domingo, 5 de abril de 2020
A comichão de (...): os jogadores do Benfica ganham pornograficamente e andam no FIFA20 e no Insta
"Só ontem percebi a verdadeira magnitude do problema enfrentado pela indústria do futebol. Esqueçam o adiamento do Euro ou a suspensão da Champions League por tempo indeterminado. Descobri eu que Diego Armando Maradona, treinador do Gimnasia de la Plata, propôs a redução do seu salário para ajudar o clube.
Quando um dos melhores futebolistas de todos os tempos, e talvez o mais carismático, propõe reduzir o seu salário, eu percebo que a coisa tá preta, mas não como na canção do Chico Buarque, em que apesar de tudo a pobreza estrutural do brasileiro vai sendo atenuada com os prazeres opiáceos, um dos quais o futebol.
Não havendo futebol, sobra a cachaça, como diz a canção, um ou outro estupefaciante, e pouco mais. Sinceramente, espero que o dealer do Maradona seja sensível a esta nova realidade. É que estamos a falar de alguém que não devia sequer ser obrigado a lidar com um conceito tão absurdo como o dinheiro para viver a vida na sua máxima plenitude.
Maradona não foi o primeiro a anunciar uma revisão salarial em baixa. Antes dele tinha sido a equipa do Barcelona, que prometeu financiar os salários de outros colaboradores do clube. O plantel do Bayern de Munique seguira caminho idêntico. Instituições centenárias e altamente respeitáveis, cientes do vazio legal e moral, fizeram o que lhes competia e reverteram parte das somas pornográficas que lhes são pagas em favor da viabilidade financeira da organização que representam e dos seus demais colaboradores.
Achei bonito. Ficou bem a todos e ajuda muitos mais.
As respostas não se ficam nem devem ficar por aí. Agrada-me muitíssimo que o meu clube faça o que pode num momento como este para ajudar quem mais precisa. Tenho visto as doações, as palavras de apoio, os apelos para que fiquemos em casa, e os jogadores a distribuírem refeições. Sinto que tudo isso é absolutamente digno daquele que deve ser o papel social de uma instituição com a grandeza do Sport Lisboa e Benfica.
Só há um problema: acho que ainda não chega. E também sei que não depende exclusivamente de quem manda no clube. Mas estamos nisto há quase um mês e começo a ficar com comichão. Passo a explicar.
Eu não sou especialista em gestão nem coisa que o valha, mas apetece perguntar, do alto do meu pensamento crítico forjado algures entre o romantismo do adepto, um rudimentar saber contabilístico e uma concepção de moral relativamente sólida: por que raio é que os maiores clubes em Portugal, incluindo o Benfica, ainda não anunciaram reduções salariais?
Especialmente aqui, onde boa parte das agremiações da primeira liga vive acima das suas possibilidades?
Ainda que a piscina olímpica do clube esteja hoje cheia de notas de 50 euros, ninguém quererá que essa segurança financeira seja hipotecada. Hoje, a tal fortuna que o clube possui em caixa deve ser o seu “war chest”.
Ora, é possível que a minha opinião seguinte esteja ferida de algum populismo. Pode ser da quarentena. Talvez seja só uma saudade do futebol a dar de de si, ou talvez seja uma perplexidade minha perante a demora em reagir publicamente ao tema salarial.
Lamento o eventual abuso interpretativo acerca do contrato de trabalho celebrado com estes rapazes, mas eles não estão efectivamente a trabalhar. Não me podem pedir que considere normal que uma parte destes jogadores, remunerada pornograficamente no contexto da realidade portuguesa, esteja há 3 semanas fechados em casa a jogar FIFA20 ou a fazer stories no Instagram, e ainda assim justifique receber o mesmo salário.
Certo, a culpa não é dos jogadores. Mas, se não for por uma questão legal, que seja por uma questão moral. Isto não é exclusivamente sobre o Benfica, mas diz-lhe obviamente respeito.
Não tenho grandes razões para duvidar dos méritos da gestão financeira do clube. Talvez o clube consiga sobreviver a esta catástrofe sem rever as condições dos seus activos. Não sei é se queremos ter essa medalha na lapela.
Seria importante que isto deixasse poucas sequelas, e para isso será também fundamental que os jogadores saiam moralmente incólumes desta situação.
Muitos como eu não se esquecerão daquela que será a sua posição face a este tema. Gostava que o Benfica e os seus atletas de futebol profissional voltassem a ser exemplares. Enquanto não soubermos qual é a sua posição, permanece alguma inquietação.
