sexta-feira, 8 de maio de 2020
O futebol vai regressar, mas...
"O futebol está num dilema como as nossas vidas, sabe de onde vem, mas não sabe para onde vai. Alguns países como Portugal, Espanha, Itália, Alemanha e, provavelmente Inglaterra vão terminar os seus campeonatos.
A economia fala mais alto, mas será uma aventura e uma incerteza o desfecho disto tudo.
Ao invés, Holanda, Bélgica, França e Argentina deram os campeonatos como terminados.
A "nova normalidade" é acabar o campeonato com o maior rigor sanitário possível e sem público. Vamos ter a consolação de ver os jogos pela televisão, neste futebol esterilizado.
Esta pandemia atroz vem confirmar os piores prognósticos para o futebol. A televisão será a sua salvação, que passa por receber dinheiro dos jogos transmitidos, para ter algum folgo para continuar em frente. Os clubes agradecem.
A escalada de gastos dos clubes no futuro será muito diferente do passado, e ainda bem que isso vai acontecer. Não é possível o futebol continuar a viver acima das suas possibilidades. Mais tarde ou mais cedo o futebol tinha que mudar de vida, esta pandemia só veio mostrar que as coisas não podiam seguir com este ritmo, desta maneira dispendiosa e com transferências alucinantes.
Os jogos vão ter um mínimo de pessoas para apoiar, competir e para transmitir os jogos, provavelmente 150 pessoas por jogo.
Tudo terá que ser feito com extremo cuidado, o regresso à actividade dos jogadores. Primeiro, para evitar sobrecargas e lesões depois do isolamento. Segundo para evitar o contágio da Covid-19.
As condições de treino e jogos serão tudo menos naturais, será uma espécie de futebol esterilizado e laboratorial.
De resto, mandar todos os jogadores para casa foi fácil, a abertura será mais difícil. A vacina vai levar, ainda algum tempo. Quando a vacina chegar, tudo isto terá passado e poderemos ver um jogo de futebol no estádio.
O futebol vai ser sem público, esterilizado e com medo. Os jogadores no seu subconsciente vão jogar com cautelas e com receio de contágio.
Se o futebol conseguir passar este desafio que é uma prova de fogo, será um exemplo para as demais actividades na sociedade.
Para já vamos ter um futebol assustado, com menos contacto físico, e os jogadores sem máscaras, mas com a sua cabeça com muitas incertezas."
Dignidade europeia
"O objectivo máximo do Benfica tem de ser o de honrar os homens que fizeram do clube bicampeão europeu e disputar as competições da UEFA até Abril, pelo menos
O futebol parou e ninguém estava preparado para isto. Em quatro décadas que levo de dedicação ao jogo mais bonito alguma vez inventado, nunca tinha passado por tal paragem. A única pausa admissível no futebol é o defeso. Não estava preparado para este deserto. Nem eu, nem ninguém, porque o futebol sempre esteve acima de tudo e de todos entre Agosto e Julho. Nada pára o futebol. Guerras não param o futebol, tivemos um Liverpool - Boavista no mais famoso dia 11 de Setembro de sempre. Religião não pára o futebol, há o Boxing Day e jogos na Páscoa. Crises financeiras não param o futebol, o FMI esteve forte por cá e continuou a haver bola. Política não pára o futebol, o futebol é que faz o favor de desviar jogos em fins de semana de eleições.
Depois, a nível pessoal, o objectivo principal até chegar à idade adulta era conseguir a independência financeira e a compreensão familiar para dar prioridade total aqueles 90 minutos em que joga o Benfica. Objectivo conseguido e a vida flui de forma natural, o espaço compreendido entre o final de um jogo e o começo do próximo é para ser investido na responsabilidade profissional, cuidar da família e conviver com os amigos. Um carinho retribuído a todos os que não amuam por eu faltar a um adversário. Dia da Mãe ou do Pai, casamento ou baptizado, só porque não troco um jogo do Benfica por nada. É a lei da compensação na vida.
Serve esta introdução para contextualizar o verdadeiro sentimento de vazio dramático que se abateu sobre os adeptos de futebol por estes dias. Maldita Covid-19!
E agora? Podemos ser pessimistas e depremir ou aproveitar para parar, olhar para trás, para o presente a pensar no futuro. Nesse caso, o que pode ser o futuro imediato do Sport Lisboa e Benfica? Já temos bases interessantes. O clube respondeu à altura da sua grandeza e responsabilidade social, justificando o seu estatuto de utilidade pública. Direcção, técnicos, jogadores, Fundação e Casas, todos ajudaram de forma responsável e significativa no combate à pandemia.
