sábado, 18 de abril de 2020

Portugueses, ponham os olhos no doutor Zenha

"O Sporting é um exemplo para 10 milhões de portugueses aflitos. Não paga Rúben Amorim porque não quer. O administrador Zenha diz que é 'ridículo' falar de incumprimento em tempo de pandemia. Sejam grandes como o Sporting. Não paguem nada, sejam chiques.

O campeonato de futebol da Bielorússia por lá continua a ser disputado a cada fim de semana. O único campeonato imparável no continente europeu prossegue com os seus jogos, com os seus casos, com os seus heróis, com as suas bestas e, inevitavelmente, com os seus escândalos de arbitragem. Nada que nos aqueça ou arrefeça, estamo-nos nas tintas para a liga bielorussa que em nada contribui para a nossa felicidade. Nem conhecemos ninguém daquela gente porventura respeitável. Eu ainda tentei conhecer. Tentei tomar partido a favor do Belshina na partida contra o Smolevichi mas deu-me o sono. E a vitória, ainda que tangencial, do Gorodeja na casa do Energetik BGU mais sono me deu. Para acordar só mesmo o campeonato português que, mesmo parado, continua a ser um manancial de lições de vida e, sobretudo, de lições de gestão de expectativas e de gestão corrente do tipo financeiro.
Olhemos para os nossos três grandes se quisermos entretenimento. O importante agora é querer. O Benfica, por exemplo, 'quer' ser o emblema mais bem preparado em Portugal para o pós-Covid, disse-o o seu administrador Domingos Soares de Oliveira numa entrevista ao jornal do clube. É uma ambição que lhe fica bem. O FC Porto, por sua vez, 'quer' ver-se sagrado oficialmente por Pedro Proença como campeão nacional 2019/2020 sem que o campeonato tenha acabado - sempre faltam umas 10 jornadas - porque não havendo o dinheiro da entrada directa na Liga dos Campeões  o aperto do fair play financeiro transformar-se-á num garrote de dimensões épicas. Já para o Sporting, o mais original dos clubes portugueses, a questão não é querer. É o oposto, é 'não querer'. E é justamente neste ponto que o Sporting granjeia o direito a ser considerado um grande já que no capítulo do rendimento desportivo e do número de campeonatos conquistados nas últimas largas décadas vai marchando teso e a grande lonjura da grandeza.
Mais do que grande, o Sporting é enorme e não admira que ostente o nome de Portugal no seu registo de nascimento porque é um exemplo para 10 milhões de portugueses aflitos com as contas. O Sporting diz que não paga Rúben Amorim ao Sporting de Braga porque não quer. Não lhe apetece. O seu administrador Zenha diz que é 'ridículo' falar de incumprimento em tempo de pandemia. Portuguesinhos aflitos, ponham os olhos no Sporting. Sejam também grandes. Não paguem nada, sejam chiques. Nem a renda da casa, nem os empréstimos ao banco, nem a luz, nem a água, nem o pão, nem o cafezinho, nem as contas do supermercado, nem a televisão por cabo, nem a gasolina, nem o Rúben Amorim. Sejam mais do que grandes, sejam enormes, ponham os olhos no doutor Zenha, portugueses. Zero para os credores. Todos os credores são ridículos como eram ridículas cartas de amor para o poeta Fernando Pessoa, que também viveu teso a vida inteira e só lhe deram valor depois de morto."

Vergonha, continua...!!!

"Enquanto que “O Jogo” continua entretido em tentar que o #PortoaoColo ganhe um Campeonato de uma maneira que não é possível, o grupo Cofina tenta pressionar a justiça na praça pública, liderando uma tentativa hedionda ao pressionar os juízes.
Hoje fomos bombardeados com notícias sobre o Benfiquismo de um juiz que vai julgar Rui Pinto. Parece que os juízes podem ser de qualquer raça, sexo, ter diferentes preferências sexuais, políticas ou religiosas. Têm também direito a ter clube. Apenas não podem ser Benfiquistas. Isso sim, parece ser um crime.
Aproveitamos ainda para lembrar mais duas coisas que parece que foram “esquecidas” por uma imprensa que não olha a meios para atingir os fins:
1) Este processo em que o Rui Pinto vai ser julgado em NADA está relacionado com o Benfica;
2) Não há um juiz, há um colectivo de juízes composto por 3 elementos (sendo um deles presidente do colectivo de juízes)."

