terça-feira, 14 de julho de 2020

Recepção ao Vitória de Guimarães

"Hoje, às 21h30, no Estádio da Luz, a nossa equipa receberá a sua congénere do Vitória de Guimarães, em jogo a contar para a antepenúltima jornada da Liga NOS. O objectivo é vencer. 
Veríssimo, em conferência de imprensa de antevisão à partida, vaticinou um Benfica "à procura da vitória e do jogo, e que vai tentar fazer os golos para ganhar". Repetir a exibição conseguida na visita ao Famalicão, mas sendo mais eficaz no aproveitamento das oportunidades de golo criadas, é a receita. O nosso treinador confessou, acerca do estado de espírito da equipa após o último jogo, que perdura um "sentimento de injustiça e revolta" pelo resultado obtido tendo em conta as oportunidades de golo desperdiçadas.
A recepção ao Vitória de Guimarães é, no entanto, outro jogo, embora haja um denominador comum em relação ao nosso adversário anterior: ambos se encontram, aparentemente, na luta pela quinta posição na classificação. Conforme Veríssimo analisou, esperamos um adversário forte, competitivo e que gosta de ter bola.
Vencer, conquistar três pontos e só depois pensar no jogo seguinte. Independentemente das circunstâncias, o Benfica é obrigado a lutar sempre pelo triunfo em cada jogo.
O dia de ontem ficou marcado pelo anúncio de grande sucesso da emissão do empréstimo obrigacionista 2020-23 da Benfica, SAD.
Inicialmente, o montante era 35 milhões de euros, porém a elevada procura permitiu que esse fosse aumentado para 50 milhões de euros, os quais foram integralmente subscritos. A procura rondou os 70 milhões de euros, havendo, por conseguinte, a necessidade de rateio de obrigações entre os investidores.
Trata-se de um sinal de confiança inequívoco por parte dos investidores, motivado pelo histórico da Benfica, SAD no cumprimento escrupuloso dos seus compromissos, também neste tipo de operações, e pelo percurso ascendente da sua situação económica e financeira, com sete exercícios consecutivos a gerar lucro e o subsequente fortalecimento significativo dos capitais próprios.
De acordo com Domingos Soares de Oliveira, administrador da Benfica, SAD, este encaixe financeiro permitirá acautelar a gestão de tesouraria em função de eventuais perdas de receitas derivadas da evolução incerta da pandemia e suas consequências. Paralelamente, tornará mais confortável a manutenção do forte investimento na equipa de futebol."

Quando o duende tomou conta de Julinho


"Era Lorca que falava da arte e do duende. Nessa tarde de Abril de 1947, o Benfica desfez a Sanjoanense por 13-1 numa ventania pintada de vermelho. Por entre todos os que estavam em campo, havia um homem a lutar para além de si própria. Cada golo seu brotava em flor. Foram seis!


Ah! Que tarde! No Campo Grande homenageava-se o falecido Álvaro Gaspar com o descerramento de uma placa.
A malta viera contente. Um dia ameno. Nada fazia fazer a tempestade que se desenrolou sobre o relvado: esperava-se apenas a natural vitória benfiquista e nada mais. O adversário não estava à altura. Era a Sanjoanense.
Havia, entre os encarnados, um que tinha duende. Sabem do duende, de Garcia Lorca? Esse duende que nenhuma filosofia explica. «O maravilhoso cantor El Lebrijano, criador da Debla, dizia: 'Nos dias que canto com duende não há quem possa comigo!' (...) Eu ouvi um velho violinista dizer: 'O duende não era na garganta; o duende sobe por dentro a partir da planta dos pés'».
Nessa tarde o duende estava nos pés de Júlio Correia da Silva, o Julinho. No primeiro minuto marcou um golo. 'Esse poder misterioso que todos sentem e nenhum filósofo explica e é, em suma, o espírito da terra, o mesmo duende que abraçou o coração de Nietzsche que andava à sua procura sobre a Ponte de Rialto'.
Se há algo de maravilhoso na história da literatura, isso é a Teoria e Prática do Duende.
E Julinho com o duende dentro dele, subindo a partir da planta dos pés.

