quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

A luta da UEFA contra a contas maquilhadas dos clubes!

"Depois do escândalo das contas do Manchester City, a UEFA pretende passar à acção.
Deste modo, a Confederação europeia de futebol estará a estudar a implementação de uma norma que restrinja as mais valias financeiras obtidas pelos clube de modo fictício e não correspondentes à verdade, tal como ocorreu com o clube inglês. Tal sucedeu, também, com o Chievo, na Serie A italiana, que para cumprir os pressupostos financeiros de participação, trocou jogadores com o Cesena, a preços muito acima dos normais, para ter um balanço financeiro positivo.
Assim um dos modos mais comuns para serem alcançadas as referidas mais valias passará pela compra e troca de jogadores a preços superiores ao que se encontram avaliados (o player-trading), que, como pelos exemplos dados, demonstramos ser o modo mais rápido e eficaz de equilibrar as contas de qualquer sociedade desportiva.
Tal permitirá aos emblemas em questão ludibriar as regras preconizadas pelo fair-play financeiro, evitando deste modo a aplicação de sanções pelos órgãos reguladores.
A UEFA, essa, já assumiu que tem um problema entre mãos. Encontra-se, neste momento, à procura da melhor solução para o resolver, de modo a que os balanços dos clubes reproduzam a realidade das suas contas, ao invés de iludirem as entidades fiscalizadoras.
Veremos se conseguirá!"

Sport Lisboa e (Pouco) Benfica

"Fevereiro tem sido um mês avassalador para o Sport Lisboa e Benfica. Até ao momento, em quatro partidas disputadas, leva uma vitória, um empate e duas derrotas. Um registo muito mau para uma equipa que se assume candidata ao título nacional e que aspira a muito mais.
Neste momento, ao passar da 21ª jornada, o SL Benfica poderia estar confortavelmente no cimo da tabela classificativa, com mais dez pontos que o segundo classificado, mas não. Está apenas com um ponto de avanço do seu rival FC Porto e tudo por culpa própria.
As más exibições da equipa, no seu todo, são a principal razão para o actual momento de forma dos encarnados, mas há mais alguns factores que influenciam este descalabro.
Gabriel vinha a ser um dos pilares do meio campo do glorioso nesta temporada e a sua lesão revelou a sua importância no miolo do Benfica. A verdade é que a sua lesão veio na pior altura possível. Facto curioso: sempre que o Benfica perdeu pontos no campeonato, Gabriel esteve ausente da convocatória. Isto diz muito da preponderância que o médio tem na formação de Bruno Lage.
É urgente substituir este jogador, porque está claro que a equipa baixou imenso o seu rendimento e sem data prevista para voltar aos relvados, torna-se imperial arranjar uma alternativa viável.
Outro factor, este também bastante evidente, é o mau rendimento de Ferro. O jovem central tem comprometido muito na linha defensiva das águias e tem sido o elo mais fraco das águias.
A sua disponibilidade física é uma das razões para esta baixa de rendimento, o que tem influenciado directamente as suas exibições, sendo que muitos dos golos sofridos pelos encarnados têm surgido pela zona defendida por Francisco Ferreira. Numa situação normal, Ferro já estaria no banco de suplentes, mas a falta de opções para o eixo defensivo concedem-lhe um estatuto de quase intocável. 
Está bem evidente que no mercado de Janeiro o Benfica deveria ter contratado um substituto capaz de fazer concorrência para o centro da defesa. Com a lesão de Jardel, Samaris seria alternativa, pois não faz sentido continuar a jogar com o Ferro, se o jogador não está bem.
Ter um plantel curto até poderia fazer sentido, mas, neste momento, o Sport Lisboa e Benfica está em três frentes: Primeira Liga, Liga Europa e Taça de Portugal. Ora, tendo em conta que um clube como o Benfica tem o objectivo de estar e vencer em tudo, também tem de ter profundidade no plantel para conseguir disputar todas estas competições.
Jogadores como Pizzi e Grimaldo têm sido titulares indiscutíveis e raramente são poupados por Bruno Lage. Ambos os jogadores têm apresentado uma quebra no seu rendimento e julgo ser por terem demasiados minutos nas pernas.
Nuno Tavares podia ser uma opção para render Grimaldo naqueles jogos de menor intensidade, mas, por qualquer motivo, Lage aposta sempre no mesmo. Também Jota, Florentino e até Samaris podiam ser boas escolhas para rodar a equipa nesta fase da temporada. Esperemos só que não comecem as poupanças nos jogos da Liga Europa.
Bruno Lage enfrenta o maior desafio desde que está no comando técnico do glorioso: recuperar uma equipa que está em clara quebra de rendimento e que tem várias frentes por disputar.
Veremos como é que o técnico dos encarnados reagirá a este problema que está a afectar as exibições do Benfica. Os problemas, ou parte deles, já foram identificados. Agora, Lage, é trabalhar para os corrigir."

Jogadores que Admiro #108 – Nicolás Gaitán

"Osvaldo Nicolás Fabián Gaitán – Nico Gaitán – é um prodígio de técnica, um raro exemplar de inteligência em campo.
Pessoa tímida que sempre teve no relvado o mundo onde expressar as suas emoções, sempre de bola no pé, sempre emocionalmente ligado ao fenómeno que é o futebol. O argentino nunca conseguiu esconder das bancadas os seus sentimentos. Os seus toques, os seus passes, as suas fintas, tabelinhas e remates sempre foram um espelho da sua alma.
Já vimos um Nico triste de futebol desinspirado, já vimos um Nico feliz de futebol alegre e já vimos um Nico realizado e de futebol entusiasmante
Chegou ao Estádio da Luz no Verão de 2010. Chegou para substituir o seu compatriota Ángel Di Maria. Dois mágicos, um mais desequilibrador pela linha em velocidade e outro pelo centro em classe.
Foram seis anos de águia ao peito. Meia dúzia de anos onde actuou pela esquerda, pelo centro e pela direita. Chegou mesmo a ser um Simão da ala direita. Enfrentou lesões e problemas de confiança (talvez também pessoais) que durante ano e meio condicionaram o seu futebol. Nos primeiros três anos de vermelho e branco não sentiu o sabor de ser campeão. Foram anos de maturação. Foi abaixo e levou o seu futebol consigo, voltou à tona e elevou o futebol do Sport Lisboa e Benfica.
Quando saiu foi como tricampeão. Deixou na Luz e na memória dos adeptos momentos épicos que irão perdurar para sempre. Juntamente com Pizzi, Jonas e Mitroglou formou um quarteto mágico de sonho.
Era capaz de resolver um jogo por si, com um remate impensável ou uma arrancada imparável. Era capaz de vencer pela forma como fomentava o colectivo da equipa, provocando os seus colegas a serem melhores, entendendo-os e encontrando-os em qualquer pequeno espaço onde se encontrassem.
No Sport Lisboa e Benfica foram 253 jogos, 41 golos e 88 assistências. Conquistou três títulos de campeão nacional, uma Taça de Portugal, cinco Taças da Liga, uma Supertaça e ainda foi duas vezes vice-campeão da Liga Europa.
Não dá para esquecer Nico Gaitán de vermelho e branco a criar a vitória do Benfica em pleno Vicente Calderón. Na segunda-parte, já depois de ter concretizado o golo do empate, o argentino desenhou uma jogada de futebol de rua. Arrancou da área encarnada, tabelou na linha com Jonas, em velocidade tirou uma garrafa de água do caminho, puxou para dentro batendo o seu marcador e de pé direito encontrou a desmarcação de Gonçalo Guedes para o golo da vitória.
Em jogo de Liga Europa conseguiu na Luz, frente ao PAOK, baptizar um livre com o seu nome. Uma “panenkada” de fora da área a sobrevoar a barreira até se aninar no conforto das redes. Um golo impensável. Um golo só possível no mundo maravilhoso de um virtuoso como Nico Gaitán.
E para todo o sempre ficará o bailado em pleno Estádio José Alvalade. Impossível descrever. No momento em que recebe a bola deu-se um clique na cabeça do argentino e de repente descobriu o fogo e criou a teoria da relatividade. O golo nasceu assim que tocou na bola. A partir daí foi bailado. Dançou, avançou, tabelou com Enzo que lhe devolveu de primeira pelo ar e Nico, sem deixar a redonda tocar no relvado, tocou também de primeira para Lima, ao primeiro toque, finalizar no ar um golo pintado pelo fantástico maestro que Gaitán se tornara.
Em 2016 procurou um campeonato com outra qualidade, mas acabou por escolher uma casa que não o compreendia. Nico Gaitán respira e vive Futebol. Sem bola é um homem triste, um jogador apático. No Atlético de Madrid perdeu a alegria. Seguiu-se a China e a MLS, desaparecido num mundo que não era seu.
Agora, a fazer 32 anos, poderá voltar a encontrar em França a felicidade e o prazer do jogo. Bom campeonato, boa equipa para o seu futebol e um clube que está a lutar pelo pódio francês. No Lille OSCM poderemos voltar a ver o Nico fantasista que vive feliz a vender fantasias aos adeptos do Futebol.
Eu estou desejoso por o ver renascer. O futebol de Nico Gaitán é pura emoção na ponta da chuteira."

