terça-feira, 31 de março de 2020

E depois?

"Esta chamada indústria também se pôs muito a jeito, ignorando sempre as crises cíclicas para as quais se achava imunizada

1. Não há 'bola', o que é bem diferente de não haver A Bola. Esta continua a acompanhar-me, diariamente, desde Fevereiro de 1995 e, antes, durante muitos anos, três ou quatro vezes por semana. Nesta rarefacção de inexistência de 'bola', bem compreendo a direcção e os jornalistas e os aplaudo pelo modo como têm sabido enfrentar esta inédita situação. Eu próprio, neste cantinho semanal que me é proporcionado, passei a deparar com a síndrome da angústia do tema ou temas a tratar. Todavia, também vejo estes tempos de bola adormecida - nem sempre bela adormecida - como uma oportunidade para reflectir sobre assuntos que, antes, eram sugados pela maior predominância actualista dos jogos e dos golos. Estamos, pois, numa espécie de defeso impositivo, diferente do defeso de Verão, onde sempre há (havia) o incomparável Tour de França que, este ano, até teria sido acompanhado pelos Jogos Olímpicos de Tóquio.
Pressinto que vamos assistir, no próximo futuro, a uma revolução no futebol mundial e, por tabela, no futebol nacional, em razão de um vírus pandémico e de uma economia global ferida em alguns dos seus fundamentos e alicerces. E se, no momento em que escrevo, há uma indisfarçável dificuldade em ver com clareza o fim do roteiro sanitário de combate ao vírus, o que se passa na economia e no plano social é de todo incalculável e jamais previsto nesta magnitude e nesta escala planetária.
Sendo assim, também todos os parâmetros nos quais se tem baseado a actividade futebolística estão a sofrer um abalo tsunâmico, de que ainda estamos longe de alcançar todas as consequências. A única certeza que podemos prever é que nada ficará como dantes. O que vai, quando vai e como vai acontecer não se pode garantir.
Em boa verdade, esta chamada indústria também se pôs muito a jeito, ignorando sempre as crises cíclicas para as quais se achava imunizada, não cuidando de encurtar diferenças profundas entre clubes num mesmo país e entre clubes em competições internacionais, promovendo um ambiente de um futebol sinónimo de riqueza, de ricos e de ricaços, ignorando que a larga maioria dos seus players estiveram sempre na margem da subsistência, consentindo que os custos de intermediação fossem uma forma de saque e do domínio consentido sobre a rentabilidade futura dos clubes, deixando-se enlevar por uma espiral de custos salariais suportados por uma bolha de publicidade enganosa, promovendo o excesso do número de jogos e competições inventadas, e fechando os olhos a formas ínvias de negócios designadamente em modo off shore.

2. O futebol oscila entre tudo inflacionado e tudo mendigado. Entre a exportação selectiva do produto e a sua importação aos magotes. Entre protegidos e protectores, e esquecidos e tutelados. Onde aparentemente tudo é igual, mas sempre se cuida de haver algo que é mais igual que o resto. Onde o fascínio da árvore das patacas frondosa e imponente anula ou dificulta a visão da floresta de todos as árvores grandes e pequenas.
Na grande maioria dos clubes, o equilíbrio só se vinha alcançado por via de receitas extraordinárias (designadamente transferências), pelo inchamento das receitas resultantes de direitos televisivos mal distribuídos e de outros proveitos de natureza comercial ou publicitária, pelo endividamento que mais não é que a fuga para a frente que outros terá de pagar, ou, em certos casos, pela alteração da estrutura societária, pelo comprometimento do futuro em razão do presente, pouco se cuidou da parcimónia e sustentabilidade da despesa. Assim se inverteu a lógica racional de um (qualquer) negócio: em vez de uma melhor e mais racional despesa presente e futura para não se estar tão dependente de receita contingente, preferiu-se desta para continuar a alimentar custos que não deixaram de subir. Por outros palavras: em vez de gastar em função do rigor da certeza, optou-se por partir da incerteza para 'falsificar' a despesa.
Muitas perguntas se põem neste tempo tão imprevisível. Como irão evoluir as receitas televisivas, por sua vez, financiadas por publicidade e marketing, por sua vez, sujeitas drasticamente a uma redução da produção de bens e serviços? O que vai acontecer ao 'mercado do futebol' com valores de transferências e montantes das cláusulas de rescisão, que agora se vê tão claramente como desajustados e provindos de um mundo à parte? Este ponto é de grande importância para os clubes portugueses que têm feito de alienação de 'activos' a principal fonte de um instável equilíbrio, sabendo-se agora que, além do efeito temporário da recessão económica, estarão feridas estruturalmente as possibilidades de negócios como o de João Félix ou até Bruno Fernandes, recordes dos seus clubes que jamais serão batidos. Como vai ser reduzida a lógica de intermediação que atingiu percentagens elevadas a montantes injustificados? Como vai a ainda rica UEFA conciliar a gulosa Champions de uns muito poucos com um novo paradigma mais racional e justo? Como vão as federações e ligas compatibilizar todos estes riscos em novos formatos que asseguram uma mais justa competitividade entre equipas? Como vão os clubes encontrar receitas alternativas para compensar as que vão desaparecer a previsível diminuição, ainda que temporária, de receitas de bilhética e de lugares de época nos estádios)? O que vai acontecer a clubes assediados por capitalismo endinheirados de ocasião, que prometem o paraíso? E há muitas outras perguntas, ainda sem resposta...

