Que jogos devo rever nesta Quarentena? SL Benfica 1-0 BVB Dortmund

"Às 19h45 do dia de S. Valentim, em 2017, Nicola Rizzoli fazia soar o apito inicial para iniciar a primeira mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões, que opunha o SL Benfica de Rui Vitória contra o BVB Dortmund de Thomas Tuchel.
Os germânicos eram os favoritos à conquista da vitória, e o tridente ofensivo de luxo composto por Aubameyang, Reus e Dembélé prometia causar muitas dores de cabeça à defensiva encarnada. Do lado das “águias”, a principal ameaça vinha dos criativos Salvio, Pizzi e Rafa, que podiam, num ataque rápido, surpreender os auri-negros.
A bola começava a rolar, e foi logo notório o rumo que este jogo iria levar. Os encarnados, num bloco compacto médio-baixo, iriam tentar tirar profundidade ao ataque alemão, que, com o tridente ofensivo acima referido, era extremamente perigoso caso consiga meter a bola nas costas da defesa. Por isso, os homens de Rui Vitória iriam jogar mais na expectativa e, através de Salvio ou Rafa, partir para o contra-ataque.
Os homens de Dortmund, por seu lado, assumiam o controlo do jogo, tentando encontrar brechas na defensiva encarnada. As melhores ameaças de golo surgiam dos pés dos seus principais criativos que, mesmo com pouco espaço, conseguiam meter Aubameyang na cara do golo. No entanto, todas essas tentativas esbarraram num homem: Ederson Moraes.
Com Taffarel nas bancadas da Luz, o guardião encarnado deu um autêntico show de bola, defendendo todas as bolas que iam enquadradas à baliza. Destaca-se a defesa da grande penalidade, ao minuto 58’, que levou os adeptos encarnados a acreditar que seria mesmo possível sair com uma vitória.
Todavia, o momento alto da noite acontecera dez minutos antes. Num canto aparentemente inofensivo cobrado à direita do ataque encarnado surge, após um primeiro desvio de Luisão, Kostas Mitroglou para empurrar a bola para dentro da baliza de Roman Burki. As “águias” entravam a ganhar na segunda parte, e esperava-se um jogo ainda mais difícil até ao apito final.
O assédio germânico aumentou consideravelmente, mas o resultado manteve-se igual até ao fim, quer por mérito de Ederson Moraes, quer pela falta de qualidade na finalização por parte dos auri-negros. As “águias” saíam, assim, em vantagem na eliminatória e sonhavam com uma possível passagem aos quartos de final da prova milionária.
Porém, essa esperança foi sol de pouca dura, porque na semana seguinte os homens de Rui Vitória seriam goleados por 0-4 em Dortmund, terminando a última grande campanha europeia da década passada.


Onzes  Iniciais e Substituções:
SL Benfica Ederson Moraes; Nélson Semedo, Luisão, Lindelof e Eliseu; Salvio, Fejsa, Pizzi e Carrillo (Felipe Augusto, 46’); Rafa (Cervi, 67’) e Mitroglou (Jiménez, 75’).
BVB Dortmund Roman Burki; Piszczek, Bartra, Sokratis e Schmelzer; Durm, Weigl e Raphael Guerreiro (Castro, 82’); Dembélé, Reus (Pulisic, 82’) e Aubameyang (Schurrle, 62′)."