Uma causa de todos os dias

"O Sport Lisboa e Benfica e a sua Fundação todos os dias fazem da solidariedade e da inclusão uma acção permanente, e de há muito que fazemos do combate ao racismo uma causa prioritária, participando de forma activa em diversas iniciativas da UEFA.
Mais do que nunca, confrontados com o deplorável ato de racismo de que o jogador Marega foi vítima, importa recordar as palavras do Presidente Luís Filipe Vieira quando, a 23 de Outubro de 2019, lançámos uma pioneira iniciativa pela igualdade junto da UEFA.
"O Sport Lisboa e Benfica fez questão de se associar à campanha #EqualGame da UEFA porque a nossa história, como instituição de referência desportiva em Portugal, no resto da Europa e mundo, acolhe múltiplos exemplos e tem tudo a ver com os valores de inclusão, de diversidade e de acessibilidade que esta iniciativa promove e que estão inscritos na nossa identidade.
Uma das nossas grandes forças sempre foi sermos um espaço aberto, popular e diversificado de talento, de oportunidades e de humanismo, bastando recordar esse maior símbolo do nosso clube, Eusébio da Silva Ferreira.
Nas competições desportivas como na vida não pode haver espaço para a discriminação, seja ela de que natureza for. Em campo somos todos iguais, fora dele todos temos de ter oportunidades de dar expressão às nossas diferenças e competências em plena igualdade.
Estamos totalmente sintonizados com o espírito e os objectivos da campanha #EqualGame da UEFA porque somos parte desse combate, porque somos todos iguais!""

A fantochada do racismo

""Marega não só não se portou como um profissional íntegro, porque se deveria ter limitado a jogar futebol, como ainda ajudou à festa, retribuindo ao público os gestos ofensivos que lhe eram endereçadas"

Um jogador, negro, marca um golo contra a sua antiga equipa, por sinal aquela que o catapultou para o futebol português, e em vez de o ir festejar junto dos adeptos do seu clube, como seria natural e expectável, opta por se dirigir a uma das bancadas repletas de claques da equipa adversária e, numa atitude provocatória, aponta para a côr da sua pele. Não contente, ainda lhes faz um gesto obsceno, com o dedo do meio.
Imagine-se, agora, que tem sido ao contrário, ou seja, o jogador seria branco e teria-se-ia encaminhado para uma bancada frequentada maioritariamente por negros e insinuado a superioridade da sua raça! No mínimo, era irradiado do futebol e os folhetins televisivos, alusivos ao acto ostensivamente racista e xenófobo, prolongar-se-iam durante semanas a fio.
Mas não, no pensamento dominante que impera nos meandros políticos da sociedade portuguesa, bem como junto daqueles que se consideram uma casta superior, somente existe racismo quando praticado contra minorias! Por isso não se ouviu uma única palavra de condenação do comportamento do jogador que fez a apologia da côr da sua pele para celebrar um golo, porque, pura e simplesmente, se trata de um negro, e estes, na acepção do politicamente correcto, são sempre vítimas, nunca agentes provocadores.
Mas voltemos a Guimarães, berço da nacionalidade e que acolhe como clube principal da terra um que ostenta como cores o preto e o branco, símbolo da concórdia entre raças. A reacção natural, mas não inteligente, dos adeptos, conhecidos no mundo do futebol como dos mais bairristas e agressivos no apoio à sua equipa, foi de responder pela mesma moeda, perdendo-se em insultos ao jogador que os ofendera, muitos deles de cariz racista, entoados por uns quantos pobres de espírito.
Obviamente que se tratou de uma resposta lamentável e absolutamente condenável, porque perderam completamente a razão ao baixarem o nível para o mesmo patamar para onde descera aquele que procuraram atingir.
A histeria colectiva que se abateu sobre a sociedade, de repúdio pelo comportamento dos adeptos vimarenses, teria toda a razão de ser se os arautos de tamanha indignação tivessem, igualmente, criticado a performance do Marega, porque ambos, público e jogador, praticaram actos racistas e deploráveis.
Ao orientarem toda a sua raiva para apenas uma das partes, tornaram-se parciais; ao branquearem os gestos lamentáveis do jogador, transformaram em herói aquele que foi também vilão.
E o argumento de que os insultos ao Marega começaram muito antes do minuto em que ele marcou o golo que deu vantagem no marcador ao FCP, não tem qualquer fundamento que justifique o seu posterior comportamento: houve insultos, sem dúvida, bem audíveis nas reportagens televisivas que nos foram facultadas, logo no período de aquecimento, mas não foram de índole racista, mas sim direccionados, maioritariamente, à senhora sua mãe! Do mesmo tipo daqueles que os árbitros passam os jogos todos a ouvir e nem por isso resolvem abandonar o campo. Ou dos que os próprios jogadores dirigem uns aos outros em disputas mais quizilentas ou com que o público brinda este ou aquele jogador, simplesmente por não gostar dele.
Marega não foi, nessa altura, insultado por causa da sua origem racial, mas sim por se tratar de uma antigo jogador da casa. As claques, regra geral, não perdoam a quem troca o seu clube por um rival e, como represália, fazem-lhes a vida negra sempre que regressam ao estádio onde já foram acarinhados.
Todos nos recordamos, certamente, dos insultos infames que eram lançados sobre Luís Figo, durante toda a partida e sempre que tocava na bola, quando este ia jogar a Barcelona, depois de ter trocado o clube daquela cidade pelo Real Madrid. Inclusive tinha que suportar o arremesso de objectos, que por vezes o atingiam, mas mantinha a cabeça erguida e fazia aquilo para que era muito bem remunerado, ignorando o que se passava à sua volta. Agia como um verdadeiro profissional.
Acontece que na alta competição os seus intervenientes são pagos a peso de ouro e têm de estar preparados, física e psiquicamente, para suportar as amarguras das ofensas, mantendo a concentração exclusivamente dentro daquilo que se passa no interior das quatro linhas.
Marega não só não se portou como um profissional íntegro, porque se deveria ter limitado a jogar futebol, como ainda ajudou à festa, retribuindo ao público os gestos ofensivos que lhe eram endereçadas, contribuindo, dessa forma, decisivamente, para o ambiente escaldante que tomou conta das bancadas de espectadores.
Condene-se quem proferiu comentários racistas. É imperativo que esses comportamentos desapareçam da nossa sociedade. Mas sancione-se igualmente quem não esteve à altura daquilo que dele era exigido e perdeu-se também em atitudes provocatórias, incluindo algumas de teor racial.
Por cá proliferam diversos movimentos políticos, alguns requalificados em partidos, que devem a sua existência ao pressuposto de que a sociedade portuguesa é estruturalmente racista. Se se provar que os portugueses, como um todo, nada têm de racistas, essas oportunistas agremiações perdem a razão da sua vivência. Conscientes disso procuram, insistentemente, encontrar racistas onde eles não existem e provocam aqueles que, em certa medida, o são, obrigando-os a sair da toca.
No fundo, esses supostos apologistas de um são relacionamento entre todas as comunidades, em que a côr da pele não represente qualquer conflito de interesses, não pretendem, de maneira alguma, combater o racismo, mas sim fomentá-lo! E, com as suas falinhas mansas, conseguem converter para as suas enganadoras causas os mais incautos, que os seguem cegamente, da mesma forma como um rebanho de ovelhas caminha atrás do seu pastor.
Há racistas em Portugal? Claro que os há! Mas daí concluir-se que a nossa sociedade é estruturalmente racista, como essa gente nos pretende fazer crer, será o mesmo que acusar-se os portugueses de serem ladrões, só porque há quem se dedique à ladroagem. Ou que somos um povo de assassinos, somente porque, entre nós, há quem tire a vida a um seu semelhante.
Já chega de tanta parvoíce e hipocrisia. É altura de abrimos os olhos e ganharmos a capacidade de saber distinguir os justos dos oportunistas. E mandarmos estes últimos à sua vidinha, acabando com o seu reino!"