3. Volto à possibilidade ou não de se poderem finalizar as competições nacionais. É quase um dado adquirido que não haverá recomeço desta época. Mas, tenho lido que, pelo menos, se coloca a hipótese de a concluir com os estádios vazios. Já nesta coluna falei com isso é a negação do desporto. E não deixa de ser irónico que 'jogo à porta fechada', que era até agora considerado uma punição disciplinar, se pudesse transformar para 80 jogos (os que falta fazer na Liga) numa solução. A ironia do paradoxo...
No imediato prazo, há um ponto que se coloca. É o relativo aos salários de todos os que trabalham nas sociedades desportivas (e não apenas dos jogadores e técnicos). Com duas abordagens evidentemente distintas. Começando pela dos clubes cuja médica salarial é baixa (a maioria), e que poderão entrar rapidamente em incumprimento, importa salvaguardar na aprovada legislação sobre lay-off a sua elegibilidade nos termos gerais, ou seja a de uma redução de 1/3 do salário durante a forçada inactividade e de financiamento de 70% dos outros 2/3 pela Segurança Social (até ao limite de 3 vezes o salário mínimo). Quanto aos (poucos) clubes com salários elevados ou muito elevados, agora sem jogos, sem actividade, com quebra de receitas, parece óbvio que se deve aplicar a mesma legislação (à data em que escrevo, ainda não são conhecidos os decretos), obviamente com um encargo bastante mais elevado das SAD, por que o limite atrás citado pouco compensa a média salarial dos jogadores. Assim haveria a redução temporária salatial de 1/3, nos meses de obrigatória inactividade. Não vale a pena inventar ou tentar encontrar outros caminhos quando a lei geral aí está. Nunca se poderá justificar que a inactividade implique a redução de 1/3 nos trabalhadores em geral e que, mais uma vez, os futebolistas dela estivessem isentos. Além de que há futebolistas que ganham mais num mês do que muita gente em grande parte da sua carreira.

Contraluz
- Exemplar: Os quatro mais poderosos e abastados clubes da Bundesliga (Bayern, Borussia Dortmund, Leipzig e Leverkusen) vão ajudar outros clubes da mesma competição. Não que seja por lá inédito, pois, há anos, até o grande clube de Munique ajudou o seu principal rival de Dortmund a sair de uma falência anunciada. Alguém imagina isto noutros ligas?
- Comparação: O Papa Francisco, no meio da Praça de São Pedro completamente vazia, a falar ao mundo, numa tão expressiva e comovente alegoria espiritual sobre os tempos que ora vivemos. Estádios desportivos onde se jogou (e pode vir a jogar) sem pessoas, numa outra alegoria que significa e desvirtuação do espírito do desporto.
- Aniversários: Dois grandes benfiquistas fizeram anos da passada semana de quarentena (o que me vai também acontecer). Refiro-me a Artur Santos, um meu ídolo dos anos 50 e início de 60, um senhor exemplar, com quem, há semanas, tive a oportunidade de estar numa visita guiada ao Benfica Campus com a minha neta Joana. E, 41 anos mais novo, Rui Costa, um jogador que fazia do futebol um poema sobre a relva através da sua bola-caneta e que continua, felizmente, sempre ligado ao seu clube de coração. A ambos, aqui do Alto Alentejo, os meus parabéns."

Bagão Félix, in A Bola

Mensagem do canoísta Olímpico, Fernando Pimenta

"Acções para o bem comum!
As nossas rotinas são, por estes dias, diferentes. Como poderiam continuar iguais? Há notícias pouco animadoras, mas é muito importante que sejamos o mais positivos possível a carregar boa energia para quem nos rodeia. De certa forma, é como quando preparamos uma grande prova desportiva: se confiamos em nós, só podemos visualizar superação e vitória. Nas redes sociais chegamos a um grande número de seguidores e, também por esta via, devemos passar boas sensações e confiança de que conseguiremos estar juntos de novo, sem temer este vírus que anda na boca do mundo.
Mantenho os hábitos de treino que são possíveis. A expansão da COVID-19 exigiu que nos reprogramássemos, não podemos trabalhar em grupo nem em locais fechados. Uma das coisas que um atleta de alta competição tem de desenvolver é a capacidade de se adaptar a novas realidades. Foco-me numa rotina próxima daquela que tinha antes, para alcançar rapidamente a forma física necessária e o corpo e a mente não se "sentirem" quando regressarmos à tranquilidade de antes. 
Ainda é complicado falar sobre esta estranha conjuntura. É bom verificar que a maioria dos portugueses acatam as regras e esforçam-se por cumprir aquilo que o país lhes está a pedir. Por outro lado, entristece-me ver que haverá ainda uma minoria que menospreza aquilo que vem sendo estipulado. Este é um momento para os portugueses trabalharem como "formiguinhas", cada um a somar acções para o bem comum.
Estas semanas de pressão sobre a organização dos Jogos Olímpicos foram difíceis de gerir. Desanimámos por não saber ao certo o futuro dos Jogos, já que temos vindo a fazer enorme investimento na preparação para Tóquio 2020. Passámos já muito tempo longe de casa, num grande esforço de trabalho e de treino. Estávamos a alcançar um nível que nos dava grande confiança em bons resultados. Mas também nós, atletas, temos de dar o exemplo e apoiar esta decisão de adiamento do evento: sem dúvida que primeiro está a saúde de todas as pessoas envolvidas, inclusivamente a dos muitos espectadores, provenientes de todo o mundo, que estavam preparados para ir a Tóquio, entre Julho e Agosto. Agora que temos novas datas, podemos definir opções e o caminho a seguir.
O futuro do país vai depender muito da capacidade e rigor dos portugueses para seguir regras imperativas. É urgente vivermos juntos no "agora". Isso será preponderante para o nosso futuro. Será duro recuperar o fulgor de Portugal e reequilibrar a economia, por isso é fundamental proteger a nossa saúde e logicamente o potencial do país. Sinceramente olho para o "amanhã" com grande esperança e confio que conseguiremos dar a volta por cima, como é nosso hábito. Havemos de ficar bem.
A doação de um milhão de euros em material ao Serviço Nacional de Saúde encheu-me de orgulho e creio que ninguém no país pode ter ficado indiferente. Estamos a falar do jogo da vida e o meu Benfica continua a saber entrar neste jogo em grande e em equipa. Aos benfiquistas apelo que sigam aquilo que tem sido, também, o exemplo do nosso Presidente. O Benfica é enorme, mas temos de nos manter unidos, sem olhar a cores de camisolas. Alimentar um pensamento positivo, continuar a apoiar o Clube e motivar os atletas das várias modalidades. Estaremos no bom caminho se continuarmos todos juntos.
Força, Portugal!

