terça-feira, 4 de agosto de 2020

As senhoras fugiram assustadas!

"Em 1931, o Benfica conquistava o seu segundo Campeonato de Portugal consecutivo. Ano complicado, em guerras contínuas com os órgãos federativos, mas uma vitória inatacável frente ao FC Porto, no Campo do Arnado, em Coimbra, por 3-0.

Um Benfica - FC Porto não tem o peso de um Benfica - Sporting. Falta-lhe aquele cheiro a Lisboa que a Amália cantava, o cheiro a rosmaninho das procissões, das iscas com elas e a vinho das vielas mais escondidas, das rosas a florirem na tapada, enfim, cheiros de flores e de mar. Mas é, ainda assim, um momento de disputa intensa, estóica. Dói fundo a cada um que perde o peso da derrota.
No dia 28 de Junho de 1931, houve um Benfica - FC Porto em Coimbra: final do Campeonato de Portugal. Vitória encarnada por 3-0. Era um mês de Junho como este que vivemos, cheio de sol ardente, mas havia pessoas aos magotes como agora não há por via desse mal sinistro que nos entrou pela vida e nos deixou cada vez mais distantes uns dos outros. Um tempo ainda tranquilo, embora pela Europa já pairasse o insuportável fedor a pólvora de mais uma guerra que devoraria o planeta.
'Honra ao glorioso Benfica. Nunca este adjectivo teve tanta razão de ser como agora!', lia-se nas páginas de um periódico. Afinal, as águias defendiam o título conquistado um ano antes de demonstravam cabalmente que não tinham adversário à altura. 'Para trás, detractores! Afastem-se os mal-intencionados! Aqueles que passam a vida a dizer mal de um clube lá porque defendem outras cores. Neste ano, a competição máxima foi ganha pelo melhor grupo, pelo melhor de todos, pelo melhor que nela entrou'.

Se o jornalista presente no velho Campo do Arnado viu tudo decorrer na frente dos seus olhos, como negar a sua versão dos acontecimentos? Aliás, como recusar que, com uma vitória por 3-0, o Benfica tenha sido absolutamente superior ao seu rival da Invicta? Lá está! Para trás, detractores!
'Coimbra, uma fidalga terra acolhedora, que sabe receber as pessoas que a visitam, tinha ontem o aspecto dos dias de festa, de grande festa. Além dos comboios especiais que conduziram muita gente a todo o momento, de um lado e do outro, chegavam automóveis transportando desportistas. Viam-se bandeiras azuis e vermelhas por toda a parte. E por toda a parte se ouvia gritar: 'Viva o Benfica!' 'Viva o Porto!'

Já não se escreve assim por entre as páginas dos nossos jornais desportivos carregadas de erros de ortografia e de sintaxe. Há coisas que não voltam mais...


Superioridade total!
Nem sempre é vulgar, mas, enfim, das margens do Douro às margens do Mondego a distância é mais curta que a que dista o Tejo: havia mais adeptos do FC Porto do que do Benfica. E ouviram-se mais alto, mais pujantes. Pelo menos no início, antes de o jogo começar a correr ao contrário das suas vontades. O Campo do Arnado estava pela hora da morte. Bancadas de madeira improvisadas, ameaçando ruir quando os espectadores resolviam bater com os pés, senhoras assustadas fugindo, ignorando a peleja, com medo, um medo compreensível, natural.

O Benfica não tinha Pedro Silva, lesionado. Jogou João Correira, vindo directamente das terceiras categorias. E cumpriu!

O domínio dos vermelhos foi total. Do princípio ao fim. Vá lá, durante um pedacinho do segundo tempo, os azuis e brancos equilibraram a contenda. Mas insuficiente. Completamente insuficiente!
Aos 37 minutos, 1-0. Vítor Silva tem um remate poderoso, a bola bate num poste com tanta violência, que, em seguida, vai bater no do outro lado. Parecia um jogo de flippers. Com a felicidade que fez por merecer, Vítor Silva surge por entre os defesas contrários com rapidez e, tanquilo, executa e recarga como se tivesse tido ordens divinas para tal. O FC Porto treme. Está metido numa camisa de onze varas.

