domingo, 26 de janeiro de 2020

Chamem o guarda Abel para pôr ordem nas claques

"A globalização teve o efeito curioso de transformar as conversas de tasca em verdades absolutas. Quando os compinchas, à volta de copos de três, diziam de sua justiça, muitas vezes as conversas azedavam e acabavam em vias de facto, mas tudo morria à porta da tasca.

Hoje, com o poder das redes sociais e a proliferação de programas televisivos que clonam as brigas de tasca, a história é completamente diferente. Figuras que eram importantes na tasca ganharam um protagonismo quase nacional e tornam-se actores principais num mundo que mistura o virtual com a realidade. E é por isso que hoje há um certo histerismo à volta de quase todos os assuntos que são colocados na agenda pelas ditas redes sociais, depois ampliadas pelas televisões.
Veja-se o caso das claques. Os membros das mesmas eram os maiores na rua deles e hoje são personagens que merecem destaque na comunicação social. E, como tal, julgam-se os donos dos clubes e que estão acima da lei. O que se passa no FC Porto, Sporting e Benfica – embora neste caso estejam todos na paz do Senhor, já que o clube vai ganhando a nível interno; o pior será quando Filipe Vieira começar a ser contestado – é verdadeiramente inconcebível. Qual a autoridade que as claques têm para dizer que são elas que mandam nos clubes? Como podem tentar ou mesmo conseguir agredir jogadores e treinadores? Mas vivemos nalguma república das bananas?
As claques servem, ou deviam servir, para apoiarem a equipa e para votarem na eleição das direcções. Tirando isso, não se percebe como continuam a obrigar os clubes a pagarem multas por lançarem artefactos pirotécnicos para os relvados, quando elas é que deviam ser penalizadas.

P. S. Já diz o ditado que quem com ferro mata, com ferro morre. Pinto da Costa sempre deu gás, à semelhança de presidentes de outros clubes, às claques, e agora está refém das mesmas. O que se passa no reino do dragão era impensável nos tempos em que o guarda Abel mandava na claque, com Carolina Salgado atrás."

Cobardia?!



"É difícil trabalhar sem dignidade. Verdade. Não é fácil ser treinador num sitio onde o que menos vale é o jogo ou o trabalho do próprio treinador. Primeiro, o endeusamento de um Presidente que confessou o crime de corrupção desportiva e exerce uma tutela quase parental sobre o treinador. Em segundo, é prestar tributo a um conjunto de adeptos que não respeitam atletas, dirigentes e, claro, o próprio treinador. E ainda afirmam ser o próprio clube. Em terceiro, é alinhar-se com um departamento de comunicação paranóico e desacreditado por várias fraudes e delinquências. Todos estes se afirmam superiores ao treinador do Porto e na sua diversidade extrínseca estão ligados por investigações que podem resultar em condenações civis e penais. Ou seja, ser treinador do Porto é ser uma figura menor, embora útil, de um gigantesco esquema de coação. É aceitar tudo o que for preciso para que o Porto ganhe. Mesmo tudo. Não raras vezes ouvimos ex-atletas falarem do seu tempo de jogadores do Porto e percebemos o que se passa, o que é "o tudo"... Também é difícil, só em meia época, já ter sido acusado de se envolver em confrontos físicos com o capitão de equipa e com outro treinador, durante um intervalo de um jogo. Portanto, trabalhar nestas condições é recorrer à manipulação da verdade para "parecer" ter condições de liderar, quando na verdade não se tem o respeito de ninguém: jogadores, colegas, adeptos, comunicação social, árbitros, a sociedade em geral. Para tanto, contribui a aceitação de alguém que se senta ao seu lado numa conferência de imprensa para tratar da sua incapacidade, da sua incontinência verbal e emocional. Ser treinador nestas condições é estar proibido de reconhecer o mérito de um campeão - o Sport Lisboa e Benfica - que recupera um atraso de sete pontos e assume a liderança, num confronto directo, na casa do rival, só porque existe uma cartilha de ódio para seguir. Ser treinador, assim, é dar a cara por uma cultura de violência e ficar refém da mesma. Por tudo isto, e muito mais, é que Sérgio Conceição, após mais uma derrota humilhante e indesculpável, por ser a segunda em oito dias, não se demite e "apenas" põe o lugar à disposição, invocando desculpas de mau perdedor. Ser treinador nestas condições é ser cobarde."