Fernando Pimenta"

Vá lá, Rui Costa, deixa-te de merdas, escreve aos jornais e diz-lhes que se enganaram. Vá, pega na bola e mostra-lhes que tens 28 anos

"Leio nos jornais que Rui Costa, antigo príncipe florentino, fez 48 anos. Fake news, claro. Rui Costa, toda a gente sabe, tem menos vinte anos, tem 28, a idade que tinha naquele jogo em Eindhoven, contra a Inglaterra, no Euro 2000. Ontem revi o jogo.
Portugal 3, Inglaterra 2 e vi o único Rui Costa que existe e existirá para sempre, o que tem 28 anos, a pisar o relvado como um ser imaginário pesadíssimo sem bola e capaz de levitar quando a bola lhe chegava aos pés, com aquele ar de falso cansado de quem pensa o jogo todo por antecipação, qual bilharista batido, a descobrir companheiros nas nesgas de terreno esquecidas pelos ingleses, a cruzar a bola com precisão, mas não demasiada, apenas o suficiente para João Vieira Pinto voar ao encontro dela e aplicar-lhe o golpe que a lançou numa trajectória milagrosa, todo um tratado de física, de movimento e dinâmica dos corpos, ao qual o pobre David Seaman assistiu com o espanto de um aluno do 8.º ano.
Rui Costa, quase em queda, a isolar Nuno Gomes. Rui Costa a ver o jogo de cima, como um urbanista, a decidir onde irá construir o parque, a escola, a fábrica e todas as alamedas rasgadas pelos seus passes e, depois, com um só toque, um daqueles toques com o lado exterior da bota que faziam passar indecorosamente a bola por entre as pernas do adversário (será um dos melhores cuequistas de sempre?), a destruir o projecto por ele idealizado e a erguer um novo num segundo.
Como é que este Rui Costa pode fazer 48 anos? Impossível. Um génio destes tem 28 anos. Ponto. Vá, 32, no máximo. A idade que tinha naquela noite no Estádio da Luz, em 2004, outra vez contra a Inglaterra. Desta vez, vindo do banco. Já não era o príncipe incontestado. Da geração de ouro, restavam poucos.
Deco, n.º 20 nas costas, era o novo 10. Os anos já lhe iam pesando nas pernas, mas a cabeça via melhor do que nunca. Além disso, estava em casa. O estádio era novo, mas era o mesmo. Foi ali, foi que eu vi, logo na primeira vez que entrei no estádio da Luz, Junho de 1991, meia-final do mundial de juniores contra a Austrália, as torres de iluminação, o ruído de 110 mil almas, uma sensação de vertigem, foi ali que ele marcou o primeiro golo à Rui Costa e nunca mais o esquecemos.
Foi ali, sabem, que três anos depois, contra o Parma, ele fez aquele passe de génio a pôr Isaías na cara do guarda-redes e que lhe pôs no passaporte o carimbo com destino a Florença. Foi ali, numa noite chuvosa, que ele arrancou mais um formidável pontapé que confirmou a nossa viagem para Inglaterra, para o Euro-96.
Portanto, eles deviam saber que ali era a casa dele e que não há melhor lugar para um guerreiro que vê chegar o fim, e ele, velho de batalhas, levantou-se e levantou o estádio com outro golo saído dos pés que as redes daquelas balizas bem conheciam e amavam.
Vá. Trinta e dois anos ainda acredito, 48 é que não. É idade de professor de educação física saturado de dar aulas em escolas da periferia de Lisboa. É idade de secretário de estado. De fiscalista.
Não, não me enganam.
Bem pode Rui Costa aparecer de fato e gravata, administrador da SAD, e até pode ser muito competente nas suas funções, mas o que é a competência administrativa comparado com o que ontem revi, aquela primeira parte contra a Inglaterra?
Compatriotas, nunca jogámos assim.
A verdade é essa. Fernando Santos pode agradecer aos santinhos, invocar Nossa Senhora do Jogar Feio, agradecer ao Éder-do-outro-mundo, mas aquela primeira parte contra a Inglaterra, no ano 2000 de tantos prodígios imaginados e tão poucos cumpridos, desculpem lá, mas fico eu com ela.
Naquela tarde, eu estava de regresso a casa vindo de Lisboa. Quando saí do barco no Barreiro, perdíamos por 2-0. Cheguei a casa a tempo de ver João Pinto a fazer o empate e, na emoção do momento, atirar o meu avô, leve como uma pena, leve como o João Pinto, ao ar, e levantei-o mais como se tivesse sido ele a marcar o golo, e ele esticou os braços, quase derrubando o velho candeeiro da sala, como se o tivesse marcado, e a minha avó, que não gostava de jogos, ria-se com a nossa coreografia feliz, um bailado entre gerações, quarenta anos num único salto de alegria.
Hoje os meus avós já não estão cá, eu já não tenho os 22 anos que tinha e agora sou escritor e tenho uma boa idade para ser escritor, 42 anos, idade de escritor, mas o Rui Costa é que não tem, nem nunca terá, 48 anos, porque ainda ontem o vi em Eindhoven, um príncipe, ainda ontem o vi a pintar aquele futebol pontilhista, desenhado de cor com os seus cúmplices, Figo e João Vieira Pinto. Ainda ontem ele tinha 28 anos, como é que os jornais podem dizer que fez 48, idade de administrador da SAD?
Vá lá, Rui, deixa-te de merdas, pá, escreve aos jornais e diz-lhes que se enganaram. Vá, pega na bola e mostra-lhes que tens 28 anos, príncipe, 28 anos acabados de fazer ontem, em Eindhoven, na tarde em que, nos meus braços, o meu avô foi pena."