Por outro lado, este tema dispensa visões umbiguistas. O que defendermos não deverá ser só sobre o nosso clube, mas sim sobre o que acontecerá às ligas num futuro muito próximo. Talvez agora, que parece ser uma questão de sobrevivência, os clubes se unam em prol do bem comum.
A resolução deste problema permitirá ao futebol português conservar alguma dignidade depois da pandemia. Sabendo-se das somas pornográficas - para a realidade portuguesa - que são auferidas por alguns futebolistas profissionais, dos desequilíbrios financeiros entre clubes muitas vezes próximos no topo da classificação, sabendo-se da quebra dramática nas receitas dos clubes agora e nos meses que se avizinham, e sabendo-se das dificuldades que, segundo o presidente do Sindicato de Jogadores, já são sentidas por alguns atletas, fica a dúvida sobre se alguém nos bastidores estará activamente a tentar criar alguma espécie de instrumento que permita apoiar clubes e atletas em dificuldades, desde que garantida elegibilidade comparável à de outras empresas, ou se existirá um impasse à espera de dias menos pandémicos.
Pela minha parte, digo-vos que preferia que as minhas quotas pagassem os salários de um funcionário do meu clube ou, por exemplo, de um fundo solidário comparticipado por sócios de todos os clubes que estejam em condições de o fazer. Pode parecer improvável, estapafúrdio, ou excesso de solidariedade, mas não duvidem: o futebol português vai precisar de uma valente operação coração."
Jogos à porta fechada são a negação do próprio futebol
"Parafraseando o refrão de uma velha e deliciosa cantiga de Sérgio Godinho, há vários motivos para lermos o mais recente gesto do "comandante" Lionel Messi no Barcelona como o primeiro dia do resto da vida do futebol.
A pandemia chegou ao mundo desportivo e levou as "estrelas" masculinas do clube catalão a reduzir 70 por cento nos seus ordenados e a destinar uma verba à manutenção dos postos de trabalho dos funcionários, desde sempre parentes pobres do negócio. O desenlace não foi pacifico: os atletas detestaram ter sido apresentados, de dentro para fora, como maus da fita, quando até teria partido deles a iniciativa de baixar vencimentos.
Também aqui, o resultado é que conta: a liderança da revolução salarial no Barça foi contágio global e valeu a Messi uma capa icónica no "L´Equipe", com boina à "Che", ampliada pelo facto de tanto ele como Ernesto Guevara serem argentinos e ambos naturais de Rosário.
Enquanto adeptos fanáticos são remetidos ao casulo e se entretêm a ver clássicos requentados nos canais, por agora, de livre acesso, o mundo do futebol pula e avança. Como sempre, à margem dos poderes instituídos. Por estes dias, os ilustres senhores da FIFA, da UEFA e das ligas milionárias continuaram, matreiros, a tentar encontrar estratagemas para pôr, de novo, o carrossel a andar. Sugerem treinos a dois e jogos à porta fechada, sem se lembrarem de que essa é a negação do próprio futebol. Onde não há povo e uma réstia de comunidade, sobra apenas uma simulação da realidade.
Tudo seria compreensível - até os operadores televisivos mereceriam compaixão - se hospitais, cercos e morgues não tomassem conta das nossas cidades, dos nossos olhares e das nossas vidas. Essa é a recordação que ficará para sempre. A de um título de campeão desvanecer-se-á. E vale zero nestas circunstâncias.
Carlos Tévez, ídolo do Boca Juniors, veio há dias meter-se entre comodismos e oportunismos: "Um futebolista pode viver seis meses ou um ano sem receber salário", afirmou. "Nós não somos como todas aquelas pessoas que têm de sair de casa às seis da manhã e que regressam às sete da noite para alimentar a família que tem fome". Tévez apelou ao envolvimento de jogadores e clubes na ajuda a "gente desesperada que não se pode mexer ou deixar a casa". Menos vídeos e mais acções, reclamou, como se nunca tivesse saído de Forte Apache, o bairro onde sobreviveu a fintar sentenças de morte diárias.
Vou esperar sentado até que dirigentes das multinacionais do futebol sejam tão eloquentes, mesmo falando com os pés, como Tévez o foi usando as palavras.
Mas se alguém quiser apenas olhar para o umbigo do futebol, bem podia seguir os conselhos de sua excelência Diego Maradona. Que pediu "Deus" ao mundo? Isto: repliquem o exemplo dos grandes clubes alemães, que destinaram vinte milhões aos pequenos emblemas em dificuldades, e protejam o futuro dos miúdos dos escalões inferiores através de um fundo suportado por jogadores e treinadores que passaram a vida a ganhar toneladas de dinheiro.