FC Paços de Ferreira x SL Benfica: Domingo de festa

"O Benfica visita a capital do móvel consciente das suas obrigações enquanto candidato ao título.
A almofada de sete pontos alcançada há uma semana é para manter e nada melhor que um Domingão de bola para alegrar os benfiquistas do norte, com a esperada enchente que se transformará num mar da típica alegria que caracteriza o apoio à equipa nas deslocações acima do Mondego.
Na Mata Real, templo do Portugal futebolístico, os encarnados encontram uma equipa regressada do ocaso da divisão inferior mas recheada de talento, já que Janeiro foi amigável para a turma de Pepa. Stephen Eustáquio e Adriano Castanheira vieram empregar o talento que faltava no onze pacense, que até agora se conseguiu manter acima da linha de água com algumas dificuldades.
Porém, talvez, tal acréscimo de qualidade não seja argumento suficiente para convencer a tradição a mudar: em 22 visitas dos lisboetas a Paços de Ferreira, contam-se 14 vitórias e apenas três derrotas, estatística pesada para uns castores que tudo farão para pontuar frente ao Campeão Nacional. A última delas foi o famoso 1-0 de 2014-15, resultado que á altura fez o Benfica de Jorge Jesus balançar na luta dum título que viria a ganhar.

Como Jogará o Benfica?
Bruno Lage não tem razões para fazer grandes mudanças no onze ou na forma de jogar da equipa, já locomotiva a todo o vapor no topo da tabela e na corrida ao troféu de campeão. A principal dúvida será Rafa, que completamente recuperado insurgir-se-á quanto a vaga entre os titulares, apesar das exibições muito capazes de Cervi.
Uma das soluções seria incluir a figura da vitória em Alvalade no papel de segundo avançado, tarefa que pode desempenhar, como referiu o treinador na conferência de imprensa: «Conto com o Rafa para as três posições: ala esquerdo, ala direito ou avançado», não sem antes acabar de vez com os rumores que indiciavam um suposto interesse do jogador em mudar de ares com uma curiosa confissão, ao afirmar que «o sonho dele é ser presidente do Benfica, foi isso que ele me disse hoje. Está tudo dito».
A existir alterações, será essa a mais notória na escalação do onze, relegando Chiquinho para o banco de suplentes.

Jogador e Ter Em Conta - Julian Weigl
Depois da introdução no onze e dos processos simples que demonstrou, alegando a seu favor a inteligência de perceber o contexto da sua entrada numa época a decorrer e da necessidade de criação de rotinas com os colegas, Julian terá agora oportunidade para começar a desenvolver o seu verdadeiro futebol.
Espera-se mais desenvoltura no momento ofensivo do internacional alemão, arriscando mais no passe vertical, uma das suas imagens de marca. As suas qualidades de regista, se exploradas a fundo, contribuirão para vitória confortável da turma encarnada e permitirão maior liberdade a Pizzi e Rafa, recebendo o esférico em melhores condições e em zonas nunca antes imaginadas.

Onze Provável
Odysseas; André Almeida, Rúben Dias, Ferro e Grimaldo; Pizzi, Weigl, Gabriel e Cervi; Rafa e Vinícius.