Em cima do intervalo, 2-0.
Canto. A bola vai na grande área, Siska sai com bravura, o embate com Emiliano Sampaio é inevitável. A bola sobra para Augusto Dinis, que, expedito, a chuta para as redes. Os portistas reclamam. O árbitro está a pouco mais de um metro do lance. Chama-se António Palhinhas. Considera que, sendo fora da pequena área, não há motivos para castigar o avançado benfiquista.
Os encarnados entram para o segundo tempo com uma confiança inabalável. Vítor Silva era verdadeiramente supimpa: com os seus recursos extraordinários, não havia nada que não conseguisse fazer. Foi o autor do terceiro golo.
65 minutos - à entrada da área, dribla um adversário de forma tão surpreendente, que o faz tombar. De imediato aplica um pontapé forte e colocado, indefensável para Siska - 3-0.
O resto do encontro será um passeio. O Benfica descansa sobre a vantagem larga, o FC Porto equilibra as forças por alguns momentos, mas nem Lopes Carneiro, nem Raul Castro, nem o inglês Norman Hall conseguem pôr em risco a baliza de Artur Dyson.
'Honra, portanto, ao clube que soube, defendendo um título que ostentava, contra tudo e todos, colocar bem alto a região mais categorizada do foot-ball português'. Pois: é que não foi qualquer um a assinar essas palavras. Foi Tavares da Silva, um dos maiores jornalistas de sempre em Portugal, no tempo em que o jornalismo não admitia o analfabetismo nem a ignorância, como agora..."

Afonso de Melo, in O Benfica

"O Coluna das coisas simples"

"Era vaidoso, gostava de filmes de acção e de bolos e guardava com estima a bola que tinha rolado no seu jogo de despedida

Mário Coluna nasceu a 6 de Agosto de 1935, em Moçambique, e cresceu a brincar na rua. Desportista nato, deu um pezinho em várias modalidades antes de se decidir pelo desporto-rei. No início da adolescência descobriu o boxe e começou a entrar em combates amadores. Antes em Moçambique, foi um grande corredor e recordista de salto em altura e também jogou basquetebol! O futebol foi a modalidade que sempre esteve presente na sua vida, desde pequenino. O seu pai fundou o Grupo Desportivo de Lourenço Marques, uma filial do Benfica, e ali Coluna jogava a júnior de manhã e nos seniores à tarde. O seu talento chegou a Lisboa e os dois grandes, Sporting e Benfica, queriam-no nas suas equipas. A proposta foi igual: 100 contos. O factor decisivo foi o coração de Coluna, vermelho por natureza.

No dia da viagem para Portugal, Coluna sentia-se particularmente vaidoso, por isso escolheu vestir um fato de linho e até comprou uns sapatos especialmente para aquela ocasião. Mas a viagem durou umas intermináveis 34 horas e quando, finalmente aterrou, tinha o fato todo amarrotado e os pés tão inchados que não cabiam nos sapatos!
Jogou 16 épocas de águia ao peito, 7 das quais com a braçadeira de capitão. Venceu 10 Campeonatos Nacionais, 6 Taças de Portugal, 3 Taças de Honra e foi o primeiro africano a erguer a Taça dos Clubes Campeões Europeus. Mas, longe as luzes da ribalta, Coluna era um homem como os outros. Gostava de batatas fritas, de laranjas, de filmes de acção e de bolos. Numa entrevista dada ao Diário de Lisboa, no fim da sua carreira, foi apelidado de 'Coluna das coisas simples'. E era-o, de facto. Humilde, era muito apegado às memórias, mas já tinha perdido o rasto aos objectos acumulados. 'Tinha centenas de galhardetes que já nem sei onde andam', inclusivamente uma medalha de ouro, 'que o Brasil só dá por grandes feitos aos brasileiros que se tornam a modos que heróis. Eu tenho-a, deve estar por aí, numa dessas gavetas'. Mas havia um objecto que guardava com grande carinho: a bola que tinha rolado na sua festa de despedida do Benfica, autografada por todas as vedetas que foram jogar à Luz, '(...) tem um valor inestimável', confessou.