Sorrisos de sol
Julinho era de uma valentia, de uma generosidade e de um empenho sem limites. Nestes dias de hoje em que vemos treinadores agradecerem o empenho de homens que ganham fortunas obscenas, Julinho cuspiria para o chão, arregaçaria as mangas e diria: 'Vou mostrar-vos o que é empenho e vontade e ganas de lutar pela vitória até cair para o lado de exaustão'. Era assim o homem que nasceu em Ramalde e chegou ao Benfica em 1942 para ficar na memória dos benfiquistas para todo o sempre.
Nessa tarde estava ladeado de gente tremenda: Espírito Santo, Rogério, Arsénio e Baptista. A Sanjoanense tinha um guarda-redes chamado Barbosa. Pobre Barbosa, coitado! E coitados dos defesas à sua frente: Joaquim, Costa Leite e Santa Clara. Foram arrastados pelo tufão dominado pelo duende.
Aos 5 minutos, Arsénio fez 2-0. Depois Julinho, aos 6 e aos 14, marcou mais dois. Ao quarto de hora já tinha assinado um hat-trick.
O povo deixava-se encantar. 'Todo o homem, cada degrau que sobe na torre da sua perfeição é às custas de luta que trava com o duende'. Julinho e o duende entraram num baile macabro, diabólico. Uma dança selvagem por entre as camisas negras dos jogadores de Sanjoanense.
Uma avalancha! E todos, no final, de acordo: se tivessem querido desfazer por completo os seus adversários, humilhá-los e destratá-los, os encarnados teriam marcado vinte golos. Mas havia um cavalheirismo intrínseco. Lutava-se por cada milímetro do campo, mas com honradez. Não se desgraçava um opositor ferido, triste, cabisbaixo. O Benfica podia muito bem ter marcado vinte golos, mas marcou apenas treze: 13-1 com seis golos de Julinho.
Barbosa, na baliza, era de uma fidalguia digna de um grande de Espanha. Como se enfrentasse um touro a mãos nuas. Estava numa ponta do campo, mas estava, ao mesmo tempo, no centro da arena. E David marcou um golo heróico, aos 23 minutos, impedindo os nortenhos de ficarem a zero.
Arsénio também fez um hat-trick: 13, 60 e 72 minutos.
Rogério Pipi marcou dois: 66 e 77 minutos, este de penálti.
Baptista, o Vítor, também dois: 49, 83 minutos.
Julinho concluiu o seu pacto com o duende aos 30, 53 e 65 minutos.
Muita gente, nas bancadas do Campo Grande, baralhava-se com as contas. Era natural. Havia golos a chover de todo o lado, e os dedos de duas mãos não bastavam para contá-los. Outros ficavam de olhos pregados na ferocidade de Julinho, embasbacados, queixo caído até ao externo, as palmas doridas de tanto estralejarem.
A musa do avançado soprava forte. Um redemoinho incontrolável arrastava consigo opositores desesperados.
Gritos de exclamação soltavam-se inesperadamente de gargantas já roucas. Havia quem assistisse a algo de único. Os próprios companheiros de Julinho alargavam as passadas para conseguir acompanhar o seu ritmo irresistível. O duende ouvia-se ao longe com um toque de violino de cordas esticadas, prestes a rebentar. O duende tomara conta do homem a partir da planta dos pés, como mandava Lorca, e o homem ia para além de si próprio nessa luta infinita que conduz à simplicidade da arte.
Não, nada conseguiria parar Julinho nessa tarde de 27 de Abril de 1947. Os golos brotavam-lhe a imaginação como flores. Tomado por uma sensação incrível de liberdade, soltou-se para lá das fronteiras dos números e da aritmética. Cada golo seu foi uma mensagem de alegria. E o povo, feliz, sorria daqueles sorrisos que se transformam em espelhos do Sol..."