Como Jogará o Paços de Ferreira?
A equipa de Pepa vem de um empate caseiro frente ao Gil Vicente de Vítor Oliveira, que culminou num ciclo de quatro jogos sem perder e sem sofrer qualquer golo, melhorias substanciais face à primeira volta.
A ida ao mercado de inverno foi frutífera para a equipa, aumentando o plantel em termos qualitativos com as entradas de Marcelo (ex-Rio Ave e Sporting), Stephen Eustáquio, João Amaral e Adriano Castanheira, um prodígio que despontava nas Beiras ao serviço do Sporting da Covilhã.
A consolidação de Eustáquio junto a Pedrinho no centro do terreno deu segurança à equipa e elevou a sua capacidade do controlo da posse de bola, num duplo-pivot que oferece mais e melhores soluções aos desiquilibradores da frente. A principal ausência será Maracás por acumulação de amarelos, sendo muito provável a aparição de Marcelo no eixo da defesa ao lado de Marco Baixinho.
O resto do onze deverá manter-se sem mais alterações, fruto da saúde e disciplina da generalidade do plantel, constando apenas dois nomes no boletim clínico: Bruno Santos e Luiz Carlos.

Jogador a Ter Em Conta – Stephen Eustáquio
Só as lesões impossibilitaram Stephen de vestir camisolas mais prestigiadas até agora. A aventura no México não correu totalmente bem e o luso-canadiano volta a Portugal para se afirmar de vez em contexto nacional.
Até agora, recém-chegado que é a Paços de Ferreira, conseguiu já assumir as rédeas de um meio-campo refém de organização e capacidade de controlo da posse de bola. O talento que tem, as doses cavalares de inteligência futebolística e a visão ampla do rectângulo de jogo serão entraves para a capacidade defensiva encarnada.
Da forma como o Benfica irá condicionar Stephen dependerá todo o desenrolar do jogo e o desfecho final. Um dos verdadeiros craques que nos permite testemunhar a sua genialidade em território luso. 

Onze Provável
Ricardo Ribeiro; Jorge Silva, Marco Baixinho, Marcelo e Oleg; Pedrinho e Stephen Eustáquio; Hélder Ferreira, João Amaral e Adriano Castanheira; Douglas Tanque"

Antevisão FC Paços de Ferreira x SL Benfica

"⚽ 18ª Jornada da Liga NOS
📅 Domingo, 26 de Janeiro de 2020
⏰ 17h:30m
🏟 Estádio Capital do Móvel
📺 SportTV1
E num piscar de olhos temos aí a segunda volta. O Benfica desloca-se a Paços de Ferreira para continuar na senda das vitórias e trazer para a Capital mais três pontos. Na pesquisa do histórico de confrontos entre Paços de Ferreira e Benfica, em jogos fora, descobri que há 5 anos, neste mesmo dia perdemos lá 1-0. Hora da vingança!
🔴⚪ Benfica
▶ Depois na entrada no derby, será curioso ver se Bruno Lage aposta em Rafa a titular.
▶ O Benfica vem se uma série de 14 (!) vitórias consecutivas no campeonato.
▶ Bruno Lage continua invencível em jogos fora de casa, para o campeonato, sendo que ainda não passou o teste de Paços de Ferreira, pois o ano passado o Paços estava na segunda Liga.
🟡🟢 FC Paços de Ferreira
▶ Após a mudança de treinador, Pepa veio trazer nova dinâmica à equipa e colocou-os num caminho positivo, onde levam quatro jogos sem perder.
▶ Consistência defensiva: nesses últimos quatro jogos, o Paços de Ferreira não sofreu qualquer golo. 
▶ Ter em atenção os reforços de inverno, principalmente Adriano Castanheira e Stephen Eustáquio. 
▶ É sempre complicado jogar com equipas que precisam de somar pontos, e o Paços é uma delas e nada melhor que tentar roubar pontos a um grande.
Onze provável do Benfica:
Homero
Grimaldo, Ferro, Rúben Dias, Tomás Tavares
Weigl, Gabriel, Cervi, Pizzi
Rafa e Vinícius
Histórico de Confrontos:
24/02/2018: FC Paços de Ferreira 1x3 SL Benfica
18/03/2017: FC Paços de Ferreira 0x0 SL Benfica
20/02/2016: FC Paços de Ferreira 1x3 SL Benfica
26/01/2015: FC Paços de Ferreira 1x0 SL Benfica
16/02/2014: FC Paços de Ferreira 0x2 SL Benfica
🔮 Palpite da Magda
FC Paços de Ferreira 0x4 SL Benfica
A quem for a Paços já sabe, é do início ao fim a puxar por eles!"

