quinta-feira, 7 de maio de 2020

Mensagem do treinador do voleibol, Marcel Matz

"Já faz mais de 50 dias que estamos num grande jogo. E ainda temos mais uma grande parte dele para cumprir. Inimaginável para quase todos, de uma hora para outra estivemos fechados em casa para proteger-nos e, também, para proteger o próximo. Uma atitude colectiva, uma atitude de responsabilidade global.
Posso dizer que para mim, treinador da equipa de voleibol, foi um "travão" sem precedentes, fora dos planos. Como sempre, os objectivos estavam a ser planeados e alcançados de uma forma muito competente. A equipa, mesmo a jogar bem, estava, na minha opinião, ainda em crescimento e chegaríamos ao final da época em grande. Mas o nosso objectivo mudou. E todos na equipa, sem excepção, assumiram a responsabilidade nesse jogo da saúde, da vida, de Portugal e do mundo. A atitude demonstrada pelos meus jogadores, ao longo deste período, tem-me deixado orgulhoso, como me deixaram nas mais intensas partidas que tivemos ao longo desta época. São grandes homens, acima de tudo.
Como pai, a minha vida é muito intensa numa casa com três filhos pequenos, com sete, quatro e dois anos. Vivemos num país fantástico que é Portugal, mas estamos longe da nossa família, que está no sul do Brasil. Em vários momentos, a dificuldade é grande e bate forte a saudade de ter por perto uma avó, um avô ou os irmãos.
Mas estamos focados no objectivo de superar tudo isso. Nós cinco, fechados como uma equipa, lutando por um objectivo maior. E sei que quando passar esse jogo e sairmos dele vencedores, seremos uma equipa imbatível, forte, coesa e mais preparada para a vida.
Quero aproveitar para deixar os parabéns ao nosso Sport Lisboa e Benfica por todas as atitudes que tomou desde o princípio. Juntamente com o País, tem sido exemplo por esse mundo fora. Sinto-me orgulhoso de vestir a camisola de uma instituição que é muito maior que um clube e que me surpreende positivamente a cada dia. Parámos cedo, com responsabilidade e vamos voltar fortes quando o próximo jogo vier. Ao pessoal da saúde, aos polícias e a todos os que não pararam nesta pandemia, obrigado também. São enormes, contem com a minha colaboração sempre, mesmo que seja somente respeitando as regras de um cidadão comum.
A partida ainda não acabou, estamos a enfrentar um adversário invisível. Com atitudes de mais higiene, de mais responsabilidade e um pouco de distância agora, vamos poder unir-nos mais à frente. Peço que todos se continuem a cuidar e a cuidar dos outros para que os negócios e a vida possam voltar, inclusive a educação, que é importante, e o desporto, que tanta falta faz a todos os níveis. Digo isso pelos meus pequenos aqui em casa, já não nadam, já não jogam à bola.
Essa retoma vai depender de cada um de nós, cada um mesmo, não menosprezem esta situação, façam a vossa parte. Somos e sempre fomos os responsáveis pelo meio ambiente, pela segurança, pelos alimentos, pelos exemplos aos que estão junto de nós. Tenho a certeza de que os benfiquistas serão grandes nessa retoma. Vamos juntos liderar o regresso à normalidade. Um forte abraço.

Marcel Matz"

Semanada...