Afonso de Melo, in O Benfica

O adeus a um jogador 'à Benfica'

"A festa de Francisco Albino foi uma verdadeira manifestação de apreço por um dos maiores futebolistas de Portugal

Francisco Albino figurava diante de uma impressionante parada de atletas de todas as secções do Benfica. Era a sua festa de despedida da equipa de honra, a 13 de Maio de 1945, no Campo Grande. Visivelmente emocionado, 'passou em rápido relance toda a sua vida de jogador - de grande jogador! - desde que um dia, nas Amoreiras, cingiu ao busto franzino, guardando um grande coração, a gloriosa e, para êle, tão deslumbrante camisola encarnada'.
Quinze anos antes, era 'êsse garoto que um dia apareceu no campo das Amoreiras, olhando embevecido as bolas pontapeadas pelos grandes dêsse tempo'. Viria a ingressar na categoria dos infantis e, desde então, não envergaria outro emblema que não o do Benfica, quase sempre como médio, alcançando a equipa de honra em 1932/33. Inigualável em dedicação, era possível ver em campo a 'sua silhueta magra, quási deselegante, o rosto vincado pelo esforço (...) as pernas correndo, correndo, correndo sempre, procurando a bola aqui e ali, deixando transparecer o prazer da luta' e 'foram em número elevado as tardes em que Albino empurrou o «team» para a vitória, algumas vezes quando já parecia impossível de obter'.
Ao serviço do Benfica, conquistou um palmarés impressionante, mas o jogador sabia que chegara a hora da despedida: '«Tôda a minha amizade pelo Benfica, todo o meu desejo de colaborar até aos últimos instantes na glória do meu clube, não me fizeram perder a noção das realidades, verificando que insistir para continuar no meu posto poderia amanhã ou depois constituir um estorvo»'. E a sua festa de despedida constituiu uma grandiosa manifestação de apreço por um dos melhores médios do futebol português, 'transcendendo de homenagem clubista para uma consagração apoteótica em que tomaram parte as forças vivas do Desporto'.
Passadas as cerimónias de despedida, teve início o amigável entre o Benfica e o Sporting. O jogo foi interrompido aos 40 minutos para a sua saída. Abraçou o treinador, Janos Biri, entregando-lhe a medalha de campeão nacional dessa época, e foi buscar Francisco Moreira, seu substituto. Depois, acompanhado pelos companheiros de equipa, deu uma volta ao campo, e o público, 'prêso de comoção, sufocado, acenou-lhe com lenços e gritou-lhe o seu nome'.
Francisco Albino saiu do rectângulo no meio de indescritível apoteose, mas ditou que '«Do Benfica não me despeço: êle foi e será sempre o grande clube que não podemos - nós, os verdadeiros benfiquistas - abandonar»'. E, por sentir que não podia perder, tão depressa, o 'vício' da bola, ingressou no Sport Lisboa e Saudade, onde '«a camisola é a mesma e o ambiente de permanente recordação»'.
Saiba mais sobre este jogador na área 23 - Inesquecíveis do Museu Benfica - Cosme Damião."