Que jogos devo rever nesta Quarentena? SL Benfica 3-1 Fenerbahçe SK



"Quinta-feira, dia 2 de maio de 2013. O SL Benfica recebia no Estádio da Luz o Fenerbahçe SK na segunda mão das meias finais da Liga Europa.
Na primeira mão, na Turquia, os encarnados foram derrotados por 1-0. Em Istambul, a equipa turca foi superior, dominou grande parte do jogo e poderia mesmo ter trazido uma vantagem maior para a segunda mão. 
 Depois do inferno turco vivido no Estádio Sukru Saracoglu, o ambiente no segundo jogo seria igualmente espectacular. Apesar da vantagem, o Fenerbahçe SK tinha à sua espera um Estádio da Luz completamente cheio. Os adeptos encarnados tinham esperança de ver o SL Benfica alcançar a nona final europeia e a primeira em 23 anos.
20:05h. O árbitro francês Stéphane Lannoy apita para o início do jogo. O SL Benfica entra muito forte na partida e rapidamente fica visível a intenção dos encarnados em assumir o jogo.
Logo aos oito minutos de jogo, um desequilíbrio no lado direito dos encarnados deixa Lima com espaço na ala. O brasileiro cruza para Nico Gaitán, que, já dentro da área, finaliza de trivela e bate o guardião turco Volkan Demirel. Foi a loucura no estádio, os encarnados empatavam a eliminatória e estavam claramente por cima do jogo.
Nos minutos que se seguiram, a equipa das águias esteve por diversas vezes perto do segundo golo. Contudo, aos 22 minutos, Garay jogou a bola com a mão no interior da sua área. Penalty para a equipa turca.
O habitual batedor de castigos máximos do Fenerbahçe SK, Christian Baroni (que tinha, inclusive, falhado um na primeira mão), deu a oportunidade a Dirk Kuyt para bater.
O veterano holandês não tremeu e enganou Artur Moraes. Bola para um lado, guarda-redes para o outro. 1-1, o Fenerbahçe estava agora em vantagem na eliminatória.
O golo de Kuyt gelou o Estádio da Luz. A esperança diminuía agora, visto que os encarnados necessitavam de marcar dois golos e não sofrer nenhum para assumirem a liderança da eliminatória. 
A equipa orientada por Jorge Jesus reagiu bem ao golo dos turcos, tendo mantido ou até mesmo elevado o nível exibicional.
Logo aos 35 minutos, Salvio é derrubado perto do meio campo. Os encarnados aproveitam a desatenção turca e cobram o livre de forma rápida. O esférico chega a Cardozo, que tira da frente um defesa do Fenerbahçe SK e remata rasteiro para dentro da baliza. 2-1. O paraguaio, no meio de uma explosão de esperança no estádio, apressa-se a recolher a bola do fundo da baliza dos turcos e coloca-a no meio campo.
Pouco tempo depois, chegou o intervalo. O resultado manteve-se: 2-1, os encarnados precisavam de mais um golo para passar na eliminatória.
No início da segunda parte, a toada foi a mesma. O Benfica mantinha-se por cima do encontro, mas, ocasionalmente, o Fenerbahçe assustava através de perigosos contra-ataques.
Contudo, o golo encarnado teimava em não aparecer. Com a passagem de cada minuto, acentuava-se o ambiente de nervosismo que se fazia viver no estádio. Apesar de tudo, acredito que não existia um único benfiquista nas bancadas que não acreditasse a 100% na passagem da sua equipa à final. 
Empurrados pelas fervorosas bancadas, os encarnados continuavam à procura do “golo da glória”. 
Aos 66 minutos, Salvio enviou um lançamento de linha lateral para dentro da área. Um ressalto ao primeiro poste levou a bola a Luisão que, no interior da área, desviou como pôde e fez chegar o esférico a Cardozo. O “Takuara” rematou com força deixando o guardião da equipa de Istambul sem qualquer hipótese.
O gigante paraguaio desatou a correr de braços abertos e deslizou de forma graciosa no relvado, em frente de milhares de benfiquistas frenéticos. Do outro lado do campo, Artur colocava as mãos à cabeça e parecia não estar em si.
A felicidade tinha que ser ainda, temporariamente, adiada: faltavam cerca de 30 minutos para o final do jogo, tudo poderia acontecer. Naturalmente, o Fenerbahçe SK assumiu a iniciativa no jogo, mas o resultado manteve-se até aos instantes finais.
Já para lá dos 90’, Kuyt aparece sozinho do lado direito do ataque turco e cruza para o interior da área encarnada. Moussa Sow eleva-se e cabeceia. A bola pareceu parar no ar. Os milhares de adeptos no estádio e os milhões em casa contiveram a respiração por um segundo.
A bola foi parar às luvas de Arthur Moraes. A nação benfiquista respirou de alívio. Apesar de terem existido mais cruzamentos para a área, esta foi a última oportunidade do Fenerbahçe.
Depois de uns agoniantes minutos de espera, o árbitro apitava para o final da partida. 23 anos depois, o Benfica estava numa final europeia. Nas bancadas, os sorrisos misturavam-se com as lágrimas de alegria. Os abraços dos adeptos confundiam-se com as celebrações dentro de campo.
A erupção do estádio, quando o árbitro apitou, ficará, para sempre, na memória de todos os benfiquistas.
Mesmo que as semanas que precederam este jogo tenham ficado marcadas, negativamente, na história do SL Benfica, vale sempre a pena rever este jogo. Seja pelo que foi a partida em si, seja pelo ambiente vivido no estádio, seja simplesmente para revermos a incrível equipa que os encarnados tinham e o futebol de grande nível que praticavam. 

Link para assistir ao jogo completo:
https://footballia.net/matches/sl-benfica-fenerbahce-sk

Onzes Iniciais e Substituições:
SL Benfica: Arthur Moraes, Maxi Pereira, Luisão, Garay, André Almeida, Matic, Enzo Perez, Salvio, Nico Gaitan (Roderick Miranda), Lima, Cardozo (Urreta).
Fenerbahçe SK: Volkan Demiral, Gonul (Irtegan), Korkmaz, Yobo(Miroslav Stoch), Erkin, Ziegler, Sahin (Topuz), Salih Uçan, Christian Baroni, Dirk Kuyt, Moussa Sow."