Parece simples, mas não é.
O futebol que sairá desta devastação humana está, porém, obrigado a ser mais solidário, a fazer pontes e a olhar para o negócio sem perder o sentido de casa comum. Os clubes terão de fazer mais trocas entre si, apostar nos talentos entre portas e adaptar-se a uma realidade sustentável. Há uma tecla nos computadores chamada "reset". O futebol deveria usá-la antes que um vírus se instale de vez, afecte o seu disco duro e impeça a recomposição de parte do que nos fez amá-lo enquanto memória, imaginário e devoção. De prolongadas tragédias nascem revoluções. E estas podem começar mesmo quando estamos isolados."
Jogos Olímpicos do Rio 2016. Os últimos 100m olímpicos de Bolt. E os meus primeiros
"Os Jogos do Rio foram os Jogos do adeus de Usain Bolt. No dia 14 de Agosto de 2016 aconteceu muita coisa no Estádio Olímpico, umas mais surpreendentes que outras, mas a mais histórica delas foi a terceira medalha de ouro olímpica nos 100m para o jamaicano. Nove segundos e oitenta e um centésimos para um dos maiores feitos individuais da história do desporto.
As zonas mistas dos grandes estádios são, essencialmente, zonas de espera. Salas fechadas, com um labirinto de grades que os atletas serpenteiam após as suas provas, uns com mais vontade de falar que outros, e onde um jornalista precisa de ter olho para para se colocar no canto estratégico, aquele em que o atleta desejado terá mais hipóteses de parar, sabe-se lá quando, porque eles nunca têm horas para aparecer.
As zonas mistas também são locais de frustração para quem se divide entre o dever de informar e o genuíno gosto por desporto. E nuns Jogos Olímpicos isso ainda é mais, digamos, complicado de gerir. Porque num qualquer jogo de futebol, o árbitro apita, o jogo acaba e só então a zona mista se enche. Num Estádio Olímpico, naquela segunda semana dos Jogos, há sempre algo a acontecer, durante horas e horas, no tartan ou no relvado. E os jornalistas ali estão, tantas vezes a meio metro da acção e sem a poder ver ao vivo.
Recuo então até ao dia 14 de Agosto de 2016. Estádio Olímpico Nilton Santos, vulgo Engenhão, Rio de Janeiro. É o dia da final do triplo salto feminino e Portugal, fantástico, tem lá duas atletas: Patrícia Mamona e Susana Costa. Sou jornalista de um diário português por isso o meu foco tem de estar ali, naquela prova. Ainda vejo a primeira série de saltos lá no topo da tribuna de imprensa, Susana Costa fica em 11.º e por isso não passa à ronda final de saltos. Patrícia Mamona sim. E está bem. Não sabemos se dá para medalha, mas está bem, muito bem.
Mas é preciso apanhar Susana Costa na zona mista. E por isso desço os seis andares de escadas que vão lá de cima até ao rés-do-chão pela enésima vez, o mesmo movimento pendular. E espero.
E continuo a esperar. É esse o meu dever, apesar do meu Eu amante de desporto querer muito estar na bancada.
Por esta altura não há muito mais a fazer senão encostar-me às grades e olhar de soslaio para os vários ecrãs que pululam pela sala. Ao 5.º salto, ui, recorde nacional para Mamona. Boa, boa. Nas minhas costas, um magote de jornalistas, colados a outro televisor, leva as mão à cabeça. Há sons de surpresa e não é por causa do recorde nacional de Mamona.
Houve um recorde do Mundo.
E não foi um recorde do Mundo qualquer. Um recorde que teimosamente se aguentava há 17 anos, desde 1999, feito de Michael Johnson e das suas sapatilhas douradas. Caiu ali, no Rio, sem que ninguém estivesse à espera, menos ainda porque Wayde van Niekerk corria na pista 8, a mais exterior de todas, normalmente reservada aos que apenas aos últimos lugares da final podem aspirar.
O meu Eu amante de desporto, o meu Eu que tantas noites passou em branco nos Jogos de Sydney ou de Pequim, porque os nossos fusos horários não eram compatíveis, esse meu Eu e não o Eu jornalista pensou então:
Acabei de perder um recorde do Mundo, que aconteceu aqui ao lado.
