terça-feira, 11 de agosto de 2020

O rapaz que até sabia voar...

"Ainda não tinha 20 anos e bateu-se no Estádio do Lima no quinteto avançado do Benfica com a franqueza de quem tinha um nome inesquecível: Guilherme Santana Graça do Espírito Santo. Era o mês de Abril de 1938. Três meses mais tarde, bateu o recorde nacional do salto em comprimento. Nunca o esqueçam!

Sempre gostei do nome: Guilherme Espírito Santana Graça do Espírito Santo. Convenhamos: um nome assim não pode deixar de estar abençoado.
Era grande, Espírito Santo. Um daqueles enormes que ficará para todo o sempre na história do Benfica e no coração dos seus adeptos. No dia 10 de Abril de 1938, Guilherme Espírito Santo estava no Porto, no Estádio do Lima. Fazia parte do quinteto ofensivo dos encarnados que defrontava o FC Porto num jogo decisivo para a luta pelo título de campeão. Os outros era Domingos Lopes, Valadas, Rogério e Xavier.
Dia de festa, claro. 'Não há como o foot-ball para alegrar as cidades. O Porto teve, hoje, um movimento intensíssimo. É certo que veio muita gente de Lisboa, cerca de 3000 pessoas. Mas de Braga, de todo o Norte, da região do Vouga e do Douro, chegam a todo o momento camionetas e automóveis carregados de desportistas. Alguns carros vêm engalanados com as cores dos clubes. Às 16 horas já não se cabia no magnífico Estádio do Lima, milhares de pessoas aglomeram-se, comprimidas entre as bancadas e o peão. Notam-se milhares de senhores. Dizem-nos que a enchente é maior do que contra o Sporting, que, como se sabe, rendeu 100 contos!'.
Para o Benfica, não perder significativa a mais que certa conquista do campeonato. Mas, com um quinteto de diabos na frente, não há modos de se jogar para o empate.
O primeiro golpe foi deles. O segundo também.
As águias bicam ferozmente a defesa contrária na procura do golo que as empurre para vitória. Os portistas defende,-se rijamente.
Vamos, a esta distância toda, de 82 anos, vejam bem, pôr os olhos em Guilherme Espírito Santo. É verdade que não marcou nenhum dos golos do Benfica, eles couberam a Rogério de Sousa e a Valadas, mas como não fixar a sua figura esbelta, negra retinta, de um negro divino? Ele é de uma elegância que nenhum outro dos 22 em campo é capaz de copiar. Um belo terrível para os opositores que o julgam uma sombra, surgindo e desaparecendo de grande área como um fantasma, desfazendo marcações, insubmisso sempre, ele, um ser livre e incontrolável que nasceu em Lisboa, descendente de são-tomenses, e passou a infância em Luanda jogando no Sport Luanda e Benfica.
Guilherme Espírito Santo. Nunca se esqueçam desse nome!

Depois voou...
Nesse dia do Porto, Guilherme Espírito Santo era um menino. Isso mesmo: um menino. Veio não completara 20 anos. E, no entanto, todos esperavam dele qualquer coisa de diferente, de mágico. Os seus movimentos nunca eram previsíveis. Não se pode ignorar que era, igualmente, um excelente atleta de salto em altura, salto em comprimento e triplo salto. Usava a sua matreirice para fazer do seu futebol uma mistura selvagem de tudo o que aprendera, no campo e nas pistas. Tinha a velocidade incontrolável de uma gazela e era capaz de colar a bola aos pés e partir em disparada com os adversários atrás dele, procurando atingir-lhe os calcanhares e os joelhos tal como quem vai à caça de uma ratazana. Mas Guilherme era abençoado, recordam-se? Era Graça e Santana. E Espírito Santo. O céu, lá do alto do seu azul, tornava conta dele.
O intervalo pode ter chegado com vantagem portista por 1-0, mas o Benfica virou a segunda parte para 1-2. Dois a dois nas contas decisivas. As bandeirinhas vermelhas tornavam conta do Estádio do Lima nesse mês de Abril ensolarado. Os benfiquistas, felizes, regressavam a casa. Guilherme já pensava mais longe, já pensava mais alto, já pensava mais forte. Era assim mesmo. Um batalhador incansável, um campeão com letra maiúscula e com um ponto de exclamação no fim.
O mês de Julho ferveu em Portugal. O campeonato acabara, mas a ambição de Espírito Santo era infinita. No dia 10 participou nos campeonatos de atletismo. Na prova de salto em comprimento, correu como um Mercúrio negro de asas nos pés pela pista e, ao chegar à caixa de areia, decidiu voar. Ah, como voava o Espírito Santo! Parece uma frase quase sacrílega, própria de deuses menores, mas não é mais do que a verdade, do que mais lhana e simples das verdades. Quando pousou os calcanhares no chão, tinha voado 6 metros e 89 centímetros. Era de embasbacar os espectadores. Nunca se vira em Portugal nada assim, o recorde nacional duraria anos. Claro que duraria anos! Guilherme Santana Graça do Espírito Santo não era um rapaz vulgar. Sabia voar. Digam-me quantos de vocês sabem voar? Vêem? Não se esqueçam! Não se esqueçam nunca. O esquecimento seria um crime contra o homem que levava o nome do Espírito Santo!"