Elogio da Mão de Vata Matanu Garcia, a quem imploro: assuma o acto, é moralmente aceitável roubar um francês


"Aconteceu há exactos 30 anos, contra o Marselha, e foi com a mão. Convém esclarecer antes que apareça por aí um Honesto da Silva Ferreira em alegações de ombros e peitos.

Foi com a mão e foi muito bem feito. Tivesse sido com o pé ou com uma parte, para efeitos futebolísticos, menos nobre da anatomia, e já o teríamos esquecido. Ao golo e ao seu autor, Vata Matanu Garcia Foi com a mão. Convém esclarecer antes que apareça por aí um Honesto da Silva Ferreira em alegações de ombros e peitos. Foi com a mão e foi muito bem feito. Tivesse sido com o pé ou com uma parte, para efeitos futebolísticos, menos nobre da anatomia, e já o teríamos esquecido. Ao golo e ao seu autor, Vata Matanu Garcia.
O que leva este homem, de quem os benfiquistas só se lembram por ter vencido uma Bola de Prata com o anorético pecúlio de 16 golos, por ter sido contratado ao Varzim enquanto o homem-forte do futebol do Benfica, Gaspar Ramos, andava pelo Brasil a tentar contratar Romário (em vez do “baixinho” trouxe na bagagem Adesvaldo José de Lima, o mesmo que sair para comprar um Rolex e voltar para casa com um Roscoff no pulso), e pelos seus três sinfónicos nomes que eu sabia por causa das cadernetas de cromos (note-se que, para mim, o central Mozer era José Carlos Nepomuceno Mozer e o artista Valdo era Valdo Cândido Filho; Aldair, por razões que desconheço, é que era só mesmo Aldair), o que leva este homem, perguntava eu, a dar entrevistas em que jura ter metido a bola na baliza de Castañeda com o peito ou o ombro?
Será que não percebe que a grandeza daquele golo, o golo mais importante da sua discreta carreira, reside precisamente na sua óbvia ilegalidade, em tê-lo marcado, com descaramento e em desespero, com a mão?
O que seria um banalíssimo golo, ainda que dando o bilhete para uma final europeia, tornou-se uma obra de arte, um golpe digno de figurar na história universal da infâmia e elevar o seu desengonçado autor à galeria onde Borges reuniu ladrões de cavalos, piratas chinesas e falsários. E isto porque o golo foi marcado com a mão.
Corrijo.
O golo foi feito à mão e é sabido que os objectos feitos à mão são mais valiosos do que qualquer artefacto industrial. Imagino-me sentado aqui, trinta anos depois daquela noite de Abril, a escrever sobre “um golo marcado na sequência de um pontapé de canto” por um jogador mediano cujo nome eu já teria esquecido. O que poderia eu escrever sobre esse golo vulgar?
Mas Vata meteu a mão e aqui estamos nós, trinta anos depois, a gabar-lhe a audácia. E sabem que mais? Vata também sabe que foi com a mão. Eis o relato que Eriksson, na altura treinador do Benfica, fez na sua autobiografia: “Os jogadores do Marselha acusavam Vata de ter marcado com a mão. Na cabina, fui ter com ele e perguntei-lhe como tinha sido. Não respondeu. Não respondeu. Só olhou para o chão. Disse-lhe que não estava zangado. Pelo contrário. Havíamos ganho e estávamos na final. Vata levantou-se e mostrou-me como tinha tocado na bola com o braço. “Okay”, disse eu. E até lhe dei uma palmada no ombro.”
Quando li estas palavras pela primeira vez fiquei em choque. Os olhos no chão! Uma palmada no ombro! Eis o que acontece quando à humildade de um filho do Uíge se junta a reserva escandinava de um antigo professor de Educação Física de Örebro. A equipa apurara-se para a final da Taça dos Campeões e ali estavam estas duas criaturas oriundas de latitudes tão distintas em festejos envergonhados, cheios de culpa católica e pruridos protestantes.
Acaso não sabiam que, sendo o adversário quem era, todas os métodos para o derrotar eram legais? Meus amigos, há apenas duas situações em que o roubo é moralmente aceitável: quando se rouba para matar a fome e quando se rouba um francês.
Como o francês se chamava Bernard Tapie, o roubo não era apenas aceitável, mas um imperativo de consciência. Lembro os mais novos ou mais esquecidos, que Tapie, o irascível presidente do Marselha, aterrou em Lisboa convencido de que a vitória não lhe escaparia. O excesso de confiança era geral. O treinador, Gérard Gili, chegou mesmo a dizer que já tinham reservado hotel em Viena, cidade que acolheria a final. Diga-se que a jactância puramente futebolística, descontando já a bazófia gaulesa, não era injustificada.