A seu tempo,ouvimos várias figuras de peso no clube a mostrar os vários caminhos possíveis e os objectivos a atingir. Domingos Almeida Lima aceitou com classe o final abrupto das competições das cinco modalidades de pavilhão. Sem truques e sem excepções, mesmo naquelas que o Benfica ia bem lançado para vencer. Tudo vai mudar e no plano das modalidades espero que o Benfica continue e ser ecléctico, competitivo, mas que aproveite a oportunidade para se afastar de orçamentos surreais e sem retorno. A aposta na formação é o caminho. Um caminho que Domingos Soares de Oliveira também fez questão de reforçar na sua intervenção na BTV. Vamos ter novos desafios, por isso espero que o Benfica continue a encurtar a lista inexplicavelmente gigante de jogadores emprestados, por exemplo. Comprar jogadores que nunca chegam a vestir a camisola do clube tem de ser algo para ficar no pré-Covid-19. Por outro lado, gostava que o investimento previsto para melhorar o Estádio da Luz não fique adiado por muito tempo. Domingos Soares de Oliveira falou na aquisição de novos écrans para substituir os obsoletos 'marcadores electrónicos' da Luz e ainda uma actualização na iluminação do estádio com uma solução mais económica e amiga do ambiente
Tiago Pinto foi muito claro quanto ao objectivo imediato de terminar a Liga e decidir tudo dentro de campo. Todos os desenvolvimentos que conhecemos até aqui deram razão ao caminho traçado pelo director-geral do Benfica. Mesmo sem público, e eu não falho um jogo na Luz para o campeonato há décadas, assumo que é a melhor opção. Por muito que me custe.
Mas o grande mote para o futuro foi dado por Rui Costa de uma forma inesperada. No rescaldo de um excelente documentário de Ricardo Soares na Benfica TV sobre o título europeu ganho ao Real Madrid, Rui Costa identificou exactamente aquela que eu acho que tem de ser a prioridade do Benfica nos próximos anos: voltar a ser digno na Europa. Tem de ser este o objectivo máximo do Benfica, honrar os homens que fizeram do clube bicampeão europeu e andar nas competições europeias até Abril, pelo menos.
Neste tempo de reflexão vi na BTV velhas glórias a recordarem golos e jogos que os marcaram, muitos iam dar a noites europeias. Peças que valem ouro, feitas em condições difíceis e que muito valorizaram o canal do clube. Recordei o passado com ex-jogadores, e não só, no brilhante projecto, Benfica Independente no YouTube, imaginado pelo enorme Sérgio Engrácia, e todos iam parar às noites europeias. Temos de assumir este desígnio no futuro breve.
Finalmente, espero que o presidente do Benfica aproveite o balanço da FPF, que tomou conta, literalmente do futebol português, para ajudar a melhorar as competições. As prioridades são a remodelação da Taça da Liga. Acabar com o ridículo formato actual, promover um apurado para as provas da UEFA ou, até, acabar com a competição. Ajudar a melhorar a Taça de Portugal, acabar com as repescagens e meias-finais a duas mãos, os clubes profissionais podem entrar em cena mais cedo, por exemplo. Convencer a Liga Portugal e descer três clubes na 1.ª e 2.ª Ligas. Seria essencial para aumentar o nível de competitividade e não termos clubes e passear na parte final da época sem objectivos nos lugares seguros entre a descida e a zona europeia.
Por fim, é essencial que o Benfica continue a defender os interesses dos seus associados e recuse essa ideia macabra de um cartão de adepto que é a única bandeira de um sinistro secretário de Estado de Juventude e Desporto. Bem, a única não, a outra era jogos à porta fechada, essa vontade foi feita pelo vírus.
Antes desta pandemia, o rumo do Benfica estava traçado e era bem conhecido. Aposta na formação do Seixal e equilibrar a equipa principal com investimentos certeiros no mercado. É verdade que não estamos a imaginar uma compra no valor de 20M€ num futuro imediato. Mas também não deixa de ser verdade que um Weigl no pós-Covid-19 vai ter de valer bem menos. É nesta lógica que o Benfica tem de se posicionar porque vai continuar a ter um poder de compra superior aos rivais e até pode ser uma oportunidade para se aproximar de alvos que estavam absurdamente inflacionados.
Demasiado optimista? Prefiro ver este caminho. Quero acreditar que teremos sempre o futebol. E, especialmente, o Benfica."
