«João Pinto? Quem o deixou sair do SL Benfica devia estar preso»

"A alcunha de Craque Saloio adivinha-lhe as origens, humildes e rurais, bem a norte do Tejo. Cavalão, como carinhosamente o “Capitão” Mário Wilson o apelidava, revelava a sua capacidade para percorrer os campos a galope. Toni do Benfica denuncia o clube do seu coração e pelo qual somou quase quatro centenas de jogos em 13 épocas de águia ao peito como jogador. Na Luz, orientou inúmeros iluminados, entre os quais João Vieira Pinto e Rui Costa, mas deu-se mal no país da Torre Eiffel. A experiência na Andaluzia foi monocromática, mas atingiria novamente as luzes da ribalta como Príncipe da Pérsia, engrenando o Tractor para o título mais importante da sua história. Numa conversa repleta de mística e carisma, aqui está Toni, em mais uma entrevista exclusiva Bola na Rede.

– As cores do futebol num país a preto e branco –
“O Mário Wilson estava a ver o jogo e fixou-se no número 4”

Quero começar esta entrevista por dizer-lhe que não vou atrever-me a perguntar por aquele defesa-esquerdo do Tractor…
Olha que era bom jogador, o Ehsan! Bem ajudou o Queiroz na seleção do Irão!

“Não se pode ter sol na eira e chuva no nabal”. Uma vez que nasceu na eira dos terrenos dos seus avós, em Mogofores, pergunto-lhe por mais quantos dias esteve sem chover naquela aldeia.
É verdade! Não é do teu tempo, mas ainda que estejas a brincar, foi mesmo na eira que eu nasci. Vivíamos num país a preto e branco, tal como Miguel Torga o referia, um Portugal triste: de muitas carências e dificuldades. Não sei o nome da parteira, mas sei que foi uma aldeã que me ajudou a vir ao mundo. Depois é todo um trajecto feito numa pequena aldeia – que não é bem no interior, está a 25/30 km da costa – mas que tinha uma escola primária, portanto já nos podíamos dar por muito felizes, considerando o índice de analfabetismo que existia à época.

O que tinha de fazer para conseguir a senha que dava acesso ao campo de futebol do Instituto Salesiano?
Portanto, havia a escola e o largo da escola – onde, com as sacolas a fazer de balizas, jogávamos seis contra seis ou cinco contra cinco – e havia o Instituto Salesiano, que era para estudantes que vinham de fora e ao qual não tínhamos acesso. Nós, da aldeia, tínhamos o nosso oratório, São João Bosco – onde jogávamos ao Jogo da Glória, às damas, ping-pong -, que era anexo ao campo do Instituto. Para podermos lá jogar, tínhamos de ir ajudar à missa, em latim, para “conquistar” a senha.

Se lhe pedir para ajudar à missa, em latim, ainda é capaz?
Já não. Nessa altura tínhamos uma folha que nos auxiliava e permitia ir respondendo em função do desenrolar da missa. Curiosamente, quando passei do segundo para o terceiro ciclo, tive de escolher uma alínea que correspondia à área que queria seguir e escolhi a “e)”, que era Direito, e onde uma das disciplinas era Latim; tive Latim, Alemão, História, Português, Filosofia e Organização Política da Nação, que era sobre a Constituição de 1933.

Vamos a jogo: estreia-se pela equipa sénior do Mogofores, no campeonato da INATEL, com um nome fictício.
Salvo erro, em Buarcos. Havia uma equipa da Figueira da Foz que entrava nesse campeonato e, como sabes, os estudantes não podiam entrar nos torneios da INATEL. Mas arranjou-se lá uma trapaça, com o cartão de outro jogador, e joguei um jogo pelo Clube Recreativo e Desportivo de Mogofores.

O Anadia é que não se deixou enganar.
O Anadia é o passo seguinte: havia uns treinos de captação e fui lá com 15 anos, mas não tinha idade suficiente para poder ser inscrito [a idade mínima era 16 anos]. Voltei no ano seguinte e fiz duas épocas nos juniores. Nesses dois anos, tínhamos uma equipa boa, com bons jogadores nos vários sectores. É essa equipa, aliás, que frente à Académica, em Coimbra, ganha 3-0, num jogo que o Mário Wilson estava a ver e em que se fixou no número 4, que era eu. Realmente o jogo correu-me muito bem e o “Capitão” pôs-se a caminho de Anadia uns dias depois.

– Coimbra tem outro encanto na hora da… chegada de Toni –
“Reconheci Mário Wilson dos cromos”

Lembra-se do momento em que o Mário Wilson o encontrou quando o Toni ia a caminho daquela aula de História?
Lembro-me perfeitamente do sítio onde ele me encontrou! Eu tinha aulas de manhã, até ao meio-dia e vinte, e depois ia almoçar a casa, de bicicleta. Recomeçávamos às duas da tarde e, quando ia a caminho da aula de História, vejo, dentro de um Fiat 600, uma cara que reconheci dos cromos: era o “Capitão”. Eles pararam, eu parei, e qual aula de História, qual quê.

A assistência em viagem tinha dado jeito nessa tarde.
Quando estávamos de regresso, o Fiat 600 não pegava, pá! Olha, comecei logo ali a treinar. O Mário Wilson até dizia “Epá, a Académica não é o Benfica nem o Sporting!”. Como quem diz “Aqui não há Mercedes”. Connosco ia também o Dr. Augusto Martins, que era professor e foi director da Académica.

Como é que o seu pai reagiu à surpreendente aparição na tipografia da oficina onde trabalhava?
O meu pai era muito pragmático (…) eu também passei isso aos meus filhos. Quando fui para o Anadia, também foram falar com ele “O futebol só não pode é prejudicar os estudos ao rapaz!”, dizia. Quando fui para a Académica, abria-se a perspectiva de conseguir conciliar os estudos e jogar, que era a génese da Académica: formar Homens. Os estudos estavam sempre primeiro que o futebol.

Chegou a entrar na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Sim, sou do curso de 67. Entro no ano em que jogámos a final da Taça contra o Vitória FC.

Actualmente seria possível reeditar essa ligação umbilical entre a Académica e a Universidade de Coimbra?
Essa Académica de ontem (…) hoje já não podia. A sociedade transformou-se. Aquela Académica onde o prémio de jogo era uma laranjada… para mim e para muitos, fazer parte do lote de convocados já era uma vitória; até porque, se fosses suplente, já ganhavas cinquenta escudos! Como te digo, a génese daquele clube era a formação social e quantos tinham exames e pediam para não ser convocados.