O desporto e George Magane

"“O primeiro herói que eu encontrei fora de um livro era um corredor ciclista”. É por estas palavras que René Catinaud (1907-1985), mais conhecido por Georges Magnane, introduz o seu romance “Les hommes forts”, publicado em 1942. Ele evoca o encontro com o desporto e a fascinação pelos corpos robustos que nos cruzamos nas práticas desportivas. Magnane estudou o desporto no contexto de três décadas: de 1930 a 1960.
Decide tomar o desporto como objeto de estudo, abordando-o sobre o ângulo da sociologia. Em 1960, ele obtém um lugar no CNRS (França) e trabalha junto de uma equipa de investigadores dedicados à temática “Sociologia do Lazer e dos Modelos Culturais”. O autor apoia-se em várias monografias realizadas pelos estudantes do Centro de Formação e de Estudos de Educação, da Escola Normal Superior de Educação Física, etc.
O seu estudo sobre as instituições desportivas beneficiou da preciosa ajuda dos seus colegas. O dispositivo de inquérito e de pesquisa levado a cabo por Magnane em torno do desporto é bastante estruturado. O seu ensaio “Sociologie du sport” (1964), surge dois anos depois das obras de Joffre Dumazedier, “Vers une civilisation du loisir”, e de Edgar Morin, com “L'Esprit du temps”, duas obras que se inquietam sobre a massificação dos lazeres e da estandardização da cultura ligadas às transformações da sociedade industrial e a extensão dos lazeres na vida quotidiana.
A sua obra é a primeira do género em França e constitui uma peça histórica interessante, que permite pensar o fenómeno desportivo. A sua obra foi traduzida em várias línguas, nomeadamente o português. A obra de Magnane abriu uma via para um conjunto de análises históricas, filosóficas e psicológicas, que Jacques Ulmann (em 1965), Michel Boeut (em 1968) e Bernard Jeu (em 1977) continuaram depois. A sua aproximação ao desporto, continua a ser considerada pertinente para alguns sociólogos contemporâneos. Mas não se pode reduzir Magnane a um simples observador crítico do fenómeno desporto. Ele viveu a “experiência desportiva” polivalente. Atleta, professor de inglês, romancista, tradutor, cinéfilo, maçom do Grande Oriente de France (iniciado na Loja “La Parfaite sincérité”, em 12 Abril de 1935, em Marselha), Magnane quis-se fazer de sociólogo. Um sociólogo original e em consonância com o seu tempo. Ele procurou compreender a sociedade e o sistema desportivo, através de um triplo olhar do homem de letras, do sociólogo e do desportivo. No seu pequeno livro Regards neuf sur les Jeux Olympique (1952), que não tem nada de sociológico numa primeira análise, coordenado por Joffre e Janine Dumazedier, ele propõe uma contribuição intitulada “L'esprit olympique”.
O desporto é suscetível de produzir os melhores e os piores efeitos, enquanto representação de um meio cultural. O autor está convencido do interesse social do desporto. Apesar da distância temporal do seu livro “Sociologie du sport”, cremos que, num trabalho sério sobre o desporto, não se poderá deixar de consultar a sua obra. O impacto da obra de Magnane pode-se apreciar, retrospectivamente, em função de indicadores precisos, objectivos, e, por outro lado, baseado em diversas fontes de informação.
Para concluirmos, Georges Magnane, que não se considerava como um autor de obras de sucesso, contribuiu para um novo “élan” da sociologia francesa, nos anos 1960, permitindo individualizar domínios concretos da sociedade contemporânea (sociologia do lazer, sociologia urbana, sociologia do trabalho, sociologia da delinquência juvenil, etc.). A leitura do seu livro, que parece mais empírico do que científico, conheceu um sucesso importante, em particular junto daqueles que se interessam (ou se interessaram) pelo estudo do fato desportivo."

Os melhores treinadores...