Afonso de Melo, in O Benfica

Todos em jogo

"No Festival do Atlético, o Benfica defrontou o Belenenses num jogo que serviu para algumas experiências

As partidas amigáveis são a oportunidade ideal para os treinadores ensaiarem novas tácticas, processos ou jogadores, encontros de eleição para inovar sem correr o risco de perder pontos ou ser eliminado de uma competição, num contexto em que a intensidade é superior à dos treinos.
Assim, a 17 de Fevereiro de 1957, Benfica, Belenenses e Torriense associaram-se num evento de solidariedade a favor do Atlético, que atravessava graves problemas financeiros. Seriam disputados dois encontros no Estádio da Tapadinha, o primeiro entre a equipa da casa e o Torriense, e o segundo que opunha o Benfica ao Belenenses.
Para captar o interesse da imprensa e dos adeptos, o presidente dos 'encarnados', Joaquim Bogalho, propôs que a segunda partida fosse disputada sob novas regras. Inspirado por experiências feitas na Jugoslávia e em França, sugeriu que se abolissem os foras-de-jogo e que as reposições laterais fossem feitas com o pé ao invés das mãos. Na sua opinião, com a aplicação destas medidas, o 'espectáculo seria enriquecido, e muito'.
O debate prolongou-se nos dias seguintes, A Bola foi um dos jornais que mais destaque deu ao tema, mostrando-se contra, por considerar '«a lei do off-side» a principal lei do futebol e ela, sem o menor esforço, deve ser considerada a pedra-mestra do jogo! E é tão influente que, a nosso ver, o futebol, sem «off-side», transformar-se-á num jogo totalmente diferente e, porventura, menos atraente!'.
Apesar da chuva ter afastado algum público, as bancadas estavam em compostas de adeptos curiosos para assistir ao efeito das novas regras. Os jogadores ainda demoraram algum tempo a assimilar a abolição da regra, como foi o caso de Chipenda, preocupado 'em determinado momento da primeira parte, em não incorrer no «fora-de-jogo»'. Mas progressivamente foram-se adaptando. A equipa de Belém foi a que mais explorou essa ideia, como ficou evidente na jogada do segundo golo, em que Angeja, bastante adiantado em relação ao último defesa do Benfica, fixou o resultado em 2-0.
A experiência 'divertiu imenso o público (...) pelo ódio que tem ao famigerado «off-side». Se os avançados ao Benfica e do Belenenses tivessem dado ouvidos aos «conselhos» dos que estavam a jogar por fora, a lei do «off-side» não só teria sido desrespeitada, como foi, mas também espezinhada, esfrangalhada e ridicularizada, porque o público foi à Tapadinha para se vingar!'. Todavia, a imprensa não era da mesma opinião, sendo unânime em considerar que 'a abolição não deu indicação útil quanto à beleza do espectáculo tirando-lhe, por isso, grande brilho e dificultando ainda e já difícil tarefa do guarda-redes'.
Saiba mais sobre outras provas amigáveis na área 8 - Outras Conquistas do Museu Benfica - Cosme Damião."

António Pinto, in O Benfica

Estatísticas do desporto, quem as conhece?

"Em termos de emprego, o desporto tem uma dimensão semelhante à da indústria da madeira, papel e cartão (1,4%), superando ramos como a consultoria e programação informática (0,9%), as actividades imobiliárias (0,7%) e as telecomunicações (0,3%).