Antes de assinar pelo Benfica, desce ao Jamor para defrontar o Vitória FC. A final mais longa de sempre da Taça de Portugal foi a melhor montra que podia ter tido?
Claro que uma final da Taça atrai as atenções das gentes do futebol, mesmo que nela não estejam envolvidos os três grandes. Foram a Académica e o Vitória FC, duas equipas que até podiam ter ali nuances daquilo que viria a ser o tiki-taka, com as devidas distâncias. Mas concordo que é essa final, pelos contornos que teve e pela exibição que acabei por fazer, que despertou a atenção do senhor Otto [Glória], responsável pela minha ida para o Benfica.

– O Benfica de Toni ou o Toni do Benfica –
“Académica x Benfica? É um dia histórico, em que o Futebol serviu a causa”

Ainda vive em frente ao Estádio da Luz?
Não é em frente! Eu vivo na rua da Lusa, sensivelmente a 600 metros do Estádio da Luz, há cinquenta anos. Sou quase o regedor. [risos]

Ao serviço do Benfica foram 13 épocas, tendo feito 395 jogos e marcado 24 golos. Que episódio nunca contou publicamente?
Conto-te esta porque é rápida e mostra a força que o Eusébio tinha: era o meu primeiro jogo para a Taça dos Campeões Europeus, na Islândia, contra o Valur. Na ida para Reiquejavique, o Eusébio não seguiu connosco na comitiva porque foi receber a Bota de Ouro. Lembro-me que fizemos escala em Glasgow e, na ida, parecia que ninguém nos conhecia, e estavam lá o Coluna, o Simões, o José Augusto, o Torres, o Jaime Graça… jogadores que, anos antes, tinham estado no Mundial 66. No regresso, já com o Eusébio integrado, foi a loucura nesse mesmo aeroporto! Fotografias, autógrafos… eu, que tinha meia dúzia de dias no Benfica, acabei por levar por tabela e também assinei e tirei fotografias.

O que é feito do Austin 1000?
Já não o tenho! Foi o meu primeiro carrinho. EF-73-77: podes apontar! Comprei-o meses depois de ter vindo sozinho para Lisboa, porque em Coimbra já tinha tirado a carta. Antes disso, eu e os colegas que vivíamos no Lar do Benfica apanhávamos o eléctrico ao pé da igreja de Benfica, íamos até ao Califa e, dali, apanhávamos o autocarro até ao estádio ou íamos a pé.

Tudo começou com uma pré-época “de sonho”: uma digressão de mais de 30 dias pelas Américas. Já tinha andado de avião?
Já, com a Académica: tínhamos ido jogar aos Estados Unidos, a Newbedford [Massachusetts], e a Caracas, esta última através do Amadeu José Freitas; viajámos na Viasa, a companhia aérea venezuelana daquela época.

É durante essa pré-época que o falecido Carlos Pinhão o apelida de “Tonitruante”. Foi um digno aprendiz de Coluna e Jaime Graça?
Um ano depois de lá ter estado com a Académica, volto aos Estados Unidos com o Benfica. Nessa digressão, que começou em Belém do Pará, estreei-me no dia 8/8/68 contra o clube do Remo, empatámos 1-1 e guardei a bola, porque quando o árbitro apitou estava com ela nos pés. Depois, fomos para Buenos Aires fazer um pentagonal – no qual o melhor marcador do Benfica acabei por ser eu, vê lá – com Santos, Boca Juniors, River Plate e Nacional de Montevideu. Daí, seguimos para a Venezuela, para jogar com o Botafogo, seguiu-se Bogotá contra os Millonarios e, finalmente, regressámos aos Estados Unidos para jogar no Yankee Stadium, novamente, contra o Santos de Pelé. Foi este o meu batismo inicial. Em relação à pergunta, disse muito bem: fui um digno aprendiz! Jaime Graça e Mário Coluna tinham dois estilos diferentes! Coluna, que estava a aproximar-se do fim de uma carreira brilhante, deixou uma marca na História do Benfica e do futebol mundial; Jaime Graça era um jogador fino, inteligente, de enorme visão de jogo e capacidade de drible, e que podia fazer não só o meio, mas também o lado direito. Foi um factor muito importante para o meu crescimento ainda tê-los como os homens com quem fui emparelhando na zona do meio-campo. Aliás, fruto do surgimento das substituições, nesse ano, no futebol português, acabei por fazer 22 jogos em 26 possíveis, que foi bom para ir começando a afirmar-me.

Meses passados e voa de novo, desta feita até Luanda, para defrontar o ASA para a Taça de Portugal. Em plena Angola Colonial, que impacto teve em si ver pretos e brancos unidos a festejar a vitória do Benfica?
Senti que havia uma comunhão perfeita. Nesse jogo, inclusive, houve gente que fez 600 e 700 km para ir ver o jogo, saindo de vários pontos de Angola para chegar a Luanda. Quando o sorteio ditava ASA x Benfica, os dois jogos eram em Angola; se fosse Benfica x ASA, as partidas realizavam-se em Portugal. Aliás, um ano antes tinha defrontado o ASA pela Académica: um jogo foi em Coimbra e o outro foi em Lisboa. Isto para dizer-te que passámos lá uma semana e a recepção que tivemos no aeroporto de Luanda, que continuou até ao hotel e culminou nas pessoas que não arredaram pé durante a noite, porque estavam ali – numa altura em que ainda não havia televisão – aquelas que eram as figuras míticas do futebol português, foi uma coisa impressionante.

Taça que viria a conquistar frente à Académica, num jogo fortemente marcado pela contestação ao Estado Novo.
 Essa final foi o maior comício feito na Era de Salazar! É uma final que significou muito mais do que uma Taça. Só faltou a Académica ganhar, mas se calhar até foi melhor ter sido o Benfica, porque as manifestações poderiam ter assumido graves contornos. Pela primeira vez, uma final da Taça não foi transmitida pela televisão, a conselho do Ministro da Educação da altura, o Dr. José Hermano Saraiva. É um dia histórico, em que o Futebol serviu a causa. Adivinhava-se que algo estaria para acontecer.