Saiba mais sobre os feitos de Coluna na área 23 -Inesquecíveis, no Museu Benfica - Cosme Damião."

Marisa Furtado, in O Benfica

Ambição à Benfica

"O novo ciclo, com o comando técnico da nossa equipa de futebol agora entregue a Jorge Jesus, não poderia ter começado da melhor forma. Os objectivos foram expressos de forma muito clara e estes passam por ganhar as competições domésticas, recuperando a hegemonia do futebol português, e devolver o prestígio internacional ao Benfica.
Na apresentação do novo treinador estiveram presentes membros da Direcção do Clube e da SAD, elementos da estrutura do futebol profissional, os capitães de equipa e alguns ex-jogadores cuja passagem pelo Benfica ficou marcada pelo sucesso sob as ordens de Jorge Jesus.
O Presidente Luís Filipe Vieira deu o mote de uma cerimónia em que sobressaiu a enorme vontade, partilhada por todos os Benfiquistas, de recolocar o Benfica no trilho das vitórias, após uma temporada aquém das expectativas.
Dirigindo-se a Jorge Jesus, Luís Filipe Vieira garantiu que tudo será feito para que a Família Benfiquista seja feliz nos próximos anos e recordou que, como em 2009, surgem novamente juntos, acompanhados por Rui Costa ("Curiosamente somos os três bairristas e o Benfica, na realidade, é o povo", realçou), para trabalharem arduamente em prol do sucesso do Clube.
Por seu turno, Rui Costa salientou que o sucesso de Jorge Jesus será o sucesso de todos os Benfiquistas e manifestou o desejo de que o nosso treinador aumente o palmarés obtido na sua passagem anterior pelo Benfica.
Jorge Jesus, igual a si próprio, foi a personificação da enorme ambição, da inabalável confiança e da máxima exigência que lhe reconhecemos desde o seu primeiro ato enquanto treinador do Benfica. Revelando-se muito satisfeito por voltar à Luz e ao Seixal, vincou que a equipa terá de jogar o triplo para atingir os objectivos preconizados, manifestou a sua crença, sem quaisquer reservas, de que lhe serão proporcionadas todas as condições para alcançar o desejado sucesso, prometeu que a equipa irá arrasar e revelou que já trabalha, com Luís Filipe Vieira, Rui Costa, Tiago Pinto e Luisão, na construção de um plantel muito forte.
Deixou ainda claro que "só um clube e uma pessoa" o podiam convencer a regressar a Portugal, que acredita que o Benfica dá todas as condições a qualquer treinador para melhor desenvolver o seu trabalho e lutar pelo triunfo em todas as competições. A união de todos os benfiquistas foi também um dos aspectos vincados pelo nosso treinador, sabendo-se que é fundamental para o sucesso. E frisou que a competência será sempre o que norteará o reforço do plantel, fazendo-se uma simbiose das várias proveniências, incluindo da Formação.
Jorge Jesus está de volta e só nos resta desejar, ao nosso novo treinador, que, como na sua primeira passagem pelo Benfica, ajude o Clube a conquistar muitos títulos e troféus!
#PeloBenfica"

Cadomblé do Vata (Jesus)

"A apresentação de Jorge Jesus.
1. Para começar, fico feliz por a cerimónia não ter decorrido no relvado da Luz... parece-me claro que só a falta de espaço evitou que ao lado dos dois "troféus" de finalista vencido da Liga Europa, não estivesse o hat trick de "títulos" de vice campeão nacional.
2. Jorge Jesus guardou para o fim a expressão orelhuda "Vamos Arrasar"... não deu foi para perguntar se era com o campeonato, com as finanças do clube ou vá, com "ambos os dois que formam um triângulo".
3. Já antes, o treinador do SLB tinha demonstrado a sua peculiar confiança, afirmando que os jogadores "vão jogar o triplo"... tendo em conta as dificuldades que tivemos este ano na meia e longa distância, eu duvido, mas somos o clube do Carlos Lisboa, portanto vale a pena tentar.
4. Excelentes noticias na constituição da equipa técnica com a inclusão do treinador de guarda redes Fernando Ferreira, agora coadjuvado pelo Paulo Lopes... isto se entretanto Jorge Jesus não o trocar pelo Muhktar.
5. "Como temes par cima da águia, um sames todes"... agora quero ver os nossos adeptos na China a dizerem isto."