Mensagem do Seixal
"Ultrapassados estes primeiros dias de adaptação a esta nova realidade, ontem foi o momento para serem deixadas diversas mensagens ao grupo de trabalho e em especial aos jogadores, agradecer-lhes como têm sido um exemplo de solidariedade e depois reafirmar uma enorme confiança e ambição nas suas capacidades para vencerem as onze finais que faltam para terminar esta época.
Só graças ao trabalho realizado pelo Benfica nestes últimos anos podemos oferecer esta estabilidade neste momento tão difícil que todas as instituições e clubes estão a enfrentar.
A capacidade reconhecida para enfrentar esta crise também é sinónimo de enorme exigência para todos os que representam este clube, conforme constatou o Presidente: "Já vivemos períodos muito difíceis dentro desta casa e soubemos, todos juntos, contorná-los. É dentro desse espírito que estamos todos, sabendo que, dentro das dificuldades, a nossa obrigação é ganhar. Esta mensagem está interiorizada em todos nós."
Ainda citando o Presidente, "é altura de voltarmos uns anos atrás e voltarmos a estarmos todos unidos à volta daquilo que mais amamos, que é o Benfica". "Todos temos de ter a consciência de que ninguém está acima dessa bandeira. Esse é o ponto mais importante para todos nós neste momento: sermos solidários, compreendermos as decisões que, nesta altura, quem lidera o Benfica terá de tomar e, mais do que isso, estarmos todos à volta do Benfica e sentirmos este clube."
Luís Filipe Vieira, acompanhado pelo administrador Rui Costa, pelo director-geral Tiago Pinto e pelo treinador Bruno Lage no balneário da equipa, dirigiu-se igualmente aos jogadores, num momento em que todos estamos a viver uma experiência diferente, em que as competições vão recomeçar com as devidas cautelas com os jogos à porta fechada, mas com o desejo e esperança que na próxima época gradualmente voltemos a estar juntos nos estádios.
O regresso aos poucos da festa do futebol é, afinal, também um regresso aos poucos da nossa vida. E, por isso, estamos certos de que todos os que trabalham neste sector, tudo farão para fazê-lo com o máximo de segurança e responsabilidade.
Também aqui só existe um clube e essa será uma vitória de todos sem excepção.
P.S.: Desejamos as rápidas melhoras ao nosso antigo treinador Ronald Koeman, o qual tem enfrentado, nos últimos dias, um grave problema de saúde, e deixamos-lhe um abraço de solidariedade de todos os benfiquistas."
"José Leirós avança com candidatura à liderança da arbitragem da FPF"
"Em tempo de vacas magras, o Calor da Noite já tem nova abordagem de mercado: não há milhões mas há quinhentinhos.
Que fartote de Tugão!
Questionamo-nos como é que para além do Fontelas, o Calor da Noite pretende um elemento ainda mais pró-Calor da Noite. O Fontelas ainda não chega, meus amigos! Isto é surreal! O objectivo deve ser meter 100% dos jogos do Calor da Noite com árbitros da AF Porto. Os actuais 50% ainda não chegam!
Estão a dar tudo fora de campo, aquela merda tem que estar mesmo nas lonas para o investimento todo estar a ser nestes pontas de lança de baixo investimento. Espanta-nos não terem avançado com o Fernando Madureira, neste lodo total já nada nos surpreenderia!
P.S.- O JN fazer disto notícia não é inocente também. Fica tudo em família e fazem disto uma notícia "normal", passando uma esponja no passado do Sr. Leirós e na sua ligação como adepto ao Calor da Noite."
Mundial-82: Brasil-Itália. O jogo que Rossi ganhou sozinho, a primeira vez que chorei em frente à TV
"Com tantos anos de futebol, quer como jogador quer como treinador, muitos poderiam ser os jogos que cabiam neste texto. Histórias bonitas, actuais, sentimentos únicos, de tudo um pouco, que felizmente já vivi.
Mas quero ir bem lá atrás, onde tudo começou e onde possivelmente o futebol mostrou pela primeira vez o porquê de ser para mim algo tão diferente e estimulante.
1982, Espanha, Campeonato do mundo, Brasil - Itália, quartos de final.
Tinha doze anos e este foi aquele jogo em que pela primeira vez senti o que é o futebol. Pela primeira vez senti o prazer do jogo e ao mesmo tempo a desilusão e impotência de querer tanto uma coisa e já não ter mais. Pela primeira vez senti como a beleza e crueldade podem andar tão próximos num jogo de futebol. Foi a primeira vez que tenho memória de chorar em frente à televisão.