Insisto nesta temporada, de 1968/69, porque é nela que se inserem dois dos jogos que diz terem sido mais especiais para si: o último do campeonato, em Tomar, e o 1-3 na Luz, frente ao Ajax.
Felizmente há muitas mais memórias positivas que negativas, mas o 3-1 com o Ajax é uma frustração, atendendo a que vínhamos de um resultado positivo em Amesterdão [3-1] e jogado em condições adversas, porque o campo estava coberto de neve. Na Luz, o senhor Cruijff resolveu abrir o livro e acabou com o jogo. Naquela altura havia um terceiro jogo para desempatar e fomos a Paris: 0-0 no tempo regulamentar e acabámos por perder no prolongamento. Esse 3-1 é marcante porque nos poderia catapultar para, eventualmente, repetir a conquista europeia. O jogo em Tomar significa saber, pela primeira vez, o que é ser campeão pelo Benfica e logo em época de estreia.

Há ainda a história da invasão de campo, em que, pelo que me disseram, foi o único jogador que se manteve sereno.
Janeiro, 1970. Estava de chuva. O árbitro era João Nogueira, da AF de Setúbal; se nós não estávamos a jogar nada, ele também não estava a ser feliz nas decisões que andava a tomar. O Mota da Silva foi para a rua, o Torres, que era o capitão, foi para a rua também, e o que acontece é que, fruto de uma decisão que o árbitro toma, eu olho e vejo que, do lado da baliza sul, vêm uma série de adeptos a correr e eu disse “Oh Homem, fuja, fuja, fuja!” e o árbitro, de olhos esbugalhados, começa a correr. O Estevão também se junta e apoiámo-lo até ele sair pelas escadas. Lá em baixo estava o Sr. Calado, o sapateiro, com o pé de ferro para se houvesse alguma coisa com as nossas botas, e o árbitro começa a querer vir para cima com esse objecto e eu disse “Epá, não, não!”. Estou a rir-me, mas não devia ter acontecido: provocou uma interdição de oito jogos no Estádio da Luz e puseram uma rede na bancada para que se evitassem invasões futuras. Ainda levei com um guarda-chuva nas costas. Foi um dia negro na história do futebol português.

– Da relva para o banco: Rui Costa, Zidane e Irão –
“João Pinto? Quem o deixou sair do Benfica devia estar preso”

Permita-me fazer a ponte para a sua carreira fora das quatro linhas: é no Benfica que inicia as funções de treinador, primeiro enquanto adjunto e, depois, como principal. Que importância teve Eriksson nesta nova fase da sua vida?
Quando o Eriksson chega ao Benfica, eu já tinha sido adjunto do Lajos Baroti. No primeiro ano do húngaro na Luz, eu ainda era jogador; no segundo ano passei a adjunto, com o senhor Caiado. O sueco chega na época 1982/83 e identifiquei-me logo com a sua ideia de jogo. Os métodos de treino que trouxe também foram importantes, porque cortaram com aquilo que era a forma como se trabalhava: não pela complexidade do treino, mas pelos exercícios fáceis e com bola. Trouxe motivação aos jogadores. Para além disto, encontra um leque de jogadores de grande qualidade do ponto de vista técnico, físico e táctico. Houve uma comunhão perfeita. Cheguei a dizer-lhe, numa das conversas que tínhamos diariamente, que eu podia ter sido melhor jogador se tivesse sido treinado por ele.

O resultado 6-3 tem dupla face para o Toni: se, por um lado, é sinónimo de uma das suas maiores vitórias, por outro, significa a última partida ao comando do Bordéus. Qual destes jogos teve maior impacto na sua carreira?
O jogo de Alvalade abriu-nos a porta para chegar ao título. Numa época de grande complexidade, vencer, ainda mais por estes números, em casa de um rival (…) indo recuperar jogadores que já estavam quase do outro lado e se revelaram fundamentais, como é o caso João Pinto… quem o deixou sair do Benfica devia estar preso. O João nunca devia ter saído do Benfica! Aliás, por essa altura, também já sabia que a minha saída do Benfica já estava decidida, mas fui respondendo com profissionalismo todos os dias, numa época muito difícil.
Em relação ao outro jogo, foi contra o Mónaco. Como sabes, o plantel do Bordéus era constituído por 18 jogadores e, quando necessário, existia o centro de formação ao qual podíamos recorrer. Nesse dia, ia jogar o Sonny Anderson e lembro-me de ter de pôr, fruto de castigos e de lesões, dois miúdos de 18 anos a centrais e, para lhes dar cobertura, pensei “Bem, deixa-me jogar aqui com três a ver se consigo aguentar isto”. Aos 20 minutos já estávamos a perder 3-0, portanto abandonei os três defesas. Ainda fizemos o 3-2, não sei se foi o Dugarry ou o Zidane, mas o jogo acabou com os 6-3. De todo o modo, faltavam apenas oito jornadas para o fim do campeonato e foi com o meu contributo que o Bordéus vai à Taça UEFA, através da Taça Intertoto; no ano seguinte, estão a jogar com o Bayern na final e quase a descer para a segunda divisão. Foi a venda do Zidane, para a Juventus, do Dugarry, para o Milan, e do Lizarazu, para o Bilbao, que permitiu ao Bordéus reinventar-se e ficar com uma equipa muito diferente daquela que eu tinha.
São dois 6-3 com sabores distintos: um que provoca um dia de uma alegria imensa e outro que provoca um dia de tristeza, mas não diria de grande tristeza. Tristeza a sério foi quando, dias depois, recebo uma chamada do Presidente do Bordéus – que não teve a hombridade de fazê-lo pessoalmente – e disse-me que estava despedido.

O Rui Costa já o perdoou por ter jogado apenas vinte minutos nesse derby?
Já falámos sobre isso, continuaremos a falar-nos e temos uma relação boa. O Rui Costa foi campeão comigo como treinador, regressa à Luz porque falo com o Eriksson e disse-lhe que havia um miúdo que estava a destacar-se no Fafe e que pertencia ao Benfica. Aquela equipa teria de ser sempre Rui Costa mais dez, mas o jogo e a estratégia que montámos, eu e o Jesualdo, (…) tínhamos de equilibrar a equipa; não a podíamos partir com cinco homens de propensão ofensiva e outros cinco de propensão defensiva. Foi a razão pela qual ele só jogou 20 minutos nesse dia. Nos jogos que se seguiram, o Rui foi sempre titular. Não é fácil para um jogador daqueles aceitar ficar de fora num derby, mas houve sempre algo que me guiou enquanto treinador: ninguém é mais importante que a equipa.