Que jogos devo rever nesta Quarentena? Interviú Madrid 2-3 SL Benfica



"Dia 25 de Abril de 2010. Podia ser mais um dia da celebração do feriado de um dos acontecimentos mais importantes de Portugal (Dia da Liberdade), mas estava reservado para este dia mais uma bela história para os portugueses em geral, e para os adeptos benfiquistas em particular, estando desta vez ligada ao Desporto.
No Pavilhão Atlântico, o SL Benfica, campeão português, encontrava na final da UEFA Futsal Cup o Interviú Madrid, detentor do título europeu do ano transacto. Antes mesmo do início do jogo, um recorde já tinha sido batido. Estavam presentes no pavilhão 9.400 pessoas e este foi um número que, na altura, ainda não se tinha visto no Futsal.
Uma equipa do SL Benfica composta por muitas estrelas, na qual se destacava um “pequeno” prodígio de 24 anos nas quadras: Ricardinho. Os encarnados não tinham tarefa fácil e a partida começou com um grande equilíbrio entre os dois emblemas. Contudo, as águias estavam, claramente, a ser embaladas por um pavilhão a rebentar pelas costuras.
Quem começou na frente foi mesmo o Interviú Madrid. Aos sete minutos, Marquinho recuperou a bola, trabalhou bem o lance sob Pedro Costa e só teve de meter a bola por entre as pernas de Bebé. Uma jogada sensacional que gelou por completo o ambiente em Lisboa e não era para menos, pois o Interviú estava agora em vantagem por 1-0.
O SL Benfica continuava mais forte e perigoso, mas era o Interviú que ia tirando “tinta aos postes”. Desta vez, foi Luis Amado que, de uma ponta a outra do campo, com a mão enviou a bola ao poste! Se entrasse não era golo porque não tinha tocado em ninguém, mas foi impressionante de ser ver. De realçar também a bela exibição que Luis Amado fez durante os 50 minutos.
Mas foi preciso esperar apenas quatro minutos depois do golo espanhol pela resposta encarnada. Ao minuto 11, houve falta marcada a favor do Benfica numa posição muito perigosa à baliza do Interviú. Ricardinho passou a bola para o lado onde apareceu Joel Queirós, a vir disparado para rematar uma bomba indefensável para Luis Amado. Estava feito o empate a um, resultado que chegaria até ao intervalo, e o pavilhão ia totalmente abaixo.
A segunda parte começou de feição para os comandados de André Lima, pois, aos dois minutos, houve novo golo para o SL Benfica. Canto do lado esquerdo com Ricardinho a bater para César Paulo na área. O pivô brasileiro contemporizou e com um pequeno toque para trás deixou para Arnaldo, que rematou para o fundo da baliza do Interviú. Digamos que foi quase semelhante ao primeiro golo e feito novamente de uma bola parada (1-2).
Mas houve pouco tempo para festejar, pois três minutos depois houve novo empate (2-2) na partida. Ao minuto cinco, Schumacher recuperou a bola e deixou o SL Benfica totalmente descompensado na defesa. O número oito do Interviú passou para Jordi Torrás e depois o espanhol encontrou Betão, que com um toque e habilidade meteu a bola muito devagar na baliza de Bebé.
Oportunidades não faltaram para ambos os lados, mas a partida foi mesmo para prolongamento. Estes dez minutos finais estavam reservados para que se escrevesse uma bela página no Futsal português e também para que se descobrisse um herói improvável.
A primeira parte do prolongamento trouxe a mesma tendência no jogo: mais SL Benfica e um Interviú completamente desconcentrado no jogo. Tanto que a 2.10 de terminar os primeiros cinco minutos, houve um erro monumental de Luis Amado. Davi estava mais atento do que Betão, interceptou a bola e só teve de bailar à frente da defensiva espanhola para dar vantagem aos encarnados de novo (2-3). Um golo de muito longe e de “bico” como mandam as regras do Futsal foi o suficiente para entregar o título de campeão europeu ao SL Benfica.
Os segundos cinco minutos foram o sufoco total por parte do Interviú com a aposta no cinco para quatro. Os espanhóis até tiveram oportunidades para fazer o empate, mas parecia que o título europeu estava destinado a ficar em Portugal e com o SL Benfica.
No meio de tantos festejos, as melhores imagens no final da partida são as de André Lima a chorar de alegria, após a conquista da UEFA Futsal Cup. O treinador tinha noção daquilo que a sua equipa tinha conquistado, pois tornavam-se na primeira equipa portuguesa a erguer o troféu europeu mais importante a nível de clubes.
Depois da derrota em 2003/04 numa final a duas mãos, frente, precisamente, ao Interviú Madrid, o SL Benfica conseguiu vingar esta derrota da melhor maneira. Uma equipa encarnada que contava com André Lima, mas como jogador. Uma data que ficará marcada na história do Futsal português e também do SL Benfica, porém é um jogo de alta emoção e de indecisão do vencedor até ao final, e que merece, sem dúvida, ser revisto.



Cincos Iniciais:
Interviú Madrid Luis Amado (GR), Betão, Schumacher, Gabriel e Jordi Torrás (Treinador: Jesús Candelas Rodrigo)
SL Benfica Bebé (GR), Arnaldo, Joel Queirós, Davi e Ricardinho (Treinador: André Lima)"

Os 6 filmes de Modalidades para ver nesta Quarentena

"Já viu todos aqueles filmes ou séries de que mais gosta e também já não há mais grande coisa para fazer? Então, temos a programação certa para si para os restantes dias que vai ter de ficar em casa. Actualmente, é fácil de ter acesso a quase tudo do mundo cinematográfico, seja através da nossa box ou então das plataformas que têm estes filmes e, por isso, temos uma excelente programação de filmes de Modalidades para si.
Seis filmes que equivalem a seis histórias que o farão ver que no Mundo do Desporto também se pode construir um belo trajecto nesta vida do lado de fora dos trilhos, dos courts, dos pavilhões ou dos circuitos. Todas as adversidades conseguem ser ultrapassadas com muita vontade e muitas destas histórias contam isso mesmo.
Por isso, queremos passar a você, caro leitor, neste Top BnR esta mensagem, essencialmente, de esperança para conseguirmos ultrapassar este pequeno percalço nas nossas vidas. Respeitem as vossas quarentenas, mantenham-se em casa seguros e tenham uma boa sessão dos filmes que vamos recomendar de seguida!