Duas semanas antes, o Benfica escapara milagrosamente de um massacre com bolas no poste e penáltis não assinalados. A derrota por 2-1 (com o golo do Benfica a ser marcado pelo tal Lima que Gaspar Ramos trouxera como despojo da sua investida brasileira) tinha sido um presente dos deuses, mesmo que Mozer, então a defender a equipa francesa, tenha escapado a uma punição severa quando, ao experimentar uma forma marcial de quiropraxia, espetou o joelho nas costas de Hernâni.
Dizer que o Marselha era melhor é pouco. No meio-campo e no ataque tinha Jean Tigana, Chris Waddle, Enzo Francescoli e Jean-Pierre Papin. Isto era o Cirque du Soleil contra uma trupe esfarrapada de velhos saltimbancos, faquires zarolhos, trapezistas gordos e ventríloquos mudos recrutados em saldos nas feiras de província. Os outros semifinalistas daquela edição eram os colossos Milan e Bayern.
Como é que o optimismo capitalista de Tapie podia olhar para o Benfica e ver mais do que um insecto insignificante no caminho da inédita glória marselhesa? Com o seu bronzeado de vendedor ambulante ou de apresentador de programa de variedades na RAI, bronzeado que sugeria esquemas ilícitos e que um juiz mais excêntrico aceitaria como prova de corrupção, deve ter pensado que a segunda mão era um exercício fútil e desnecessário, tal a superioridade da equipa que ele construíra com engenho e muitos milhões de francos.
Na véspera do jogo, declarou não temer o ruído das 110 mil almas que encheriam a Luz: “nem a mim, nem aos atletas do Olympique, faz qualquer diferença aquilo a que os portugueses chamam “Inferno da Luz”. Os rapazes jogam com os pés e com a cabeça, não é com os ouvidos. E como somos superiores, o triunfo irá para Marselha.”
Reparem: os rapazes jogam com os pés e com a cabeça, proclamou Tapie. E não é que foi derrotado por uma mão irregular? Segundo os jornais da altura, após o jogo, o presidente do Marselha estava furioso, “pior que uma barata de pernas para o ar”, e gritava, enquanto entrava e saía do autocarro: “Ladrões! Bandidos! Malandros! Gatunos! Piratas! Que vergonha…”
Enlouquecido, berrou que os portugueses eram todos uns porcos e proferiu palavras de que poucos se lembram, mas que a esta distância parecem futurologia: “Somos ingénuos e aprendemos agora com o Benfica o que devemos fazer no futuro.” Quatro anos depois, foi condenado por corrupção.
Naquela noite, a fúria dele caiu sobre o árbitro belga, Marcel van Langenhove, que, nas palavras do imortal Neves de Sousa, era considerado “um cidadão com certa vulnerabilidade perante os prazeres do mundo.” Tapie estava convencido de que o Benfica comprara o árbitro. O escândalo foi de tal magnitude que até o primeiro-ministro francês, Michel Rocard, escreveu uma carta aberta a Tapie, mencionando os “erros evidentes de arbitragem” e as injustiças “imperdoáveis e incompreensíveis”. O próprio Van Langenhove comentou o caso este ano. Diz que na altura foi alvo de ameaças de morte e embora compreenda que os adeptos não vão ao estádio para aplaudir o árbitro, pergunta-se porque é que ninguém se virou contra o verdadeiro “ladrão”, o “batoteiro”, Vata Matanu Garcia?
O árbitro belga tem razão. Não foi ele o “ladrão”. Ele foi apenas incompetente (ou talvez, e esta é uma teoria minha, tenha escrito direito por linhas tortas – não é a justiça que tem uma venda a tapar-lhe os olhos? – castigando antecipadamente o patrão do Marselha).
O ladrão, e isso é que é extraordinário, foi Vata. Bastavam as reacções descabeladas de Tapie e dos franceses, primeiro-ministro incluído, para que erguessem uma estátua de Vata ao lado da de Eusébio ou, pelo menos, fizessem como as estrelas no Passeio da Fama e permitissem que a mão do angolano ficasse para sempre gravada no chão do Estádio da Luz. Se isto não acontecer, então imploro ao antigo jogador angolano que assuma finalmente a autoria do roubo do século.
É que não foi um roubo qualquer. Não foi um roubo de igreja, nem de catedral. Foi um roubo de museu. Do Louvre. Vata entrou, pegou na Mona Lisa e saiu pela porta principal com a obra-prima de Da Vinci debaixo do braço à vista de 110 mil cúmplices eufóricos, três belgas ceguetas e um bando de gauleses gloriosamente enganados. Está na hora de reconhecer a paternidade do prodígio. Um golo assim, feito à mão desarmada, não se enjeita."