Entre Rui Costa e Zidane, quem aparentava ter maior potencial?
Parecendo iguais são diferentes. São iguais no talento, na criatividade. A passagem de ambos pelo futebol italiano acabou por lhes ser benéfica, enriqueceu-os do ponto de vista táctico e físico, porque tecnicamente já sabiam tudo. Só que, enquanto o Zidane saiu para a Juventus, o Rui saiu para a Fiorentina, e penso que pode estar aí o motivo pelo qual não foi catapultado para outros patamares – embora tenha deixado o seu lastro de classe e de talento, páginas de ouro que escreveu, em Florença e no futebol italiano. Vou confessar-te que, no Bordéus, sonhava trazer o Zidane e o Dugarry para o Benfica, mas tinha de hipotecar a Caixa Geral de Depósitos para que isso acontecesse.

Sevilha vale, sobretudo, por ter testemunhado de perto o talento de Šuker?
O Šuker até parecia que estava a mais naquela equipa. Era um jogador fabuloso. Lembro-me, também, de recorrer a um miúdo chamado Carlitos, que tinha 17 anos e acabou por fazer parelha com o croata. Quando fui para Sevilha, o clube vivia dos períodos mais difíceis da sua história. O Celta de Vigo e o Sevilha estavam na segunda divisão; já tinha sido feito o calendário para 20 equipas, que depois foi alterado para 22, porque o povo foi para a rua e revoltou-se.

Quando consultei o seu palmarés, notei que faltava uma das maiores conquistas do Toni: ter conseguido explicar ao Amir o que era uma pá …
Essa história não foi para o Youtube! É passada no gabinete do Presidente com todo o staff técnico. Estávamos a fazer um meeting e o Presidente disse “Epá… meio-campo… buraco…” e eu disse ao Amir, o meu tradutor que tinha sido casado com uma brasileira, “Sabes o que é uma pá?” e ele ficou a olhar para mim sem perceber. Lá lhe fiz sinais, e ele acabou por perceber. “Então diz ao Presidente – e não tenhas medo! – que agarre numa pá e vá lá tapar o buraco. Mas diz-lhe mesmo!”. Ele podia ser o Presidente, mas o treinador era eu. A minha equipa técnica – o meu filho, o Vítor Campelos e o Paulo Grilo [treinador de guarda-redes] – pensou que íamos todos presos.

Como foi o regresso a Tabriz após a conquista da Taça do Irão?
Foi das maiores manifestações de carinho e reconhecimento que senti na minha vida. O Tractor é uma bandeira de 40 milhões de pessoas. Já viste como é que o Quaresma foi recebido na Turquia, como é o ambiente de um jogo na Turquia… transporta isso para o Irão. Quando a selecção joga no Azadi Stadium, em Teerão, estão 100 mil a assistir e se o estádio tivesse capacidade para 500 mil, eram 500 mil que estavam lá. A conquista da Taça do Irão, no dia 14/02/2014, é o feito que marca a história daquele clube.

Por falar em vitórias, o dia 11 de Junho de 2013 coroa a maior vitória da sua vida?
Foi o jogo da vida. Regressei do Irão para férias no tempo certo, porque a primeira coisa que fiz quando cheguei foram análises ao sangue e uma radiografia aos pulmões; como a radiografia foi um bocadinho mais abaixo, o radiologista apanhou um tumor maligno no rim esquerdo. Felizmente, estava circunscrito e não metastizou. Foi a maior vitória.

Já o dia 11 de Agosto rima com susto.
Quando lemos ou ouvimos na televisão que houve um tremor de terra no Japão ou no Haiti, não fazemos ideia do que é isso. Lembro-me que estava sentado no sofá e o candeeiro era o meu sismógrafo, parecia o sino de Mafra. Agarrei no meu filho e disse “Vamos para baixo de uma ombreira” e aquela hesitação de andar de um lado para o outro (…) a qualquer instante dava-nos a sensação de que aquilo ia cair. Estávamos no 12.º andar. Foi um minuto interminável. Na escala de Richter atingiu 6,4, com o epicentro a 60 ou 70 quilómetros de onde estávamos. Depois houve réplicas, nesse dia e nos seguintes, mas nada comparadas com o primeiro. É um dia que não esqueço e até está apontado no meu diário.

– Passes Curtos –
Toni do Benfica, craque saloio ou cavalão?
Toni do Benfica é um orgulho e não tem preço. Craque saloio vem do facto de em Coimbra, no final do treino, ficar a ajudar o “Capitão” a treinar os guarda-redes; eu rematava em “banana”, a pior coisa que podes fazer aos guarda-redes, e o “Capitão” mandava com cada tiro… o Dr. Maló, que ainda não era formado, dizia “este craque saloio, pá” e ficou. Cavalão foi o “Capitão” e tem para mim o significado de alguém que me marcou para sempre. Assim como o Vítor Martins era o “Bom de Bola”.

Jogar ou treinar?
São diferentes, mas o prazer de jogar é qualquer coisa. Treinar é apaixonante, mas completamente diferente de jogar. O prazer de jogar pode sobrepor-se ao prazer de treinar.

Golo, assistência ou desarme?
O futebol é golo.

Melhor jogador com quem jogou?
Eusébio, acima de todos. Depois, Chalana e Humberto Coelho.

Melhor jogador contra quem jogou?
Pelé e Beckenbauer, o meu ídolo.

Melhor treinador que teve?
Mário Wilson.

Melhor jogador que treinou?
Tinha de se fazer uma selecção [risos]. Tive a felicidade de ter treinado grandes jogadores: Bento, Ricardo Gomes, Mozer, Chalana, Carlos Manuel, Diamantino, Rui Costa, João Pinto (…) Zidane, mas não queria dizer estrangeiros…"

Seleção Nacional | 23 jogadores do SL Benfica ou Seixal

"Muito agrada aos adeptos portugueses a discussão sobre a origem dos principais craques da Selecção Nacional, ainda mais quando serve para enaltecer qualquer um dos três grandes e a sua academia, sendo visto como um dos pontos diferenciadores de gestão e qualidade desportiva.
O SL Benfica viveu por largos anos com o estigma de uma equipa com bastantes estrangeiros e com pouca contribuição para os resultados da Selecção Nacional. Na última década, porém, o paradigma alterou-se de tal modo que, actualmente, é o clube em Portugal que mais jovens oferece à Selecção Nacional, nos respectivos escalões, verificando-se uma continuidade para a Selecção sénior, com inúmeros representantes do clube da Luz ou antigos jogadores que por ali cresceram.
Neste exercício, restringimos o leque das escolhas aos jogadores actualmente vinculados ao SL Benfica ou aos que aí se consideram formados, tendo por base o critério utilizado pela UEFA, o qual estabelece a necessidade de ter sido treinado pelo clube ou por outro clube na mesma associação nacional, pelo menos por três anos entre os 15 e os 21 anos. Assim, entre tantos, ficam de fora nomes como: José Sá, Nélson Semedo, Danilo Pereira, Rony Lopes ou Ricardo Horta.