O Brasil com um lote de jogadores, os quais nunca mais esqueci os seus nomes, tinha uma qualidade e um prazer no “ jogar” que dava ainda mais prazer a quem via. A Itália, com um ou outro que jogador que me lembro, e com um que nunca mais esqueci: Paulo Rossi.
Sozinho ganhou o jogo por 3-2.
Sozinho, sem quase ninguém dar por ele em campo, fez três golos. O Brasil esteve a perder por dois a um , empata a 2 já na segunda parte e quando todos pensávamos que iria ganhar a partida, eis que aquele jogador franzino, rápido, gela meio mundo.
O Brasil acabaria por perder 3-2 , ser eliminado e a deixar o mundo inteiro, tal como eu, a chorar por não ter mais oportunidade de os ver jogar. Foi neste momento que senti pela primeira vez a importância do jogador individualmente, que senti os pólos opostos dos sentimentos. Mas foi talvez também neste momento que comecei a perceber que o reconhecimento pode vir de várias formas, dos títulos que se conquista e dos sentimentos que se provoca nas pessoas."
Desporto em tempos de pandemia
"Nos últimos dois meses, o Desporto, tal como a sociedade em geral, viveu um turbilhão de acontecimentos sem paralelo na sua história. Uma paralisação quase total da sua actividade em termos mundiais, com o adiamento ou cancelamento de quase todas as competições, incluindo os Jogos Olímpicos, colocando ao mundo desportivo um conjunto de novos e enormes desafios.
É justo destacar a responsabilidade com que a generalidade do movimento desportivo nacional encarou esta ameaça. Perante o desconhecido, ainda antes de decretado o Estado de Emergência, entendeu a dimensão do problema, suspendendo a sua actividade competitiva e não competitiva.
O momento tem-se revestido de enorme exigência para os atletas. Abdicar das suas “viscerais” rotinas de exercício, mantendo a sua forma física e saúde mental; cuidar da composição corporal, apesar do reduzido gasto energético que a sua nova condição impõe; manter acesa a motivação dos grandes objectivos, num clima de enorme incerteza, sem saber quando poderão voltar a competir. Por seu lado, os treinadores improvisaram como nunca, acompanhando os atletas por vias digitais. Era algo para o qual ninguém se tinha preparado.
A primeira resposta não poderia estar mais à altura. Na verdade, os atletas demonstraram que as competências adquiridas ao longo de anos de treino desportivo são transferíveis muito para além dessa esfera. A disciplina e resiliência desenvolvidas em registo de adversidade como em poucas outras actividades são instrumentos para enfrentarem este inédito desafio de uma forma exemplar, comprovando o inestimável contributo formativo do Desporto, que vai muito para além dos atletas de elite e é igualmente válido para a generalidade dos praticantes de base, como é comprovado em inúmeros estudos.
Paradoxalmente, esta semana foi publicado um estudo de cinco universidades, realizado em parceria com o Instituto Português do Desporto e Juventude, que confirmou um aumento do número de indivíduos a praticar exercício físico e do tempo a ele dedicado durante o período da pandemia. Talvez nunca, como agora, a população tenha sentido “na pele” a importância do exercício na promoção de hábitos de saúde.
Estamos em fase de desconfinamento progressivo e o Desporto não é excepção. Na generalidade das modalidades são, para já, os atletas de Alto Rendimento os primeiros a regressar. É fundamental que este regresso seja promotor da confiança não só destes atletas e dos seus treinadores, mas também de todos aqueles que, não podendo ainda treinar, possam vislumbrar a tão desejada “luz ao fundo do túnel”. Ou seja, cumprindo as normas gerais de saúde e específicas para a sua actividade física, afinando igualmente procedimentos para o regresso dos restantes, quando o desenvolvimento da pandemia assim o permitir.
Confidenciava-me esta semana um treinador que se tinha sentido “protegido” no seu regresso ao local habitual de treino, com os procedimentos que aí foram implementados. Pois é exactamente essa confiança, baseada nos procedimentos validados pelas entidades de saúde, que é necessário restabelecer com todos os intervenientes. Porque, quando for possível regressar com segurança, será importante resgatar a dos praticantes de todos os escalões e níveis de prática de todas as modalidades, sejam indoor ou outdoor, e dos seus familiares. E a experiência que for sendo adquirida será fundamental neste processo.