Futebol sem assistência

"O futebol como ocorre com muitos jogadores é uma festa e um prazer jogar, mas sem assistência torna-se uma aberração e contra-natura. Ver um jogo ao vivo é completamente diferente, o entusiasmo e toda a moldura humana. Ouvir o bruaá quando é golo, ouvir o bruaá quando o árbitro não marca falta, ouvir o bruaá quando há um remate perigoso e quase é golo. Tudo isto é impagável pela sua beleza, envolvência e sonoridade única.
Vi Eusébio jogar ao vivo, quase que via Baggio, para mim o melhor jogador do mundo na posição 9, 5 (isto é um falso 9). Vi Gomes bi-bota de ouro, vi e vejo Ronaldo, entre outros.
Num jogo em que se ouve os colegas de equipa, ouve-se o barulho da bola quando sai, mas não se ouve o barulho das pessoas, os seus gritos, os seus insultos, o seu apoio, o eco que fazem. Para mim não é jogo, mais parece um treino ou uma peladinha.
Um jogo de futebol sem assistência perde a sua essência. A possibilidade de se jogar em recintos fechados devido à Covid-19 arrepia-me e falta qualquer coisa para ser futebol.
A nível táctico é o mesmo nada muda, mas a motivação dos jogadores não é a mesma. Um campo de futebol sem adeptos torna-se neutro e a vantagem de jogar em casa esfuma-se. Os jogos à porta fechada sempre foram para castigar o clube por mau comportamento dos seus adeptos, para tirar alguma vantagem de jogar em casa e receita na bilheteira.
O futebol é um espectáculo e o espectáculo é o público. Faltam os aplausos e os assobios. Os aplausos motivam os jogadores da casa, mas os assobios também motivam os adversários.
É uma sensação de tristeza, de vazio, de vida após a morte. Falta a adrenalina e a pressão do público. É esquisito, mas traz vantagens para os treinadores que podem influenciar mais, com as suas indicações e tornam-se mais audíveis, por outro lado, traz vantagens para os árbitros actuam com mais liberdade.
Os jogos em casa perdem a pressão toda que se exerce sobre os árbitros e o próprio jogo em si.
O jogo estava a ficar muito mecanizado, tirando raras excepções como o fabuloso Ronaldinho, um artista e um génio que rebentava com qualquer esquema táctico, de um momento para o outro. O futebol tinha perdido espontaneidade e agora sem público vai perder emoção."