"O meu amigo, o jornalista brasileiro Maurício Noriega, ao evocar “os 11 maiores técnicos do futebol brasileiro”, em livro, com este mesmo nome, editado pela Contexto (São Paulo), em 2009, distinguiu o Oswaldo Brandão (“o velho mestre que era o paizão dos jogadores”); o Bella Guttman (“a silenciosa revolução húngara”) o Vicente Feola (“o primeiro executivo do futebol brasileiro”), o Lula, ou Luís Alonso Perez (“o injustiçado comandante do maior time do mundo”), o Zagallo (“o senhor copa do mundo”) o Rubens Minelli (“força aliada à técnica brasileira”) o Énio Andrade (“o cavalheiro que mudou o mapa do futebol brasileiro”) o Telê Santana (“símbolo do futebol bem jogado”) o Luxemburgo (“polémicas não tiram brilho do estrategista”) o Felipão (um técnico tamanho família) e Muricy Ramalho (“um título por temporada”). Segundo um outro amigo meu que não posso nomear, porque trabalha no futebol brasileiro, esta lista merece crédito mas, transcorridos onze anos, só poderia considerar-se completa com o Tite, o Fernando Martins (actual treinador do São Paulo) e o Jorge Jesus. E o livro passaria a chamar-se, hoje, “os 14 maiores técnicos do futebol brasileiro”. Trata-se de um livro que não vergasta alguns “varões assinalados” do futebol e, com grande elegância de ideias e de estilo, centra-se no treinador e nas suas qualidades técnicas e humanas. A propósito do nosso Jorge Jesus, fui feliz na antevisão do seu trabalho, na liderança do futebol do Flamengo: “Não sei quantas provas ganhará, mas será finalista de todas elas”. Sem o mais leve intuito de desconsiderar ninguém, não vejo treinador em Portugal que melhor se adapte ao futebol da pátria de Pelé e Garrincha e Neymar. Tecnicamente, se não laboro em erro crasso, o futebolista brasileiro é o melhor do mundo. Recordo, com saudade, a equipa de professores da FEF/Unicamp, a Faculdade onde trabalhei durante dois anos letivos: nela avultavam três jogadores (todos doutorandos, há 33 anos) de uma qualidade técnica que, julgo, lhes dava lugar numa equipa profissional. E, porque tecnicamente perfeito (ou quase), com tendência a um certo exibicionismo, o jogador brasileiro precisa de um treinador trabalhador, arguto, rigoroso e, simultaneamente, “paizão”. Como o Jorge Jesus!
Passo a citar uma notícia do jornal A Bola (2020/3/8): “Gabigol, avançado do Flamengo, não esconde que tem enorme admiração por Jorge Jesus: “É o meu paizão, amo-o do coração” revelou numa transmissão ao vivo no Instagram. “Brincamos bastante, é um cara divertido. Conversa muito comigo, táctica e tecnicamente. Vemo-lo ali no campo, gritando, cobrando, mas é um cara muito divertido. Amo-o do coração. Queria que vocês tivessem mais contacto com ele, para descobrirem a pessoa que ele é. Ele brinca com todos mas, quando tem de dar duro… ele dá”, acrescentou Gabigol que recorda um episódio com Jorge Jesus, num jogo do Flamengo, em basquetebol. “Eu e o Filipe Luís chagámos atrasados ao intervalo. Todo empolgado e feliz, sentei-me ao lado do Jorge Jesus e pedi um pacote de pipocas. Quando ele viu… “Você não vai comer isso”. E tirou-me as pipocas. Mas ele também não comeu”. Contou entre gargalhadas”. Aqui e ali, reticente aos conceitos de alguns colegas de profissão e de certos comentadores televisivos. Mas sente-se feliz, quando lhe digo: “O bom treinador de futebol tem de ser um especialista em humanidade”. E ele responde, sem demora: “’É isso o que eu pretendo ser”. O Maurício Noriega, no livro acima referido, escreveu: “Pródigo em produzir ídolos e vilões, no imaginário da paixão popular, o futebol brasileiro também é palco de grandes injustiças. Históricas injustiças. A maior delas talvez paire sobre a memória de Luís Alonso Perez, conhecido no meio do futebol como Lula. Coube a ele comandar o maior time de futebol de todos os tempos, o Santos Futebol Clube dos anos 50 e 60. Contra o legado de Lula pesam afirmações maldosas, como “aquele time jogava sozinho” (…). “Treinar uma equipe com aqueles craques até eu” (…). Com Pelé, Pagão, Coutinho, Pepe, não precisava de técnico”. Mas como desprezar ou esquecer um treinador que, entre 1954 e 1966 comandou uma autêntica máquina de jogar futebol, colecionando 38 títulos e momentos que entraram para a história do esporte mais popular do mundo?”(p. 79)