"1. O Regresso do Futebol. Há já umas semanas quando o número de casos de covid-19 começou a estagnar que foi possível perceber que haveria uma forte possibilidade do Campeonato de Futebol regressar. Ao contrário do que nos têm tentado vender, o regresso do Futebol é algo que interessa a todos os clubes. As transmissões televisivas da Primeira Liga representam 25% das receitas operacionais da Benfica SAD, 34% da FC Porto SAD e cerca de 30% da Sporting SAD - estes são os valores dos clubes grandes, nos clubes mais pequenos as percentagens rondam também à volta dos 30-40%, o Belenenses por exemplo é 35%. Como ainda faltavam 10 jornadas para o fim - 5 jogos fora e 5 em casa -, cada clube teria que devolver 29% (5 a dividir por 17) das receitas televisivas. No caso do Benfica isso seria 7.25% das receitas totais do ano e talvez não tivesse assim um impacto gigante porque o Benfica tinha os cofres cheios antes desta crise despontar. Mas nos outros clubes, não só a percentagem seria significativamente maior como a situação pré-crise era bastante diferente. A FC Porto SAD até Dezembro de 2020 tem 214.5 milhões de euros em dívidas a cair - dos quais 35 milhões de euros são do factoring, logo não tem que os pagar. Mas só tem a receber 90 milhões de euros a receber ou em dinheiro. É um buraco de quase 90 milhões de euros em dívidas que tem que resolver (214.5-90-35). Mesmo que consigam adiar o pagamento de 35 milhões de euros do empréstimo obrigacionista, continuam a ser 55 milhões de euros num ano em que vão ter um prejuízo astronómico - só no primeiro semestre foram quase 52 milhões de euros de prejuízo - que também terá que ser coberto. Querem-nos fazer acreditar que cerca de quase 10% da receita operacional da Porto SAD não é fundamental nesta fase para o clube?
2. Centralização dos Direitos Televisivos. Agora que demonstramos a importância dos direitos televisivos nas receitas operacionais de cada clube/SAD, convém falar de outro problema que depois deste regresso vai ter que ser tema no nosso Campeonato. Em média, os salários de cada equipa de futebol (responsável) são cerca de 50-60% das receitas operacionais - no caso da Porto SAD, por causa de não terem ido à Champions League, e da Sporting SAD, porque dependem bastante da venda de jogadores, são quase 100%. Ou seja, os jogadores do Benfica, Sporting e Porto vão regressar ao Campeonato para continuarem a receber os seus salários - no caso do Benfica e do Porto são 6.5-7 milhões por mês (para a equipa toda). Nos outros clubes, os jogadores vão regressar ao Campeonato para receber os seus salários significativamente menores - em média cerca de 500 mil euros por mês (para a equipa toda). Óbvio que os salários das equipas pequenas ainda são muito acima da média portuguesa (10-15 mil euros por mês), mas a vida de futebolista são só 10-15 anos. Acho que os clubes mais pequenos perderam aqui uma grande oportunidade de se revoltar com razão. O produto (transmissões televisivas) precisa tanto dos clubes pequenos como do Benfica, do Porto e do Sporting. Os clubes pequenos é que não têm capacidade para aguentar uns meses sem jogar, porque se tivessem estava agora a dizer que não vão jogar porque o que recebem não compensa o risco. Para quem diz que a Centralização dos Direitos Televisivos só serve para tirar dinheiro ao Benfica e dar aos outros clubes, a pergunta que faço é se não gostavam que a nossa Liga fosse mais competitiva. 
3. A Nova Polémica do Conselho de Disciplina. Fernando Gomes, antigo vice-presidente e antigo jogador de Basquetebol do Porto, vai recandidatar-se à Federação Portuguesa de Futebol e parece ter escolhido a deputada do PS, Cláudia Santos, para liderar o Conselho de Disciplina. Alegadamente, a Cláudia Santos aparece nos “e-mails” do Benfica em 2012. Na altura, Mário Figueiredo, antes de a ter nomeado Presidente da Comissão de Instrução e Inquéritos da Liga, terá perguntado ao Benfica o que achava da candidata. Fico com uma certa curiosidade se Mário Figueiredo perguntou exclusivamente ao Benfica ou se terá perguntado a outros clubes também, visto que como é eleito pelos clubes, parece-me que faça sentido que queira ter a aprovação destes clubes em certos temas. Não acho que Mário Figueiredo o devesse fazer, mas já que fez, será que só perguntou a um clube? Há mais dois problemas com esta polémica. (1) toda a gente envolvida no futebol tem uma preferência por um clube. O facto da Cláudia Santos ser, alegadamente, adepta do Benfica é tão relevante como o facto do Fernando Gomes ter sido antigo vice-presidente do FC Porto. Ou pelo menos devia ser; (2) A Cláudia Santos já castigou Luís Filipe Vieira com uma suspensão do cargo de Presidente por dois meses em 2014 o que levou o Benfica a adiar a festa do título na altura para que Luís Filipe Vieira pudesse receber o troféu no relvado. Parece-me um não assunto. Mas nos últimos dias têm-se acumulado o número de casos em que adeptos do FC Porto tentam “cancelar” um adepto do Benfica. Será que Fernando Gomes poderia ser Presidente da Federação Portuguesa de Futebol se tivesse sido vice-presidente do Benfica antes?
4. Campeonatos das Modalidades Cancelados. Ao contrário do futebol, as modalidades não trazem muita receita através das transmissões televisivas. Como tal, sem grande surpresa, todas as Federações seguiram a FPF que já se tinha antecipado e terminado com os campeonatos de Futsal, Futebol Feminino e Futebol de formação. O que se pedia aqui é que as decisões fossem transversais a todas as Federações e que não houvesse Campeões numas modalidades e outras sem Campeões. As Federações acabaram por anunciar tudo em conjunto. Não podiam ter feito melhor.
5. O Que É Que Tem Acontecido Lá Fora? Um pouco por toda a Europa os Campeonatos vão sendo cancelados, particularmente nas modalidades de pavilhão. No Andebol, foram cancelados sem campeão os Campeonatos da Hungria, Portugal, Suíça, Eslováquia e Áustria, e com campeão os Campeonatos de França, Alemanha, Espanha, Polónia e Dinamarca. No Voleibol praticamente todos os principais campeonatos foram cancelados e não atribuíram títulos, com excepção na Rússia. No Hóquei em Patins tanto na Suíça como em Itália optaram por terminar os Campeonatos sem atribuir títulos, enquanto em França e em Espanha atribuíram títulos. No Basquetebol e no Futsal a maioria dos Campeonatos ainda não foram cancelados, sendo que no caso do Basquetebol as Ligas Grega e Italiana foram dadas como terminadas sem se atribuir títulos e as Ligas Belga e Lituana foram atribuídos títulos. Ou seja, com excepção do Futsal, onde quase toda a totalidade dos Campeonato ainda não foram terminados, em todas as modalidades houve países a atribuir títulos e outros países sem atribuir títulos.
6. Tariq Panja e o NY Times. Aqui há uns dias surgiu uma notícia no NY Times sobre o Benfica e o seu poder em Portugal. Foi um artigo caído um pouco do céu e isso deixa sempre algumas interpretações em aberto. Tinha alguns factos descontextualizados. Por exemplo todos os sócios recebem um emblema de ouro/prata quando fazem um certo número de anos de sócio. Não é algo exclusivo aos juízes por exemplo. E no geral, o artigo parecia ter um título mais chamativo do que um conteúdo dilacerante. Por exemplo, para falar da recorrente corrupção no futebol português, traz um exemplo de como o Pinto da Costa foi condenado. Parece-me que estes artigos dizem mais respeito a Luís Filipe Vieira do que ao Benfica. O NY Times há pouco tempo fez um artigo de como a claque do FC Porto têm uma equipa de futebol que subiu diversas Divisões sem jogar vários jogos porque os seus adversários não queriam ser agredidos. Este artigo do Benfica parece-me mais um artigo dessa série organizações desportivas raras. Onde os olhos de fora olham para os nossos clubes e vêem organizações e estruturas extremamente evoluídas a nível desportivo mas depois com jogos de poder e de bastidores dignas do século passado."

Campeões antecipados? O peculiar caso da Liga NOS

"Numa altura em que ainda se ultimam decisões sobre o desfecho da Primeira Liga, já se levantam vozes contra hipotéticos cenários desenhados pela Liga de Clubes. Dar o campeonato por terminado antecipadamente, com ou sem campeões/descidas, trará sempre contestação. Mas haverá maneira de o fazer objectivamente caso isso se verifique? Talvez haja.

-"Campeão é quem estava em primeiro quando o campeonato foi interrompido!!"
-"O justo é que o campeão seja o que estava em primeiro lugar no fim da 1.ª volta, quando todas as equipas jogaram umas contra as outras."
- "Isto é tal e qual uma corrida de carros quando é interrompida!"
Já com certeza lemos/ouvimos estas teorias sobre o campeão da Liga Portuguesa 2019/2020. A Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) ainda não anunciou como pretende concluir o campeonato, mas fala-se que serão jogos à porta fechada, em (pelo menos) 6 estádios: Luz, Alvalade, Dragão, Bessa, Municipal de Braga e Dom Afonso Henriques. Pretende-se que os 90 (!) jogos em falta sejam jogados num período de 7 semanas, entre o último fim de semana de Maio/primeiros dias de Junho e 20 de Julho (seguindo-se depois a Taça de Portugal).
Há quem diga que este plano de acção é optimista. Numa altura em que ainda não temos qualquer previsão de como irá evoluir a pandemia após o término do estado de emergência, planear actividades colectivas pondo em risco o bem-estar dos jogadores (e não só) vai contra as directrizes da Organização Mundial de Saúde (e do bom senso). E nesse sentido, é preciso assumir a possibilidade de se terem de tomar decisões sobre o desfecho dos campeonatos. Foi o que aconteceu relativamente à 2.ª Liga, numa decisão que (como irei explicar mais tarde) não tem sustentação analítica. Não é de estranhar portanto que esta terça-feira (passada), o Cova da Piedade tenha comunicado que irá reagir contenciosamente contra a "ilegalidade" que considera ser a despromoção ao Campeonato de Portugal, decidida pela direcção da LPFP. E se olharmos para os números, o clube é bem capaz de ter razão. Deixem-me explicar porquê.

