terça-feira, 1 de setembro de 2020

Quando as águias atravessaram dois infernos


"Recorde-se uma das decisões mais vergonhosas da UEFA: em 1965, obrigou o Benfica a jogar a final da Taça dos Campeões Europeus em S. Siro, na casa do seu adversário, o Inter de Mrilão.

O Benfica teve, pela primeira vez na história das taças da Europa, de jogar uma final no campo do adversário.
'Il Comendattore': só de si, a expressão é sinistra.
'Il Comendatore': do latim, 'comendator', aquele que recomenda; eclesiástico ou cavaleiro de uma ordem militar a quem, antigamente, por serviços prestados, era concedido um benefício, como uma igreija, mosteiro, terras ou uma povoação.
Esclarecido, mas não descansado: continua a ser sinistro...
Em Itália, dizia-se à boca cheia: 'Moratti compra tudo... árbitros incluídos'.
Em Itália, afirmava-se na imprensa: 'Angelo Moratti não perde a possibilidade de mostrar quem manda no Inter. Foi ele que, dias antes da final contra o Benfica, explicou aos jornalistas como iria jogar a sua equipa: 'Bedin marcará Eusébio; Suarez e Corso vão controlar as movimentações de Coluna; Guarneri bloqueará Torres; Fachetti perseguirá Torres por toda a parte'.
Estas palavras foram publicadas na revista Supersport.
Um ponto por toda a parte, havia o incómodo, o desconforto: a UEFA, pela voz do presidente do Comite Organizador da Taça dos Campeões, José Crahay, anunciava, após as meias-finais, que a final se disputaria em S. Siro, a casa do Inter, campeão europeu em título. A decisão era inédita, inacreditável. Mas foi levada por diante. Em caso de empate, finalíssima em Bruxelas.
S. Siro encheu, claro! 180 milhões de liras de receita, recorde absoluto do grande estádio de Mião, qualquer coisa como 8.500 contos da época.
80000 pessoas estariam nas bancadas para assistir à segunda vitória da equipa de Moratti e Helenio Herrera na Taça dos Campeões da Europa.
'Lasciate ogni speranza, voi chi entrate', dizia Dante, no 'Inferno'.
S. Siro seria o inferno. Não havia esperança para o Benfica.
O Benfica contrariou o Inferno, no entanto.
Vítor Santos, em A Bola: 'Sobre a relva encharcada, há dez rapazes de camisola vermelha, empapada em suor, prontos para, de cabeça bem erguida, saudarem o vencedor da batalha desigual que tinham sido chamados a disputar. Falta um ao grupo. Esse, saíra meia hora antes, corpo varado pela dor. E aqueles dez homens, sujos, desgrenhados, encharcados até aos ossos, tinham alguma coisa de um pequeno exército que se cobrira de glória frente a um adversário poderoso, numericamente superior e armado até aos dentes, que, ainda por cima, fizera a guerra no seu próprio terreno e com a grata colaboração de dilectos e poderosos aliados. Alguns choram. Um tem mesmo qualquer coisa como uma convulsãro. As lágrimas rolam-lhe pela face e ele, meio cambaleante, tem de se amparar a braços amigos para não cair. Chama-se Torres e lutara como um bravo (...) Esse Benfica que a UEFA quis transformar num grupo de convictos cristãos da era moderna, a lançar Às feras famintas da grande arena de S. Siro, fora a grande sensação do jogo e dera uma 'lição de bola' ao estranho e 'irrealizado' Inter, edição H.H., com o seu futebol manhoso e sádico, marcado por aquilo que se chama em Itália de 'profundo realismo'.
Impressionante! Frente a um conjunto enrolado na sua casca, como o bicho-de-conta, o Benfica efectuara uma exibição estupenda de determinação e de autoconfiança, produzindo um futebol construtivo, profundamente atacante e sempre imbuído daquilo que se pode chamar o espírito imperecível do 'association'.