     

1. Race: 10 Segundos de Liberdade (2016) – Gosta dos Jogos Olímpicos? Boa, este é o filme ideal para si. Estamos em 1936 e surgiu, talvez, uma das melhores histórias do Desporto mundial. Este filme conta a história do velocista Jesse Owens, tendo como grande foco principal os Jogos Olímpicos de 1936 em Berlim, Alemanha.
O filme toca nos pontos mais importantes da vida do velocista americano e também em questões que realmente interessavam durante o período tanto da Alemanha Nazi com a questão do antissemitismo como nos Estados Unidos com a segregação racial, que o próprio Owens chegou a sofrer na pele. Todos os personagens que fizeram parte do enredo principal na vida real estão retratados na película. 
Se é amante de Desporto e se se interessa por questões ligadas à história, tem aqui o prato mais do que servido para o seu enorme apetite. Um momento de viragem na história do Desporto e também na vida mundial com o início da Segunda Guerra Mundial, três anos depois. Se quiser saber mais sobre estes Jogos Olímpicos pode também ver o nosso artigo sobre os mesmos. Por fim, espero que desfrute do filme e também que possa dar uma vista de olhos no nosso texto.

 

2. McFarland, USA (2015) – Quem diria que uma pequena cidade no Estado da Califórnia poderia ter o seu próprio filme? Digamos que a história que envolve o filme é simplesmente fenomenal. Um personagem é fulcral para mudar o destino de sete jovens e, consequentemente, dos restantes ao longo dos anos. Ah! Sem esquecer, claro, da própria cidade. Jim White chegou a McFarland (Califórnia, EUA) para ser uma coisa e acabou por ser outra.
Não sabemos das dificuldades dos outros até passarmos por elas, certo? De certa forma sim, mas é sempre bom termos consciência de histórias como esta. Uma pequena cidade com recursos reduzidos, e onde a sua população ultrapassa imensas dificuldades, junta-se em torno de uma equipa de corta-mato, algo totalmente novo para os lados americanos. Uma história de superação, de coragem e de muita determinação. Afinal, não é disso que o desporto sobrevive?
É um filme que mostra a todos os espectadores que somos capazes de tudo desde que queiramos muito alguma coisa. Temos de saber aproveitar todas as oportunidades e adaptar-nos àquilo a que temos ao nosso dispor. Agora, prepare os seus olhos, pois, provavelmente, acabará por chorar com esta linda história.

 

3. Coach Carter: Treino para a vida (2005) – Esta é uma história que irá comover até as pessoas mais sisudas. Ao longo das nossas vidas, temos muitas pessoas que nos podem marcar como verdadeiros exemplos a seguir e «Coach Carter» ou Kenny Ray Carter, o seu verdadeiro nome, é um desses exemplos.
Em Richmond (EUA), a criminalidade era elevada e as probabilidades de sucesso académico eram baixas para os mais jovens enquanto que a probabilidade de acabarem na prisão era extremamente elevada. Ken Carter experienciou esta situação de perto como jogador ao ver os seus colegas a caminharem nessa estrada e queria, agora como treinador, mudar estas estatísticas com a sua perseverança.
O treinador não só se preocupava com o sucesso desportivo dos seus atletas como com os seus sucessos académicos. Digamos que esta é uma das grandes questões para os jovens jogadores, seja de que modalidade forem. É certo que o Desporto não dura para sempre e o que fazer depois? A resposta está precisamente neste filme. Uma história que inspira qualquer um, principalmente, aqueles que gostam de um desporto e querem fazer disso a sua vida. E acredite… Isto não acontece só nos filmes.


4. Ford vs Ferrari (2019) – Protagonizado por Matt Damon e Christian Bale, Ford vs Ferrari conta a apaixonante história de Ken Miles (Christian Bale) que, com a ajuda do ex-piloto Carroll Shelby (Matt Damon), se torna a (polémica) estrela das corridas em representação da Ford.
Baseado em factos verídicos, o grande objectivo de Ken Miles, para além de cuidar da sua família, é conseguir chegar, e dominar as 24h de Le Mans de 1966, numa luta intensa entre a construtora americana e a Ferrari.
Um filme arrepiante, do início ao fim, que retrata a melhor época que as corridas de resistência viveram, com muita emoção e tragédia à mistura.

 

5. Rush – No Limite da Emoção (2013) – Rush volta aos anos 70, e retrata, a partir de factos verídicos, uma das rivalidades mais intensas da Fórmula 1: A polémica superstar James Hunt (Chris Hemsworth) e o talento nato Niki Lauda (Daniel Brühl).
Por um lado, James Hunt é um polémico piloto dado aos prazeres mundanos; por outro, Niki Lauda parece querer levar a vida da forma mais correta possível.
Focando-se, principalmente, no campeonato mundial de 1976, é neste ano que a rivalidade parece acender-se a cada corrida realizada. O campeonato está renhido e as adversidades de corrida, naquela época, eram muito fortes. Quem irá vencer?

 

6. Borg vs McEnroe (2017) – Desta vez, sobre ténis, reunimos mais uma incrível história verídica. 
Dentro dos anos 80, este filme foca-se na famosa rivalidade entre o tenista sueco Bjorn Borg (Sverrir Gudnason) e o americano John McEnroe (Shia LaBeouf).
Disputando ambos o lugar de número um no ranking mundial, o filme foca-se na final de Wilmbledon de 1980, em que os dois tenistas se encontram para disputar o troféu.
McEnroe, em vista do seu primeiro troféu de Wimbledon, seria uma ameaça óbvia para Borg, que procurava a sua quinta vitória no torneio e, assim, bater o recorde. Mas, afinal, quem é que sairá vencedor?
Emoção e drama de início ao fim, é uma biografia muito bem conseguida, que retrata algo que, no ténis, não vemos tão claramente: as rivalidades."