Nota do Autor: Esta parte que se segue, apesar de pedagógica, pode ser chata. Mas estamos em quarentena, e não há futebol para nos distrairmos. Vou tentar usar uma linguagem corrente, por isso aceitem isto como uma tele-escola aplicada ao futebol.

Em estatística, o desvio padrão é um número usado numa distribuição normal para dizer como os valores de um grupo estão distribuídos a partir da média ou valor esperado. Por outras palavras, serve para saber quão grande é a diferença em relação à média. Se o desvio padrão for baixo, isso significa que a maioria dos números está próxima da média; se for alto, significa que os valores estão mais dispersos.
Vamos tentar aplicar isto ao futebol. Imaginem que fazem a média à pontuação de todos os clubes de um campeonato. E depois calculam o desvio padrão dessa média. Quanto menor o desvio padrão dessa média, mais equilibrado é o campeonato (clubes com pontuações próximas); quanto maior o desvio padrão, mais desequilibrado é.
Um desvio padrão inclui 68,27 por cento dos valores esperados, enquanto dois desvios padrão da média incluem 95,45%. Por norma, quando os cientistas analisam dados, só reportam diferenças maiores que duas vezes o desvio padrão. Num campeonato de futebol, isto seria o mesmo que dizer que os cientistas só considerariam relevantes os clubes cujas pontuações fossem maiores ou menores que o dobro/triplo do desvio padrão. Porque isto significaria que o número de pontos alcançados por estes clubes foge completamente à pontuação esperada para aquele campeonato. Ou seja, se dois desvio padrão incluem 95,45% dos valores esperados, a possibilidade de encontrar clubes com pontuações acima ou abaixo deste valor é de apenas 4,45%. Seriam portanto equipas que têm pontuações extremamente baixas ou altas para o esperado naquele campeonato.
Verifiquemos, a título de exemplo, se os principais campeonatos europeus poderiam ser decididos com base nesta análise.
Na Liga Francesa (onde o campeonato foi dado como encerrado, e o PSG consagrado como campeão francês de 2019/2020) a média de pontos do campeonato é de 38,35. Calculando o desvio padrão à média, multiplicando-o por 2 e adicionando/subtraindo à média, iremos tentar descobrir que clubes conseguiram pontuações significativamente diferentes do esperado para aquele campeonato. E só um clube de facto alcançou essa marca, o Paris Saint-Germain, que com menos um jogo conseguiu alcançar uma pontuação de 68 pontos.
Na Serie A verifica-se o mesmo, neste caso com a Juventus, que é o único clube cuja pontuação é superior ao cálculo da média adicionado ao dobro do desvio padrão.
Na Premier League a diferença é ainda mais substancial, já que o Liverpool alcançou uma pontuação tão significativa nesse campeonato, que quase equivale ao cálculo da média adicionado ao triplo (!) do desvio padrão. Ou seja, os pontos conquistados pela equipa de Klopp são significativamente diferentes das restantes 19 equipas da Premier League.
Deste modo, poder-se-ia dizer que nestes 3 campeonatos haveria (objectivamente) um vencedor antecipado justo, visto que estas 3 equipas conseguiram destacar-se das restantes e obter pontuações significativamente diferentes.
Contudo, tanto na Bundesliga como na Liga Espanhola, os desvios padrão são baixos, e se bem se lembram do início do texto, isto significa que nestes campeonatos as equipas têm pontuações mais equilibradas. Assim sendo, não há qualquer equipa em ambas as ligas cuja pontuação varie significativamente das restantes, ao ponto de se dizer que se destacaram (pela positiva ou pela negativa) ao longo da temporada.
Mas em Portugal o caso muda de figura. Feitos os cálculos, no nosso campeonato não há uma equipa que tenha uma pontuação significativamente diferente das outras: há duas! Tanto o FC Porto como o SL Benfica dominaram a Liga NOS, ao ponto das suas pontuações serem bastante superiores às esperadas para o nosso campeonato.
Com base nesta análise, não se pode afirmar com objectividade que um destes 2 clubes tenha sido claramente superior ao outro ao longo da temporada. Caso a situação de Saúde Pública assim o exija, e o campeonato tiver de ser decidido antecipadamente na "secretaria", poderá a Liga de Clubes, perante este cenário, definir critérios adicionais (goal average, desempenho no confronto directo, etc.) para "desempatar" estes 2 clubes, mas aí voltamos ao ponto inicial do post, ou seja, qualquer que seja o critério trará contestação adicional, visto tratar-se de uma situação excepcional que levará, incontornavelmente, à questão "mas então porque é que escolheram esse critério e não outro?!?".
É importante referir que tanto na Liga NOS como nas principais ligas europeias, não há clubes cuja pontuação se destaque significativamente pela negativa. O que nos leva novamente à 2.ª Liga e à contestação d'O Cova da Piedade.
No campeonato da 2.ª Liga portuguesa, Todos os clubes têm uma pontuação que está incluída nos 95,45% dos valores esperados para aquela liga. Todos, à excepção do Casa Pia, que com 11 pontos fica abaixo dos 13,52 pontos calculados pela subtracção do dobro do desvio padrão (19,26) à média da 2.ª Liga (32,78 pontos). Por outras palavras, só o Casa Pia teve uma pontuação significativamente diferente da esperada para a 2.ª Liga, e como tal seria injusto despromover qualquer outra equipa para além desta.
Ao decidir a descida d'O Cova da Piedade ao Campeonato de Portugal, a direcção da Liga de Clubes está efectivamente (e publicamente) a manifestar a sua completa incapacidade para, de forma puramente analítica e sem facciosismos, determinar matematicamente quem merece ou não permanecer neste escalão. Ou (com menos eufemismos) está novamente a demonstrar o seu amadorismo.
Em suma, determinar antecipadamente na "secretaria" quem sobe/desce de divisão, ou quem se consagra campeão requer, no mínimo, algum critério objectivo que possa ser usado sem contestação. O método que aqui expliquei é amplamente utilizado no mundo da Ciência, para reportar resultados significativos. Seria de esperar que numa decisão que pode valer vários milhões de euros, houvesse algum profissionalismo analítico no parecer final.
Mas falamos de Pedro Proença e sus muchachos."