Dramático!
O Benfica foi, em S. Siro, personagem principal de um dos momentos mais dramáticos do futebol português. A três minutos do intervalo, um remate enrolado do brasileiro Jair, faz a bola fugir, em jeito de galinha assustada, por entre as mãos, por debaixo do corpo, pelo meio das pernas de Costa Pereira. Grande especialista do futebol de não perder, Herrera era o mestre dos mestres no futebol de guardar vantagens inesperadas. O Inter defendeu-se, recolheu-se, fechou-se. Todos os verbos que pudesse utilizar seriam reflexos: eram onze homens trancados sobre si próprios, auxiliados pelo lamaçal em que se transformou um relvado infame. E contra isso nada pôde a valentia lusitana.
Aos 12 minutos da segunda parte, Costa Pereira, herói de Berna, réu de Milão, não resiste a uma hérnia discal e a um traumatismo no pé direito. Não sendo ainda tempo de substituições, é Cavém quem se prepara para vestir a camisola de guarda-redes. Mas é Germano que toma, finalmente, o seu lugar, incapacitado, também ele, por um rotura muscular na coxa.
São dois infernos: o de S. Siro e das lesões.
Nenhum ser humano seria capaz de atravessar dois infernos assim.
Rodolfo Pagnini, jornalista do L'Unitá: 'Escrevemos estas linhas febris enquanto os jogadores do Inter correm em redor do rectângulo, transportando bem alto, sobre as cabeças, a Taça da Europa. No centro do terreno encharcado de chuva e de suor, distingue-se o vermelho das camisolas do Benfica. Eusébio, Germano, Coluna e os seus companheiros olham para a festa que os envolve, desconsolados, tristes. A alegria do Inter, é a sua tristeza. Uma tristeza, uma amargura, plenamente justificada. O público apercebe-se disso. E rompe num aplauso fragoroso e espontâneo. O Benfica perdeu, mas sai de campo com todas as honras. Pode levar consigo para Lisboa, as armas do nobre vencido. Como há dois anos, em Wembley, frente ao Milan, a sorte não foi sua aliada. Nesse encontro, perderam Coluna num momento em que o resultado se encontrava em 1-1. Ontem, como se não bastasse o golo de Jair, numa autêntica 'gaffe' de Costa Pereira, jogou os últimos trinta e três minutos sem o seu guarda-redes. Saído Costa Pereira, todos pensaram: o Inter tem a vitória na mão. E prepararam-se para saborear mais golos. Ao invés, a partida terminava, nesse momento, para a equipa de Milão. Porquê? Porque o Benfica, essa maravilhosa equipa, actualmente a mais forte da Europa, não quis render-se ao inelutável, o fez um apelo ao seu desmesurado orgulho, lançando-se para a frente, de cabeça erguida, indo buscar forças ao fundo do coração e da alma'.
Jaques Ferrari, um dos enviados-especiais do L'Équipe: 'Eram oitenta mil milaneses contra fez portugueses. E foi uma afronta ao futebol que o Benfica não saísse de S. Siro pelo menos com o empate, tão visível foi o medo dos italianos perante a equipa portuguesa. O Benfica fez ontem tudo quanto é humanamente possível fazer em futebol. Lutou contra a multidão, lutou contra o adversário, lutou contra a má-sorte. E foi sempre uma equipa de coragem, de decisão e lucidez, além de alardear uma superioridade técnica e um sentido de jogo que obrigou os próprios adeptos do Inter a ohs! de admiração'.!

Afonso de Melo, in O Benfica

Um jogo solidário e nostálgico


"Na homenagem a Álvaro Gaspar e Francisco Stromp reinou a boa disposição entre antigas glórias do futebol português

