quarta-feira, 18 de março de 2020

Mensagem do Capitão do Voleibol e médico, Hugo Gaspar

"Após dias de isolamento social/quarentena, e de um turbilhão de emoções, sensações e questões, não tenho dúvidas que a palavra do ano, que normalmente se decide lá para dezembro, será “Corona”.
É verdade, cá estamos nós na nossa angústia, fechados em casa, com pouco ou nenhum contacto social, a beber as informações das televisões, redes sociais e milhares de mensagens trocadas pelo WhatsApp.
Quais estão a ser os desafios desta aventura “negra”?
- A família e o isolamento social. A necessidade de protegermos os que nos são mais queridos e chegados. Como passar horas e horas em casa com as crianças, ter a capacidade de aproveitar todos os minutos e horas com eles. E se há uns meses nos queixávamos de ter pouco tempo com eles, chegou a hora de os compensar;
- A equipa e o Benfica. Deixámos de treinar em equipa e começámos a treinar cada um sozinho, em casa, no parque, através das indicações da nossa equipa técnica, com planos de exercício e nutrição actualizados e enviados diariamente. Cabe a cada um de nós, atletas, demonstrar que somos capazes de manter a nossa forma física, mesmo em condições excepcionais como esta;
- A responsabilidade civil. Sim, temos de ter consciência que vivemos em sociedade e que precisamos uns dos outros, e neste momento o que mais precisamos é consciência cívica, de como nos comportar, perante esta ameaça;
- E no meu caso, o trabalho como médico, sim, também eu estarei na linha da frente, a ajudar todos aqueles que precisem, muitas vezes com aquele receio de que em casa tenho a minha família à espera da minha chegada são e salvo.
No fundo gostaria de mandar uma mensagem positiva de força e união, e com a certeza que tudo passará e que brevemente estaremos todos juntos a festejar as nossas vitórias. E um dos festejos será contra esta epidemia que sem dúvida nenhuma vamos vencer.

Hugo Gaspar"

Profundo pesar

"Em meu nome pessoal e do Sport Lisboa e Benfica, apresento as mais sentidas condolências pelo falecimento do nosso Sócio n.º 1, Carlos Eduardo Matos Galiano, de 98 anos, associado desde 1932 e que foi atleta do Clube na modalidade de ténis de mesa.
A toda a sua família e amigos expressamos o nosso mais profundo pesar por quem ficará para sempre na nossa memória pelo intenso amor e afecto com que sempre viveu e pertenceu à Família Benfiquista."

Cadomblé do Vata (Mágico!)



"Supertaça António Livramento 02/03 - 22/09/2002
SLBenfica 12-4 FCPorto
1. El Rey
2. Francisco
3. Cecílio
4. Velázquez
5. "Panchito""