Afinal o futebol já voltou (e com ele os que não sabem estar)

"O regresso está marcado para o último fim de semana do mês, se tudo correr bem até lá. Não há uma certeza absoluta, há apenas uma autorização governamental, que permite aos responsáveis pelo futebol em Portugal colocarem em prática um plano de acção que já vem sendo trabalho há algum tempo.
Mas assim que se soube desta possível retoma, logo saltaram da «toca», os mesmos do costume. Aqueles que não gostam de bola! Gostam é de confusão, de pichar paredes, com os mais diversos insultos.
Nem sequer quero saber de onde partiram, o que sei é que se repetem dia após dia. E o futebol só deve voltar no final do mês. Primeiro foi na rotunda Cosme Damião, depois na casa do Benfica da Charneca de Caparica. Podia ter sido na casa do FC Porto em Lisboa, ou num núcleo do Sporting no Norte. Isso não importa para nada! Eles vão andar por aí, porque não têm mais nada para fazer.
E esse pode ser um problema: com jogos à porta fechada, alguém acredita que estes mesmos adeptos não se vão concentrar junto aos estádios, para daí tentarem tirar alguma vantagem?
Eles andaram escondidos, perderam o palco, mas infelizmente voltaram a ser notícia. E outra vez pelas piores razões.
Alguém dizia que depois desta pandemia, talvez o mundo mudasse. Que se iriam alterar mentalidades. Mas não meus amigos, há coisas que nunca mudam. E quem não perceber que esta é a altura para mudar, também não está a fazer nada no futebol. Está a mais e é do lado de fora que deve continuar! Mas deixe o futebol em paz, não é dele que gosta."


PS: Esta lenga-lenga de são todos iguais é das coisinhas mais desonestas e/ou preguiçosas do Tugão! É tipo um gajo qualquer estar a atirar pedras ao vizinho todos os dias, várias vezes ao dia, durante anos e anos... e quando o vizinho reage com uma pedra de 5 em 5 anos... são todos iguais!!!

Jogar por fora

"Entre nós parece não subsistirem dúvidas, estando tudo acertado para que a jornada 25 da I Liga venha a ter lugar nos próximos dias 30 e 31 deste mês. Só que, até lá, irá ainda correr muita água sob as pontes, e nada nos diz que não possa haver alterações profundas.

Ainda muito antes de termos futebol a sério há polémicas que sobram e para todos os gostos. E, naturalmente, vão continuar a desfilar pelas páginas dos nossos jornais, para assim preencher o espaço que existe, um problema nem sempre fácil de resolver nestes tempos de interregno. 
Entretanto, a nossa atenção vai também tomando nota do que se passa lá por fora, sabendo-se que muitos acontecimentos não deixarão de influenciar, por tabela, aquilo que se passa entre nós.
Em Espanha, por exemplo, o impasse continua por resolver. Há clubes disponíveis para voltar à competição, mas também há quem ainda resista. Ontem soube-se que o plantel do Eibar, clube do escalão principal, se recusa a voltar à actividade enquanto não forem dadas garantias plenas aos seus praticantes.
E a medida tomada pelo governo, prolongando, pela quarta vez, o estado de crise pode, inclusive, vir a exercer algumas influência no que irá acontecer em seguir no país vizinho.
Da Itália não chegam notícias conclusivas. A pandemia mantém-se ali a um nível muito elevado, o que leva alguns clubes a hesitar quanto à retoma.
E a Inglaterra prossegue muda e calada, faltando uma decisão definitiva que acenda a luz verde de forma convincente e conclusiva.
Entre nós parece não subsistirem dúvidas, estando tudo acertado para que a jornada 25 da I Liga venha a ter lugar nos próximos dias 30 e 31 deste mês. Só que, até lá, irá ainda correr muita água sob as pontes, e nada nos diz que não possa haver alterações profundas. É, pelo menos, essa a ideia de alguns núcleos para os quais a retoma é um erro.
Entretanto, há também casos que vão continuar a dispersar-se pela imprensa, sendo o mais relevante aquele que tem a ver com as subidas de escalão em algumas divisões.
Há contestação quanto há decisão da Liga em promover Sporting Farense e Nacional da Madeira, bem como o que aconteceu com a qualificação de Arouca e Vizela para a II Liga, da responsabilidade da Federação.
Ambos os critérios podem aceitar-se embora haja que ter como legítimas as reclamações de quantos se consideram prejudicados. Não haverá certamente recuo por parte das entidades decisoras, mas o tema vai prevalecer ainda por algum tempo.
Com consequências? Esperemos para ver…"