Manuel Antunes e Eduardo Lourenço

"Lembro, amiudadas vezes (e com alguma vaidade) que, nas minhas aulas, no INEF, no ISEF, na FMH, aconselhava os alunos à leitura dos grandes escritores portugueses, tais como a Sophia, o Torga, o Régio, o Herberto Helder, o Abelaira, o José Cardoso Pires, o António Lobo Antunes, o Saramago, o Manuel da Fonseca, o Fernando Namora, o Orlando da Costa, etc., etc. E dizia-lhes mesmo que nunca entenderiam o desporto, se não acompanhassem o estudo do treino desportivo e da sociologia do desporto e da antropologia do desporto e da epistemologia da motricidade humana, sem uma visita reflexiva à obra destes autores.
Hoje, lembraria outros romancistas e poetas, como é evidente. O José Tolentino Mendonça, o Gonçalo M. Tavares, o Afonso Cruz, o Miguel Real, o Mário de Carvalho, o Miguel Sousa Tavares são os nomes que, imediatamente, me ocorrem. Quando digo que não há remates, há pessoas que rematam, que não há fintas, há pessoas que fintam, que não há jogos, há pessoas que jogam – eu pretendo afirmar que nos encontramos no âmbito das ciências humanas, onde se estuda o “facto humano, em situação de desporto” e portanto os sentimentos, as emoções, o “vivido” também. Trabalhava eu, durante a década de 60, no C.F.”Os Belenenses” e mesmo com nulo conhecimento do treino desportivo (hoje sei um pouquinho mais, graças às lições que recebi, principalmente do David Monge da Silva e dos treinadores José Maria Pedroto e Jorge Jesus e José Mourinho) rapidamente concluí que o treino desportivo de alguns treinadores pouco tinha de científico pois que, para eles, no estudo do humano, só o quantitativo, o objectivo contavam. Nunca esquecerei o meu primeiro encontro com José Maria Pedroto, num Congresso de Medicina Desportivo, quando, por entre o rumor de vozes de uma “pausa para café”, ele me questionou: “ Por que diz que o treino desportivo está errado?”. E assim nasceu uma amizade que muito me honra… hoje e sempre! Ainda há poucos dias, o Jorge Jesus me repetia o que já me disse tantas vezes: “Nunca aprendi futebol consigo mas quando um dia me disse “não há jogos, há pessoas que jogam” ensinou-me o fundamento de tudo aquilo que eu faço como treinador”. O meu querido Jorge Jesus que muitas vezes acaricio, como se de um filho meu se tratasse…
No livro A Europa Ao Espelho de Portugal, o seu autor, José Eduardo Franco, entre os nomes maiores do pensamento português, deu merecido relevo a Manuel Antunes e a Eduardo Lourenço. Há muitos anos venho dizendo que o desporto é o fenómeno cultural de maior magia no mundo contemporâneo e, fundamentado em Arnold Gehlen, mormente na tradução, para castelhano (Ediciones Sígueme, Salamanca) do seu livro Der Mensche, vou repetindo que o Homem (e a Mulher) é um ser práxico; que é um ser carente, “en efecto, morfologicamente, el hombre, en contraposición a los mamíferos superiores, está determinado por la carência que en cada caso hay que explicar en su sentido biológico exacto como no-adaptación, no-especialización, primitivismo, es decir: no-evolucionado (…); e, por isso, um ser que nunca está terminado”. Para mim, porque é um ser demasiadas vezes mergulhado na consciência e neblina da sua incompletude, visando sempre a transcendência, em fome e sede permanentes do Absoluto. No entanto, há que não esquecê-lo: “o valor do espírito, de que falava Valéry, está em baixa, destronado pelo consumo e pela cultura mediática do divertimento. O que é que se verifica? 