Voltou o meu Eu jornalista. Como está a Patrícia Mamona? Ah, ok, último salto. Não deu para mais. O recorde de Portugal de 14,65m chegou apenas para o 6.º lugar. Apenas não, chegou para um grande 6.º lugar numa final olímpica de nível altíssimo. Agora, há que esperar por ela ali na zona mista apinhada.
E esperei.
A noite já ia longa, a jornada ia correndo a passos largos para o fim, para a apoteose que é a final dos 100 m masculinos, a mais esperada de todas as provas a cada Jogos Olímpicos. Veio de novo o dilema: não posso falhar o meu compromisso com o dever, mas é Bolt, é a sua última final olímpica dos 100m, não dá para falhar.
Como boa diplomata, encetei então conversações com um responsável da missão olímpica portuguesa no Rio. Aconteceu mais ou menos este diálogo:
- Olha, achas que a Patrícia Mamona ainda demora?
- Eh pá, não sei
- É que eu queria muito ver a final dos 100m
- Eh Pá, Eu Também
A hora da final aproximava-se e vi-o muito agarrado ao telemóvel, talvez a falar com alguém nesse momento mais próximo de Mamona. Enquanto isso, eu fazia contas e grandes operações matemáticas na minha cabeça. Em quanto tempo conseguiria eu subir aqueles seis andares de escadas, ver uma final que teria seguramente menos de 10 segundos, descer os seis andares de escadas, entrar na zona mista e ainda apanhar Patrícia Mamona? Eu já tinha perdido um recorde do Mundo naquela noite, não podia perder Bolt.
Mas o dever, caraças, o dever.
Foi já com o speaker do estádio a anunciar a final dos 100m e com o meu cérebro em pleno desatino ético que senti um toque no ombro.
- Bora!
Era o tal membro da comitiva portuguesa. Desatámos a correr. Naquela altura já não teríamos tempo nem pulmões para subir os seis andares de escadas por isso, a meio da fuga, entrámos na primeira porta que vimos aberta. Tenho a certeza absoluta que a minha credencial não me permitia estar ali, mas aquele momento era muito mais importante do que qualquer regra. Vi o relvado, a pista e empoleirei-me o mais que pude. O sítio não era o melhor, havia dezenas e dezenas de câmaras de televisão dos mais variados pontos do planeta ali plantadas, mas com um pouco de ginástica conseguia ter a panorâmica daqueles 100 metros que iam dos atletas até à meta.
Segundos depois ouviu-se o tiro de partida. Usain Bolt, como sempre, partiu mal. Soltei um impropério em direção ao meu companheiro de fuga.
F***-**, tanta coisa e ele vai perder.
Não perdeu, claro. A partir de meio da corrida lá lançou ele a sua passada indomável. O final já o vi eu com o pescoço todo esticado, mas tinha sido o primeiro, sem dúvidas, nove segundos e oitenta e um centésimos, arrisquei eu a minha saúde e a minha credencial por nove segundos e oitenta e um centésimos de tempo, mas valeu tudo a pena, eu estava ali e vi com estes olhinhos que a terra há-de comer Usain Bolt a tornar-se campeão olímpico dos 100m pela terceira e última vez. Festejei, deixei-me ficar um bocadinho quieta a ouvir aquela parede de som que vinha das bancadas a acertar-me em cheio na cara. E depois, a realidade.
Porque faltava ainda saber se não tinha arriscado também o meu dever de jornalista. E para isso, tinha de correr novamente. Desci aquelas escadas outra vez, não sei quantos andares, três, talvez? E a que velocidade? Sei lá. Não foram 100m em 9.81s, mas foi assim que os senti. Quando entro na zona mista, a pergunta lapidar: "Ela já passou?".
Não, ela ainda não tinha passado.
Final dos 100 metros masculinos dos Jogos Olímpicos do Rio 2016
1.º Usain Bolt (JAM), 9.81
2.º Justin Gatlin (EUA), 9.89
3.º Andre de Grasse (CAN), 9.91
4.º Yohan Blake (JAM), 9.93
5.º Akani Simbine (A.SUL), 9.94
6.º Ben Youssef Meite (CIV), 9.96
7.º Jimmy Vicaut (FRA), 10.04
8.º Trayvon Bromell (EUA), 10.06"
Carta aberta à nossa primeira grande paixão: o Futebol
"Querido futebol,
Nesta altura complicada graças ao vírus Covid-19, temos de nos agarrar às nossas melhores recordações e tu deste-me algumas das mais felizes; a mim e aos milhões de adeptos que tanto gostam de ti. Sabes porquê que significas tanto para nós? Porque onze meses por ano, durante 90 minutos semanais fazes com que sejamos maiores que nós.