Reflexões para o futebol. Carta aberta ao presidente da FPF

"Caro Dr. Fernando Gomes,
Atento ao seu artigo de esta segunda-feira, publicado em diversos órgãos de informação, e seguindo o seu desafio para promovermos uma reflexão alargada, concordo consigo de que é tempo de reformularmos o futebol em Portugal.
Permita-me, no entanto, procurar ser pragmático e encarar a realidade, sem subterfúgios e indo directamente às questões que considero relevantes.
Uma delas prende-se com a incoerência do financiamento, do enquadramento legal das verbas dos jogos sociais, e a sua distribuição aos clubes de futebol.
O futebol necessita de um modelo de financiamento que corrija as iniquidades históricas existentes e as incoerências do enquadramento legal actual, aprofunde a incorporação dos benefícios económicos directamente para os clubes de futebol construírem academias de formação, indo para além do paradigma patente na Lei de Bases da Actividade e do Financiamento do Desporto, de financiamento indexado aos lucros das apostas sociais.
Infelizmente, ainda vivemos muito uma tradição subserviente e assistencialista.
A reformulação do modelo de financiamento que vigora há décadas e que se baseia no Fundo de Fomento do Desporto que existiu até aos anos 90, gerindo os montantes recebidos dos Jogos Sociais da Santa Casa da Misericórdia é urgente e deve agora ser objecto de implementação e revisão.
Este modelo foi regulado, sendo que na actualidade a gestão financeira tem uma dimensão quase meramente administrativa, perdendo a capacidade de intervenção directa e as características iniciais do Fundo do Fomento do Desporto, descurando as especificidades e natureza dos clubes de futebol, e no apoio que estes necessitam para estruturarem as suas academias de formação.
O DL 56/2006 de 15 Março define o enquadramento legal da distribuição das receitas provenientes dos jogos sociais, e o DL 67/2015 de 29 Abril, o regime jurídico da exploração e prática das apostas desportivas à cota territorial, regulado pela portaria 315/2015 de 30 Setembro, que fixa as condições de atribuição do montante da receita objecto da aposta a atribuir às entidades, a repartir pelos clubes ou pelos praticantes e pela federação que organize o evento.
O que é sintomático e incoerente, neste enquadramento legal, é o facto do futebol, enquanto gerador da receita de alguns ( se não a maior parte ) dos jogos sociais, não tenha o retorno correspondente, não só na sua importância social, mas pelo menos à importância instrumental de veículo de geração de receitas, a redistribuir pelos clubes para construírem academias de formação.
Somente 10.29 % das receitas geradas são redistribuídas para o ministério de educação, que tutela o desporto, sendo destes somente 8,87% transferidos para o Instituto Português do Desporto e da Juventude, para o fomento e desenvolvimento de actividades e infra-estruturas desportivas.
Parte desta verba foi usada para assumir o processo de fusão, no âmbito do Plano de Redução e Melhoria da Administração Central do Estado, com a incorporação numa única entidade, do Instituto do Desporto de Portugal, I.P., o Instituto Português da Juventude, I.P. e, por dissolução, a Fundação para a Divulgação das Tecnologias de Informação e é actualmente usada para financiar outras redundâncias necessárias ( ou desnecessárias ) com a diminuição do orçamento de estado para a despesa estrutural, como a dívida herdada e mapa de pessoal de dirigentes e trabalhadores.
Seria da mais elementar justiça que se promovesse, juntamente com as restantes entidades, um acordo para o aumento percentual das verbas para o futebol, exclusivamente para os clubes construírem academias de formação. Cada 1% de aumento pressupõe um reforço de cerca de 5 milhões de euros. 
Outra alteração necessária prende-se com a distribuição das receitas directas da exploração e prática das apostas desportivas à cota territorial, nos termos da lei (67/2015) que determina que somente 3.5% das mesmas sejam atribuídas às entidades objecto da aposta a repartir pelos praticantes, consoante o caso, e pela federação que organize o evento, incluindo as ligas se as houver. A necessidade de, também neste âmbito, procurar em sede legal uma justa proporcionalidade contribuindo para o modelo de financiamento do futebol em Portugal, novamente para a construção de Academias de Formação, aumentando este valor para uma cota territorial maior.
É necessário um novo modelo de financiamento alternativo para o futebol, na sua componente para a construção de academias de formação, se queremos inverter este ciclo.
A possibilidade de se criar um fundo para o futebol, através duma nova política pública desportiva, que permita aos clubes desenvolver actividades não remuneradas pelo mercado, e criar exclusivamente Academias de Formação para todos os Clubes, para que a política desportiva pública considere prioritárias promover socialmente, e cujo custo seja incomportável financiar através do mercado privado (financiamento bancário e outros) podendo, desta forma, fazer face aos custos de qualidade do desenvolvimento desportivo do futebol em Portugal, ao desejado equilíbrio financeiro e às dificuldades que surgirão seguramente depois deste período de confinamento, e das implicações que já se fazem sentir em todos os clubes de futebol dos diversos escalões.
A realidade que temos vivido, suportada num modelo que importa alterar, permitiu à Federação Portuguesa de Futebol viver um período áureo, onde os resultados desportivos alcançados pela selecção nacional foram muito mais fruto do esforço que os clubes fizeram para formar e capacitar os seus jogadores, do que da política pública de apoio ao futebol.
Criou-se efectivamente um modelo que praticamente tem vindo a “secar” as fontes alternativas de financiamento dos clubes, com a complacência (ou conivência) da Federação Portuguesa de Futebol, que olhou só para o curto prazo, que apoiou a criação dum quadro competitivo que praticamente só pensou nas receitas que a própria federação e os grandes clubes que participavam nas competições europeias poderiam gerar e, diga-se em abono da verdade, permitiu que a regulação, que deveria ser o principal foco de qualquer federação desportiva, passasse para plano secundário.
Não importa aqui e agora entrar num processo de críticas (ainda que possam ser sempre construtivas) para dissecar o estado em que se encontra o futebol, e a relação da federação com os clubes em Portugal.
Será seguramente um tema para debate interno que deveremos estar todos disponíveis para realizar, sem exclusão de qualquer interveniente, por muito que possamos discordar de algumas posições, para que se possa exigir que o estado português passe a olhar para a indústria do futebol, e para a modalidade amadora, com respeito e consideração, a bem do futebol português."

Jogos ao vivo? As dificuldades com que nos vamos deparar

"Todos nós estamos familiarizados com crises, sejam elas financeiras ou sociais. A pandemia causada pelo Covid-19 é só mais uma, entre aquelas que já vivemos nas últimas décadas. É verdade que fez alterar as nossas relações sociais e profissionais, e isso só valoriza aqueles que sabem gerir este novo ambiente, quer através de atitudes de um verdadeiro desportista, quer pela agilidade que cada organização demonstra nas suas práticas.
Uma parte das empresas vende produtos, e a sua rentabilidade depende das margens de lucro. No caso do desporto, as organizações desportivas vendem um espectáculo desportivo (um serviço), um dos muitos tipos de entretenimento disponível, em que as pessoas não levam «batatas» (um exemplo) para casa, mas sim emoções da experiência que viveram, memórias de momentos inesquecíveis e que despertaram paixões, alimentando e ou cimentando sentimentos de pertença a um grupo, seja ele do seu clube ou mesmo de uma modalidade (o homem do basquetebol/futebol/andebol, etc.).
As organizações desportivas ficam assim dependentes da realização do evento desportivo para criar laços de afectividade, mas também aquilo que os permite desenvolver a actividade no seu dia a dia, as receitas financeiras. Estas vêm principalmente por via contratos dos direitos de televisão, patrocínios e, em algumas competições e nalgumas equipas, das receitas de bilheteira. A venda de jogadores é uma outra fonte de receitas e a valorização do atleta está dependente da qualidade que demonstra jogo a jogo e isso só pode ser feito se houver jogos, como é claro. A estas rubricas com peso na contabilidade de cada clube, podemos juntar o merchandising e outras fontes de receitas. Podíamos aqui dar exemplos como o do circo ou dos festivais de música. Sem circo e sem música os artistas não ganham dinheiro.
Se por um lado o regresso do desporto pode oferecer momentos de entretenimento e de prazer pessoal neste ambiente de “corona vírus”, sem que os adeptos saiam de casa, é claro para mim que o regresso de qualquer desporto neste momento tem por motivação as suas próprias necessidades financeiras, e o cumprimento ou não dos encargos que assumiu. Sem recursos financeiros os clubes estão condenados a não poderem cumprir os acordos, colocando-se mesmo em situação de sobrevivência.
A pergunta que se coloca é se isto vale a pena. Podemos garantir verdadeiramente a segurança dos atletas, treinadores, árbitros/juízes, fisioterapeutas, médicos, outro pessoal de apoio e adeptos. 
Fazendo a pergunta de outra forma: deve o desporto regressar só quando for claramente seguro? E o que é realisticamente seguro ou teoricamente seguro? Qual a fronteira entre estas duas ideias? A resposta às diversas perguntas é complexa e muda de forma de acordo com o ambiente em que cada modalidade é praticada e o estádio de desenvolvimento da pandemia no país.
O futuro das organizações desportivas é tão incerto como sempre foi e sempre será. Tudo depende de como se relaciona com os seus stakeholders e são relevantes ao nível competitivo, mas em especial para a sua tribo de adeptos ou comunidade onde está inserida. Uma coisa é certa, se não acrescenta nada, ninguém sentirá a sua falta.
Este é o tempo de planear novos quadros competitivos, mais curtos no tempo, que tenham por isso menos probabilidades de serem interrompidos por uma eventual segunda vaga, servindo-nos para tal de exemplos que existem em diversas regiões do globo. Precisamos igualmente de novas formas de nos relacionar e comunicar com os nossos stakeholders. Se nos focarmos em manter os nossos adeptos e patrocinadores felizes, podemos sair desta crise com sucesso. Só porque as pessoas sentem falta de ver jogos, sejam eles de que modalidade for, isso não quer dizer que voltem aos recintos desportivos, antes de isso acontecer elas precisam de se sentiram seguras.
Os adeptos vão aos jogos para conviverem, para se entreterem, para ver um espectáculo, se cada adepto ficar preocupado com quem tossiu duas filas acima, que tipo de entretenimento e de convívio podem usufruir? A normalidade de 2019 não voltará a existir nos próximos tempos. Temos de perceber como operar num mundo onde o COVID-19 existe e está presente. Se esperarmos por aquilo que todos esperam que aconteça, que é a doença desaparecer, se ela não desaparecer e não planearmos outro tipo de situações, sujeitamo-nos a colocarmo-nos numa situação perigosa."