O dia em que (...) só apitou um jogo durante 20 minutos

"A história que hoje que vos trago, a terceira de dez, transporta-me para um dos momentos mais difíceis da carreira. Mas, como em tudo na vida, há sempre lições positivas a retirar de situações menos boas.
Rio Maior, Agosto de 2002.
Tinha acabado uma recuperação interminável a uma cirurgia ao tendão de Aquiles do pé esquerdo. Foram meses e meses de recuperação, com muita fisioterapia, paciência e revolta interior pelo meio. 
Quem se lesiona a fazer aquilo que mais gosta, geralmente sente-se assim: impotente. A situação foge-nos das mãos, deixa de depender de nós, escapa à nossa esfera de acção, ao nosso controlo.
Isso é frustrante mas também desafiante, porque testa-nos, coloca-nos à prova, força-nos ao autoconhecimento: percebemos aí que somos bem mais fortes e resilientes do que imaginávamos. 
Naquela tarde, porém, era "dia de festa" para mim. Aquele jogo amigável, de Sub-19, marcava o regresso ao activo depois de muito tempo de paragem forçada.
Como devem imaginar, estava muito feliz.
Andava há poucos anos na 1ª Categoria e tinha aquilo a que chamamos de "fome de bola". Sonhei com aquele momento vezes sem conta.
O jogo - entre a selecção portuguesa e uma outra (lamento, não me recordo qual) -, era o pretexto perfeito para voltar a calçar as botas e sentir, mais uma vez, o cheiro da relva, o som do apito.
Parecia um estagiário a fazer a primeira arbitragem da sua carreira. É incrível como, às vezes, precisamos perder algumas coisas para lhes darmos o devido valor.
Quis, no entanto, o destino que essa felicidade não durasse muito tempo.
Decorridos vinte minutos e ao efectuar o sinal indicativo de lançamento lateral (levantei o braço, na diagonal, para a esquerda), senti uma dor forte na zona do peito. Foi algo que nunca tinha sentido antes: apanhava-me o braço esquerdo, as costas, todo o lado esquerdo.
Por momentos, acho que deixei de ver e de raciocinar. Senti medo, temi o pior. Lembro-me de me ter agachado devagarinho e levado o apito à boca. Queria interromper o jogo o quanto antes.
As equipas médicas perceberam e entraram em campo rapidamente.
Houve ali alguma confusão momentânea, devido aos sintomas atípicos: seria coração? Ombro deslocado? Algo diferente?
Certo, certo é que o encontro acabou ali, na hora. Pouco depois de começar. O sonho de meses desvanecia-se em segundos.
Segui para o hospital mais próximo onde fiquei horas a fazer uma bateria de exames. Fiz ecos e Raio-X, análises de sangue, eletrocardiogramas, provas respiratórias, tudo.
Fazia, repetia e voltava para a maca, à espera de notícias, mas ninguém tinha notícias para dar.
Nessa altura, as dores estavam num ponto quase insuportável. O braço ficou dormente, parecia que dava descargas eléctricas. Confesso-vos, estava mesmo preocupado. Doía tudo e não havia medicação que travasse aqueles sintomas.
Sentia dificuldade crescente em respirar e, pior, percebia que os médicos estavam baralhados, sem forma de me ajudar.
Fui para Lisboa e, já noutro hospital (e a altas horas da madrugada), alguém finalmente decidiu reencaminhar-me para o Serviço de Neurologia.
Os exames à cervical, realizados apenas no dia seguinte, confirmaram o diagnóstico entretanto avançado: tinha um "disco completamente esfrangalhado" (citação do especialista). Hérnia discal com indicação de cirurgia imediata.
E assim foi.
Perante as evidências depois confirmadas em RM, o meu amigo (Dr) Manuel Passarinho meteu mãos à obra e tratou-me da coisa, com a qualidade, competência e profissionalismo que todos lhe reconhecem.
Foram muitos e muitos meses de paragem, a somar aos anteriores.
Pelo menos, tive o gostinho de arbitrar um jogo de futebol, ainda que durante... vinte minutos. Podia ser pior. Pode sempre ser pior, ainda que na altura nunca pareça.
Ao longo da carreira, acabei por ser operado quatro vezes. Pelo meio, tive lesões menores, que me obrigaram a paragens, umas mais longas, outras de apenas meia dúzia de dias.
Sabem o que vos digo? Valeu a pena!
Valeu a pena cada segundo, cada minuto, cada hora. O preço foi pequeno quando comparado com a possibilidade de fazer o que mais gostava, vezes sem conta.
A vida exige sacrifícios para depois oferecer grandes benefícios. Faz parte.
Da nossa parte, o importante é perceber que, depois do cabo das Tormentas, vem sempre, sempre o paraíso que desejávamos."

Os oito netos do escocês Brown

"Jorge Gibson Brown tinha a seu lado, no Alumni, Alfredo, Carlos, Eliseo, Tomás, Juan e Ernesto, todos seus irmãos.