"A esta distância e com outra frieza, o incidente com Marega deve merecer alguma reflexão e várias considerações. A primeira é a de que é errado (e muito injusto) confundir a árvore com a floresta. Guimarães é uma cidade lindíssima, o Vitória SC um clube gigante e a maioria dos seus adeptos devotos e apaixonados. A segunda é a de que foi claro, para todos, que ninguém estava à espera que aquilo acontecesse. E por "aquilo" não me refiro ao facto de meia dúzia de jumentos divertirem-se a imitar sons de babuíno. Refiro-me à coragem do atleta em dizer: "Basta!!"

A esta distância e com outra frieza, o incidente com Marega deve merecer alguma reflexão e várias considerações.
A primeira é a de que é errado (e muito injusto) confundir a árvore com a floresta. Guimarães é uma cidade lindíssima, o Vitória SC um clube gigante e a maioria dos seus adeptos devotos e apaixonados. A segunda é a de que foi claro, para todos, que ninguém estava à espera que aquilo acontecesse. E por "aquilo" não me refiro ao facto de meia dúzia de jumentos divertirem-se a imitar sons de babuíno. Refiro-me à coragem do atleta em dizer: "Basta!!".
A reacção - inesperada e impactante, fruto da sua personalidade e temperamento - apanhou tudo e todos de surpresa. Curiosamente, esse seu temperamento deu o mote para que alguns "atiradores de areia" recordassem-nos que o franco-maliano também tinha provocado as bancadas, em atitude que já não era nova.
Percebe-se a fuga para a frente. Tentar descredibilizar a idoneidade da vítima é modus operandi comum nas salas de audiências. Neste caso, a teoria fez-me lembrar um filme protagonizado por Jodie Foster (violada repetidamente num bar cheio de cowboys). No tribunal, o juíz perguntou-lhe: "Você foi para lá de mini-saia... estava à espera de quê?!".
Fazer da vítima o homicida é macabro.
Faz lembrar-me outra história, real, de um tipo que espetou mais de cinquenta facadas num amigo só porque ele lhe tinha dado um estalo na cara. Alegou... legítima defesa.
Quem não anda a dormir é o país e o mundo. As reacções de condenação foram avassaladoras, sendo que a grande dificuldade aí foi distinguir as genuínas das hipócritas. As verdadeiras das falsas.
É importante chamar as coisas pelos nomes e a verdade é que uma percentagem considerável de "Je suis Marega" são conhecidos pirómanos da nossa praça. Pirómanos profissionais, com licenciatura, mestrado e doutoramento.
Confesso, não deixa de ser surpreendente a forma como tantos usam agora asas de anjo, quando vestem diariamente a pele de diabo. Será que eles acham mesmo que nós não sabemos quem são? 
Outra das expectativas também é a de perceber quando é que as firmes palavras de repúdio passarão a sanções efectivas.
Sabemos que há regulamentos e leis para cumprir e que, em boa verdade, quem tem o poder de decisão está literalmente algemado. Mas também sabemos que quando a pressão atinge determinado patamar, as coisas podem acontecer ainda que de forma excepcional. Quanto às "armas que agora existem", bem, têm que voltar a ser revistas. Só se combatem crimes graves com artilharia pesada e por cá já se percebeu que a melhor prevenção é a punição.
A nota final vai para uma triste constatação: foi preciso que um profissional de futebol conhecido abandonasse o terreno de jogo, para que uma nação inteira despertasse para uma realidade que existe há décadas. Mas a intolerância racial é apenas a face visível de várias desigualdades que proliferam na nossa sociedade. O desporto, com o futebol à cabeça, apenas a montra maior para que muitos a exerçam de forma (quase) impune.
A verdade é que, todos os fins de semana, árbitros, atletas, treinadores, jovens jogadores, roupeiros e guardas de campo são insultados, diminuídos e ridicularizados por serem "pretos, monhés, gordos, anões, marrecos, zarolhos ou coxos"
É um festival de horrores a céu aberto, perante a passividade de tantos que agora destilam moralismo impoluto... em nome de Marega. Que jeito que deu.
E vergonha na cara, não?"

Um tinto para o Buldogue Branco

"Vencedor da primeira Volta à França, Maurice Garin. nasceu tão pobre que os pais o trocaram por uma arroba de queijo