O desporto na prisão: um pouco de liberdade

"Segundo Erwing Goffman (1922-1982), que foi considerado o sociólogo norte-americano mais influente do século XX, existem instituições totais. Podem ser definidas como locais de residência e de trabalho, onde um grande número de indivíduos estão numa situação semelhante, separados da sociedade por um período de tempo e têm uma vida fechada e formalmente administrada.
Os estabelecimentos prisionais inserem-se nesta perspectiva. Melhorar o bem-estar dos reclusos, modificar os seus comportamentos e atitudes, desenvolver as suas capacidades de viver juntos, aprender a respeitar os outros e de se conformar às regras, facilitando, assim, a sua reinserção na sociedade, são alguns dos objectivos prosseguidos pela política prisional. Neste âmbito, o desporto tem um papel a desempenhar.
O Conselho da Europa e a Organização Mundial de Saúde preconizam o recurso às actividades desportivas junto da população prisional, enquanto factor de equilíbrio e na prevenção da reincidência, permitindo às pessoas detidas de se integrar num grupo e de respeitar as regras. Por outro lado, favorece a adopção de uma higiene de vida e preenche um objectivo de saúde. Do ponto de vista normativo, constam diversas disposições no Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e no Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais.
Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) é o organismo responsável pela prevenção criminal, execução de penas, reinserção social e gestão dos sistemas tutelar educativo e prisional. No âmbito da sua missão, tem a “programação e organização de actividades socioculturais e desportivas”. Um relatório de actividades e autoavaliação da DGRSP, de 2014, dá-nos conta que foram realizadas 485 actividades desportivas em estabelecimentos prisionais de grau de complexidade de gestão elevado e médio, com o envolvimento de entidades externas. O EP de Caxias, com um grau de gestão elevado, foi o que mais beneficiou, com 28 actividades na área desportiva. O EP de Bragança, com um grau de gestão médio, registou 120 actividades desportivas. Em 2018, um outro relatório da mesma entidade, informa que, no âmbito das medidas de flexibilização das penas, foram concedidas 92 licenças de saída administrativa por razões desportivas (31,1%, n=92), ficando em segundo lugar. As de razão laboral foram as primeiras com 41,4% (n=115).
O testemunho de um recluso, que foi condenado a nove anos e meio de cadeia, é elucidativo do que se passa em muitos estabelecimentos prisionais: “quando se fica em preventiva, nas instalações junto da polícia judiciária de Lisboa, não existem condições para a prática desportiva. Aquilo não tem nada: uma bicicleta estática e uma máquina de remos. O páteo é exíguo. Em outras instalações, as condições são também precárias, os aparelhos de ginástica estão ultrapassados e cheios de remendos, que vão sendo reparados pelos reclusos. Quem tem mais conhecimentos lá dentro, utiliza os ginásios e muitos são discriminados. Para se utilizar o espaço, é preciso fazer-se uma inscrição prévia, na medida em que existem várias classes. Quando o ginásio é gerido por um professor de educação física, realizam-se uns campeonatos de futebol, andebol ou ‘crossfit’, pois eles têm que justificar o ordenado. Algumas associações promovem internamente workshops de ioga. Quando o ginásio é gerido por uma outra pessoa interna, é tudo mais complicado. Os jogos de futebol são de evitar, pois existem picardias e é promotor de conflito e de problemas, sobretudo para aqueles mais ‘picados’ que não têm fair-play. A prática de artes marciais e desportos de combate são interditas, pois os guardas prisionais têm receio. Para aqueles que fazem muitas horas de “ferro” (musculação), é complicado porque depois ficam com muita fome e a comida dos estabelecimentos prisionais é péssima. É a lei da selva. O que eles nos querem dar é medicação, para andarmos todos calmos e a dormir”. Será que a concepção laudatória do desporto e dos seus poderes (educativo, pacificador, socializante, etc.) no meio prisional suscitam algum debate na sociedade portuguesa?
Será que a prática desportiva pode ajudar a suportar a encarceração, oferecendo um espaço de descontração e de sensação de liberdade? De acordo com as características dos estabelecimentos prisionais (muitos com sobrelotação crónica desde há muitos anos), e das instalações disponíveis, quais são verdadeiramente as actividades desportivas “oferecidas”? Será que a prática desportiva no meio prisional é uma recompensa oferecida para aqueles que não incomodam a ordem interna estabelecida? A prática desportiva é somente lúdica ou serve para a convivência social ordenada? Muitas questões que merecem resposta."