O scouting omnisciente e o logro da modernidade

"Há algumas décadas atrás, Jeff Alger, então alto quadro da Microsoft, treinava em part-time uma equipa de futebol amador e percebeu que havia muito pouca ciência aplicada ao desenvolvimento dos jogadores.
"Não havia maneiras objectivas de medir a qualidade dos jogadores", disse, "e sem poder medir, não temos nada".
A sua sensibilidade analítica de designer de sistemas fê-lo reconhecer o problema e assim despediu-se da Microsoft, fez um mestrado em gestão desportiva e abriu uma empresa que usaria inteligência artificial para avaliar o talento dos atletas e o treino das equipas. Hoje é uma referência no reconhecimento de padrões de aprendizagem de sistemas para a melhoria do treino e disponibilização de análises avançadas sobre desempenho competitivo.
É já irrefutável que o 'machine learning' aplicado aos desportos colectivos de alto rendimento pode a melhorar a própria ciência desportiva no trabalho com os atletas em todas as suas vertentes.
Já durante esta temporada a sua empresa acompanhou o Málaga, na Liga Adelante, capturando tudo o que acontecia em campo, quer em treinos quer em jogos, com cerca de 20 câmaras sincronizadas em vídeo de alta definição 4K.
É a omnisciência no processo de observação e de avaliação.
O sistema avalia a habilidade e consistência dos jogadores. Por exemplo, a quem determinado jogador passa a bola, quem a recebe, como a recebe, com que frequência, bem como a estrutura táctica da equipa no momento de cada decisão individual. Rastreia o eixo de rotação e a taxa de rotação da bola. E esta não é a única forma como a tecnologia está a ser usada.
Os clube profissionais de futebol obtêm uma fatia cada vez mais significativa da sua receita com a venda de jogadores. As academias tornaram-se em centros de receita para muitos clubes, à medida que desenvolvem jovens jogadores e depois os vendem para outros clubes mesmo sem que estes alguma vez tenham consistentemente comprovado o seu valor ao mais alto nível, e sem uma medida objectiva do sucesso desportivo em é ainda mais difícil atribuir um valor ao atleta. Igualmente aqui, sistemas como o SCOUTPANEL, de avaliação dos atletas com a aplicação da IA (Inteligência Artificial), estão a revolucionar o mercado oferecendo aos decisores análises de performance e de potencial baseadas na recolha de centenas de milhões de dados que seriam virtualmente impossíveis de contemplar e processar pela intervenção humana. Aplicando a todos métricas apuradas ao longo de mais de uma dezena de anos de data tracking e que, ao contrário do olho humano, nada têm de subjectivo.
A questão de saber se os características/movimentos/decisões de determinado jogador correspondem às necessidades específicas de uma equipa em particular também tem sido um dos focos de aplicação destes sistemas, e com assinalável sucesso. Por exemplo, é possível identificar um jogador aparentemente menos capaz, mas que seja determinante numa execução técnica específica ou numa fase do jogo em que a equipa do clube interessado na sua contratação seja particularmente deficitária.
Outros sistemas também podem detectar ou prever lesões. A Sparta Science, trabalha num armazém em Silicon Valley que tem uma pista de corrida repleta de equipamentos para avaliar a condição física de atletas.
A empresa usa o machine learning para recolher e analisar dados de placas electrónicas no pista que medem força e equilíbrio. O sistema colecciona mais de 3.000 pontos de dados por segundo e um teste ao atleta leva cerca de 20 segundos.
Na verdade muitas vezes os atletas não reconhecem uma lesão ou ignoram sinais de vir a desenvolver uma lesão, o sistema tem um histórico comparado de todos os testes que fez e do seu próprio diagnóstico. Com base nos dados recolhidos o sistema pode até avaliar a evolução da bio mecânica do jogador, ou seja, dos seus movimentos mais detalhados e recomendar formas do atleta se aproximar da sua "assinatura de movimento ideal".
A chave para toda essa tecnologia são os dados e os sistemas de visão computacional estão cada vez mais mais avançados, seja na busca de tumores em ecografias, quer na procura de padrões de movimento numa transmissão televisiva. Neste caso, os computadores já são treinados para reconhecer a bola em várias condições de iluminação, bem como entender qual o ponto do pé que entra em contacto com a bola.
Para o computador fazer isso à priori, equipas humanas precisam de anotar meticulosamente milhões de imagens. Quanto mais dados forem anotados, com detalhe e fiabilidade, mais precisa será a análise e a aprendizagem da máquina. "Basicamente, quem tiver os dados melhor identificados ganha". Os melhores computadores a pensarem o jogo serão sempre aqueles que tiveram os melhores professores. Novamente somos confrontados com a vantagem dos sistemas que já vêm sendo desenvolvidos no seio dos gabinetes de análise dos grandes clubes internacionais e que já dispõem de um data-lake, com uma dimensão crítica de dados cruzados e testados ao longo de anos, inatingíveis pelos esforços bem intencionados de empresas mais recentes.
A Matchmetrics, como spin-off do departamento de scouting do Borussia de Dortmund, herdou o trabalho de mais de 15 anos de recolha de dados, e mais tarde com grandes clubes como o Arsenal de Londres, ou AC Milan estabeleceu colaborações que vão muito para além de uma simples relação fornecedor/cliente.
Quando se fala de algoritmos é necessário ter em conta quem, e como, "ensinou a máquina". Como o próprio futebol jogado ao mais alto nível comprova, de nada vale investir milhões numa grande equipa sem ter antes de mais um grande treinador. Assim é também com os computadores. De nada interessa a complexidade do algoritmo ou a potência do processador, se não tiver tido os melhores programadores, se as ideias nas quais radicam todas as "operações" de processamento de dados, não forem efectivas e com resultados comprovados pelos clubes que antes dos demais tomaram a dianteira do futuro. Só assim evitamos o logro da modernidade."