36% dos adultos, com mais de 15 anos, nunca lêem jornais, 38% nunca lêem um livro e cada vez é mais reduzido o número de jovens, mas também de menos jovens, que lêem mais de um livro por trimestre. O que é verdadeiro até entre os licenciados (…). O capitalismo e o hedonismo consumista afastaram a cultura literária e artística do seu lugar eminentíssimo. Desde então, o fútil tem valor de cultura (…). A noção de declínio do valor da cultura é sem dúvida verdadeira, pelo menos no que diz respeito às humanidades, à literatura e à filosofia (…). Os debates de ideias e entre escolas adversas, as posições e as controvérsias filosóficas viram a sua aura diminuir e o seu poder de fascinar e influenciar e fascinar enfraqueceram rapidamente. Já não há “ismos”, já não há grandes figuras carismáticas e há cada vez menos pensadores influentes” (Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, A Cultura-Mundo: resposta a uma sociedade desorientada, Edições 70, Lisboa, 2010, p. 127).
Enfim, enleados e manipulados pela sociedade de mercado, para os homens e as mulheres hodiernos o fútil, o ordinário, as citações de acervo comum já são cultura. O Padre Manuel Antunes, manifestando algum fascínio pela crítica de Herbert Marcuse à “sociedade unidimensional” e ao “homem unidimensional”, visíveis (no seu tempo e hoje ainda) no marxismo coletivista e no capitalismo sem freios; descortinando em Heidegger, Hegel, Marx e Freud os mestres onde Marcuse bebia, como em fluvial e límpida correnteza - abunda, com Marcuse, na convicção de que o nosso tempo é fruto da “razão tecnológica”, que outros valores não tem que satisfazer os mais naturais e profundos instintos do ser humano. E, por isso, donde nasceu “um homem que terá em Orfeu e em Narciso, profundamente reinterpretados, os seus grandes mitos e os seus grandes símbolos (…). Um homem que não terá complexos, nem de culpa, nem rigorosamente de superioridade, uma vez que tudo lhe será permitido sem esforço, como sem esforço tudo lhe será oferecido sem luta, sem vontade de poder, sem tensão. Um homem a quem Eros assistirá solícito em todas as situações e que, por isso mesmo, poderá brincar com o Logos a seu bel-prazer”. Mas, “que pensar (observa Manuel Antunes) de uma tal filosofia, na sua parte positiva ou, se se quiser, na sua mensagem? Que ela se reduz a uma antropologia e que esta contém não pouco de mitologia” (Manuel Antunes, “Occasionalia” – homens e ideias de ontem e de hoje, Multinova, Lisboa, 1980, pp. 533/534). Uma utopia, de facto, desenhada ao sol dos filósofos europeus acima citados e portanto com a dialéctica (embora de sinais diferentes) de Hegel e Marx e do pan-sexualismo de Freud, intemporal e permanente. Mas uma utopia sem o Absoluto. Não um Absoluto, para falarmos d’Ele, mas um Absoluto, para falarmos de nós. Sem o Absoluto não passamos, de facto, de uma besta sadia, de um cadáver adiado que procria, usando as palavras e as ideias de Fernando Pessoa.
Voltemos a Manuel Antunes, desta feita ao seu livro Repensar Portugal (Multinova, Lisboa, 1979): “A Europa é o continente da universalidade, pela sua ciência, a sua técnica, a sua cultura. A Europa é o único continente que, tendo tido tantas experiências de divisão conflitual, quase mortais, poderá, graças à sua unificação, a todos ou a quase todos os níveis, constituir para os outros continentes divididos experiência válida de como se pode chegar à unidade” (p. 59). Mas Portugal, com os Descobrimentos, não o podemos esquecer, abriu as portas ao processo de unificação da Terra inteira. E, hoje, com o fim das colónias portuguesas, o nosso “velho” pioneirismo permite-nos uma experiência de universalidade que (passe a imodéstia) mais ninguém tem, no mundo todo. “Donde, a importância decisiva de o renascimento de Portugal adquirir um sentido novo. O padre Manuel Antunes almeja que esse sentido novo seja