Maurice Garin era aquilo que os franceses gostam de chamar de mignon. E, já agora, um mignon rigolo. Um malandrim, se quiserem. Tão baixote que parecia estar a aprender a ser anão. Algo que não o impediu de se tornar no primeiro vencedor da Volta a França, em 1903. Natural de Arvier, no Vale de Aosta, era o quarto de uma ninhada de nove irmãos de uma família tão numerosa e tão pobre que acabou por ser trocado por uma arroba de queijo comté e levado para a zona de Saboia por um magarefe que usava crianças diminutas como ele para limpar chaminés, usando e abusando das suas estaturas enfezadas. Não se deu mal de todo. Era desenvolto e expedito e não tardou a ganhar dinheiro suficiente para mandar às malvas o patrão explorador e se fixar por conta própria. Instalou-se primeiro em Reims e, em seguida, na Bélgica. Foi aí que se deixou encantar pelos velocípedes. Comprou uma bicicleta e foi premiado com a sua primeira alcunha: Le Fou. Um esgrouviado que pedalava loucamente por entre os transeuntes, pondo em risco de vida não apenas os pobres incautos como até ele próprio. Descobriu que podia ganhar mais dinheiro com essa brincadeira espinoteada do que a trepar por colunas fuliginosas de chaminés alheias. Na sua estreia competitiva, uma prova que ligava Maubeuge a Hirson, embolsou 850 francos e, pela primeira vez, sentiu-se aburguesado. O pequerrucho de um metro e sessenta e um crescia a olhos vistos.
À moda de Lisboa, Maurice podia ser considerado um manguela. Tendo sofrido um furo a meio da então célebre Namur-Dinant-Givet e volta, não foi de cerimónias e roubou a bicicleta a um papalvo que observava o esforço dos competidores, lançando-se numa tirada vitoriosa com a frustrada vítima correndo atrás dele gritando como um bezerro. Cruzou a meta com uns confortáveis dez minutos de avanço sobre o segundo, devolveu a máquina ao extenuado infeliz, e ficou marcado para o resto da vida como um cara-de-pau sem escrúpulos, embora sempre de sorriso aberto de orelha a orelha. Pudera!
Maurice cometeu façanhas de fazer inveja às diatribes de Lemuel Gulliver. Quando o jornal Le Vélo resolveu organizar as 24 Heures des Arts Libéraux, apresentou-se com a habitual desfaçatez. A prova, em circuito fechado, teve lugar em Fevereiro de 1895, um dos mais gélidos da história meteorológica da França. Os concorrentes foram tombando como tordos, incapazes de resistirem a tiradas medonhas com temperturas negativas. Garin era imune ao frio. Percorreu mais de 700 quilómetros sem parar e deixou o segundo classificado, o inglês Williams, a 49 quilómetros de distância. De todos os que se enfileiraram à partida, foram os únicos dois que chegaram ao fim. Maurice acabaria por confessar o segredo da sua resistência inumana: vinho tinto. Trazia presa à cintura uma garrafa e ia-se abastecendo de cada vez que o pundonor dava sinais de quebra. Luís Fernando Veríssimo deve tê-lo compreendido bem:
«Beba vinho para o espírito
e para a boa digestão
Beba vinho na festa
e beba vinho na solidão
Beba vinho por cultura
ou por boa educação
Beba vinho porque...
Bem, você encontrará uma razão».
Não se pode afirmar que Maurice Garin era um bêbado irremediável, alcoólico de pai e mãe, mas nunca recusava um cordial. A sua fama de corredor espalhou-se por toda a França e no primeiro Tour deram-lhe a braçadeira n.º 1. Nessa altura os números não se exibiam nas costas e sim num pedaço de pano preso à manga da camisola com um alfinete-de-dama. Vestia de branco, a farda da equipa que representava, La Française-Diamant, e cerrou os dentes logo na primeira etapa, Paris-Lyon, devorando os 467 quilómetros do percurso de uma forma tão autoritária e feroz que alguém se lembrou de o alcunhar de Buldogue Branco. O seu principal rival era Hippolyte Aucouturier, um calmeirão de bigodes imponentes como os do Kaizer Guilherme. Mas, ao quilómetro 320, Hippolyte abandonou queixando-se de tremendas dores de estômago. Resolvera aplicar a receita de Maurice e bebera quase dois litros de vinho ao longo da estrada. Valeu-lhe que as regras permitiam que os desistentes de uma etapa pudessem iniciar a seguinte. Aucouturier ganhou as duas rondas posteriores, mas não passaria do segundo lugar final a 2 horas, 59 minutos e 21 segundos do Buldogue. Não restavam mais dúvidas de que o vinho deste era de qualidade superior.
Em finais de 1956, Maurice Garin estava a morrer. Os pulmões manchados pela fuligem provocavam-lhe ataques cavernosos de tosse. Vagueava pelas ruas de Lens, onde vivia, perguntando aos passantes pelo lugar do controlo no qual devia apresentar-se. No centro de toda a confusão que se instalara na sua cabeça, continuava a pedalar no vazio com um medo-pânico de ser desqualificado. Levavam-no à esquadra, apresentava-se pelo nome, e saía feliz. Regressava à estrada. Havia sempre uma meta à sua espera."

A bela e mística solidão do campeão

"A celeuma da final do US Open de 2018, entre Serena Williams e o árbitro português Carlos Ramos, já não faria sentido com estas novas regras

Wimbledon, a final de 1980, John McEnroe acabou de vencer o tie-break do século por 18/16 e salvou 5 match-points pelo caminho. Bjorn Borg estava por baixo, mas no quinto set elevou a percentagem de primeiros serviços, subiu muito mais à rede e venceu o seu quinto e último título de Wimbledon por 8-6 no set final.
Open da Austrália, final de 2009. Roger Federer tinha ganho nas meias-finais a Andy Roddick por 6-2, 7-5 e 7-5 no dia 29 de janeiro. Rafa Nadal só jogou a sua meia-final no dia seguinte e superou Fernando Verdasco por 6-7, 6-4, 7-6, 6-7 e 6-4. Cinco horas e 40 minutos! A final jogou-se no dia 14, Nadal está mais cansado e teve menos tempo para recuperar, mas ao longo da final, ganha por 7-5, 3-6, 7-6, 3-6 e 6-2, surpreendeu com alterações tácticas, para ele inovadoras na altura, como, por exemplo, jogar mais em cima da linha de fundo e roubar tempo a Federer.
Poderia trazer aqui outros exemplos, com diversos protagonistas, mas estes dois ilustram um dos aspectos que mais me fascina no ténis: o ‘mano-a-mano’ entre dois guerreiros.
No court estão sós, mesmo que rodeados por milhares de espectadores e televisionados por milhões. Estudaram aquele confronto detalhadamente com as suas equipas técnicas, mas naquele momento a solidão é total.
A dimensão mental do duelo ganha uma relevância descomunal. Naquelas duas finais os vencedores não foram os que jogaram melhor. Ganharam os que mostraram mais força de vontade e, sobretudo, os que souberam tomar as melhores decisões nos muitos momentos de crise com que se depararam, sob enorme pressão.
O circuito WTA já autorizava que os treinadores viessem ao campo uma vez em cada set, a pedido das jogadoras. Em 2020 permite que as jogadoras e os treinadores possam conversar brevemente, sempre que quiserem, desde que a jogadora esteja perto do local onde o treinador se senta. E também passa a ser possível o envio de mensagens verbais ou gestuais para o campo.
A enorme celeuma da final do US Open de 2018 entre Serena Williams e o árbitro português Carlos Ramos já não faria sentido ao abrigo destas novas regras, porque o treinador Patrick Mouratoglou já não estaria a violar qualquer norma.
Note-se, no entanto, que esta nova regra só é aplicável em torneios do circuito WTA. Não está em vigor nem no ATP Tour nem nos torneios do Grand Slam.
Há muitas vantagens em permitir a comunicação entre uma jogadora e um treinador durante os encontros. Para a semana explicá-las-ei. Mas há uma certa beleza e, principalmente, uma pureza e uma crueza dos místicos mano-a-mano que se perdem."

O estigma do fato de treino

"Em conversa com uma pessoa amiga sobre educação física e desporto, fui chamado a atenção para o “estigma do fato de treino”. Alguns professores de educação física sentem-se diferentes por andarem de fato de treino no seu dia a dia nos estabelecimentos de ensino. Contaram-me também um episódio caricato: num almoço de convívio escolar um aluno cumprimentou todos os seus professores, excepto o professor de educação física. Chamado a atenção, o aluno disse que estava habituado a ver o professor de fato de treino, e não de outra forma, daí a dificuldade no reconhecimento do mesmo. Perante o fato, o professor em causa ficou muito aborrecido.
Que se deve este estigma? O ensino da educação física em Portugal, apesar das honrosas iniciativas, tardou a se generalizar. Foi desvalorizado! A disciplina e os professores foram considerados com um estatuto “periférico”, sobretudo em relação a outras disciplinas (português, matemática, história, físico-química, etc.). Muitos encaixaram socialmente ser os “parentes pobres” do ensino ou uma espécie de “segunda linha” de educadores. Quando alguém fala de educação física e desporto, não sendo da área, mas que estuda profundamente o fenómeno, muitos professores, que se consideram “herdeiros” da temática, chateiam-se e amuam. Outros, porque estão em lugares de poder, até impedem o alavancar de importantes iniciativas.
A criação de vários cursos na área da educação física e desporto, com ou sem qualidade, trouxeram uma divisão na classe e uma desorientação conceptual, metodológica e deontológica. A formação, no ensino superior (universitário e politécnico), tem dado origem a tensões e conflitos. Era importante fazer-se um estudo científico, procurando averiguar como os professores de educação física e desporto, de diferentes escolas de formação, são percepcionados pelos alunos, pelos professores de outros grupos disciplinares e por funcionários da escola."