O basquetebol reinventa-se? - parte 2

"Na sequência do texto com o título “O basquetebol reinventa-se? Parte 1”, vamos proceder a uma análise mais detalhada sobre o basquetebol. A parte 2, terá uma incidência sobre a área competitiva, e a parte 3 sobre a formação.
No que diz respeito ao sector da competição, os problemas de competitividade e organização não são exclusivos da Liga Placard. No passado, lemos declarações de treinadores a queixarem-se da falta de compromisso por parte de atletas seniores nos escalões secundários e os problemas de competitividade e organização também estão presentes. Por outro o número lado o número de jovens que chegam à equipa sénior e capazes de entrar na rotação de minutos é muito escassa.
Para alguns destes problemas, uma das razões apontada é que o basquetebol português não oferece uma compensação remuneratória que justifique a dedicação a tempo inteiro. Como tal, a formação académica ou mesmo profissional está em primeiro lugar.
Mesmo não tendo sido perfeito, longe vão os tempos em que profissionalismo, contribuiu com resultados de relevância à selecção nacional masculina e às diversas equipas de clubes que disputavam as competições europeias. A impossibilidade de os jovens poderem ser profissionais leva a que os mais habilidosos ou mais necessitados procurem outras modalidades como resposta às suas ambições.
O desafio que se coloca é, depois de identificados os problemas relativos a cada competição, saber se podemos encontrar medidas que possibilitem termos competições atraentes para clubes, jogadores, patrocinadores, parceiros e capazes de atrair adeptos, dando uma nova atractividade às competições. 
Num momento cheio de desafios e repleto de incertezas é conveniente fazermos uma reflexão sobre um conjunto de situações com que nos vamos deparar nos próximos meses, quase todas fora do controlo de quem organiza as nossas competições e que podem afectar o normal desenvolvimento da Liga Placard, Proliga, Liga Feminina e competições abaixo.
O problema causado pelo Covid-19 originou um enorme impacto na economia e nos modelos organizacionais das empresas, e também na gestão desportiva das diversas competições e clubes.
O basquetebol felizmente tem uma competição que é uma referência ao nível mundial na gestão desportiva e todo o basquetebol no mundo acaba por girar à volta das inúmeras decisões da NBA. 
Nesta fase do desenvolvimento da pandemia, a época da NBA está suspensa e ninguém consegue dizer com segurança sobre se a época vai ter um fim ou se vai recomeçar, sendo que uma das hipóteses é prolongar a época durante o verão. Neste momento cancelar a época parece um cenário pouco provável, mas tudo depende da segurança que realmente vier a existir e os últimos números referenciados pelos diversos modelos são preocupantes.
Para além do términus desta época, uma das questões do momento é o início da próxima época da NBA e quando é que pode ter lugar. Diversos executivos têm exprimido a sua convicção de que alterar o começo da competição de outubro para meio de dezembro seria benéfico para a Liga. O CEO da equipa dos Atlanta Hawks, Steve Koonin, recentemente relançou o debate sobre as vantagens e Marc Cuban, proprietário dos Dallas Mavericks foi um dos que apoiou a ideia. Uma coisa é certa, a NBA debate-se com problemas de audiência, especialmente na fase inicial da competição, momento que coincide com um dos momentos mais fortes da NFL (Liga de Futebol Americano), e capacidade para atrair os adeptos mais jovens. Por outro lado, os horários dos jogos da costa oeste são considerados demasiado tardios para quem está na zona este do país, o que torna difícil esperar que os adeptos se mantenham acordados até tão tarde para ver os jogos. Jogos esses que por sinal muitas das vezes têm a presença de alguns dos melhores jogadores e equipas mais fortes da NBA.
Pode-se perguntar em que é que isto interfere com a Liga Placard?
Eu diria que interfere em muito, não no recrutamento directo, mas sim na calendarização do recrutamento. Se a NBA alterar a sua calendarização, todo o período de contratação de jogadores americanos será completamente diferente. É claro que as equipas podem não contratar jogadores americanos, mas estes são por natureza os jogadores que apresentam melhor relação preço/qualidade. 
O cenário agrava-se se os jogadores universitários que ao fim do 4º ano acabam o ciclo universitário (os chamados seniores) poderem vir a usufruir de um ano suplementar ou de extensão do seu percurso desportivo, por via de a NCAA ter terminado a sua época antes da fase mais importante e mediática das equipas e de exposição dos jogadores perante adeptos, mas também das equipas da NBA. Esta situação levanta um problema real ao Basquetebol Português, visto que estes são os jogadores que as equipas portuguesas mais possibilidades têm em contratar.
Se estas alterações vão ser implementadas para a próxima época tudo depende do tempo que a pandemia durar e a sua extensão. Mas se a NBA vier a modificar o seu período competitivo, penso que a FIBA acabará por ter de ajustar a calendarização de diversas competições. Um outro problema que se coloca é de não sabermos com rigor quando é que os jogadores estrangeiros poderão viajar e ter a certeza de que não estão infectados, reunindo assim condições de saúde para desenvolver a actividade e contacto social. Quando poderão realmente partir? será que terão de fazer quarentena quando chegarem a Portugal?
Além das dúvidas acerca da definição da melhor calendarização possível e do recrutamento, coloca-se igualmente o problema da sustentabilidade económica dos clubes.
Anuncia-se uma recessão profunda, as empresas vão estar mais preocupadas com o voltar ao trabalho e começar a produzir seja produtos ou serviços, salvar o máximo de empregos possíveis e perceber como o mercado se comporta no reinício da actividade, do que eventualmente pensar em patrocínios desportivos.
Assim, o meu conselho é que as competições portuguesas comecem o mais tarde possível. Só tem vantagens. Dá tempo para os clubes se adaptarem a uma nova realidade e à FPB perceber em que ambiente organizacional vai ter condições para organizar as diversas competições.
Quanto às equipas que poderão disputar a época de 2020/2021 nas diversas competições seniores principalmente Liga Placard, Liga Feminina e Proliga, deve-se ter em conta dois factores:
1- A sustentabilidade financeira do clube;
2- Sustentabilidade de recursos humanos (número e qualidade de jogadores para poder competir com as outras equipas);
O desafio que temos pela frente não passa pelo mero direito de descida e subida de divisão, embora se deva respeitar o espírito dos regulamentos. Os tempos são outros e exigem novas abordagens. 
Existe a necessidade de haver critérios de presença em cada competição mais rigorosos e de fácil verificação, para evitar que a competição tenha uma imagem negativa e não seja competitiva. O número de equipas participantes deve ter em consideração a validação desses factores, tendo sempre em mente que é preciso ter uma competição que seja uma mais valia para todos.
Qual a visão que temos para cada nível competitivo? Qual o seu propósito? Como é que vamos comunicar com os adeptos? Que tipo de relação vamos ser capazes de criar com eles? Que tipo de parcerias vamos conseguir desenvolver? Como é que esperamos que nos apoiem e como é que podemos apoiar? No fundo temos de elaborar um plano estratégico por competição.
Não podemos deixar de querer ter competições equilibradas, competitivas e que atraiam adeptos sem termos em conta igualmente as normas de segurança, dando claras indicação de que é seguro ver um jogo ao vivo.
Com este enquadramento desportivo, económico e social, começar o mais tarde possível só pode trazer vantagens aos clubes, à competição e aos adeptos.
Ter audácia para reinventar o basquetebol português deve ser expresso em quatro objectivos:
- Aumentar o número de jogadores portugueses com impacto nas principais competições que as equipas disputam;
- Melhorar a nossa posição nos rankings da FIBA, ao longo da próxima década, (sim, não é erro: década!);
- O aparecimento de novos valores deve corresponder a uma estratégia de comunicação que permita que estes sejam facilmente identificáveis pelos adeptos e público em geral, vindo a ser referências dos seus clubes, da selecção nacional, do basquetebol em geral, no fundo a construção da imagem do ídolo de que o basquetebol tanto carece;
- Ao mesmo tempo diminuir a forte dependência dos jogadores estrangeiros na produção das equipas das diversas competições masculinas e femininas;
Neste cenário será que a FPB tem vontade de reinventar o basquetebol português ou perderá a oportunidade que o momento (infelizmente) oferece?"