Um misto de fascínio e despeito rodeia sempre os triunfadores, os campeões. O Lula tinha o curso de treinador de futebol, mas nunca fora, como jogador, profissional desta modalidade desportiva. Nada possuindo, nem sequer um clube que o aceitasse como treinador, começou a ganhar o seu primeiro vencimento, como motorista de táxi. Mas não deixava de acompanhar o Santos, desde os juvenis e juniores até à equipa principal. Tornou-se conhecido entre os directores do Santos com quem, por vezes, dialogava e dava mesmo as suas opiniões de pessoa competente, para além de mostrar-se um adepto fiel do clube de Pelé. Mas a sua argúcia em dilucidar situações, num jogo de futebol, levou a directoria “santista” ao convite tão anseado pelo Lula: treinar a “garotada” do Santos, onde brilhou como um verdadeiro líder e pessoa de encantadora cordialidade. Não havia, nele, a ânsia fácil de obter popularidade: tudo fazia com superior compustura, embora a língua portuguesa não fosse o seu ponto mais forte. Destas suas equipas de jovens, que venceram todos os torneios que disputaram, levando ao rubro os “torcedores”, distinguiram-se dois jogadores: o Pepe, um ponta-esquerda de chuto violento, bicampeão mundial com o Santos e a selecção brasileira e o Del Vechio, um “centroavante”, muito rápido e habilidoso – dois jogadores que ele fez subir à equipa principal, logo que o convite chegou, não sabendo exprimir o peso da gratidão ao vice-presidente Aristóteles Ferreira, a pessoa que mais lutou pela sua contratação. De facto, tendo em conta o que ele conseguira, com as equipas mais jovens, em 1954 assumiu, com os olhos marejados de emoção, as funções de treinador principal do Santos Futebol Clube. E foi o que se sabe: durante 12 anos, venceu 4 torneios Rio-S. Paulo, 8 campeonatos paulistas, 5 campeonatos do Brasil, 2 Taças dos Libertadores, 2 Taças Intercontinentais. Em 1968, treinou o Corinthians, o qual, em jogo que ficou célebre, ganhou ao Santos por 2-0, vitória que o Corinthians já não saboreava, há 14 anos. Após este jogo, que se disputou no Pacaembú (hoje, “hospital de campanha”, para receber os doentes infetados com o novo coronavírus) os corinthianos cantavam, de alma em festa: “com Pelé, com Edu, nós quebrámos o tabu”. E o Lula entrou, também com letras grandes, para a história do Corinthians…
Para minorar a saudade (porque o Santos era o Clube do seu coração) vivendo embora em São Paulo, gozava sempre, em Santos. as suas férias, com a família. Onde aliás encontrava a rijeza prestante da amizade de velhos torcedores santistas que o não esqueciam nunca. Era também um preito de justiça ao maior treinador da história do Santos e, segundo o judicioso comentário de gente culta, o maior treinador, de todos os tempos, do futebol brasileiro. Lula não foi indigitado, para treinador do Santos, pelo seu currículo académico mas porque sabia aduzir argumentos convincentes às dúvidas dos directores deste Clube e foi um treinador dos mais jovens de reconhecido prestígio. Um caso similar ao que se passou com o Carlos Queirós, em Portugal, o qual, depois de festejado treinador dos juniores, “subiu” a treinador de seniores. Mas o seu nome foi bem acolhido pelos jogadores, sobre o mais, pelo seu “futebolês” (linguagem típica do jogador e treinador de futebol), pelo seu optimismo, pela sua vida álacre e estuante e pela sua inteligência. O Zito, capitão do Santos e da selecção nacional brasileira (campeã e bicampeã mundial) não escondia uma admiração incontida: “O que eu mais admirava nele era a sua alegria e a sua inteligência. Ele chegava ao balneário e todos ficávamos contentes. Quando ele entrava , era como se nascesse o sol. Depois, tudo o que nos dizia tinha lógica, convencia-nos. Como treinador, era um craque e que se fez por si”. Ocorre-me agora a Hannah Arendt que, não sabendo o que é a “natureza humana”, procura os fundamentos da “condição humana”, na linguagem e na acção. No seu “O Princípio Responsabilidade”, Hans Jonas escreveu um imperativo categórico: “Age de tal modo que os efeitos da tua acção sejam compatíveis com a permanência de uma vida autenticamente humana, na terra”. Para mim, magistral contribuição à prática desportiva. Porque, quanto mais humano for o desporto, melhor será o treino e a competição. E mais felizes serão as pessoas que o praticam.

PS.: Cristo ressuscitou! Aleluia! O homem (e a mulher) é um ser a caminho da eternidade, “onde a morte não existirá mais, nem mais luto, nem prantos, nem fadiga, porque tudo isso já passou” (Ap. 21,4). Uma eternidade melhor do que todas as utopias: a República de Platão, a Cidade do Sol de Campanella, a Cidade da Eterna Paz de Kant, o Estado Absoluto de Hegel, a Sociedade sem Classes de Marx, ou o mundo da total amorização de Teilhard de Chardin – melhor do que todas as utopias, porque o próprio Jesus ressuscitado a prometeu. Para todos os que fazem o favor de ler os meus modestos escritos, Santa e Feliz Páscoa. Não esquecendo a pandemia que nos assaltou e que, com Cristo Ressuscitado, venceremos!"