"Vamos jogar o triplo"

"Hoje, 3 de Agosto, começa uma nova época. Aquilo que todos esperávamos, sem esquecer o que fica para trás, para memória e aprendizagem, mas virar a página, voltar ao trabalho, recuperar o foco e lutar pelos nossos pergaminhos: dominar em Portugal e ser grandes na Europa.
Pode ser mais ou menos consensual, uns gostam mais, outros gostam menos, mas Jorge Jesus é o eleito. Jorge Jesus é o treinador do Sport Lisboa e Benfica. Jorge Jesus é o nosso treinador. A quem desejamos toda a sorte. É hora de trabalho. É hora de união.
É hora de voltar a ser brilhante dentro de campo e inexcedível fora dele, na luta pela verdade desportiva e na defesa intransigente do SL Benfica.
O caminho é longo. E mais do que nunca, todos contam. Pelo Benfica."

Jorge Jesus é o maior

"O Benfica já saiu a ganhar da apresentação

Jorge Jesus assumiu que está diferente e, em boa verdade, as últimas declarações no Brasil já apontavam nesse sentido: falava mais na primeira pessoa do plural, mencionava frequentemente a equipa técnica e atribuía várias vezes o mérito das vitórias aos jogadores.
O treinador pode, por isso, ter alterado a perspectiva com que olha para as coisas. Já a gestão das expectativas, essa, permanece igual. O que é uma excelente notícia para o Benfica.
Se não, veja-se.
Na apresentação, por exemplo, Jorge Jesus disse que «jogar o dobro não chega, o Benfica vai jogar o triplo», garantiu que é «muito mais treinador do que era» quando saiu da Luz e reclamou que não está habituado a ganhar o campeonato, está habituado «a ganhar tudo».
«Não tenham dúvidas: vamos fazer uma grande equipa e vamos arrasar.»
Ora isto, meus senhores, é Jorge Jesus. Podia ser mais cauteloso e apostar num discurso mais conservador, mas aí não estaria a ser ele. Ele é assim: não sabe jogar com expectativas moderadas.
O Benfica, sabe-se depois disto, não ficará satisfeito em ser bom ou ser bonzinho. O Benfica vai ter de ser espectacular. Vai atirar lá para cima, tão alto como os sonhos possam chegar.
Para uma equipa não haverá maior motivação que essa.
Jorge Jesus é assim: chega e agita as coisas. Grita, esperneia e desassossega. Podia ser como os outros, podia ser razoável e politicamente correto.
Era seguramente muito mais cómodo e barato. Não haveria tanta cobrança, tantas críticas, tantos olhares. Provavelmente também não haveria tanta gente a querer que ele falhasse.
Mas não se chega ao céu com os pés presos na terra. E Jorge Jesus não tem medo de voar."