No meu caso, a nossa ligação é fácil de compreender: aprendi a andar para poder correr atrás de uma bola, e desde aí, nunca mais me separei do futebol. Para os restantes milhões de adeptos, a história não é diferente, pois também tiveram em ti, a primeira grande paixão.
Quando nasceste, em meados do século XIX, na Inglaterra (deves ser quase da idade da Rainha) eras só mais um desporto para entreter as elites enfadadas, mas rapidamente a tua alegria se estendeu a todos. Num ápice, o futebol virou a motivação de operários, que suportavam semanas de trabalho árduo para poderem jogar o melhor desporto já inventado, e tornaste-te no orgulho das aldeias desses trabalhadores, que finalmente, tiveram algo que lhes provasse não serem inferiores aos manda-chuvas, uma luz ao fundo do túnel.
Com o passar do tempo, foste crescendo e viajando para todos os continentes, onde conquistaste o coração de milhões de pessoas que, finalmente ganharam algo em que acreditar graças ao futebol. Isso tudo em 200 anos. Hoje em dia e ao contrário do que se diz por aí, és muito mais que 22 pessoas a correr atrás de uma bola e muito mais que um negócio.
Queres ver? Em primeiro lugar, és a motivação de imensas pessoas solitárias, com um trabalho difícil e uma vida monótona, que passam a semana em contagem decrescente para o dia em que o seu clube joga. És também tradição, que os pais gostam de ensinar aos filhos: o amor ao clube, o hino, a cor e os jogadores. És um factor de união, capaz de juntar pessoas que nunca se viram para apoiarem juntas o seu clube ou a selecção.
Quantos apertos de mão e abraços a desconhecidos eu já dei (na pré-pandemia, claro), quando o SL Benfica marca golo, quando o Gil Vicente FC ganha um jogo, ou quando a selecção foi campeã. És solidariedade, quando chamas a atenção para problemas da sociedade, como o racismo, a xenofobia ou a pobreza. És família, porque dás um sentimento de pertença a quem não tem ninguém.
Quando vamos ao estádio, importa pouco quem somos e o que fazemos, só interessa que o nosso apoio empurre 11 guerreiros para a vitória. És obras de arte, como aquela bicicleta do Ronaldo que atropelou uma velha senhora, ou aquele tomahawk do Alex Telles que bateu a resistência do Portimonense SC, ou aquele drible do Trincão, ou aquela arrancada do Nuno Santos, ou aquele cruzamento do Fernando Fonseca, ou aquele corte do Mathieu, ou aquele passe do Gabriel, ou aquela defesa do Cláudio Ramos. És o orgulho de tanta gente que tem pouco mais para sorrir do que ver a sua equipa jogar.
Tens a capacidade extraordinária de nos fazer sentir vivos e de acelerar o nosso ritmo cardíaco, mesmo não estando no relvado a jogar. Quantas vezes já me deste uma alegria desmesurada, como o golo do Júnior Caiçara aos 90 minutos, na meia-final da taça da liga de 2011-2012, ou aquele golo do Éder na final do Euro 2016, ou a Reconquista do SL Benfica no ano passado. E quantas vezes me despedaçaste o coração, quando vi a lenda do Jonas despedir-se dos relvados ou a lenda do Eusébio despedir-se do mundo.
Fazes-nos ser maiores que nós porque os nossos cânticos, as nossas palmas e o nosso apoio incondicional, marcam golos, fazem cortes em cima da linha, vencem jogos e ganham campeonatos. É por isso que ao fim-de-semana, largo tudo para ver os meus a jogar.
Tenho saudades desses 90 minutos, em que ganho uma nova família e fico sem compromissos, problemas e dores de cabeça, de gritar pelo meu clube até ficar sem voz, de desesperar com mais um penalti falhado do Pizzi, de festejar um golo do Sandro Lima, de me arrepiar com o hino da Champions ou com o apoio dos nossos adeptos. Sinto falta do mundo normal, em que ao fim-de-semana, largámos tudo para ver os nossos jogar. Quando voltares, estaremos lá, como sempre. Até lá, vou ficar com saudade, uma palavra tão portuguesa e que tão bem descreve os nossos pensamentos de hoje em dia.
Obrigada por todas as alegrias e tristezas, que nos fazem tanta falta e que nos fazem crescer enquanto seres humanos. Obrigada, sobretudo, por existires. Volta rápido.
Com imensa saudade, de uma adepta que está em contagem decrescente para largar tudo, para poder voltar para ti."