O treinador do treinador

"Ao longo da minha carreira de treinador profissional de basquetebol, fui ajudado a reflectir sobre o meu comportamento pelo que designámos então ser o “treinador do treinador”. Um apoio do prof. Dr. José Miguez, psicólogo de organizações e então professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Como responsabilidade desse “treinador do treinador”, observar treinos, jogos, reuniões, acompanhar viagens da equipa, questionando-me posteriormente sobre a eficácia a minha liderança. Um exemplo deste tipo de apoio, um texto que me entregou no início da disputa de uma das finais do play-off onde a equipa que eu treinava, o F. C. Porto, acabou por se sagrar campeão nacional.
1. A principal função do treinador é saber gerir paradoxos em situações com um grau de imprevisibilidade terrível. Não existem duas situações iguais, o que funciona agora optimamente, pode ser um “buraco” no momento seguinte.
A história desta final do play-off vai ter muito deste cenário de “parada-resposta”, em que as fases positivas no interior dos jogos e de jogo para jogo, introduzem também elementos negativos que importa saber gerir.
2. As análises que “a posteriori” possamos fazer sobre os factos são potencialmente falsas e geradoras de enviesamentos na delineação das estratégias, pois têm tendência a “fechar-nos” o campo de análise e a perdermos capacidades de intervenção, “bloqueando-nos” quando a situação futura “cai fora” do "mundo que construímos. Ao centrar a estratégia seguinte da equipa, nas situações que funcionaram bem no jogo anterior, correm-se riscos enormes, porque não só os jogadores do jogo anterior “não são os mesmos” do próximo jogo, como também a equipa adversária vai naturalmente preparar-se para “impedir” o que funcionou bem na outra equipa.
3. O próximo jogo será certamente, pela facilidade e/ou dificuldade, diferente do previsto. Prepara-te assim e aos jogadores para serem capazes de gerir o francamente imprevisível. Não faças dos jogadores aplicadores “cegos” da estratégia engendrada pelo expert (ler esperto!) do treinador. Mais do que estratégias globais tipo “quartel-general numa guerra clássica”, importa preparar “mini-soluções” (instrumentos) para serem interpretados e utilizados pelos jogadores, numa vasta panóplia de soluções versus soluções possíveis, tipo “grupo de combate numa guerra de guerrilha.
Quando antes do jogo da final li este texto, estava longe de antever quanto o meu “treinador do treinador” tinha razão. As «paradas e respostas» sucederam-se e culminaram, no quarto jogo, com o lance que decidiu a final a nosso favor do modo mais «imprevisível» possível!
A quatro segundos do final do jogo, recuperamos a posse da bola com o jogo empatado (o adversário podia ter ganho o jogo na posse de bola que lhe pertenceu a 24 segundos do final). Uma recuperação da posse da bola que só foi possível porque, na preparação feita antes do jogo, tínhamos treinado a solução defensiva adequada para o caso daquela situação acontecer. Mas, a partir daí, nada aconteceu como previsto. Durante o desconto de tempo solicitado, após a recuperação da posse da bola, decidimos o que fazer nos quatro segundos que restavam. Mas, ao retomarmos o jogo, foi de imediato visível que o adversário antecipara as nossas intenções. E ali estava o treinador, impotente, «entregue» à capacidade e criatividade individual do jogador com bola, confirmando quanto o meu «treinador do treinador» tinha razão, quando escreveu.
Não faças dos jogadores aplicadores “cegos” da estratégia engendrada pelo expert (ler esperto!) do treinador!
Um outro exemplo que julgo complementar do que acabo de apresentar, tem a ver com a reprodução de uma passagem de uma entrevista à Harvard Business Review de sir Alex Fergusson, o famoso treinador escocês de futebol profissional: Nunca permitimos uma má sessão de treino. Aquilo que vemos nos treinos manifesta-se no campo de jogo. Assim, cada sessão de treino tinha a ver com qualidade. Não admitíamos faltas de concentração. Tratava-se de intensidade, concentração, velocidade, um elevado nível de desempenho. Eu tinha de elevar as expectativas dos jogadores. Estes nunca podiam ceder. Eu dizia-lhes sempre: “Se cederes uma vez, cedes duas”. E a minha ética de trabalho e a minha energia parecem ter-se espalhado por todo o clube. Eu era o primeiro a chegar de manhã. Nos últimos anos, muito do meu pessoal já lá estava quando eu chegava, às sete da manhã. Acho que eles compreenderam por que razão eu chegava cedo — sabiam que havia um trabalho a fazer. Havia aquele sentimento, se ele é capaz, eu também sou. Dizia sempre à minha equipa que trabalhar arduamente toda a vida é um talento. Mas esperava ainda mais das estrelas da equipa. Esperava que trabalhassem ainda mais arduamente. Dizia-lhes: vocês têm de mostrar que são a nata dos jogadores. E era o que eles faziam. É por isso que são estrelas — estão preparados para trabalhar mais. Superestrelas com egos não são o problema que as pessoas podem pensar. Eles precisam de ser vencedores, porque isso lhes massaja os egos, e farão o que for necessário para vencer. Costumava ver o [Cristiano] Ronaldo [um dos melhores avançados do mundo, que joga agora no Real Madrid], Beckham, Giggs, Scholes e outros a treinar durante horas. Tinha de os mandar para dentro. Batia na janela e dizia-lhes “Temos um jogo no sábado!”. Mas eles queriam tempo para treinar. Percebiam que ser jogador do Manchester United não é um trabalho fácil.
Dois exemplos esclarecedores do modo como o “treino do treinador” necessita ser encarado e praticado. Confirmando que os comportamentos podem ser trabalhados em determinadas situações (treinos) desde que estas não se descolem ou percam de vista a realidade (a competição). Reforçando a importância da dimensão intersubjetiva do comportamento, ao mostrar que o exemplo de quem se respeita contribui para a acção.
Identificando uma verdadeira dimensão emocional de partilha e incentivo, fundamental quando cada um individualmente compreende que os objectivos comuns são sempre “maiores” do que os desejos particulares."