Lídia Jorge, in O Benfica

Jesus daria no Benfica vitória clara a Vieira

"A confirmar-se Jorge Jesus como trunfo eleitoral de Luís Filipe Vieira, este ganhará, com facilidade, as próximas eleições no Benfica, marcadas para 26 de Outubro. Não creio que Gomes da Silva tenha hipóteses e muito menos o movimento "Servir o Benfica", constituído, na sua grande maioria, por gente anónima.
As eleições no Benfica têm fortes tradições no nosso país e, quanto mais concorridas forem, melhor se honra os seus pergaminhos. Dizia-se mesmo, durante o Estado Novo, que eram as únicas eleições livres e democráticas que havia em Portugal.
A primeira vitória de Jorge Jesus, se vier, claro, como tudo indica, será, de facto, a de Luís Filipe Vieira, que se apresenta nas urnas com grande supremacia sobre os seus prováveis opositores.
A vinda de Jesus teria ainda a vantagem de mudar a estratégia do futebol dos 'encarnados', já que não é adepto da formação. Não é por acaso que o jornal Record fala no regresso do central Garay, se houver acordo entre o Benfica e Jesus. Outros nomes sonantes do futebol se seguirão, certamente, pois o provável futuro treinador das 'águias' não deverá esquecer que o seu esplendor na Luz foi com jogadores da estirpe de Aimar, Di Maria, Ramires, Coentrão, David Luís, etc. Como diria o saudoso Otto Glória, sem ovos não se fazem omeletas.
Costuma-se dizer que não se deve voltar ao lugar onde se foi feliz. Mas não creio que este dito se aplique ao Benfica, pois Jesus seria o décimo treinador a regressar e só três não foram bem sucedidos nesse retorno.
A sua obra como treinador é um bom presságio para voltar a triunfar. Nem será preciso falar do que fez no Benfica e no Flamengo. Até no Sporting, deixou a sua chancela. Ganhou a Taça da Liga e, em condições normais, teria conquistado a Taça de Portugal. Seria, então, preciso recuar muitos anos no tempo, para depararmos com uma época, em que o clube 'leonino' tivesse dois títulos.
Não sou dos que têm, longe disso, 'parti-pris' contra Jesus por ter ido treinar o Sporting. Nem ninguém, de boa-fé, poderá ter. Sendo profissional - excelente até, como Vieira acentuou, muito recentemente, - Jesus só pode ser apreciado à luz deste pressuposto. Tudo o resto não passa de fanatismos, que tornam, por vezes, irrespirável o ambiente em que vive o futebol português."

Pingos da chuva !!!


"O nosso amor ao Sport Lisboa e Benfica levou a um abrandamento na luta pela verdade desportiva. Os erros internos são mais do que muitos, a discordância com a política desportiva é grande e tudo isso merece uma reflexão interna por parte dos responsáveis do Clube.
No entanto, este final de época vai também ficar sempre ligado aos mesmo de sempre e não pudemos branquear isso. Conceição pediu penaltys e foram 5 em 4 jogos (!). Repetimos, 5 em 4 jogos.
Os penaltys frente ao Desportivo das Aves e Tondela são coisas nunca antes vistas no mundo. Por outro lado, os penaltys contra não existem: a mão descarada de Manafá frente ao Paços de Ferreira foi branqueada. Por outro lado, foi assinalado um penalty que levanta muitas dúvidas contra o Benfica no jogo com o Santa Clara.
A favor do Benfica, nada. Até um penalty indiscutível sobre Cervi em Famalicão deu… em simulação.
Aqueles “pormenores” de sempre. Luís Ferreira, Vasco Santos, Artur Soares Dias, Fábio Veríssimo, Carlos Xistra, Jorge Sousa vão ser sempre alguns dos heróis desta conquista."