Qual é o valor da despesa pública com o desporto, nela incluindo o Estado, as autarquias e outros entes públicos?
Qual é o peso económico do benevolato no sector? Quanto vale a indústria do vestuário e do calçado desportivo? Qual é o valor do patrocínio desportivo? Qual o peso, na economia nacional, do espectáculo desportivo e de tudo que o mesmo estimula (publicidade, media, segurança, bilheteira, viagens, hotelaria, restauração, etc.)?
Em Portugal, responder a estas perguntas, que poderiam ser multiplicadas por dezenas de outras, é um exercício difícil.
A produção de estudos estatísticos sobre o desporto é profundamente deficitária, o que torna o conhecimento do sector muito frágil. Há pesquisas que nunca foram feitas e, noutras, os dados publicados não estão actualizados e muitas das fontes que estão na origem de informações relevantes baseiam-se em estimativas. Não obstante, é de elementar justiça reconhecer o que de positivo foi feito. 
Em 2006, a União Europeia (UE) constituiu um Grupo de Trabalho sobre Desporto e Economia, tendo em vista desenvolver uma abordagem metodológica comum para medir a relevância económica do desporto.
Posteriormente, e no contexto das conclusões do Conselho da UE de Novembro de 2012, recomendaram aos Estados-membros que seguissem os progressos realizados no desenvolvimento de contas-satélite do desporto com base nos instrumentos metodológicos disponíveis, recorrendo às estruturas de cooperação existentes a nível da UE e procurando associar as estruturas governamentais competentes, incluindo os institutos nacionais de estatística.
Neste contexto, em 2014, o Instituto Nacional de Estatística assinou um protocolo com o Instituto Português do Desporto e da Juventude em que se previa a elaboração de uma Conta Satélite do Desporto (CSD), a qual contribuiria para ampliar o Sistema de Contas Nacionais Portuguesas.
O objectivo essencial da CSD era o de providenciar um sistema de informação económica relacionado com o desporto, em linha com as contas nacionais e fornecendo uma representação completa, fiável, sistematizada e passível de ser comparada internacionalmente. Complementarmente seria uma base de evidência relevante e um instrumento fundamental de diagnóstico de apoio à construção da decisão politica em matéria de políticas públicas e associativas.
Em 2016, foram publicados os primeiros trabalhos da CSD referentes ao período de 2010/2012 e o resultado final foi altamente motivador atendendo a que foi possível coligir importantes dados estatísticos sobre o sector.
Por exemplo, que a dimensão relativa do desporto no valor acrescentado bruto da economia portuguesa é semelhante à do ramo de fabricação de produtos metálicos (1,2%), ultrapassando outros como a consultoria e programação informática (1,0%), a indústria do vestuário (0,9%) ou as actividades de arquitectura, de engenharia e técnicas afins (0,8%).
Em termos de emprego, o desporto tem uma dimensão semelhante à da indústria da madeira, papel e cartão (1,4%), superando ramos como a consultoria e programação informática (0,9%), as actividades imobiliárias (0,7%) e as telecomunicações (0,3%).
Os voluntários da área do desporto foram responsáveis por 14.617,8 mil horas de trabalho voluntário formal, em 2012, o que correspondia a 7,6% do total de horas de voluntariado formal, a nível nacional. 
No domínio do voluntariado, o número de voluntários que desempenharam funções em instituições ligadas ao desporto (39.124) supera o de áreas como a arte e cultura (34.505), o ambiente (17.490), a educação e investigação (14.961), a saúde (9.009) e as associações patronais, profissionais e sindicais (5.326), entre outras.
A importância relativa do trabalho voluntário formal em organizações da área do desporto, em termos do número de voluntários, apenas foi superada pelas organizações que se dedicam ao apoio social, por instituições religiosas e por clubes de outras actividades de recreação e lazer.
A Pordata, com estatísticas oficiais e certificadas sobre o país e a Europa, tem igualmente produção estatística relevante sobre o desporto.
Os últimos trabalhos publicados sobre o sector (maio de 2020) respeitam a um horizonte temporal de 2013/2018, mas no qual é possível recolher elementos significativos sobre a despesa corrente dos municípios com o desporto (+68%) ou sobre o número de praticantes desportivos federados (+13%) para além de outros dados relevantes.
Tudo a confirmar a indispensabilidade de continuar a apostar neste trabalho reforçando os meios consagrados à produção de estatísticas sobre o desporto de modo a ser possível actualizar o conhecimento sobre o sector, avaliar medidas e tomar decisões baseadas em dados tangíveis e, consequentemente, alimentar uma planificação estratégica com base em evidências, mais do que em percepções."