Sabemos que este será um processo longo, faseado, assimétrico e, possivelmente, com alguns retrocessos. Mas que será necessário percorrer. Até porque estamos a falar da sustentabilidade de uma actividade estruturante da nossa sociedade, tal como ficou espelhado nesta pandemia. Por todas as suas valências, das quais se destaca o seu papel formativo, social e de promoção da saúde pública.
Por tudo isto e pela enorme incerteza do contexto, será imperioso implementar um plano de recuperação para o Deporto. E é importante que nesse plano haja a participação de todos. Do Governo às Autarquias, das Federações às Associações, até chegarmos à Sociedade Civil.
Mas a chave para se ultrapassar esta situação será a sustentabilidade dos clubes, as células básicas do tecido desportivo. Já imaginou o impacto que teria para a sua comunidade, desde crianças a idosos, se os clubes da sua freguesia, do seu município, tivessem que fechar portas no início do próximo ano lectivo, por ausência de inscrições, numa situação que todos sabemos ser temporária? Que outras entidades poderiam substituir o seu papel? Teríamos novos clubes a abrir? Quando? E como?
Esta deverá ser, igualmente, uma oportunidade de reinvenção do próprio Desporto, não só dos seus modelos de financiamento e gestão, mas também na área técnica e da qualidade do seu serviço, melhorando a sua intervenção, baseando-a num modelo cada vez mais assente numa perspectiva de longo prazo e tendo o desenvolvimento da pessoa (atleta) no centro do processo, valorizando a posição fulcral do treinador (muito frágil, no actual contexto), colocando-o igualmente no centro dessa mesma equação.
Neste contexto, impõe-se um plano de recuperação a partir de medidas como aquelas que o COP recentemente apresentou ao Sr. Primeiro-Ministro, onde se propõe uma distribuição mais solidária das receitas das apostas desportivas e jogos sociais para a criação de um fundo extraordinário de apoio ao Desporto nesta fase tão delicada. Medidas como esta, aliadas à confiança que o sistema desportivo conseguirá incutir de uma forma generalizada na população, poderão alavancar a esperada recuperação desta área.
Dentro de toda esta incerteza, há algo que parece seguro: tudo isto terá um fim. Que tenhamos nessa altura, apesar das “cicatrizes”, um sistema desportivo intacto, porventura mais ainda preparado para continuar a desempenhar o seu inestimável papel na nossa sociedade."
Ele há cada uma, ou a pessoa cortada ao meio
"Se se discutir um tema em que também abundam paixões, vísceras e venenos vários – a justiça –, o caldo entorna de certeza.
O meu avô Ramiro, que era pouco letrado mas sabia muito (aliás, as letras em abundância não garantem só por si saber suficiente, como bastante se constata), costumava dizer que há três coisas que se não devem discutir, por ser impossível (eu diria, mais cauto, por ser difícil) alinhar dois ou três argumentos razoáveis sem que paixões, vísceras e outros venenos do senso logo toldem o raciocínio e inquinem a discussão: futebol, política e religião. Por sinal, três áreas que (salvo por razões profissionais) pouco ou nada frequentei, não por não lhes reconhecer importância ou por menor respeito, longe disso, ou mesmo antes pelo contrário, mas por falta de inclinação; e, se calhar, também por causa daquelas palavras. Que sabemos nós dos caminhos que seguimos ou não em função de quem foi importante na nossa criação? E eu, além de pais, tive a felicidade de nela ter tido também vários avós. Aliás, o meu pai, Francisco, que igualmente sabe muito, também sempre me disse mais ou menos o mesmo acerca da dificuldade de troca de ideias razoável sobre aqueles três temas. E tinha um e tem ainda outro toda a razão, sendo certo que, hoje, e passados mais de 20 anos sobre a morte do meu avô, sobre religião já se consegue discutir alguma coisa, mas sobre futebol e política, nem tanto, mais a mais quando as duas de alguma forma se cruzam ou relacionam. E então se, por artes da vida ou da imaginação, se meter outro tema em que também abundam paixões, vísceras e venenos vários – a justiça –, o caldo entorna de certeza, e pode até entornar muito. Querem exemplos? Precisam de exemplos? Eu diria que não, seria desperdiçar papel, até porque, como dizem os juristas, o que é público e notório não carece de alegação nem de prova.