O caso Marega

"Em volta do sucedido no passado domingo no estádio D.Afonso Henrqiues durante o jogo entre Vitória e Porto, relativamente ao atleta Marega, anda demasiada poeira no ar e demasiado ruído de fundo para resistir a escrever algumas linhas sobre um assunto que na sua relativa insignificância parece ter-se tornado uma prioridade do país e, pasme-se, das suas principais figuras políticas.
Ao sabor de um populismo, uma futilidade e uma irresponsabilidade que merecerá, certamente, análise noutras instâncias que não as desportivas.
Vamos então ao “Caso Marega”.
Não começa no passado domingo, como alguns poderão pensar, mas sim em 2014/2015 quando ele depois de uma carreira sem qualquer relevo e passada em clubes de divisões inferiores chega à Madeira para representar o Marítimo, onde a par de começar a revelar talento para o futebol revela também uma preocupante queda para a indisciplina e o descontrolo emocional que viriam a valer-lhe multas e suspensões disciplinares pelo clube.
Ainda assim na primeira época faz dezasseis jogos e oito golos e desperta atenções.
Na primeira metade da época seguinte continua na Madeira, onde faz sete golos em dezoito jogos, e em Janeiro de 2016 é transferido para o FC Porto onde em 13 jogos faz apenas um golo e se transforma em alvo preferido do anedotário azul e branco face às suas exibições e aos golos falhados, sendo nas redes sociais e no estádio alvo de frequentes insultos e chacota.
São factos.
No final de época, completamente desvalorizado, sem lugar no plantel portista e sem ter quem lhe pegasse consegue ainda assim ser emprestado ao Vitória perante a peplexidade dos vitorianos que não entendiam o interesse no jogador.
Pese embora isso a partir do momento em que vestiu a camisola vitoriana (a branca ou a preta) foi recebido, apoiado e acarinhado como qualquer outro jogador de qualquer raça ou nacionalidade que vem para Guimarães e recebeu aplausos quando os mereceu e alguma reprovação quando as suas exibições não agradavam aos adeptos exactamente como qualquer outro jogador do clube.
Um dia, frente ao Nacional, com o jogo parado e sem qualquer motivo em mais uma exibição de descontrolo emocional, não arranjou melhor para fazer do que dar um estalo num adversário, ser expulso e deixar a equipa reduzida a dez unidades ainda no decorrer da primeira parte.
Não contente com isso, ao sair do relvado insultou por palavras e gestos os adeptos do Vitória (os tais que agora diz sempre ter respeitado, mas é uma das muitas mentiras de que adiante falaremos) e ausentou-se do estádio partindo tudo o que lhe apareceu à frente no balneário da equipa em mais uma manifestação de puro descontrolo.
Mesmo com esses comportamentos, a SAD do Vitória resolveu não deixar cair o jogador (o que poderia ter significado o fim da sua carreira) e procurou reintegrá-lo no grupo com compreensão pela sua forma de estar ao mesmo tempo que os adeptos também lhe perdoaram o comportamento e continuaram a apoiá-lo como se nada se tivesse passado.
Mais, até para sermos rigorosos.
Marega acabou por fazer uma excelente época, marcando 14 golos em 31 jogos, tornando-se um ídolo dos adeptos que com ele festejavam as vitórias e choravam as derrotas como na final de Taça frente ao Benfica em que o jogador quando descia da tribuna após receber a medalha e finalista quase se envolveu em confrontos com um espectador por força de uma “boca” que ouviu e de que não gostou.
Os colegas evitaram que algo acontecesse, mas o descontrolo estava, uma vez mais, lá.
No final da época regressou ao FC Porto, reabilitado e com o prestígio em alta, fazendo questão de agradecer publicamente ao Vitória e aos vitorianos tudo que tinham feito por ele e pela sua carreira. 
Nos dois anos seguintes sempre que Vitória e FC Porto se encontravam Marega era aplaudido pelos adeptos vitorianos (como na época passada em que saiu lesionado no jogo em Guimarães e foi aplaudido de pé) e em contrapartida nos vários golos que marcou ao Vitória teve sempre o gesto de não os festejar como forma de mostrar o respeito a um clube ao qual assumia tanto dever.
Como já no presente campeonato tinha acontecido no jogo da primeira volta em que Marega fez dois golos e não festejou nenhum deles.
E chegamos a domingo passado.
No qual começo por deixar uma nota pessoal.
Sendo sócio com lugar anual na bancada nascente, precisamente aquela em frente à qual tudo se desenrolou, cheguei ao estádio ainda as equipas não tinham subido para o aquecimento, pelo que tive oportunidade de presenciar tudo quanto se passou. Vi e ouvi. Não me contaram.
E o que vi foi o FCP fazer parte do aquecimento perto da bancada nascente e alguns adeptos vitorianos mais próximos do tereno de jogo (quatro ou cinco) aproveitarem para mandarem algumas “bocas “aos jogadores adversários como acontece em todos os estádios de todo o mundo, especialmente com os guarda-redes, sem que isso acarrete problemas.
Há videos, gravados com telemóveis, dessas “bocas” que, não sendo obviamente simpáticas, também não têm qualquer cariz racista, nem nada que se pareça, pelo que a alegação de Marega e dos responsáveis do FC Porto sobre o assunto são mentira. Uma das várias.
Aliás, se isso tivesse acontecido - os insultos racistas - seria incompreensível que não os tivessem comunicado de imediato ao árbitro e aos delegados da Liga.
No decorrer do jogo, tudo se processou com absoluta normalidade, sem insultos de qualquer espécie (outra mentira de Marega & Cia) especialmente em relação a Marega que vinha produzindo uma exibição tão discreta que quase passava despercebido.
Na única vez em que se mostrou foi quando isolado atirou ao lado da baliza de Douglas, gerando algumas manifestações de descontentamento nos adeptos do... FC Porto, que não se conformavam com semelhante falhanço.
A normalidade foi de tal ordem que ao intervalo ninguém do FC Porto denunciou junto de árbitro e delegados da Liga qualquer tipo de anormalidade.
E chegamos ao fatídico minuto 60.
Em que Marega faz golo e perante o espanto de todo o estádio em vez de festejar junto dos adeptos portistas ali por trás da baliza resolve correr umas dezenas de metros para ir provocar por gestos e palavras os adeptos vitorianos...
...Que reagiram (que adeptos de que clube não o fariam?) de forma indignada com vaias, insultos e arremesso de cadeiras ao jogador não por ele ser negro, mas pelas atitudes que tomou perante adeptos que, ainda por cima, sempre o tinham acarinhado. Se o golo tivesse sido de Otávio, que também passou pelo Vitória (ou de Soares se tivesse jogado e também ele ex-vitoriano), a reacção teria sido exactamente a mesma porque o que estava em causa era a atitude e não a cor da pele.
Depois foi o que se sabe, nos dez minutos em que a indignação de Marega lhe permitiu continuar em campo. Cada vez que tocava na bola era vaiado, insultado num coro imenso de “ Ó Marega vai para o c....” mas sem qualquer cântico racista ao contrário das mentiras propaladas pelo jogador e por alguns responsáveis do FCP.
Não houve um único cântico racista no estádio D. Afonso Henriques!
Houve, isso sim, a atitude lamentável de alguns adeptos vitorianos (dezenas? centenas? não sei quantificar nem me parece que isso alguma vez seja possível) que por breves segundos produziram alguns urros a imitar macacos o que pode ser considerado como uma atitude imbuída de racismo, mas nada mais do que isso.
Foram poucos e foram breves mas sendo identificados devem ser sancionados face à legislação existente.
Depois foi a rábula das cenas de Marega a querer sair do relvado, num descontrolo emocional (mais um) completamente despropositado mas que ainda lhe deixou tempo e disposição para provocar e insultar os adeptos vitorianos antes de desaparecer no túnel.
O que aconteceu em Guimarães foi muito desagradável não vale a pena esconder o facto.
Tem um responsável principal, o jogador profissional de futebol Moussa Marega, e alguns responsáveis secundários, alguns poucos adeptos do Vitória que contestaram o jogador com os tais urros, mas foi um episódio que sendo melhor não ter acontecido não merece de forma alguma o impacto e a divulgação nacional e internacional que está a ter por força do sensacionalismo da imprensa, do oportunismo de forças políticas e de figuras do Estado que cavalgam o populismo do anti-racismo sem sequer perceberem que não sabem do que estão a falar neste caso específico.
Há tanta gente no país a falar de cátedra sobre o que não viu, com base no que lhe contaram, no que leram aqui ou ali, no que ouviram dizer que deviam ter vergonha de ajudarem a enlamear Guimarães e o Vitória com base numa inventona que pode deixar marcas extremamente negativas na imagem de uma comunidade e de um clube.
Guimarães não é racista.
O Vitória não é um clube racista nem de racistas.
Tem mais de sessenta anos de perfeita integração de atletas estrangeiros de várias nacionalidades e raças (desde os primeiros brasileiros que vieram para Portugal pela porta do Vitória na década de 50 do século passado) muitos dos quais escolheram Guimarães para residir depois de terminarem as suas carreiras.
Tem como alguns dos seus maiores ídolos jogadores de raça negra como Ndinga (dez anos no clube, recordista de jogos com a camisola vitoriana, capitão de equipa durante vários anos) , Neno, Jeremias, Rui Rodrigues, Joaquim Jorge, Almiro, Desmarets, Soudani, Ricardo Pereira, Cafú entre tantos outros que poderia citar.
Tem nos seus valores enquanto clube a “assumpção das cores preta e branca como alusão à igualdade e à admissão de todos sem distinção de raças”.
Esta é a minha verdade sobre o que se passou no domingo no estádio D. Afonso Henriques.
A verdade de quem, ao menos, viu o jogo e assistiu a tudo que lá se passou.
Não é uma verdade absoluta, como é evidente, mas o que não é de certeza é uma mentira absoluta como tantas que por aí andam sem qualquer respeito por Guimarães, pelo Vitória, pelos vimaranenses e pelos vitorianos e que estão a lançar anátemas e a criar injustiças a que urge por cobro tão depressa quanto possível.
Porque já há quem esteja a sofrer com esta situação apenas e só por ser de Guimarães e do Vitória.
O combate ao racismo é um combate civilizacional do qual nenhum cidadão, nenhuma colectividade, nenhuma instituição estão dispensados porque significa lutar por valores humanos que não são sequer discutíveis.
Mas o combate à injustiça que o racismo é não pode ser feito com outras injustiças como a de criar bodes expiatórios para os males globais como alguns estão agora a quererem fazer com Guimarães e com o Vitória com base num incidente ocorrido num estádio e que em nada justifica isso."