A importância da formação

"Já se passaram cinco anos desde que Jorge Jesus saiu do Benfica, mas parece que a ideia da aposta da formação já se esqueceu. Acho que é uma boa altura de relembrar porque é que há cinco anos começámos a apostar tanto na formação, como a aposta na formação deu bons resultados em alguns clubes e porque é que a aposta na formação não tem dado esses resultados no Benfica. O pior que o Benfica poderia fazer era deixar de apostar na formação neste momento. A formação é o único caminho para o sucesso à disposição dos clubes fora das quatro grandes Ligas.
A necessidade de apostar na formação é francamente simples de entender. As futuras estrelas do futebol mundial têm hoje 15, 16, 18 anos. Se tivermos boas condições porque é que não podem surgir no Benfica? Foi esta a pergunta que Luís Filipe Vieira fez há cerca de dez anos e os resultados estão à vista de todos. Hoje em dia, contratar um jogador que seja capaz de fazer diferença numa competição europeia custa no mínimo uns 40 milhões de euros (entre preço do jogador, salário, prémio de assinatura e comissões). O Benfica tem capacidade para ter dois ou três assim. Mas não tem capacidade para ter quinze, como a maioria dos grandes clubes tem, no mínimo. A solução é criar esses jogadores na formação. Bons jogadores da formação também têm (ou deveriam ter) salários caros, mas não se tem que pagar a ninguém para os ter. Assim é possível um clube da periferia futebolística europeia conseguir ter um plantel competitivo a nível europeu sem gastar o que grandes clubes gastam.
No passado recente tivemos alguns clubes a conseguirem ter sucesso a nível internacional graças à formação ou à aposta em jovens jogadores. Nos últimos cinco anos, houve três equipas a chegar às meias-finais da Champions League que não estamos habituados a ver lá: Mónaco 2016-17, Roma 2017-18 e Ajax 2018-19. Destas três equipas, duas tinham como base a formação. O Mónaco montou uma equipa com uma série de jovens de 18-23 anos que foi buscar à sua academia (Kylian Mbappé, Abdou Diallo e Almamy Touré) ou a academias de outros clubes (Bernardo Silva, Thomas Lemas, Fabinho, Tiémoué Bakayoko, Benjamin Mendy e Gabriel Boschilia). A estes jovens juntou jogadores experientes como João Moutinho, Radamel Falcão e Danijel Subasic e conseguiu travar o PSG, vencer a Ligue 1 e chegar às meias-finais da Champions League. O Ajax venceu a Eredivisie, a Taça da Holanda e chegou às meias-finais da Champions com uma equipa onde dos onze jogadores mais utilizados, seis tinham passado pela equipa B nos anos anteriores (Donny van de Beek, Matthijs de Ligt, André Onana, David Neres, Noussair Mazraoui e Frenkie de Jong). Além destes, quase metade dos jogadores do resto do plantel vieram da formação ou foram contratados muito novos.
A triste curiosidade, é que se formos ver os clubes com melhor resultado líquido de contratações nos últimos anos, a lista é composta precisamente por Mónaco, Ajax e…. Benfica. Ou seja, nós produzimos o mesmo talento que Ajax e Mónaco, só que não tivemos uma gestão capaz de chegar aos mesmos resultados. O problema do Benfica não tem sido apostar em demasia na formação. O problema do Benfica tem sido gestão. O Benfica cria jogadores óptimos, vende-os à primeira oportunidade e depois fica à espera que a formação crie jogadores para os substituir. Se a formação não for capaz de responder no imediato a essa necessidade, o Benfica não contrata. Este é o erro. Foi isto que aconteceu com o Renato Sanches, com Ederson, com Nélson Semedo e mais recentemente com João Félix. A solução é francamente simples também. Não podemos vender jogadores só porque fizeram uma boa temporada. Jogadores deste nível são muito difíceis de criar. Nós temos que tirar mais rendimento desportivo deles antes de procurarmos o rendimento financeiro. E quando tirarmos o rendimento financeiro, se a formação não tiver ninguém para se apostar no imediato, temos que ir ao mercado. O que não se pode fazer de todo é acelerar processos só para não gastar algum dinheiro em reforços (que foi o que aconteceu com Tomás Tavares por exemplo).
Há cerca de quatro ou cinco anos, Hélder Cristóvão disse numa entrevista à BTV que um jogador da equipa B para se graduar da equipa B e saltar para a equipa principal tinha que fazer entre 60 a 80 jogos. Nenhum dos jogadores promovidos este ano pelo Benfica tinha um quinto disso. Só se apostou nesses jogadores porque a “Estrutura” do clube não quis gastar dinheiro em reforços. O único caso bem gerido pela “Estrutura” nestes últimos anos foi o caso de Victor Lindelof - Rúben Dias. Assim que Victor Lindelof foi vendido, a formação já tinha outro jovem pronto a ser lançado - Rúben Dias. Tirando este caso, todos os outros jogadores ou ainda não foram substituídos - João Félix e Nélson Semedo - ou foram substituídos com um penso rápido e o clube só decidiu investir a sério passado mais de um ano depois: (1) Ederson - Bruno Varela - Odysseas Vlachodimos; (2) Renato Sanches - Pizzi (adaptado a médio centro) - Krovinovic - Gabriel).
A formação do Benfica está a chegar aos anos de ouro. As gerações de 1994 e 1997 foram muito boas, mas as gerações que estão a bater à porta (de 2000, 2001 e 2002) são também muito boas. É importante que o plantel da equipa principal seja curto, de maneira a que a porta esteja aberta para jogadores como Gonçalo Ramos, Tiago Dantas, Morato, Pedro Álvaro, Ronaldo Camará, Paulo Bernardo e Rafael Brito possam ter as suas oportunidades. Porque se não tiverem aqui, vai aparecer um Mónaco ou um Valência a tirar proveito deles. Quase que aposto que um desses clubes que já deve estar a esfregar as mãos chama-se Wolverhampton."