O público acorreu numeroso ao Campo das Amoreiras, a 1 de Maio de 1936. A causa era nobre, pois as receitas revertiam para a construção dos mausoléus de Álvaro Gaspar (Benfica) e de Francisco Stromp (Sporting). O ambiente era de camaradagem e de solidariedade desportiva, mas também de saudade.
A atracção principal do programa era um desafio entre a 'Selecção de Portugal (1921)' - composta pelos elementos do 'grupo representativo de Portugal, que em 17 de Dezembro de 1921 disputou em Madrid o I Portugal - Espanha, jogo que serviu para o nosso baptismo internacional' - e o 'Resto', formado por jogadores da mesma época. Cosme Damião seria o árbitro, António Couto e Dionísio Hipólito os juízes de linha.
No momento em que entraram no rectângulo de jogo, os ases de outros tempos foram ovacionados e alinharam-se de frente para as bancadas. Os antigos internacionais estavam equipados com as cores da selecção nacional de então, 'camisola preta e calção branco', enquanto os seus opositores envergaram as cores do Benfica.
Do camarote central, o presidente do Comité Olímpico Português, José Pontes, pronunciou, emocionado, um discurso de forma inusitada, mas notável. O 'seu discurso era para ser transmitido pelos auto-falants do «camion» da Companhia dos Telefones, mas a corrente eléctrica não servia. Pôs-se de parte a ideia. O infatigável orador encontrou a solução, - heróica: «Falarei ao público do camarote; com silêncio absoluto a minha voz dominará o campo»'. E assim fez, até a voz ficar rouca. A seguir, a assistência fez um 'respeitoso e comovente silêncio', em homenagem a Álvaro Gaspar e Francisco Stromp.
Guilherme Pinto Basto deu o pontapé de saída, deixando-se ficar estático por uns momentos, como quem desejava também participar na partida. Apesar da passagem do tempo ter deixado as suas marcas nos jogadores, pois o aspecto geral de 'barrigudos... Quási todos os componentes apresentam anfractuosidade no ventre... Por cima disto, uma calva luzida...', pôde-se verificar que 'muitos dos «velhos» ainda seriam capazes de botar figura em confronto com alguns novos se os não atraiçoasse o fôlego'.
A 'multidão dispensa-lhes palmas - hoje de simpatia e amizade - antigamente de grande fervor clubista. «Penalty» contra os «internacionais», por infracção de Pinho. Cobra-o Jaime Gonçalves, o «terror dos guarda-rêdes», e bate Carlos Guimarães. A pontaria ainda não falhou...'. Vítor Gonçalves empatou o desafio, ao converter, também, um penálti. A equipa do 'Resto' voltou a ficar em vantagem, com um golo de Simões, mas Crespo, com um golpe de cabeça, obteve pela segunda vez o empate, fechando o marcador. Cosme Damião 'dirigiu admiravelmente' este 'original «match»' que decorreu sempre num ambiente de confortante e sadia alegria'.
Pode ver a camisola da selecção nacional de 1921 na área 15 -No Caminho do Tempo do Museu Benfica - Cosme Damião'."

Lídia Jorge, in O Benfica

De todos, um. O Benfica


"Estamos em vésperas do arranque da próxima época e, apesar dos tempos de incerteza que ainda vivemos, quero deixar uma palavra de confiança a todos os Benfiquistas.
Uma confiança alicerçada numa redobrada ambição que nos levou à contratação de uma nova equipa técnica de reconhecida qualidade, liderada pelo treinador com mais títulos na história do Sport Lisboa e Benfica e pela capacidade de ir ao mercado contratar jogadores internacionais de enorme prestígio.
É nestes momentos de crise que as entidades mais robustas e consistentes conseguem por norma fazer os seus melhores investimentos.
E é mesmo isso que temos feito. Aproveitar este momento de crise para, com base num nivelamento por baixo dos valores de mercado, ter acesso a talentos que noutras circunstâncias estariam fora de hipóteses para nós.
Mas ainda mais decisivo é o factor credibilidade. Como tenho dito, a credibilidade é um dos nossos principais títulos conquistados. E só a forte e reputada credibilidade que temos no mercado possibilita fazer este reforço do plantel com uma gestão eficaz e racional do seu esforço, diluído ao longo de vários anos.
Como fundamental tem sido também o reconhecimento unânime à qualidade do projecto e das infraestruturas que criámos – bem testemunhado nos depoimentos de todos os técnicos e jogadores que têm passado nesta casa – e que nos permite atrair algum do melhor talento, apesar de estarmos fora das consideradas cinco principais ligas europeias.
Vimos de uma década com resultados desportivos no futebol só superada pela década de sessenta, voltámos a ver o nosso Clube em duas finais europeias nos seniores e três nos juniores, em sequência de uma estratégia e rumo de aposta no centro de formação do Seixal que é tida como exemplo internacionalmente.
Tivemos a melhor década de sempre de vitórias nas modalidades.
Hoje, temos os alicerces necessários para redefinir algumas prioridades e procurar chegar mais longe e de forma mais ambiciosa a alguns objectivos.
Como sempre e desde a primeira hora, só esse tem sido o meu foco, trabalhar em prol do Benfica. E neste momento, mais do que nunca face aos tempos de incerteza que vivemos, defender o Clube e reforçar os seus pilares com os olhos postos num futuro ainda mais ganhador.
Mesmo sem ainda sabermos quando poderemos voltar a expressar a paixão da presença no Estádio da Luz, nos estádios e nos pavilhões, transportamos em nós a ambição, a crença e o sentimento de que "De todos, um. O Benfica".
Em cada um, aquela força única de sentir e de gritar "Benfica!".
É essa a força do Benfica e o compromisso de todos e cada um de nós!