3 guarda-redes
Bruno Varela25 anos, AFC Ajax, por empréstimo do SL Benfica. O empréstimo ao Ajax, um pouco como se esperaria, não está a trazer os retornos desportivos que necessitava para uma evolução nesta fase da carreira. No entanto, continua a ser dos guarda-redes mais capacitados que o Seixal formou.
André Ferreira23 anos, CD Santa Clara. Ainda jovem, mas já com bastante experiência a nível de Segunda Liga, enquadrado numa equipa bastante consistente, que lhe permitirá nesta fase uma evolução na sombra de um dos guarda-redes mais completos da Primeira Liga.
Fábio Duarte 21 anos, SL Benfica B. Procura ganhar o seu lugar nos Encarnados. Não beneficia da aposta em Mile Svilar para a equipa B, o que lhe retira algum espaço de desenvolvimento, no entanto demonstrou enorme qualidade nos últimos escalões de formação.

7 defesas
João Cancelo 25 anos, Manchester City FC. A chegada a Manchester e o pouco tempo de jogo originou o seu afastamento provisório da Selecção, em detrimento de Nélson Semedo e de Ricardo Pereira, no entanto continua a ser dos laterais portugueses mais entusiasmantes e irreverentes.
André Almeida 29 anos, SL Benfica. A forte concorrência nas laterais tem dificultado a sua chamada à Selecção nos últimos anos. Contudo, pela sua fiabilidade e consistência torna-se num dos laterais mais seguros dos últimos anos do SL Benfica.
Rúben Dias22 anos, SL Benfica. Não só visto como figura preponderante do SL Benfica, como da própria Selecção. Prova disso, o prémio de melhor jogador da Final da Liga das Nações de junho de 2019. Com certeza, um dos futuros capitães de Portugal.
Ferro 23 anos, SL Benfica. Temporada algo abaixo das expectativas para o central encarnado. No entanto, caso consiga evoluir, principalmente no 1×1 defensivo e na movimentação, será um dos nomes a ter em conta para o futuro da Selecção Nacional.
Fábio Cardoso26 anos, CD Santa Clara. A meu ver, dos nomes desta lista, o mais merecedor de uma chamada à Seleção. Tem demonstrado grande segurança e qualidade, podendo mesmo deixar os Açores no final da presente temporada.
Roderick Miranda 29 anos, FC Famalicão, por empréstimo do Wolverhampton Wanderers FC. Sem espaço na equipa de Nuno Espírito Santo, voltou a encontrar tempo de jogo no Campeonato Português, aparecendo em boa forma nestes últimos meses, tornando-se numa peça de elevada importância para o FC Famalicão.
Pedro Rebocho 25 anos, Beşiktaş, por empréstimo do Guingamp. Nunca conseguiu encontrar a sua oportunidade na principal equipa do SL Benfica. Actualmente na Turquia, vinha sendo presença regular até à interrupção do campeonato, procurando uma definição do futuro.

7 médios
“Pepê” Rodrigues 22 anos, Vitória SC. Outro elemento desta lista com uma extraordinária época até então. É equilíbrio, segurança e classe na equipa mais entusiasmante do Campeonato Nacional. Contudo, o seu espaço de chegada à Selecção será sempre limitado pelas largas opções de qualidade para a sua posição.
André Gomes26 anos, Everton FC. O Everton desde cedo demonstrou ser o clube ideal para o internacional português se valorizar novamente e voltar às opções de Fernando Santos. Uma grave lesão retirou-lhe grande parte da temporada, no entanto deixou boas indicações no regresso. 
Florentino Luís 20 anos, SL Benfica. Precisa de jogar com regularidade e de ganhar alguma maturidade especialmente em construção. Qualidade não falta e perspectiva-se um grande futuro e uma excelente opção para o meio-campo defensivo da Selecção nos próximos anos.
Renato Sanches22 anos, Lille OSC. Um exemplo perfeito que, por vezes, é necessário um passo atrás para poder dar dois em frente. No Lille voltou toda a potência, confiança, irreverência e garra, valendo-lhe nova chamada à Selecção, com todo o mérito.
Gedson Fernandes21 anos, Tottenham Hotspur FC, por empréstimo do SL Benfica. Talvez um dos casos em que a polivalência, em tantos casos valorizada, tenha dificultado a sua afirmação. Ora a 6, a 8, na ala ou apoiando o avançado, sempre se mostrou como alternativa e nunca como figura principal. Necessita de mais regularidade e talvez o emblema londrino não seja a opção ideal.
André Horta23 anos, SC Braga. Uma excelente temporada que vinha fazendo André Horta. Aparecendo como dinamizador dos Bracarenses, pautando o jogo, quer de maneira curta ou através de passes longos, mostrando agora consistentemente e de forma mais madura toda a qualidade que mostrou, em espaços, no SL Benfica.
Pizzi29 anos, SL Benfica Tem sido presença regular na Selecção Nacional, rivalizando com as principais figuras do meio-campo de Fernando Santos, procurando o seu espaço e a demonstração do que o leva a indispensável no SL Benfica de Bruno Lage.