Mimados ou Privilegiados?

"A época 2019/20 terminou, finalmente terminou.
Entrámos nela cheios de ilusão, com um treinador que nos tinha apaixonado, com um grupo de jogadores que ultrapassaram os 100 golos numa época e que fizeram uma das mais memoráveis segunda volta de sempre do campeonato português.
Entre os grupos de amigos benfiquistas discute-se actualmente como terminamos esta época com uma dobradinha do FC Porto (clube que continua intervencionado pela UEFA e a viver uma complexa situação financeira).
Passado um ano, o treinador foi demitido e grande parte dos jogadores que nos fizeram sonhar são criticados e o seu valor colocado em causa.
Como chegámos a este ponto? O que mudou em tão curto espaço de tempo? Como passámos do sonho à desilusão com a maioria dos actores da época passada?
O meu texto foca-se na questão dos jogadores, uma vez que muito já se escreveu acerca do fenómeno Lage.
Voltemos a Janeiro de 2019, momento em que Lage assume a liderança da equipa principal do SL Benfica. A liderança estava a 7 pontos de distância e o jovem treinador sobe à equipa A uma mão cheia de jovens da formação. Três destacaram-se de imediato: Ferro, Florentino e a estrela em ascensão João Félix. O impacto foi imediato e entre a irreverência de um Félix que colocou toda uma equipa a jogar à sua volta e o cerrar de fileiras impulsionado por uma sequência impressionante de vitórias levou-nos a um dos campeonatos mais saborosos, principalmente por quase ninguém já acreditar nele.
Serve este parágrafo para contextualizar como iniciámos a época que agora finda. Com uma sensação de liderança e poderio face aos nossos mais diretos rivais. Sensação essa ainda mais cimentada pela histórica vitória por 5-0 ao Sporting CP que valeu a conquista de mais uma Supertaça para o nosso grandioso palmarés.
Mas o que aconteceu entre a consagração do jogo contra o Santa Clara e o jogo que nos deu a Supertaça contra o Sporting?
Durante a pré-época saíram do Benfica Jonas, Sálvio e Félix. E cedo se percebeu que Fejsa e Jardel não contavam para Bruno Lage. Entraram RDT, Vinícius e mais miúdos da formação, com destaque para Nuno e Tomás Tavares.
Entretanto o SL Benfica renovava com Pizzi, Rafa, Seferovic, Grimaldo, André Almeida, Samaris, Gabriel, até 2023 ou 2024, numa estratégia inteligente de blindagem destes jogadores, mas com novos contratos de longa duração e todos a roçar o tecto salarial do clube.
E aqui jaz, na minha opinião, o início do insucesso do Benfica 2019/20. Entre Maio e Agosto, a estrutura do clube vê saírem ou serem afastados os jogadores com mais experiência e liderança do balneário (Jonas, Sálvio, Jardel, Fejsa) e vende por valores irrecusáveis a pérola que revolucionou o futebol do clube: Félix. Em sentido oposto contrata jogadores com poucas ou nenhumas provas dadas (RDT e Vinícius) e fortalece através de renovações o peso de alguns jogadores no plantel (Pizzi, Rafa, Grimaldo, André Almeida, Seferovic, Gabriel).
De repente, os jogadores que se agigantaram em torno da genialidade de Félix e da experiência de Jonas, Sálvio, Jardel e Fejsa, tornaram-se eles a referência do plantel. Esses jogadores tornaram-se as estrelas do plantel e as caras da liderança no balneário.
E assim arrancou o campeonato. Apesar do primeiro aviso logo à terceira jornada, os resultados foram aparecendo. Jogava-se mal mas a bola ia entrando e este grupo de jogadores alcançou uma vantagem de 7 pontos face ao FC Porto. Até que chegou o dia em que viajaram ao Porto. Nesse dia podiam ter decidido o campeonato se não perdessem, mas saíram de lá derrotados (novamente) e acima de tudo com a certeza que não eram a melhor equipa.