Houve um tempo em que fomos todos macacos

"Cheguei a Portugal com 9 anos. Da escola aos meus vizinhos mais próximos, houve sempre quem tentasse tirar partido do facto de eu ser preto e eles brancos. Posso inclusivamente confidenciar que a minha mais velha amiga em Portugal e madrinha da minha filha (têm o mesmo nome) cresceu sob a influência de um pai racista. Na escola ou fora dela eram constantes as manifestações de superioridade racial quando ouvia coisas como: “Para preto, falas muito bem”. Ou: “Tu és preto mas não és burro”.
Portanto, desde cedo fui habituado a olhar e a sentir na pele esse problema. Desde situações em que o pai da minha grande amiga dizia para ela não se juntar aos pretos, ao tratamento policial discriminatório, a que assisti de perto, à minha família adulta, até às perseguições dos seguranças à entrada das lojas onde vou fazer compras: fui crescendo com uma noção clara de que os pretos, como eu, teriam sempre de ser muito melhores e fazer muito mais para vingar numa sociedade dominada por tons pálidos.
Enquanto joguei futebol (nunca profissional), desde a formação até aos seniores assisti e senti vários ataques racistas. A mim, a outros colegas de equipa e a jogadores adversários. Enquanto treinador, ainda mais. Fossem os pais dos jogadores da minha equipa ou o público adversário que assistia ao jogo da bancada. Os sons a imitar macacos, chimpanzés ou outros primatas, as vozes que gritavam “preto de merda”, “vai para a tua terra”, ou, pior, os apedrejamentos que apenas seleccionavam os elementos da equipa com a pele mais escura são-me tremendamente familiares.
Conheço-os bem, vivi de perto, senti na minha pele escura o peso do tom que ela carrega.
Porém, tive a sorte de conhecer um irmão branco que me deu uma outra mãe, um outro pai, uma outra família que me ama tanto como se tivesse sido fruto da criação deles. Nunca me limitaram ou sequer insinuaram alguma coisa por causa das nossas diferenças, mas sempre me abraçaram por aquilo que nos unia. Com eles e com a minha mãe preta aprendi que, enquanto os insultos não limitassem as minhas acções eu deveria fazer o máximo possível para responder com mais elevação, uma vez que era essa a melhor forma retirar importância a quem se sentia importante sempre que me sentisse ofendido. Endureci com a experiência, tornei-me um pouco mais frio, e com isso fui-me sentindo cada vez menos vítima e cada vez mais parte da solução de um problema que me afectava de forma profunda.
O racismo é, e tem sido, um grande flagelo de uma sociedade evoluída que se quer pintar como multicultural. É parte de um problema maior – a discriminação -, e a forma como tem sido ignorado não ajuda a que se encontrem soluções para um problema real e que afecta vários quadrantes sociais. Há quem tente omitir que o problema existe, e esse ponto de partida é o que tem impedido em larga medida que se encontrem soluções duradouras, para lá da moldura penal, que nos eduquem de forma adequada para conseguirmos dar melhores respostas quando enfrentamos uma situação clara de discriminação.
Não criticando as diferentes reacções que os alvos de racismo podem ter, uma vez que cada um tem uma experiência de vida diferente, sentiu coisas diferentes, aprendeu coisas diferentes, e tem todo o direito de agir em legítima defesa, a melhor resposta a dar aos parvos que discriminam é retirar importância ao acto. E isso, à longo prazo, acabará por ter repercussões em massa. Pensemos nisso como numa criança que encontra o ponto de fragilidade para irritar outra: quando isso acontece, a criança não para enquanto o outro se sentir irritado pela brincadeira. Quando, num acto de lucidez, a outra criança deixa de se importar, a brincadeira deixa de ter piada e termina. De repente, uma vítima transforma-se apenas num alvo que não se deixa vencer pela parvoíce alheia. Claro que o problema também deve ser atacado numa perspectiva de educação, e de punição (em casos graves) por parte de quem discrimina; mas educar quem sofre a saber defender-se é parte importante da solução e ninguém parece ter grande interesse em pensar nisso.
Todos nos lembramos de como o Cristiano Ronaldo, durante um largo período, era assobiado em todos os estádios por onde passava. Uma vez ele referiu numa entrevista que esse tipo de recepção hostil o motivava ainda mais a vencer o jogo e a querer marcar golos ou fazer assistências. A coincidência disso é que durante um par de anos ele foi fazendo golos nos estádios onde era mais maltratado, e nos anos seguintes desapareceram os apupos. A resposta dele não foi vitimizar-se, mas sim responder de forma superior e o problema deixou de existir.
Claro que estamos a falar de alguém com uma força mental extraordinária, mas a sociedade cresceu e evoluiu sempre que se fez uso dos melhores exemplos do passado para educar o futuro. É também óbvio que a educação, a aculturação de comportamentos, não se faz a curto prazo. Como em tudo na história, o reflexo das acções percebe-se ao longo de gerações; mas temos uma oportunidade única para começar a pensar que o problema está nos parvos que usam a discriminação para atacar os alvos que definem, mas também na vítima que não se sabe defender de forma a que aquele agressor não a volte a alvejar.



Os parvos vão continuar a existir e dependendo do tipo de resposta que lhes dermos, dependendo se recompensamos ou não os desejos que eles têm de que nos sintamos ofendidos, estaremos a incentivar mais ou menos o uso dessa parvoíce como arma de ataque. As vítimas podem ser sempre grandes agentes catalisadores de uma resposta positiva e duradoura.
Houve um tempo em que fomos todos macacos. Aprendi com Daniel Alves a melhor resposta."

Futebol português, pieguices e atropelos

"E aqueles directos televisivos de jogos em que quatro ou cinco indivíduos assistem e comentam uma partida que está a decorrer, sem que o telespectador a consiga observar? No mínimo patético.