6 avançados
Bernardo Silva25 anos, Manchester City FC. Actualmente como uma das figuras da Premier League, restando saber até onde poderá evoluir nas mãos de Pep Guardiola. A sua importância na Selecção Nacional só tende a aumentar cada vez mais.
Gonçalo Guedes 23 anos, Valencia CF. As lesões têm travado um pouco do desenvolvimento de mais um craque formado na Luz. Fica sempre a sensação de que poderá dar mais do que o habitual, precisando de maior consistência e regularidade para se tornar num indiscutível da Selecção.
João Félix 20 anos, Club Atlético de Madrid. Embora com uma temporada algo conturbada de adaptação, com lesões à mistura, certo é que a sua genialidade continua a aparecer a rasgos. Para bem da Selecção e do clube Colchonero, esperemos que consiga materializar, em consistência, golos e assistências.
Rafa Silva 26 anos, SL Benfica. Para aqueles de que vimos coisas especiais, exigimos sempre algo mais. Pelo que não se estranha a desilusão do momento que vinha tendo nos últimos tempos, quando comparado com o início de época brilhante, materializado em assistências, desequilíbrio e golos.
Ivan Cavaleiro 26 anos, Fulham FC. Numa das ligas mais intensas do Mundo, uma temporada bastante bem conseguida, procurando o regresso ao escalão principal do Futebol Inglês. Muita explosão e potência de remate, aliado a um maior compromisso táctico, levam a que seja opção indiscutível de Scott Parker.
Nélson Oliveira28 anos, AEK. Nunca conseguiu demonstrar toda a capacidade que se lhe adivinhava ou tornar-se indispensável por onde passou. Contudo, pela positiva temporada na Grécia, com 11 golos marcados e pelas características distintas de todos os demais avançados em análise, merece esta convocatória."

“Retomar o futebol? É irresponsável é extremamente”

"O Governo francês anunciou esta semana o término da temporada para a Ligue 1 e Ligue 2, respectivamente primeira e segunda ligas francesas de futebol, apesar da Liga Francesa de Futebol ter manifestado interesse em retomar as competições a 17 de Junho. Em entrevista ao “Jornal Económico”, a farmacêutica Lisiane Raffainer, responsável de laboratório microbiológico numa indústria farmacêutica que faz medicamentos derivados do plasma humano (LFB Biomedicament), explicou como foi recebida esta decisão em terras gaulesas: “As pessoas aceitaram sem grandes alaridos e perceberam que existia algo muito mais importante do que terminar uma competição de futebol”.
Esta terça-feira, o primeiro-ministro, António Costa, reuniu com os presidentes da FPF, Fernando Gomes, da LPFP, Pedro Proença, bem como com os presidentes de FC Porto, Benfica e Sporting. Na reunião, que durou cerca de uma hora e meia, estiveram ainda presentes o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, e os secretários de Estado da Juventude e do Desporto e da Saúde. Para esta quinta-feira, espera-se uma decisão por parte do Governo para a retoma ou não dos campeonatos profissionais.
Sobre a decisão que esta prestes a ser tomada em Portugal e se a mesma for no sentido de retomar os campeonatos, esta farmacêutica de Porto Alegre (Estado do Rio Grande do Sul, Brasil) radicada em França não tem contemplações: “É irresponsável. É extremamente irresponsável. É sabido que, por exemplo, se alguém cuspir no chão, o vírus pode ficar em superfícies algumas horas. Já foi provado que, em metal, o vírus pode ficar até cinco horas. O vírus é transmitido pelo contacto com gotículas de saliva e se imaginarmos um jogo de futebol e aquela que é a distância entre os jogadores, o suor, a comunicação entre adeptos e entre os intervenientes do jogo, dá para perceber o cenário que podemos ter”.
Lisiane Raffainer explica ainda “que podemos ser portadores da Covid-19 sem demonstrar qualquer tipo de sintoma. Vamos imaginar que sou um jogador de futebol, sinto-me bem apesar de ser portador do vírus, e vou transmiti-lo aos meus colegas e adversários. Sabemos que o portador do vírus pode contaminar até quatro pessoas e esse cenário faz com que qualquer decisão de retomar uma actividade como os jogos de futebol seja extremamente irresponsável”.
E se os jogos forem disputados à porta fechada? Esta farmacêutica vê o risco diminuído nessa possibilidade mas ainda assim, o cenário pode ser ameaçador: “Mesmo que esses jogos sejam disputados à porta fechada há sempre o risco de contágio porque os portadores do vírus podem ser pessoas sem sintomas. No entanto, e nessas circunstâncias, o risco diminui porque existem menos pessoas a assistir e a participar. Quanto menor for o grupo de pessoas, menor é o risco de transmissão”."

“França e Holanda? Decisão para a Liga Portuguesa deverá ser semelhante”

"Para Daniel Sá, director-executivo do IPAM, todos os dados conhecidos apontam para que esta temporada da Liga portuguesa tenha destino semelhante àquele que levou ao fim das temporadas em França e na Holanda.

Caso exista uma retoma dos jogos da Liga portuguesa, clubes irão recuperar 85% dos cerca de 400 milhões de euros que a Liga estimou de impacto negativo causado pela pandemia esta temporada. No entanto, Daniel Sá, director-executivo do Instituto Português de Administração de Marketing e especialista de marketing desportivo, em entrevista ao “Jornal Económico”, defende que a decisão do Governo na retoma desta competição terá que ser muito rigorosa e avisa: “Não há espaço para medidas populistas”. Para este especialista em marketing desportivo, todos os dados conhecidos apontam para que esta temporada da Liga portuguesa tenha destino semelhante àquele que levou ao fim das temporadas em França e na Holanda, por exemplo.

O Governo devia retomar o futebol em português?
A reunião de ontem foi muito clara, remetendo a decisão final para as autoridades de saúde. Qualquer decisão do governo terá que ser suportada em dados rigorosos de saúde, não havendo espaço para medidas populistas, pelo que o futebol terá que se preparar para aceitar a decisão. Se retomar com jogos à porta fechada serão boas notícias para os clubes que conseguiram assim recuperar 85% dos cerca de 400 milhões de euros que a Liga estimou de impacto negativo causado pela pandemia esta época. Exceptuando as receitas de bilheteira (cerca de 15% do total de receitas dos clubes), seria assim possível ir buscar a quase totalidade das receitas de publicidade e patrocínio (25%) bem como a totalidade das receitas dos direitos de transmissão televisiva (60%).

O Governo diz que a decisão é sanitária mas não estará muito dependente dos interesses dos operadores que têm os direitos televisivos?
Não. Nos tempos que vivemos, os governos não podem alinhar em decisões deste género. Vivemos a maior crise mundial das últimas décadas que afecta todos os sectores de actividade de um país. O futebol é apenas mais uma dessas indústrias pelo que não terá qualquer regime de excepção. Apesar de tudo, independentemente da decisão final, caberá à Liga e aos clubes negociarem os direitos de transmissão televisiva de forma a garantir a viabilidade económicas dos clubes e dos operadores televisivos.