Futebol: 'A bagatela mais séria do mundo'

"Uma bola, 22 jogadores. Duas equipas adversárias, mas não inimigas, metade de cada lado. Fora das quatro linhas, ficam os adeptos(as) das duas equipas. Muitas vezes agrupam-se em claques de apoio e, frequentemente, vestem-se a rigor com as camisolas, cachecóis, bonés e gorros do clube que apoiam.
Jogo criado em Inglaterra por homens e para homens, o futebol, grande competição desportiva, é um produto de globalização. É uma indústria de entretenimento que age intensamente na cultura e na economia dos países. O ambiente nos estádios de futebol suscita reacções contrastadas. Uns celebram a importância das multidões que assistem aos jogos, outros denunciam a agressividade e a violência dos adeptos, outros ainda exaltam a força emocional dos cantos e clamores que aí ressoam. Seja factor de atracção ou de aversão, o futebol, como espectáculo, raramente deixa indiferente os actores sociais. Entre a glorificação entusiasta - e o entusiasmo é tal que se tornou a “bagatela mais séria do mundo”, segundo Bromberger (1998) - e a condenação definitiva, entre a fascinação devota ou a repulsão, o leque de atitudes e de opiniões são particularmente amplas.
As bancadas e as tribunas compõem um mosaico de microterritórios, mais ou menos visíveis e delimitados, mais ou menos efémeros e instáveis, mais ou menos estruturados e organizados. São o local onde se propagam as emoções mais profundas; basta olhar para os rostos para nos apercebermos da multitude de expressões que animam e revelam a panóplia de sentimentos vividos: angústia, alegria, cólera, desespero, injustiça, etc.
Acolher um megaespectáculo de futebol, tem investimentos avultados (infraestruturas, segurança, marketing, etc.). São também um meio de promoção dos países, evidenciando a importância social, cultural e económica que os grandes eventos desportivos assumem nas sociedades. Com o adiamento do Euro2020 para 2021, devido à crise originada pelo coronavírus, perdeu-se tudo isto. Para já, as maiores vítimas pelo adiamento são as federações nacionais. As fases finais das grandes competições são uma boa fonte de receita."