Consegue-se viver sem 'Futebol'. Será?

"Identifico-me em várias situações com o Presidente da FPF. Jogamos a mesma modalidade, Basquetebol, no mesmo clube, FC Porto e na mesma posição, Base. Para além disso, aprecio a discrição com que lidera, fazendo muito e “dizendo pouco”. Também estou sintonizado com a oportunidade de mudança que o momento actual proporciona e, sobre isso mesmo, escrevi um pequeno ensaio (“O Futuro é Agora” - https://abola.pt/Nnh/Noticias/Ver/835716) e que poderá estar implícita à afirmação -“as pessoas conseguem viver sem futebol”.
Antes de explorar a resposta à questão colocada, sublinhar a utilização da palavra futebol entre aspas (“futebol”), por estar a representar desporto, entretenimento, cultura, (…). Parece que disse que “as pessoas conseguem viver sem futebol” e o exercício que proponho a fazer é de o reflectir se “Será Que Conseguem?”.
Fruto dos acontecimentos das últimas semanas, a reacção inicial poderá ser a de acordo. Mas será que uma reflexão mais profunda nos levará ao mesmo resultado?
Começando por “viver”, se significar ter vida, então poderemos reescrever a frase para: as pessoas conseguem Ter Vida sem “futebol”. Neste enquadramento, será que as pessoas conseguem ter vida sem “futebol”?
Subindo mais um degrau sobre o olhar imediato e tentando ver mais longe, surge uma nova questão: o que é necessário para as pessoas terem vida?
Curiosamente, a nova pergunta introduz o conceito de necessidades (“o que é necessário …”). Ou seja, a eventual resposta a esta questão poderá implicar um olhar ainda mais longe. Vamos subir mais um degrau e explorar o que poderemos passar a ver?
Surpreendentemente, a resposta a esta questão poderá ser encontrada num acrónimo: “V.I.D.A.”. 
Começando pela letra “V” de vida, as pessoas têm necessidade de Viver e prosperar física e economicamente. Isto é, as pessoas têm a necessidade de terem capacidade e autonomia quer no plano físico, quer no plano económico. Será que o “futebol” satisfaz essa necessidade? Por exemplo, é ou não verdade que ao praticarem “futebol”, as pessoas podem melhorar a sua capacidade e autonomia física?
Avançando para a letra “I”, as pessoas têm necessidade de se sentirem Importantes. Será que o “futebol” satisfaz a necessidade das pessoas se sentirem importantes? À luz dos “Ronaldos”, dos muitos adeptos, dos tempos de telejornal, dos jornais desportivos, dos canais de televisão quase exclusivos desta temática, das audiências, (…), a resposta imediata é sim. Uma resposta mais reflectida, que eleve a “importância” para outro plano, como o do significado e contribuição parece igualmente apoiar uma resposta positiva. Por exemplo, é ou não verdade que o lema do Liverpool – “You’’ll Never Walk Alone” – ou do Barcelona – “Mais que um Clube” – elevam a “importância” do “futebol” para o plano do significado e contribuição?
Prosseguindo para a letra “D”, as pessoas têm necessidade de Diversidade e Desenvolvimento. Ou seja, viver ou ter vida exige ter diferentes experiências. Não é também isso que o “futebol” faz? Depois de uma semana de trabalho, as pessoas podem ou não ter uma experiência diferente através do “futebol”? Durante o próprio jogo, as pessoas têm ou não diferentes experiências, quando há um golo, quando se dá a volta a um resultado, quando se testemunham momentos memoráveis, como o golo do Éder?
A terminar o acrónimo “V.I.D.A.” surge a letra “A”. As pessoas têm necessidade de Atenção, Aceitação, Aprovação, Afirmação, isto é, de se relacionarem também com os outros. Ainda recentemente, num documentário sobre o melhor jogador de todos os tempos, foi afirmado que uma das suas forças motrizes, que o faziam querer ir mais longe, era ter a Atenção do Pai. É ou não verdade que as pessoas satisfazem estas necessidades pertencendo a equipas, sendo simpatizantes, apoiantes ou sócios de um Clube?
Ou seja, se viver significar ter vida e vida a satisfação das necessidades das pessoas, será que as pessoas conseguem viver sem “futebol”?
Recordo que interpretei a afirmação inicial como uma “agitar as águas” no sentido de se aproveitar a janela da mudança. Parecia estar satisfeito com a reflexão, mas uma voz sussurrou-me ao ouvido – “parece que há pelo menos mais um degrau, que te permitirá ver mais longe”. Curioso, decidi subir, para ver o que surgia.
O que vi?
Tal como o nascer do dia, surgiu-me uma ideia, que poderá fazer toda a diferença. A ideia envolve distinguir duas situações: uma viver e outra sobreviver. Isto é, para viver, para ter vida, para desfrutar a vida, as pessoas necessitam de satisfazer todas as suas necessidades – a “V.I.D.A.”. Quando não há condições para as satisfazer, quando surgem desequilíbrios entre estas necessidades e a sua satisfação, então começam a surgir problemas no plano físico, económico, mental, social, emocional ou espiritual. Nesses casos, a qualidade da experiência das pessoas baixa, as pessoas deixam de viver, prosperar, e passam a sobreviver. Quanto maiores forem essas diferenças, maior será o desconforto. 
Esta reflexão parece sugerir duas coisas. Primeira, que o “futebol” pode satisfazer as necessidades das pessoas e, ao fazê-lo, ajudar as pessoas a viver, ter vida, desfrutar da vida. Segunda, a alteração de uma palavra podia fazer algum sentido. Isto é, reescrever a afirmação “as pessoas conseguem Viver sem futebol”, para as pessoas conseguem Sobreviver sem “futebol” (recordo que “futebol” tem um sentido mais lato, de desporto, espectáculos, cultura, …).
Contudo, como a última palavra é sua, termino como comecei perguntando: Consegue-se viver sem “futebol”. Será?"