França e Holanda decidiram o final das competições. É uma decisão sensata?
Se os governos de ambos os países tomaram a decisão após parecer das autoridades de saúde então a decisão é sensata. Apesar da UEFA ter dado naturalmente liberdade de decisão a cada país, temo que exista um efeito bola de neve, pelo que as decisões de França e Holanda acabem por significar adoptar a mesma decisão nos restantes países. Todos os dados conhecidos à data de hoje levam-nos a crer que esta decisão também será tomada em Portugal."

Mensagem do treinador do hóquei em patins, Alejandro Dominguez

"Vivemos tempos muito difíceis, nos quais a nossa capacidade de superação e a nossa força de espírito são testadas diariamente. Desde que trabalho no Benfica, estas duas qualidades estão presentes diariamente em todos nós, porque faz parte do nosso ADN. Agora, o mais importante é que possamos continuar a acreditar nesses valores e a transmiti-los a todos os que estão ao nosso redor, criando assim uma forte sinergia que influencie todo o mundo. Porque hoje existe apenas uma equipa, e essa equipa é toda a humanidade.
Sempre acreditei que, de todas as circunstâncias que ocorrem diariamente, se pode aprender ou retirar algo de positivo, e esta situação não é diferente.
Acredito que podemos aprender e aproveitar a oportunidade de ficarmos confinados em casa para fazermos muitas coisas que, vivendo a 2000 quilómetros por hora, não podemos fazer. Mas não apenas para isso, também para reflectirmos, fazermos um pouco de trabalho interior e assim encontrarmo-nos connosco próprios.
Todos os dias penso nas pessoas que sofrem desta pandemia e espero que possam superá-la. Agradeço desde já a todos os profissionais que estão na linha da frente, colocando em risco a sua própria saúde para ajudar os outros. E é exactamente isso que me dá esperança para o futuro, somos seres capazes de fazer coisas fantásticas.
Uma das coisas mais importantes que o desporto me ensinou é a perseverança. Penso que, se continuarmos com um passo firme, sairemos desta pandemia e voltaremos a desfrutar do nosso trabalho, do nosso Clube.
Agradeço ao universo Benfica por nos acolher a todos e nos pôr em contacto, de forma a podermos transmitir energia positiva… Força Para Todos, Força Benfica!

Alejandro Domínguez"

SL Benfica l A história dos jogadores estrangeiros

"Jonas, Gaitán, Preud’homme, Garay, Luisão, Ricardo Gomes, Gamarra, Di Maria, Cardozo, Aimar, Schwarz, Witsel, Poborsky, Mozer, Miccoli, Them, Canniggia, Oblak, Javi Garcia, Valdo, Isaías, Magnusson, etc. Foram inúmeros os grandes jogadores estrangeiros que envergaram o manto sagrado, mas nenhum destes jogadores poderia ter alinhado ao serviço do SL Benfica antes de 1978. 
Uma assembleia geral em Julho de 1978 ficará para sempre na história do Sport Lisboa e Benfica. Desde a sua fundação o clube encarnado tinha apenas contado com jogadores portugueses nos seus planteis. Ao contrário da maioria dos clubes portugueses, o SL Benfica sempre se recusou a aceitar estrangeiros na equipa.
Foi precisamente isto que a assembleia geral, mencionada anteriormente, alterou. Os sócios decidiram (com cerca de 500 mil votos): eram agora aceites estrangeiros na equipa das águias.
A decisão dos adeptos tinha como objectivo recuperar o poderio europeu da década de 60 e não perder o comboio dos rivais, que já há várias décadas contavam com estrangeiros nas suas fileiras. O primeiro estrangeiro só chegaria à Luz em 1979. Jorge Gomes Filho foi contratado ao Boavista FC.
O avançado brasileiro, que fez praticamente toda a carreira em Portugal, esteve apenas três temporadas de águia ao peito, tendo apontado apenas 13 golos.
O que fez dentro de campo esteve longe de ser histórico, mas Jorge Gomes Filho abriu uma porta para a entrada de estrangeiros no SL Benfica, marcando assim o seu nome na história do clube lisboeta.
Logo em 1981, chegou ao Benfica Zoran Filipovic, o primeiro estrangeiro de um país não pertencente à actual CPLP. O avançado jugoslavo, nascido no que é hoje o Montenegro, marcou 39 golos em três temporadas no Estádio da Luz.
Ao longo dos anos 80, apenas 10% a 20% do plantel dos encarnados era constituído por estrangeiros. 
Na década de 90, o panorama começou a mudar ligeiramente. A chegada de um elevado número de jogadores brasileiros e a aposta em mercados emergentes como o norte da europa ou os Balcãs fizeram aumentar o número de estrangeiros na equipa da Luz. Percentualmente, cerca de 25% a 35% da equipa era agora composta por estrangeiros.
Já no novo milénio, com o fenómeno da globalização cada vez mais presente, o número de estrangeiros no SL Benfica disparou. Por esta altura, os portugueses já compunham apenas metade do plantel. A percentagem de portugueses foi diminuindo paulatinamente ao longo da primeira década do século.
Durante a era de Jorge Jesus, a percentagem de portugueses na equipa foi a mais baixa desde que há memória. Na época de 2009/2010, pela primeira vez na história do clube encarnado, os portugueses não eram a nacionalidade maioritária do plantel. Os 14 brasileiros da equipa equivaliam a 40% do plantel, face aos 31,4% “ocupados” pelos portugueses.
Na época seguinte, foi registada a mais baixa percentagem de portugueses de sempre num plantel do SL Benfica: cerca de 30% (a época mencionada e as épocas de 2013/14 e 2014/15 têm números praticamente idênticos).
Na época de 2010/2011, apenas três jogadores portugueses eram opções (relativamente) viáveis para o treinador: Rúben Amorim, Eduardo e Nélson Oliveira. O guardião português realizou apenas nove jogos, o agora treinador do Sporting CP vestiu a camisola das águias apenas 10 vezes e Nelson Oliveira jogou por 22 vezes, mas apenas três como titular.
Após a saída de Jorge Jesus e com a clara intenção da direcção em apostar na formação, o número de portugueses na equipa principal das águias, naturalmente, cresceu.
Esta temporada, a percentagem de portugueses voltou a subir acima dos 40% (46%), coisa que já não acontecia há já várias temporadas.
É absolutamente correta a ideia de que a nacionalidade de um jogador não interessa absolutamente nada dentro de campo. Numa altura em que a globalização se torna cada vez maior, as fronteiras vão perdendo importância e a ideia de uma cultura mais mundial se vai tornando cada vez mais presente, serão cada vez mais os jogadores a jogar fora do seu país (como acontece a tantos e tantos portugueses).
No entanto, é sempre importante para a identidade de uma grande instituição e para o ego dos seus adeptos ver o seu clube ter uma significativa base nacional e ver muitos dos atletas tornarem-se internacionais.
Neste momento o SL Benfica está numa excelente situação no que diz respeito a talento nacional. Se estes jovens forem geridos de uma forma sustentável que promova o seu desenvolvimento, o clube encarnado tem tudo o que é preciso para vir a ser uma das bases da selecção nacional."