Europa vs. USA - O futebol a caminho do modelo americano

"O mundo do desporto, tal como muitas outras indústrias, está paralisado devido ao COVID-19. A globalização permitiu ao homem conhecer o planeta terra sem fronteiras para além das naturais, mas o podermos viajar por todo o mundo acabou por ter consequências imprevisíveis aos olhos de alguns. A verdade é que pelo menos nos últimos vinte/trinta anos tornou-se possível estarmos hoje num local e passado 48h/72h estarmos a milhares de km, levando connosco a nossa mala, com aquilo que precisamos mais aquilo que desconhecemos como, por exemplo… vírus, que viajam à boleia e não são detectados nas máquinas de segurança dos aeroportos. Assim sendo, para mim a pandemia não é nenhuma surpresa, como era fácil de se prever, esperando eu que depois da «casa arrombada saibamos meter trancas na porta».
O desporto é das actividades que mais atenção tem dos média, seja eles escritos, falados, televisão, rádio, redes sociais, um sem fim de plataformas que criam e alimentam informação, desinformação, momentos altos, momentos baixos, alegrias e tristezas.
Sem desporto sentimo-nos quase como despidos, pois aumenta a sensação de angústia do isolamento social.
Nesta situação, na europa, debate-se de forma intensa e diria mesmo emocional, a sobrevivência dos clubes, devido aos enormes prejuízos financeiros que coloca os clubes em alerta vermelho quanto à sua sobrevivência. Nos USA, a discussão económica está presente, mas foca-se mais na contribuição que o desporto pode dar para a retoma económica e para o entretenimento das pessoas.
Existe uma percepção que depois das pessoas estarem confinadas vão querer sair, vão querer viver momentos de emoção e o desporto pode-lhes proporcionar isso mesmo para além do entretenimento, e as ligas americanas querem estar presente e contribuir para tal.
Se os condicionalismos económicos têm um peso muito grande nos clubes europeus que estão na dependência das receitas dos direitos de transmissão, dos patrocinadores, receitas de bilheteira (não se aplica a todas os clubes), das verbas vindas da venda de jogadores e merchandising (nalguns casos), nos USA a realidade é completamente diferente.
No outro lado do Atlântico, as equipas são geridas como organizações, sendo propriedade de uma ou mais pessoas, ou mesmo de uma empresa, ou família, tendo uma sustentabilidade financeira que permite aguentar a suspensão das competições. Aliás, no passado recente já assistimos a greves de jogadores de diferentes ligas, sem repercussões financeiras de maior. É claro que houve perdas de receitas, mas também é verdade que as ligas regressaram sempre mais fortes e mais interessantes. O desejo de sucesso das diferentes equipas e da competição é compartilhado por proprietários e jogadores, visto que estes últimos podem ter ganhos financeiros provenientes da venda de ingressos. Para as ligas americanas o foco neste momento está na segurança dos atletas, de todo o staff das equipas e dos adeptos/fans.
Todos estas premissas assentam em modelos de organização diferentes. Nos USA, as ligas são profissionais e o sistema competitivo é fechado, há um tecto salarial por equipa, havendo penalizações financeiras pesadas para quem passar esse limite, e um propósito no compromisso com os adeptos/fans: entretenimento. Para isso cada vez mais as organizações/equipas americanas têm-se tornado organizações multimédia em primeiro lugar e marcas desportivas em segundo, que através do desporto criam conteúdos para os seus adeptos/fans de todo o mundo (o que algumas equipas do futebol europeu tentam replicar no território chinês). Nem todas as equipas têm reais possibilidades de serem campeãs, mas essas dão o seu contributo através do melhoramento de atletas, obtendo vantagens na escolha ou troca de jogadores, visto que o dinheiro nestas operações é muito condicionado. Uma equipa pode ter a pior % de vitórias/derrotas e ter casa cheia. Existem muitas formas de entretenimento, cada equipa está comprometida em captar o (engagement) interesse do adepto/fan, usando a sua marca desportiva, os seus activos (jogadores e treinadores) para criar algo de valioso e relevante.
Na Europa, o modelo competitivo é assente no modelo associativo. Nas competições domésticas, uma equipa pode ser campeã ou descer de divisão. Uma classificação nos lugares cimeiros pode dar-lhes a possibilidade de jogar nas competições europeias o que representa logo à partida um encaixe financeiro considerável e se torna uma vantagem competitiva em detrimento de receber nada, e que contribuiu para se manter dentro dos valores do fair-play financeiro. A estabilidade dos projectos é sempre relativa e pode ser colocado em causa por uma má época desportiva.
O futuro do futebol europeu caminha para que num futuro breve possa ter um quadro competitivo de dimensão europeia, através de uma competição fechada, representando um modelo de gestão desportiva com sustentabilidade financeira, de recursos humanos, e estabilidade e equilíbrio competitivo. Um melhor nível competitivo trará um maior poder de atracção de patrocinadores, adeptos/fans, espaço de tempo nas televisões e na comunicação social escrita. Um, ou mesmo dois grandes níveis europeus de competição, é algo que conjuga as aparentes diferenças entre as duas realidades desportivas: alimentar a paixão pelo jogo, o desejo de ganhar e a relação com os adeptos/fans.
Este é o momento certo para que quem gere o futebol, seja ao nível nacional, seja ao nível europeu ou mundial, contribua para a sustentabilidade e o propósito da competição e de cada organização desportiva/clube.
Fica a questão, e os outros clubes? Esses jogaram nos diversos níveis das competições doméstica, lutando pela atenção de adeptos/fans, por patrocinadores locais e nacionais, sendo que aos jogadores compete-lhes melhorar para chegar ao nível seguinte. Quanto aos clubes, estes devem estabelecer cada vez mais estratégicas de relacionamento com os seus adeptos/fans, com uma atenção especial à comunidade onde estão inseridos, preocupando-se em devolver aquilo que ela lhes dá em troca pela prática desportiva e entretenimento."

