlamento Europeu, ou ao adiamento do encontro entre o primeiro-ministro (Cavaco Silva) e o Papa, lá estava eu, acompanhado por um pequeno bloco de notas, agarrado à RTP 1 para ver a final da Taça das Taças entre Ajax e Lokomotiv Leipzig.
O jogo, disputado em Atenas, não ficou para a história pela nota artística elevada, mas aquele 3x4x3 em losango (falta o 1 do guarda-redes, o excêntrico Menzo, que também procurava, no seu estilo desengonçado, jogar e, como agora se diz, controlar a profundidade, mesmo num tempo em que o guardião podia agarrar a bola após um atraso) do Ajax nunca mais me saiu da cabeça.
Menzo na baliza; Verlaat, o líbero; Silooy e Boeve, os defesas “de marcação” que, no fundo, eram laterais (e não tinham a estampa física – será a minha única referência a “físico” no meu texto – de defesas centrais); Wouters, o médio de cobertura; Rijkaard e o veterano Mühren, os médios interiores “pensadores”; o jovem Winter, sempre disponível para esticar o jogo, como vértice ofensivo do losango de meio campo, ainda que usufruindo de liberdade para trocar de funções com Mühren; Van’t Schip e Witschge, os extremos vertiginosos; e Marco van Basten, o ponta-de-lança que era apontado como uma das grandes promessas do futebol mundial. O meu exercício, a partir daí, passou a ser o de imaginar como seriam Benfica, FC Porto, Sporting e Rio Ave em 3x4x3 em losango. Um exercício tão difícil como inexequível.
A vitória da Holanda no Europeu de 1988, sob o comando de Rinus Michels, o “avô” do futebol total, tinha muito mais dedo do treinador Johan Cruyff do que seria expetável. É só olharmos para os convocados e para o onze titular, não nos esquecendo que Ronald Koeman, Vanenburg e Bosman, entretanto desviados pelo milionário PSV, também estiveram no exórdio da sua carreira como técnico principal.
O regresso de Cruijff ao Barcelona, curiosamente no verão de 1988, ofereceu-me a hipótese de ter mais acesso aos seus jogos. Primeiro, através da partida de sábado à noite transmitida pela TVE, que se capturava em Vila do Conde com pedacinhos pequeninos de grão no ecrã, e, principalmente, após 1990, altura em que o meu avô me ofereceu uma antena parabólica, cuja rotativa buscava incessante e avidamente todos os jogos do Barcelona. Para um ateu, devoto da igreja Cruyffiana e Maradoniana, aquela passou a ser a missa de todos os fins-de-semana. Até à primavera de 1996, altura em que os jogos do campeonato espanhol já eram transmitidos por canais portugueses (SIC e TVI).
As maiores lições que retirei de Cruyff foram as da valorização da inteligência e da capacidade para tomar decisões do futebolista, e a de retirar o máximo prazer possível de cada segundo do jogo, mantendo-nos fiéis ao que acreditamos: à nossa ideia de jogo, ao nosso modelo de jogo. O resultado é importante, mas está longe de ser tudo.
Devemos saber vencer – aqueles quatro títulos nacionais consecutivos, entre 1991 e 1994, foram épicos, e dois deles com requintes esdrúxulos de malvadez sobre o Real Madrid, assim como as finais ganhas à Sampdoria na Taça das Taças e na Taça dos Campeões Europeus – como também saber perder – aquela final da Champions, em 1994, quando o “Dream Team” da Catalunha é atropelado (0-4) pela sua antítese: o AC Milan de Capello – sem ceder uma vírgula aos nossos princípios. Um idealismo romântico em que a estrutura tática (o tal 3x4x3 losango) não é o ponto de partida, já que até pode ser transformada num 4x4x2 em losango – como o que detonou o Real Madrid, em 1994, por 5-0 – ou num 4x3x3.
Johan Cruyff, que entretanto trocara os maços de cigarros por chupa-chupas, decidiu deixar de ser protagonista no final da primavera de 1996. Seguiram-se duas décadas em que nos ofereceu reflexões sublimes, com mais ou menos polémicas, mas sempre fiéis às suas ideias e aos seus ideais, num namoro ininterrupto com o infinito prazer pelo jogo bonito. Pelo futebol espetáculo.
Foi também um tempo que coincidiu com a democratização – expressão que imagino lhe seja muito grata –, do acesso à informação, o que me permitiu descobrir o Cruyff jogador, confirmando o futebol poético e desconcertante, pleno de rasgo, de técnica, de leitura de jogo e de intensidade cerebral (que capacidade para tomar decisões!), sobre o qual o meu tio me falara, e voltar a olhar o Cruyff treinador com maior distância e muito mais experiência no terreno.
Podemos achar que, para alguém que esteve sempre à frente do tempo, Cruyff deixou os bancos demasiado cedo. Contudo, saiu no tempo certo para continuar a ser olhado como a mente que (melhor) pensou e colocou em prática a mais cintilante ideia de futebol poético-associativo-ofensivo, e, acima de tudo, teve tempo para desfrutar com aqueles que mais amava. Algo que a maior parte de nós, principalmente os que trabalham(os) no (gosto mais do “para o”) futebol, só se apercebe demasiado tarde. Por aqui, vou continuar a insistir com a Paulina que Johan Garcez Rodrigues Malheiro é o nome perfeito para o nosso filho."