Velhas propostas a um futebol novo

"Nascido e criado no bairro da Ajuda, em Lisboa, mal abertos os olhos para o azul esplendente do Tejo, foi na camisola azul do Belenenses que descobri os meus primeiros ídolos: os jogadores do Belenenses! De instintos em liberdade, a “minha malta” e eu percorríamos os bairros de Ajuda e Belém muito ufanos da nossa cor clubista. Miúdos, entre os 7 e os 15 anos, não escondíamos nunca o nosso primitivismo bairrista (ou “regionalista”), que tinha, para nós, no C. F. “Os Belenenses”, o seu máximo representante. É evidente que não sabíamos que o Artur José Pereira fundara e criara o nosso Clube. “Numa noite de fins de Agosto, num banco do jardim da Praça Afonso de Albuquerque, Artur José Pereira, seu irmão Francisco Pereira, Henrique Costa, Carlos Sobral, Joaquim Dias, Júlio Teixeira Gomes, Manuel Veloso e Romualdo Bogalho encetaram as primeiras “démarches” para a formação de “Os Belenenses”, que concretizaram, em 23 de Setembro de 1919 e, na Assembleia Geral de 2 de Outubro de 1919, no Belém Clube, na Calçada da Ajuda” (Acácio Rosa, Factos Nomes e Números do Clube de Futebol “Os Belenenses”, 2º volume, Lisboa, 1989). Muito menos sabíamos que “o futebol moderno evoluiu ao longo de três idades que, não sendo na turalmente herméticas, surgem perfeitamente auto-identificadas. A primeira foi a Idade do Prazer e decorreu entre a fundação do jogo, em 1863, e a segunda metade do século XX (…). A segunda idade, justamente a da Razão, iniciada no final da década de 20, em que os jogadores deixaram de ser amadores (aqueles que amam) e passaram a ser aqueles que servem, isto é, profissionais assalariados de um clube. Foi com o profissionalismo, então perfeitamente assimilado, e as exigências produtivas do clube-empresa, que chegou a uma verdadeira organização criadora da ordem dentro da equipa. Ao longo desta idade, que decorreu até ao início da década de 70, o jogo expandiu-se e angariou prosperidade (…)”. Na sua terceira idade, ou Idade da Maturidade, “os clubes adquirem uma cada vez mais acentuada textura empresarial e vêem abaladas as suas conotações simbólicas” (Álvaro Magalhães, História Natural do Futebol, Assírio & Alvim, 2004, pp. 63 ss.)…
Quando, em 1968, ingressei, no INEF, como seu bibliotecário e depois docente, dois ou três anos depois acompanhei (de longe, mas com interesse) o sonho do Mirandela da Costa e do Jesualdo Ferreira de criarem, na sua escola, um departamento de futebol, que se ocupasse dos aspectos pedagógicos e científicos desta modalidade. Por seu turno, ainda no INEF, o Monge da Silva estudava o treino desportivo, como ninguém o fez, antes dele, no nosso país. Eu, vice-presidente da direcção do C.F.”Os Belenenses”, acicatado, incitado pelo que via no INEF, informava-me junto dos treinadores do meu clube o que entendiam eles por treino desportivo. Entretanto, depondo contra o teor do ensino do futebol, ministrado em Portugal, chegava-nos do Norte a voz sábia de José Maria Pedroto: “Temos muito que aprender. Faltam 30 metros ao futebol português”. Para mim, que o conheci com alguma intimidade, a sua grande característica era esta: como os sábios, ele sabia que não sabia. Quero assim obtemperar a um certo índex, implantado no futebol português, que esconde o que deve (o muito que o futebol português deve) a José Maria Pedroto, a Jesualdo Ferreira, a Mirandela da Costa, a Carlos Queirós , a Nelo Vingada (Carlos Queirós e Nelo Vingada, os treinadores-vencedores de dois Mundiais de juniores) ao Rui Caçador e a Monge da Silva (este, no âmbito do treino). Foi com Pedroto e o INEF e o ISEF (realçando também no ISEF o papel do Prof. Henrique de Melo Barreiros, presidente do Conselho Científico), que se ergue o anúncio de um “corte epistemológico” que me permite avançar com uma ciência humana, independente e autónoma. E, porque ciência humana, invocando, em todas as circunstâncias, designadamente no treino e na competição, uma visão complexa e sistémica do ser humano, que é corpo-alma-sentimentos-natureza-sociedade-cultura (elementos que laboriosamente deverão treinar-se, estimular-se e ter na devida conta). O treino desportivo, mormente na alta competição, deverá transformar-se numa “pedagogia corporal da transcendência” – não chegam assim os indispensáveis exercícios físicos, pois que na transcendência os âmbitos cognitivo, afetivo e moral e cultural e até religioso são por demais evidentes. O engenheiro Fernando Santos que, tecnicamente, liderou a vitória portuguesa no Europeu de França (2016) viveu, com indómita bravura, o que esta problemática supõe.