Benefício do infractor

"Que não se deixam os emblemas mais cumpridores cair no conto do vigário. É sempre mal aceite pelos adeptos mais correctos.

Nesta fase em que se desconhece se haverá, ou não, possibilidade de terminar o campeonato nacional e, caso se consiga terminar, se será com adeptos ou com estádios à porta fechada, nesta fase de nenhuma certeza, tenho para mim uma como definitiva, este campeonato não terá nenhum interesse desportivo. O prolongamento da época só tem razões de natureza económica e financeira. Neste momento, não se discute nada de desportivo, nem se vê algum interesse desportivo neste campeonato. Tudo o que se discute é financeiro, tudo são interesses (diga-se que legítimos e importantes) para salvar as contas de um negócio que, como outros geridos com menos solidez, atravessa uma crise séria.
Este pandemia, por pouca simpático que seja escrevê-lo, até veio justificar a incúria de gestão de muitos emblemas, a necessidade de intervenção externa de outros tantos e justificará incumprimentos que já estavam escritos nas estrelas de outros tantos. Esta pandemia pode ser uma derrota de quem cumpre e uma vitória de quem já não o iria fazer qualquer que fossem as circunstâncias.
Em linguagem desportiva, estamos num caso de benefício do infractor, o que, diga-se, é sempre mal aceite por parte dos adeptos mais correctos. Que não se deixem os emblemas mais cumpridores cair no conto do vigário, que vêm disfarçados de preocupações com o negócio. Nós sabemos quais foram os negócios que deram origem a alguns destes problemas, que não devem ser pagos por quem não lhes deu origem.
Numa entrevista dada esta semana ao Telejornal da RTP, D. Manuel Clemente, respondendo de forma simples a perguntas complexas (características própria dos sábios), dizia de uma forma singular que estas crises trazem sempre «ganhos de humidade». São esses que temos que contabilizar para o futuro. E também no futebol e no desporto, sob pena de se ter apreendido pouco.
Uma reflexão final sobre as posições de alguns adeptos, tomadas há pouco tempo, vistas à luz da actual realidade: alguém critica hoje a venda de João Félix por €120 milhões no verão passado e acha que seria melhor esperar mais um ano? Alguém hoje pensa que Frederico Varandas fez mal em vender Bruno Fernandes em Janeiro por €55 milhões? Bem me parecia... Liderar é tomar decisões, não é tentar ganhar o Euromilhões depois de saber os números."

Sílvio Cervan, in A Bola

Quarentena IV

"Muito se tem recomendado A Peste, de Camus, ou O Diário da Peste de Londres, de Daniel Defoe, e eu também quero contribuir, propondo o Némesis, de Philip Roth, em que o notável escritor descreveu o impacto, na comunidade, do surto epidémico de poliomielite ocorrido em Newark, em 1944. E já que estamos numa espiral de recomendações literárias, apesar de, infeliz e, creio, tragicamente, não haver assim tantos leitores, prossigamos nessa senda.
No meu caso, confessando-me um privilegiado, as minhas referências literárias para enfrentar a pandemia remetem-me, também, para o Camus, mas ao ensaio O Mito de Sísifo, pois é como Sísifo que me sinto diariamente ao tratar da máquina de lavar loiça, tarefa que me foi atribuída por mera apetência organizacional e total inaptidão culinária, oferecendo-se a coincidência de ter de me caber alguma tarefa doméstica e de alguém ter de tratar da loiça.
E ainda, por ter mais tempo em mãos do que o costume, aconselho a Apologia do Ócio, de Robert Louis Stevenson. Se tenho agora algo de sobra, esse é o tempo. O que, num certo sentido, ou mesmo em vários, se trata de uma dádiva. Tempo para ócio, entendido por oposição ao trabalho. Tempo para ser, estar, pensar, nada fazer ou nada produzir, além do meu bem-estar e satisfação. Não admira, portanto, a celebridade de Stevenson (escreveu mais umas coisitas) e a seguinte história envolvendo-o inadvertidamente: Depois de morrer, a sua ama de infância começou a vender o cabelo do escritor que lhe teria cortado e guardado religiosamente durante décadas. Vendeu o suficiente para estofar um sofá, contou Julian Barnes. E isto fez-me pensar nos diários desportivos em tempos de quarentena, fazendo pela vida..."

João Tomaz, in O Benfica