Em Glasgow, a mais bruta das cidades de toda a Escócia, desde cá de baixo, de Berwick-upon-Tweed onde, numa revigorante tarde de chuva e vento, bebi umas pints de Brew Dog a contemplar o Mar do Norte fazendo estragos na praia até ficar encharcado por dentro e por fora, até lá acima à Ilha de Skye, fala-se um inglês que quase se podia dizer de carroceiros não se desse o caso de eles andarem meio desaparecidos após a Revolução Industrial. Em conversa com um amigo desalentado, ouvi-lhe este desabafo em verso: «This fuckin’ town’a fuckin’ cuss! No fuckin’ trams, no fuckin’ bus! Nobody cares for fuckin’ us!». Demorei a entender que para ele cuss era curse no meio da maldição de tantos fuckin’s. Mas, de resto, a conversa nem correu mal. Abanei sempre a cabeça em sinal de concordância de cada vez que ouvia uma expressão que me parecia fazer sentido e ele pareceu contente com o resultado.
Foi exactamente por sentir que em fuckin’ Leith, um porto nos arredores de Edimburgo, ninguém queria saber deles, que James Brown e Mary Hope decidiram emigrar para Monte Grande, Buenos Aires, Argentina, para trabalhar num aglomerado inglês que se dedicava à implantação dos caminhos de ferro. Isto foi por volta de 1850 e mal chegaram foram vítimas de uma fuckin’ cuss quando o bairro mal amanhado onde os operários se amontoavam colapsou e tiveram de se mudar para San Isidro, bem mais perto do centro da capital já com uma criança nos braços, o filho Diego Brown. 
Diego tornou-se numa das grandes figuras do futebol argentino. Não porque jogasse muito bem, parece que até era um cepo tão abarroado que o dispensaram de praticar o nobre desporto bretão, mas porque teve a incrível capacidade, entranhadamente proletária, de gerar catorze filhos, onze dos quais rapazes o que, se raciocinarmos com base no jogo em si, era um número vantajoso. Não formaram uma equipa, posso já desvendar, mas quase. O terceiro da fornada foi o mais famoso e ganhou cartaz ainda muito fedelho na equipa do liceu onde estudava, a Buenos Aires English High School, sob o nome de Jorge Gibson Brown, mais conhecido por ‘El Patricarcho’ pela sua forma natural de liderar os companheiros. Decidiu seguir a profissão e foi contratado pelo Lanús Athletic Club, do Barrio de Las Barracas, onde se vivia tangamente e se guardavam, mansamente, las cosas de vivir.
Em 1899, Jorge resolveu voltar ao seu antigo clube que, entretanto, se tornara a modos de uma excrescência da Buenos Aires English High School, competindo no campeonato sob o nome de Alumni Athletic Club, adoptando o termo latino que significa, precisamente, ex-alunos. Ora, o Alumni foi a primeira grande potência entre os clubes argentinos. De tal forma que até à sua precoce extinção, em 1912, ganhou dez campeonatos, três Copas de Competência Jockey Club e três Copas de Honor de Buenos Aires. Um vendaval.
Vários anos após ter abandonado fuckin’ Leith, James Brown e Mary Hope tinham o seu sangue tão entranhado no Alumni que, se fossem vivos, mereciam condecorações. Porque Jorge Gibson Brown, excelente ponta-direita que fazia uma perninha, de quando em vez, como prolífico avançado-centro, estava muito longe de jogar sozinho. Na mesma equipa juntou Alfredo, Carlos, Eliseo, Tomás, Juan e Ernesto, seus irmãos.
Os manos Brown eram a alma e o corpo do invencível Alumni. Carlos era o mais elegante, o príncipe do gambetteo, do drible e da imaginação; a Ernesto puseram a alcunha de El Pacífico, logo ele que era mau como trinta víboras e batia em todas as partes do corpo dos adversários que lhes ficassem abaixo das amígdalas. Jorge, que não tardou a ser chamado à selecção da Argentina, foi recuando no campo e fixou-se como central. Fazia dupla com Juan Domingo Brown que não, não era seu irmão, e tão somente primo direito. Mas também neto de James e Mary...
Carlos Lett foi um dos poucos jogadores do Alumni que não era Brown. Contava: «En este juego una gota de mala sangre entre dos de los jugadores pronto afecta a todo el team. Mas nosotros teniamos la sangre y el carácter de los hermanos».
O fim do Alumni, que não tinha capacidade para se reforçar com antigos alunos com qualidade que quisessem dedicar-se por inteiro a uma profissão que ganhava exigência a cada dia que passava, levou consigo os sete filho de Diego Brown. Jorge recusou-se a ser vencido pela fuckin’ cuss. Passou a jogar no Quilmes Club, um clube de ingleses fundado por ferroviários na pequena cidade do mesmo nome à beira do Rio da Prata. Estava gordo e dedicava-se cada vez mais ao cricket em pelejas renhidas no The Old Ground. Era a figura mais estimada da cidade. Ao contrário do avô não podia dizer: «nobody cares for fuckin’ me!»."