Luís Filipe Vieira
Presidente do Sport Lisboa e Benfica"

Morato | Um olhar sobre a primeira época no velho continente


"Felipe Rodrigues da Silva, conhecido dentro das quatro linhas por Morato, chegou ao SL Benfica no verão de 2019, proveniente do São Paulo FC, a troco de seis milhões de euros por 85% do passe, com a particularidade de nunca se ter chegado a estrear com a camisola do plantel principal tricolor.
O central destacou-se na Copa de São Paulo de Futebol Júnior, onde, através de exibições de grande qualidade, que ajudaram os paulistas a conquistar a taça, tendo até marcado uma grande penalidade na final frente ao Vasco da Gama, o jovem despertou interesse de vários clubes europeus. As “águias” anteciparam-se e garantiram os seus serviços até 2024.
O balanço da primeira época do jovem brasileiro no velho continente é positivo. Morato somou um golo e uma assistência em 2419 minutos, distribuídos por 15 jogos na Liga Pro, dois jogos na Liga Revelação, um jogo na Allianz Cup e dez jogos na UEFA Youth League, onde foi totalista.
Foi nesta última competição onde Morato se superiorizou aos seus colegas do sector defensivo, tendo demonstrado uma enorme maturidade face aos restantes. Morato, devido à sua frieza e à sua capacidade para sair a jogar, era muitas vezes solicitado na primeira fase de construção do jogo das “águias”, notabilizando-se pela sua amplitude de recursos no que ao passe diz respeito. Noutras palavras, Morato tanto tem capacidade em jogar curto como em alongar com critério e qualidade, tornando-se numa incógnita para os adversários.
No entanto, o jovem de 19 anos ainda precisa de correr muitos quilómetros se quiser chegar ao plantel principal do Sport Lisboa e Benfica. Ficou visível no jogo da Allianz Cup, frente ao Vitória FC, que o jovem ainda não tem “estaleca” para tais andanças, tendo comprometido no lance que resultou no golo da vitória aos sadinos. Não obstante, Morato tem tudo para ser uma aposta sólida nos próximos anos. 
Com 1,90m, ágil, rápido, agressivo e com uma leitura de jogo acima da média, que lhe permite antecipar-se aos adversários na disputa pela bola, Morato poderá até já ser o quarto central na hierarquia de Jorge Jesus para a próxima temporada. O facto de ser canhoto, algo que Jorge Jesus aprecia em centrais que jogam no lado esquerdo da defesa, também pode contribuir para a sua inclusão no plantel principal.
Rodeado por defesas experientes de topo como Vertonghen, Rúben Dias e Jardel, o jovem brasileiro tem tudo para seguir as pisadas de David Luiz e Luisão e tornar-se numa das referências defensivas brasileiras a passar pela Luz."