consubstanciado no exercício de um papel de mediação internacional não apenas em proveito do povo lusitano, mas para a humanidade mais larga, a começar pelos povos de expressão portuguesa, antiga ou recente” (José Eduardo Franco, A Europa ao Espelho de Portugal, Temas e Debates-Círculo de Leitores, Lisboa, 2019, p. 248). E, com a criação de um “mundo português” maior e melhor do que o mundo português de Salazar, uma utopia nova renasce, com a redefinição de Portugal livre e democrata, mas também como mediador para um tempo que se deseja nascituro. Eduardo Lourenço, em livro que, por si só, deveria garantir ao seu autor o convite para professor catedrático de uma licenciatura em Filosofia (refiro-me ao livro de Miguel Real, Eduardo Lourenço e a Cultura Portuguesa, editado pela Quidnovi, em 2008), definiu-se como heterodoxo e, a partir de um tempo em que ser heterodoxo “significava mais a afirmação da coragem de recusar e contestar as duas ortodoxias dominantes (o catolicismo dogmático de Gonçalves Cerejeira e o comunismo dogmático de Álvaro Cunhal) do que prestar um conteúdo argumentativo concreto à sua posição” (p. 19). Afinal, trinta anos depois, “o lema político erguido por Mário Soares, em 1975, na Alameda da Fonte Luminosa, em Lisboa, A Europa Connosco, constituiu a expressão social concreta do triunfo da heterodoxia” (p. 19).
José Eduardo Franco, no livro A Europa ao Espelho de Portugal, apresenta, no seu entender, as duas fases do pensamento de Eduardo Lourenço, sobre a Europa: na primeira fase, “mitifica, glorifica e endeusa” a Europa, para concluir que dela nos encontramos lamentavelmente distanciados; na segunda fase, “a Europa é e torna-se cada vez mais o nosso grande paradoxo histórico: se foi e parece ainda ter de ser uma tábua de salvação. Emblema do nosso progresso e do orgulho de fazermos parte de um clube de oásis herdeiros das Luzes acendidas há três séculos, é também a nossa cruz e o nosso aguilhão, que nos oprimem e impedem de guiar livremente o nosso destino e fazer as nossas escolhas. O Tempo dirá quem falará mais alto!” (p. 283). Tornemos a Eduardo Lourenço: “Este olhar de Portugal como Europa, não enxergando nada diante dele que valha a pena – salvo uma América que se prepara para ser o Império Romano que a Europa não tem a força de sonhar – não é apenas a utopia de uma poeta apto como ninguém para apreender a ausência da realidade do que chamamos Mundo e História, enquanto espera uma cada vez mais improvável vinda de Godot, mas o mito mesmo de uma cultura que a nossa Poesia glosará sem fim, o mito sebastianista que não tem, em suma, outro conteúdo que não o regresso sem fim de Portugal ao seu estatuto onírico de olhar-mundo que foi outrora, por conta da Europa e de ninguém”(pp. 263/264). Por isso, acrescenta José Eduardo Franco, “a carência de mitificação necessária para concitar afectividade e emoção pela Europa como um todo é um dos aspectos estruturantes da fragilidade europeia actual” (p. 265). Faltam-nos mitos a pensar e a liderar a Europa; falta-nos uma constante presença numa séria reflexão sobre os acontecimentos, desde a política ao desporto; faltam-nos Mestres profissionais da aprendizagem e não do ensino. É preciso saber pensar e aprender a aprender – que não são problemas apenas técnicos, pois que se trata da formação de um sujeito capaz de criar a sua própria história. Repito uma frase muito minha: o desporto é o fenómeno cultural de maior magia, no mundo contemporâneo. Quero eu dizer: os desportistas muito terão a aprender com o padre Manuel Antunes, Eduardo Lourenço, Miguel Real, José Eduardo Franco e alguns mais. Para um desporto novo - este é o primeiro passo!"