Estou no meu posto, capitão!

"Humberto Coelho cumpriu 70 anos. Companheiro, amigo, vi-o em momentos que não se repetem jogar como nenhum outro foi capaz. Vivi a seu lado momentos lindos e outros tristes. Homem diferente que sofreu ingratidões irreperáveis, e com ele a meu lado disse um dos adeuses mais sofridos da minha vida

O Humberto Coelho fez 70 anos, e, aqui para nós, é algo que não fez sentido nenhum. O Humberto, o Humberto que eu conheço há mais de 30 anos, não faz 70 anos porque continua a ser o central mais elegante que alguma vez vi jogar, Beckenbauer e tudo incluído, mesmo que tenham querido fazer dele o Beckenbauer português esquecendo-se de que o Beckenbauer fora, por sua vez, o Germano alemão.
Estive com o Humberto um pouco por todo o mundo, como certa vez no Mali, era ele seleccionador de Marrocos e tinha a equipa a fazer estágio num quartel militar, aliás, como o Carlos Queiroz, que estava lá na mesma altura, comandando a África do Sul. De cada vez que quiser fazer um esforço de memória, vou encontrar momentos da minha vida profissional com o Humberto, ele sempre solícito, sempre simpático, sempre pronto a ajudar, mesmo quando o tempo se evapora, como daquela vez em Londres, onde fomos ambos espiar a equipa da Inglaterra, em Wembley, frente à Croácia, Inglaterra que iria ser o primeiro adversário de Portugal no grupo da fase final do Europeu em 2000, Inglaterra que batemos num dos jogos mais brilhantes da existência da selecção nacional, em Eindhoven, mudando aquele 0-2 que caiu do céu aos supetões num 3-2 que poderia ter sido 4 ou 5-2.


Nunca ficaste para trás, companheiro!
O Humberto pode ter feito 70 anos, mas eu não aceito o facto com ligeireza. Para já, exijo retroactivamente que lhe sejam devolvidos momentos que ele tanto merece. A presença no Europeu de 1984, por exemplo. Ele, de longe, o melhor central português desses tempos, um dos melhores do mundo, traído de forma canalha em Moscovo, naquela derrota por 0-5 frente à União Soviética que nos fez ir de sofrimento em sofrimento até ao jogo da Luz, do penálti sobre o Chalana apontado pelo Jordão, e o Humberto na bancada, o joelho massacrado, o joelho tão massacrado, que não o deixou ir a França, ser o capitão da equipa que era, que não deixou atingir mais o nível excepcional que fazia dele enorme, um gigante que dominava a defesa, o meio-campo e até o ataque.

Vi-o em campo, tantas e tantas vezes. Vi-o desarmar adversários com a facilidade com que se rouba um doce a uma criança, mas vi, logo em seguida, mais do que isso: vi-o ir embora, bola no pé, avançando no terreno com a segurança dos sábios, com a imponência dos eleitos, trocar de movimentos com companheiros, rematando de longe com aquele seu pontapé colocado, normalmente em curva, metendo a bola junto ao ponto mais distante.
Vi-o dominar as alturas como um Mercúrio, de asas nos pés, elevando-se por entre defesas adversários, todo ele tão incomensuravelmente alto, que não se media em altura, media-se em altitude, como as montanhas.
Recordo-me de jogos atrás de jogos atrás de jogos: contra o Fortuna de Dusseldorf, contra Israel, contra a Roma, contra o Carl Zeisse, a partir do momento em que decidiu ser mais um avançado para impedir a eliminação impossível, contra o Bayern de Munique, contra a Escócia, contra a Áustria, e contra todos os adversários comuns de fim de semana, mesmo decidindo um jogo contra o FC Porto, no último minuto, rojando-se no chão como que para efectuar um carrinho que deu golo.
A injustiça fez-lhe a maldade de lhe tirar a Taça UEFA de 1983, que o Benfica deveria ter conquistado, porque era melhor, porque jogava melhor, porque tinha mais arte e mais talento. Honra ao Anderlecht, que soube ser a sombra negra de um percurso no qual os jogadores de Sven-Goran Eriksson perderam só um jogo e com essa derrota perderam tudo.
Humberto também camarada, também amigo. Horas de conversa, nem sempre em entrevistas, apenas conversas, com o seu gosto particular de contar piadas, de inventar anedotas, de desvendar partidas feitas aos velhos companheiros de equipa. Humberto colega, jogando na velha equipa de futebol de A Bola, o joelho amarrado, e ele sempre dando ordens, como em Issy-les-Molineux, em Paris, contra o L'Equipe de Platini e Rocheteau, e meses mais tarde no Estádio Nacional. Humberto da selecção de jornalistas, preparando-se para treinador a sério sendo treinador a brincar, inventando tácticas para levarmos para o Brasil, para Espanha, não poupava ninguém, aquilo era para dar o litro e mais um quartilho, e ponto final, quem não deixava a pele em campo, com ele não ia.
Humberto: 70 anos no decorrer dos meses que se multiplicam em mais meses. Um dia estávamos em Antuérpia, na véspera do sorteio para a fase eliminatória do Campeonato da Europa, jogado na Bélgica e na Holanda. Sentámo-nos durante o tempo que foi preciso para a entrevista fundamental. No final disse-lhe: 'Fico contente por ser contigo o último trabalho que faço para A Bola. Depois do que vou escrever a partir de agora, sobre esse nosso encontro, não voltarei a rabiscar uma linha para um jornal que me tratou de forma infame'. Demos um abraço forte. Ele sabia muito melhor do que eu o que era ver vítima da ingratidão. Foi camarada, como sempre. Estaremos sempre por aí. O futebol juntou-nos e continua  a juntar-nos.
Humberto Coelho, amigo, companheiro. Estou no meu posto, capitão! Nunca saio do meu posto. Sempre que precisares, encontras-me aqui!"