E, depois, o grau de impossibilidade de discussão razoável depende muito dos intervenientes e das suas motivações, e não tanto do assunto em si. É que os três assuntos toldam o senso, mas toldam mais ou menos consoante o que cada um carrega consigo na discussão, pois todos temos uma parte boa e outra má, e, em cada qual de nós, uma e outra não ocupam o mesmo espaço. É verdade que sou um encantado leitor de Italo Calvino. É verdade que ele escreveu O Visconde Cortado ao Meio, onde conta a história do visconde Medardo de Terralba que, na guerra entre a Áustria e a Turquia, é cortado ao meio na Boémia por uma bala de canhão turca. Por artes da fantasia literária do autor, as duas metades sobrevivem, mas só uma metade do visconde regressa a casa, passando a governar os seus domínios após a morte do pai. Mas a outra metade, bem mais virtuosa, aliás (e porventura em excesso), acaba mais tarde por aparecer também, e terminam a enfrentar-se à espada, no Prado das Monjas, batendo-se pelo amor da pastorinha Pamela Marcolfi. E, em resultado da refrega sangrenta, as duas metades acabam reunidas num ser só, com ajuda das artes médicas do Doutor Trelawney, e assim temos de novo o visconde pleno e total. Nas palavras do narrador, seu sobrinho: “Deste modo, meu tio Medardo se transformou novamente num homem inteiro, nem mau nem bom, mas antes uma combinação de bondade e de maldade, isto é, não muito diferente em aparência daquilo que fora antes de ter sido cortado ao meio. Mas possuía a experiência de uma e outra das metades agora reunidas num só corpo, e por isso devia ser bastante sábio”. Pois é, magnífico livro, estupendo escritor, mas nem sempre a arte imita a vida. Sobretudo se estiverem em discussão dois dos temas que, avisadamente, o meu pai e o meu avô sempre nomearam, futebol e política, e mais a mais se se lhes juntar essa nova religião popular, cheia de crenças, dogmas e alguma superstição, que é a justiça."
As práticas desportivas e as suas dimensões
"Termo polissémico, o desporto é um paradoxo. Nascido no coração de uma poderosa Inglaterra vitoriana, num contexto político, cultural e social muito particular, o desporto parece ter sempre existido (pelo menos desde a Grécia Antiga) e estende-se pela quase totalidade do planeta. Podemos situar o início do desenvolvimento dos desportos modernos nos colégios ingleses, onde a burguesia em crescimento forja as suas elites. Foram rapidamente explorados por pedagogos reformadores, procurando restaurar a moral e a disciplina.
O sociólogo alemão Norbert Elias afirma mesmo que “o conhecimento do desporto é a chave do conhecimento da sociedade” (Sport et civilisation. La violence maîtrisée, Arthèmes Fayard, Paris, 1994, p. 25). O desporto tem os seus ardentes defensores e detractores. Para uns, ele continua a ser depositário de valores humanistas, e reforça-se nos mitos e nos princípios que fundam a civilização. O desporto moderno é associado às ideias de progresso, de equidade ou de pureza. Para outros, ele é um instrumento de (des)politização, de alineação das massas e representa o “ópio do povo”.
Para arbitrar estes debates ideológicos, perante a amplitude que o fenómeno assumiu nas sociedades, a sua difusão planetária e o seu lugar na cultura contemporânea, especialistas das ciências sociais têm procurado construir teorias explicativas. Combinando várias características, as práticas desportivas podem assumir duas dimensões: as propriedades físicas e técnicas, que são objectiváveis, como a biomecânica dos gestos, uma intensidade exigida de energia, um trabalho em força isométrica de flexão ou esforço de “explosão”, um jogo controlado, etc.; as propriedades simbólicas, que lhe atribuem os agentes sociais, os grupos, etc. Assim, as práticas desportivas podem surgir como “ascéticas”, “monótonas”, “laboriosas”, “arriscadas”, “efeminadas”, “modernas”, “estéticas”, “variadas”, “excitantes”, “livres”, “conviviais”, “viris”, entre outras. Podemos sempre as definir em denotação (técnica) e em conotação (social). Um estilo de prática desportiva, produzido ou adoptado, compreende algumas lógicas: uma lógica sociocultural (idades, sexos, habilitações literárias, rendimentos…); uma lógica técnica (modalidades, variantes da prática desportiva), ligada aos “usos sociais” (local de prática, modos de organização, tipos de preparação…); uma lógica das tensões das formas simbólicas de referência que estruturam o campo desportivo (imagens, representações, valores, modelos, objectos, etc.).
O desporto possui uma função alegórica, nomeadamente porque funciona em torno de uma ideia simples e banal: o melhor ganha!"