É um mero reflexo do que se transformou – ainda em manifesta fase de metamorfose – o futebol nacional: programas e mais programas televisivos (jamais chamar àquilo debates), nomeadamente nas noites de Domingo e Segunda-feira, onde não se fala, não se discute de forma cívica o que se assiste no fim-de-semana futebolístico. Programas em que os convidados se atropelam uns aos outros, sem respeito algum pelo telespectador. Parecem, e agora que se aproxima a chegada do famigerado e controverso Valentim, casais de namorados que mantêm relações desavindas há largos anos, sem um possível entendimento à vista. Dou por mim a desejar, pasme-se, cambiar o canal televisivo para um reality show daqueles em que os concorrentes afirmam que a Islândia fica na América do Sul, que a Hungria faz fronteira com o Panamá ou que Salgueiro Maia terá sido um saxofonista da Filarmónica de São Brás de Alportel.
Entre advogados, políticos, ex-presidentes de autarquias, ex-atletas do Benfica, FC Porto, Sporting e… Damaiense, assumem o papel de adolescentes embirrantes, reflectindo – e alimentado — o estado a que o futebol português chegou, com “teias” que atingem todos dentro, e até fora, dele, onde qualquer um procura amealhar o que conseguir com transferências e negócios dúbios, e de toda uma ganância atroz e perversa à qual a nossa débil classe política, também ela muito alicerçada ao negócio “da bola” do advento do século XXI, finge estar cega, quando, esperamos, que, um dia, tenha a essencial audácia para tomar medidas que possam voltar a levar famílias, a namorada, a amante, a amiga da amante, às bancadas dos estádios que, numa Sexta ou numa Segunda-feira à noite, num jogo “pequeno” (Desportivo das Aves vs. Portimonense, Moreirense vs. Belenenses, por exemplo) não contarão com mais de um milhar de almas perdidas num vazio de betão.
O meu Beira-Mar, um histórico inequívoco, é um dos muitos casos que se viu vitimizado por esta vaga do futebol avarento e parco em valores. Farense, Salgueiros e União de Leiria são outros exemplos. O Famalicão por lá passou, tal como o Tirsense, que ainda por lá anda. A própria Académica de Coimbra, fulcral na democratização do país, através da “Crise de 1969”, também se encontra, apesar de algumas diferenças, na “corda bamba”. Adiante.
Voltando à TV: e aqueles directos televisivos de jogos em que quatro ou cinco indivíduos assistem e comentam uma partida que está a decorrer, sem que o telespectador a consiga observar? No mínimo patético. Torna-se hilariante (e confrangedor) ficar a apreciar o semblante de emoções de cada um dos rapazes durante duas horas. É por estas e por outras que continuo um adepto incondicional do relato radiofónico. Uma verdadeira arte!
Fora tudo isso, falem, conversem e debatam para que toda a gente possa compreender minimamente o parecer de cada um. Sem pieguices e sem atropelos desrespeitadores para com os telespectadores. Vá, já têm idade para ter juízo."

O futebol traz ao de cima o pior que há nas pessoas

"O futebol serve precisamente para sublimar essas emoções e descarregar as frustrações do dia a dia. Se até pessoas civilizadas são capazes de perder a cabeça e de fazer coisas impensáveis, o que se poderia esperar então de verdadeiros energúmenos e indivíduos sem educação?

O que se passou na noite de domingo no estádio D. Afonso Henriques, em Guimarães, não foi nada bonito. A atitude dos adeptos do Vitória, que imitavam um macaco de cada vez que Moussa Marega tocava na bola, destacou-se pela baixeza – até porque o maliano já lhes deu muitas alegrias no passado.
Mas o coro de condenações a estes insultos também parece ele próprio exagerado. Até porque atitudes deste género infelizmente são muito comuns no meio do futebol. Só quem nunca foi a um estádio pode achar estranha a situação. E isto tem uma razão de ser muito simples: o futebol consegue trazer ao de cima o pior que há nas pessoas, os seus instintos mais básicos e primários. Diria mesmo mais: para muitos, o futebol serve precisamente para sublimar essas emoções e descarregar as frustrações do dia a dia. Se até pessoas civilizadas são capazes de perder a cabeça e de fazer coisas impensáveis, o que se poderia esperar então de verdadeiros energúmenos e indivíduos sem educação?
Um dos problemas é que os dirigentes, em vez de contrariarem estes instintos tribais, gostam de os acicatar. Veem o futebol como uma guerra em que vale tudo e acham que quem insulta mais e agride mais os adversários está em vantagem. Promovem esta cultura de ódio através das suas declarações mas, sobretudo, através dos seus procuradores em programas infindáveis (na quantidade e na duração) que monopolizam o espaço televisivo. Não é o caso do Vitória de Guimarães, que até nem tem representação nesses fóruns – mas todo o clima em torno do futebol fica contaminado. E depois admiram-se que haja situações menos edificantes nas bancadas...
O caso Marega pode pois chocar alguns, mas não surpreende. O que surpreende é talvez a rapidez com que os principais responsáveis políticos reagiram. E até a PGR já anunciou ter aberto um inquérito. Assim as autoridades actuassem com a mesma celeridade em casos mais graves mas que, como não envolvem o desporto-rei, não têm nem um décimo do mediatismo."

Ver longe...

"O Primeiro-ministro, relativamente ao caso Marega, colocou nas redes sociais a sua indignação afirmando que condena “todos e quaisquer actos de racismo, em quaisquer circunstâncias”. E acrescentou a sua “total solidariedade com Marega, que no campo provou ser não só um grande jogador, mas também um grande cidadão”.
Apoiado mas não chega. Desde logo porque o caso Marega é uma das anomalias mais significativas do futebol que ameaça propagar-se por todos os espectáculos desportivos.
Por isso, o Primeiro-ministro para ser consequente com a sua indignação deve ir às causas do problema porque já são demasiados os factos que, em matéria de desporto, começam a manchar o nome de Portugal. Temos as mais baixas taxas de prática desportiva da Europa e, em consequência, aí está o racismo com todo o esplendor da sua boçalidade.
O desporto na sua prática nunca foi racista. As imagens obtidas nos Jogos Olímpicos de Berlim (1936) do alemão Luz Long a confraternizar com o americano Jesse Owens são uma das provas mais concludentes disso. O racismo surge quando o espectáculo pelo espectáculo prevalece, em regime de exclusividade, sobre a prática desportiva pela prática desportiva. Quando tal acontece, valores extrínsecos ao desporto tal como o bairrismo, o clubismo, o nacionalismo, a xenofobia, o racismo, o ódio, o terror e a morte, prevalecem sobre os valores intrínsecos ao desporto como, entre outros, a amizade, o respeito, a cooperação, a beleza do movimento, o prazer do esforço e do rendimento, a superação, o recorde e vitória em nome de um ideal ao serviço do desenvolvimento humano.
Por isso, devido ao estado caótico em que o Sistema Desportivo nacional se encontra, nunca será com o actual Programa de Governo para a área do desporto do qual se desconhecem os projectos e os programas devidamente articulados no espaço e no tempo tendo em consideração as modalidades e os vários sectores de prática desportiva que, algum dia, estas questões serão resolvidas. Sem educação desportiva promotora de cultura e civilidade, por mais autoridades para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto que se instituam, por mais prisões, julgamentos, condenações que possam acontecer, a situação tenderá sempre a piorar.
O que tem acontecido nos últimos anos é que os governos, ignorando a promoção da educação desportiva, despejam acriticamente milhões de euros no rendimento desportivo a fim de alimentar o espectáculo e, depois, esperam que a generalidade das pessoas que frequenta os recintos desportivos se comporte como quem vai à ópera.
Sugiro ao Primeiro-ministro que, para além das chefias que de há longos anos a esta parte, por acção ou omissão, instituíram um silêncio insuportável que caracteriza o pântano desportivo nacional, providencie no sentido de ser constituído um grupo de trabalho independente e multidisciplinar que, no prazo de seis meses, elabore as linhas mestras de uma plano estratégico para o desporto nacional que, do ensino ao alto rendimento, apresente um conjunto de propostas devidamente objectivadas, a desencadear a partir de um acordo de regime interpartidário com início no Ciclo Olímpico de Paris (2020-2024), tendo em conta um horizonte temporal de três Ciclos Olímpicos.
Trata-se de, parafraseando Gaston Berger, ser capaz de ver longe e com amplitude, analisar em profundidade, arriscar e pensar no desenvolvimento desportivo do País ao serviço de todos os portugueses.
A não ser assim, o vergonhoso caso Marega será, tão só, o precursor daquilo que está para vir."