No fundo de um olhar aflito


"Goyo Peralta vivia com a obcessão de vencer George Foreman. Quando perdeu com ele pela segunda vez, fugiu para a Europa.

A cabeça de Peralta brilhava como tivesse sido acabada de engraxar. Não poupara no Brylcream e parecia mais um ator de Hollywood a tentar imitar Rudolfo Valentino do que um boxeur a caminho de se meter em sarilhos, entrando no combate mais excitante da sua carreira. Era o dia 16 de fevereiro e 1970 e Gregorio Manuel Peralta, mais conhecido por Goyo, ia defrontar o grande George Foreman no Madison Square Garden e à vista de toda a América já que haveria uma transmissão direta à dimensão nacional. Foreman fora campeão olímpico e percorria o caminho dos frente a frente cada vez mais complicados na sua subida até ao topo do boxe mundial. É preciso dar e apanhar muito para se ser um campeão e George estava disposto a tudo.
Goyo engordara significativamente nos últimos meses. Deixara de ser um peso médio para ser um peso pesado. Mas Foreman não lhe deu hipóteses. O júri foi unânime ao dar-lhe a vitória por pontos ao fim de dez rounds. Peralta aguentara como pudera os martelos que Foreman tinha nos punhos e conseguira não ir ao tapete uma única vez. Os seus olhos escuros, impenetráveis, fixavam a multidão que lhe dedicava tantos aplausos como ao vencedor. Era um bailarino e o povo gostava disso. Até nas derrotas exibia a suprema elegância de encolher os ombros a cada golpe sofrido e sacudir os braços e a cabeça como se se deixasse absorver pela potência do adversário. Goyo ficou com a derrota frente a Foreman atravessada na garganta. Para ele e para quem o queria ouvir, vencer Foreman tornou-se uma obsessão e convenceu-se intimamente que esse triunfo estava escritos nas estrelas pela mão do seu destino. Até se ver de novo no ringue com George, não dormiu direito. Pelo caminho desfez por completo o futuro campeão mundial de pesos médios, Piero del Papa, e viajou pela primeira vez até à Europa onde, em Barcelona, espancou novamente sem piedade o desgraçado Piero e deixou Herbert Wick estendido no tapete sem dar acordo e si. De certa forma era como se estivesse a combater Foreman por interpostas pessoas. O rapaz de San Juan, na Argentina, afiava a sua ferocidade como quem afia uma lâmina de cutelo num pedaço de ferro.
No dia 10 de maio de 1971, toda a estrutura nervosa de Goyo Peralta estremecia. Um cabo de 100 volts atravessava-o dos pés à cabeça e o homem fervia de eletricidade concentrada. George decidira dar-lhe a hipótese de uma desforra. Ainda por cima estava em jogo o título de campeão da North American Boxing Federation, nada de especialmente extraordinário pois tratava-se de uma organização de combates regionais, mas tudo servia a Peralta para se motivar contra Foreman. Repetiram-se os dez rounds mas, desta vez, George parecia estar a ficar farto da obsessão que o argentino tinha por ele. Ao décimo assalto aplicou-lhe um gancho de tal forma devastador que Goyo ficou sem respirar alguns segundos, estendido no chão como um cartucho vazio de papel pardo.
Mais aniquilador do que o murro de Foreman foi a repetição da derrota que magoou Peralta até ao fundo da alma. Revia mentalmente, como num filme, os movimentos que utilizara para fugir à bigorna de George, o bailado contínuo na sua frente, ora fugindo pela direita ora pela esquerda, a rapidez com que evitara os golpes demolidores ao mesmo tempo que ia golpeando o adversário, aqui e ali, entusiasmando o público que enchera por completo o recinto de Oakland, Califórnia e que gritara alegremente o seu nome na expectativa de assistir a uma proeza formidável. Ainda assim, e mesmo que o tempo fosse passando inexoravelmente, como é seu hábito, gotas escuras de sangue magoado pingavam-lhe na alma. Decidiu fugir.
Espanha foi o destino de Gregorio Manuel Peralta, o boxeur do cabelo engraxado a brilhantina. Era suficientemente longe dos Estados Unidos, de onde saíra com o carimbo de derrotado, e igualmente longe da Argentina onde Goyo se convencera que lhe haviam perdido o respeito. Disputou dez combates no ano seguinte. Os primeiros oito, frente a gente como Jesse Billy Crown, Danny Machado, José Manuel Urtain, Gerhard Zech, Vernon McIntosh ou Leroy Caldwell, foram ganhos por KO, embora na sua maioria, os opositores fossem pesos médios.
De alguma forma percebeu que era longe dos Estados Unidos que se sentia bem. Mudou-se para a Alemanha e continuou a vencer. No dia 12 de maio de 1973 não resistiu a um punhado de dólares e viajou até Denver, no Colorado, para enfrentar Ron Lyle, no Denver Coliseum. Lyle era um tipo atrevido que haveria de desafiar Foreman e Ali a colocarem os títulos em jogo contra ele. A maldição americana voltou a castigar Goyo que perdeu aos pontos. Regressou à Alemanha, voltou a defrontar Lyle, empatando desta vez, e trocou uns golpes com Muhammad Ali num espetáculo de promoção antes de fechar a carreira. A imagem de Foreman continuou fixada na sua memória até o dia em que o Alzheimer a levou de vez. Ou, se calhar, até depois disso. Quando deixo de falar, o seu olhar aflito revelava muito do que sentia."