Foi nesse momento que sobressaiu a falta de qualidade e de liderança do núcleo duro do plantel (Pizzi, Rafa, Grimaldo, André Almeida, Gabriel). Perceberam nesse momento que não eram as estrelas que a comunicação oficial do clube vendia semana após semana aos sócios e adeptos do SL Benfica. Perceberam que não iam ser capazes, que lhes faltava os alicerces que suportaram o sucesso passado e…entraram em pânico.
Desde esse dia foi um cair a pique semana após semana. De uma vantagem de 7, em poucas semanas passaram para uma desvantagem de 1 ponto face aos rivais. Casa ponto que perdiam, maior era o pânico e maior a certeza que não iriam ser capazes. E isso toldou-lhes o discernimento, contagiou o resto do plantel. Perderam o foco.
E é nestes momentos que é necessário que a qualidade apareça (já não havia um Félix) ou que os grandes líderes soltem um berro e reúnam as tropas (já não havia em Jonas ou Fejsa). E o resultado final foi este a que assistimos ao último capítulo ontem, onde uma vez mais este plantel teve de enfrentar os seus medos e fantasmas, uma vez mais falharam. Não conseguiram, gelaram de pânico quando sofreram o primeiro golo.
Por isso concluo que estes jogadores não são mimados. Simplesmente não sabem mais. Subitamente foram elevados a estrelas de um clube grandioso como o SL Benfica e não aguentaram a pressão dos maus resultados. Não conseguiram lidar com a realidade, a de que são jogadores de plantel, jogadores de qualidade inegável, mas não são estrelas. Por falta de genialidade e de liderança.
Estes jogadores são sim privilegiados, por poderem envergar uma camisola com a grandiosidade do manto sagrado. O verdadeiro Benfica, talvez não permitisse que estes jogadores fossem titulares, quanto mais as suas estrelas.
Estes jogadores não têm culpa de quem os criou, de quem alimentou os seus egos para esconder a falta de qualidade do plantel e a sua falta de ambição para conquistar títulos. Eles apenas serão eternamente gratos a um clube que lhe proporcionou serem mais do que alguma vez deveriam ter sido. Estes jogadores terão o privilégio de vestir a camisola do SL Benfica até ao final do seu contrato, porque a sua qualidade não condiz com o seu vencimento. Estes jogadores não poderão ambicionar mais que se manterem no plantel do maior clube de Portugal.
Mas eu acredito que, se lhes juntarmos qualidade e a experiência e ambição de jogadores à Benfica, habituados aos grandes palcos, confiantes no seu futebol, se voltarmos a colocar estes jogadores no lugar onde pertencem dentro do plantel, eles voltarão a dar-nos alegrias e levar o Glorioso a novas conquistas. Isto porque se verão livres da pressão de serem eles a fazer a diferença e porque terão a seu lado líderes que os irão ajudar a tirarem o máximo das suas capacidades.
Estamos assim num momento crucial do futuro próximo do nosso clube. O Benfica precisa urgentemente de jogadores de qualidade, que sejam ambiciosos, que elevem o nível do plantel. É tempo de decidirmos se queremos um Benfica focado nos títulos desportivos ou focado nos negócios. Os próximos meses serão decisivos. Está nas mãos dos sócios quem queremos que sejam as estrelas do nosso clube.
Haja ambição, porque o SL Benfica está preparado para voar e voltar a encontrar-se com o seu destino: vencer!"