Conquanto muito embiocado no meu belenensismo, mas rodeado de tantos mestres, nos quais quero incluir também, no âmbito da Filosofia, o Bachelard, o Althusser, o Maurice Merteau-Ponty, o Foucault, o Lyotard, o Deleuze, o Derrida, o Popper e o Kuhn e sempre o Padre Teilhard de Chardin – entrei afoito nos conceitos de uma nova filosofia e de uma nova ciência. Era o tempo em que, mormente através de Jean Le Boulch e Pierre Parlebas e dos treinadores Cruyff e Sacchi, despontava uma linguagem nova, digamos mesmo: um verdadeiro glossário: corpo-instrumento, ciência do movimento humano, psicocinética, motricidade humana, conduta motora, futebol total, marcações zonais, defesa longe da baliza, etc., etc. – o que significava que se esperava, não uma “apagada e vil tristeza”, mas a alvorada de uma nova ciência e novos conceitos filosóficos. Apareço eu então a sistematizar (e talvez a criar) um “corte epistemológico” com um novo conceito de motricidade, que hoje assim defino: o movimento intencional e solidário da transcendência. Nasceu assim, nas suas linhas gerais, a ciência da motricidade humana e, no meu modesto entender, o paradigma científico da Faculdade de Motricidade Humana. É evidente que, entre os especialistas em Educação Física e Desporto, nem todos aceitam as minhas ideias. Ainda bem: encontro assim um modo fácil de tornar mais sólido o que vou fazendo. Unamuno tinha, como forma superior do entendimento, o prazer de um autor de autocriticar-se, rectificar-se. Feyerabend apregoa que a “comunidade científica”, obsessionada por métodos petrificados, em tudo hostis à inovação, quase nunca é o espaço ideal à criatividade. O criador que os contesta é, para os académicos da “ciência normal”, um doidivanas atrevido, que levianamente se meteu onde não foi chamado. Que defende então Feyerabend? Que, em ciência, “tudo vale, tudo serve”… desde que resulte! Diz-nos Feyerabend, no seu Contra o Método: “a ciência, como a praticam os nossos grandes cientistas, é mais do que tudo, uma habilidade e uma arte”. Ocorre-me agora o Jorge Jesus, que é mais o ímpeto da genialidade do que “ciência normal”. Estudei-o durante anos, sei o que digo. Feyerabend revivesce em Jorge Jesus.
Dando livre curso à minha memória, não estranhem que me exprima à maneira antiga: o F.C.Porto é o novo campeão nacional de futebol! E tem por si um dos melhores jogadores do mundo: o Corona! No futebol, o jogador, é mais instinto do que razão. Nesta modalidade, a perda da consciência é compensada pelo acréscimo do instinto. Dou, de novo, a palavra a Álvaro Magalhães: “ E o que é o instinto senão uma inteligência natural e inata , que é suposto o homem também ter possuído em idades mais recuadas? É aí, no instinto, que o futebolista guarda a sua sabedoria, feita de sentir, ou seja, de uma exaltação dos sentidos” (op. cit., p. 181). Pelé, Di Stéfano, Maradona, Cruyff, Eusébio, Messi. Cristiano Ronaldo e alguns (poucos) mais, porque geniais, eram pessoas de inteligência invulgar mas, no seu ADN, algo de divino havia neles, que não é comum a todos os mortais. A este “algo mais” o Álvaro Magalhães chama-lhe “instinto” – “instinto” absolutamente necessário à criação das melhores equipas da história do futebol. O Real Madrid de Di Stéfano, o Brasil de Pelé, a Argentina de Maradona, a “Laranja Mecânica” de Cruyff, o Barcelona de Messi e o Portugal de Eusébio e de C. Ronaldo, não seriam o que foram (ou o que são) sem a genialidade dos seus principais jogadores. O próprio Milão de Sacchi, que vivia, sobre o mais, da organização táctica, contratou os holandeses Gullit, Van Basten e Rijkaard e confiou a braçadeira de capitão a Franco Baresi. Uma tática silogística, conjetural, espécie de “mathesis universalis”, da autoria de um treinador, isolado na “torre de marfim” do seu intocável saber – não existe, sem a encarnação da tática num jogador genial e numa equipa de jogadores talentosos. Van Basten era tão possante, como habilidoso e suspicaz. Marcou alguns golos que me deixavam boquiaberto. Como organizar correctamente uma equipa de futebol profissional? Aí deixo as velhas propostas: bons dirigentes que saibam escolher bons treinadores, para que estes sugiram e depois saibam motivar os bons jogadores. Que papel está reservado ao treinador, nesta organização? O presidente é que sabe…"