Afonso de Melo, in O Benfica

Perguntas

"1. Defendem os adeptos (desde as claques à associação que os representa, a APA) que só deveria voltar a jogar-se quando existissem condições para haver público nas bancadas. Ou seja, quando já não existissem condições para haver futebol?
2. Futebol sem adeptos é um mal necessário até haver vacina. A única forma de salvar a alma do negócio é sacrificar a alma do jogo. Os Super Dragões querem que faça um desenho?
3. Aceito que o futebol (como qualquer actividade) tente criar condições para ir seguindo em frente - estamos num principio do fim que ainda pode tornar-se num fim do princípio -, desde que o mundo da bola não se comporte como um mundo da bolha. Sabia que a maior flor do mundo (uma refflesia tuan-mudae) cheira a cadáver?
4. Tento ser positivo. Não acredito no conceito de amor e uma cabana ou futebol e uma cabana, mas também não tem de resumir-se tudo a papel higiénico e uma cabana. Ou tem?
5. Sem público e em campo neutro nas últimas 10 jornadas (é isso ou nada), a verdade desportiva será a possível, até nas aparentes desvantagens que são vantagens. Por exemplo, sabia que o Santa Clara, que jogará sempre fora, tem mais pontos como visitante (16) do que visitado (14)?
6. Não entendo as críticas ao facto de só os três grandes terem ido à reunião com o Governo. Queriam fazer uma AG da Liga em São Bento?
7. Não sendo possível realizar um play-off do CP e não sendo eu a favor de épocas em branco, aceito o critério que sobe Arouca e Vizela (tão discutível como qualquer outro), mas não é falta de coerência não descer pelo mesmo método clubes do CP e promover emblemas dos distritais?
8. A futura líder do CD da FPF ainda não tomou posse e já tem cadastro em vez de currículo. Por isto e muito mais, nos últimos dias já todos percebemos que o futebol português vai ficar igualzinho, certo?"

Gonçalo Guimarães, in A Bola

Gabriel Appelt Pires | O regresso

"Após a tão esperada decisão do regresso do campeonato, as equipas procuram no espaço de um mês recuperar da paragem competitiva e aumentar os índices físicos, como se de uma pré-época se tratasse. E quem melhor para beneficiar desta paragem que Gabriel Appelt Pires?
Afastado dos relvados desde 4 de Fevereiro, acreditamos que o seu regresso à competição seja uma excelente notícia para Bruno Lage, aumentando a confiança para a perseguição ao primeiro lugar. Veremos ainda se o interregno competitivo suspendeu ou se deu por terminado o período mais instável e inconsistente na era “Lage”.
Em cada equipa há um lote reduzido de jogadores, que pela sua presença em campo, conseguem transmitir uma confiança extrema aos colegas, treinador e próprios adeptos. No SL Benfica um desses casos é Gabriel. Exemplo disso, na presente temporada, com o médio em campo em 24 partidas, os encarnados contabilizam apenas duas derrotas, ambas na Liga dos Campeões.
Talvez ainda mais elucidativo da influência do médio brasileiro e da importância do seu contributo nos resultados da equipa, seja mesmo notar os resultados na sua ausência. Desde o seu afastamento por lesão, a equipa iniciou um ciclo de oito jogos, apenas conseguindo uma única vitória. Certo que dados estatísticos valem o que valem, no entanto, no caso de Gabriel não há como dissociar deles.

Como justificar desportivamente tamanha dependência e influência do médio encarnado?
Com o camisola 8, defensivamente, volta uma capacidade de recuperação de bola mais eficaz, consistente, aliada a uma intensidade de pressão inigualável no plantel, e seguramente em toda a Liga Portuguesa. Sempre podemos dizer que também Florentino demonstra forte capacidade de recuperação, no entanto não tem sido alternativa directa a Gabriel e a sua capacidade evidencia-se sobretudo em antecipação e não no desarme propriamente dito, mais físico e de choque.
Regressa um conhecimento táctico mais refinado, no que à ocupação de espaços, exigível a um médio num esquema de 4-4-2, diz respeito. Daí que a sua amplitude de movimentos seja tão alargada, com preenchimento de grande parte do terreno e participação em todos os momentos do jogo. 
Ofensivamente, desde logo proporciona uma solução de construção adicional, face à construção a três que vem sido assegurada por qualquer um dos médios. Ainda que seja uma solução que comporta mais riscos, consegue com facilidade ser uma solução de passe na frente dos centrais, onde as suas rotações de costas para o adversário são capazes de eliminar linhas de bloqueio adversárias. Não é um médio de sair da pressão em posse; é, contudo, um médio com um controlo do espaço e de bola muito favorável a rotações perante os adversários. 
Como ponto diferenciador e mais entusiasmante, volta a verticalidade no último passe. Gabriel consegue produzir mais verticalidade no último passe que o próprio Taarabt, que utiliza este estilo de passe, sobretudo, em desbloqueios e rotura de sectores, ainda que longe do último terço. Diria mesmo que o médio que mais se assemelha a Gabriel é Samaris, no entanto, o momento e pensamento do passe é completamente distinto, sendo mais refinado o do brasileiro, criando mais perigo em zonas frontais da baliza.
Gabriel permite um maior envolvimento colectivo em fase atacante, quer através de repentinas mudanças de flanco, capazes de desbloquear qualquer organização defensiva, quer pela procura dos laterais em fase mais avançada do terreno, potenciando toda uma dinâmica que sem Gabriel poucas vezes se evidencia.
Esta sua capacidade de imprevisibilidade e de passe proporcionam um SL Benfica mais vertical, ampliando o espaço entre sectores do adversário e capaz de potenciar o jogo entre linhas tão querido a Pizzi, Chiquinho, Taarabt ou Rafa.
Nas bolas paradas, quando comparado com a maioria dos médios do plantel encarnado, surge mais qualidade e agressividade no cabeceamento, seja em defensivamente ou ofensivamente. Prova disso mesmo, relembre-se o golo de cabeça ao FC Famalicão a contar para a Taça de Portugal, que deu a vitória do SL Benfica já nos descontos.
Não podemos dissociar o seu regresso de um previsível aumento de passes falhados por jogo, ainda que insista em alternar o par de botas clássico constantemente. Surgirá maior quantidade de perdas de bola desnecessárias, uma menor circulação e fluidez no meio campo defensivo, aliado a um excesso de tempo com a bola nos pés, provocando uma lentidão do jogo em certos momentos.
Cremos, contudo, que os benefícios são amplamente superiores aos pontos negativos que possam advir do regresso de Gabriel. Ainda que lento por vezes, consegue gerir bastante bem os momentos do jogo e perceber exactamente o que a equipa precisa, sendo o elemento mais esclarecido e potenciador do melhor SL Benfica de Bruno Lage."