Vem aí a crise, e esta vai doer

"Os clubes começam a dar sinais de instabilidade financeira, e o que aí vem é pouco animador. Os clubes vão ter que se reestruturar, mas resta saber se todos aguentam.
O FC Porto anunciou recentemente que vai optar por adiar o pagamento de um empréstimo obrigacionista que vencia a 9 de Junho - os dragões querem pagar em Junho de 2021. É evidente que a instabilidade actual explica a solução encontrada pelos portistas, mas não reembolsar os investidores na data prevista é sempre uma má notícia para as entidades. No entanto, sublinhe-se que o clube admite liquidar a dívida antes, em Janeiro de 2021, caso tenha condições para isso.
A emissão de obrigações nesta fase também não é solução, porque os ditos “mercados” estão em pânico - e quando os investidores andam por aí a implorar ajudas do estado, parece improvável que queiram arriscar grandes investimentos no mundo do futebol português. O exemplo do FC Porto serve apenas para sustentar que, na minha opinião, aproximam-se tempos muito difíceis para os clubes do campeonato.
Parece-me claro que as empresas vão entrar numa fase de contenção de custos, e isso vai seguramente reflectir-se nos contratos de publicidade, não só em Portugal como no resto da Europa.
E podemos estar perante um efeito dominó: menos dinheiro a circular no futebol europeu, menos compras milionárias que, frequentemente, ajudam (e de que maneira) os clubes portugueses. E assim nasce outro problema, transversal aos principais emblemas da nossa Liga: vendas como as conseguidas nos últimos anos (a de Bruno Fernandes é a mais recente) parecem impossíveis de concretizar por agora.
E que impacto pode ter nas finanças destes clubes? É natural que Porto, Benfica e Sporting (e outros) estivessem a trabalhar no sentido de ainda conseguir transferir alguns jogadores no mercado, mas confesso que ficaria muito surpreendido se fosse mesmo possível concretizar uma grande venda nos próximos tempos. Por isso, vai ser preciso apertar o cinto...
Também tem sido mais ou menos discutida a questão salarial. Os clubes terão chegado a entendimentos diferentes com os jogadores - alguns com cortes salariais, layoffs, outros a pagar em prestações, e por aí fora - porque nitidamente não há capacidade para pagar agora. E quando haverá? 
Pior: nas últimas horas, a Altice já avançou que não vai pagar aos clubes os valores das transmissões, porque estas nem sequer existiram. Portanto, em Abril, alguns clubes arriscam-se a ter zero receitas. E daí se percebe a «pressa» em regressar à competição, mesmo sem adeptos nas bancadas (algo que vai fazer correr muita tinta, acho).
O cenário é muito pouco animador. Os clubes de maior dimensão vão-se gerindo de empréstimo em empréstimo, com antecipação de receitas e alguns exercícios de contabilidade pelo meio. A dívida dos três grandes (e de outros clubes de menor dimensão) é astronómica, e admito que não consigo vislumbrar como vai ser gerida daqui para a frente.
Por outro lado, e conhecendo o historial de alguns emblemas nacionais, começa a ser claro que dificilmente vão conseguir cumprir os compromissos assumidos. E vou mais longe, temo sinceramente que alguns clubes não consigam ultrapassar as dificuldades, e se afundem nas divisões inferiores.´
Para terminar, e os clubes da II Liga e Campeonato de Portugal? Para já, reina a confusão. As receitas já são poucas, teme-se que nos próximos meses passem a ser quase nenhumas. Estou certo que alguns não vão aguentar.
Foi anunciado que António Costa vai receber os presidentes dos três grandes - ajuda a traduzir o sentimento de preocupação do momento - mas não deixo de lamentar que não haja espaço para os representantes de outros clubes. Se é óbvio que Porto, Benfica e Sporting vão sofrer (menos transferências, publicidade cortada…), também é óbvio que os clubes do meio da tabela para baixo podem sofrer ainda mais, com consequências mais devastadoras.
Esperemos que se pense sobretudo nestas equipas, e não se siga o exemplo que algumas elites defendem para o país: ajudar quem tem muito, sacrificar quem já tem muito pouco.
E que se aproveite para pensar nos elogios permanentes ao chamado “futebol-negócio”, com a figura supostamente inevitável dos «clubes-empresa». O desporto precisa mesmo de fazer girar tantos milhões nalguns bolsos? Será que um futebol mais popular e menos financeiro não estaria mais apto para aguentar um embate destes? Provavelmente."

A Liga à beira do abismo

"Alguns clubes da primeira liga correm mesmo risco de sucumbir de forma irreversível. Sem precipitações, há pois que avaliar com bom senso os passos que a seguir serão dados.

Tem sido intensa a actividade para que seja possível encontrar rapidamente uma solução definitiva para todos ficarmos a saber o que vai ser o futuro do futebol em Portugal.
Ontem foi dado um passo importante nesse sentido, tendo o Primeiro-Ministro chamado a São Bento as figuras mais proeminentes da modalidade e com elas reflectir sobre o que mais convirá fazer no imediato.
Como nota mais relevante ficou a promessa de haver amanhã uma decisão, após ser consultada a comissão que foi constituída para, face às circunstâncias, emitir uma opinião baseada em razões concretas, e tendo em conta a exigência de serem respeitadas as condições sanitárias que se colocam num momento tão delicado das nossas vidas.
Há já exemplos de decisões de ruptura adoptadas em outros países europeus. A mais recente chegou-nos ontem de França, onde o governo de Macron assumiu que a temporada futebolística terminou, lançando deste modo a Ligue 1 para um beco do qual vai ter muita dificuldade em sair a curto prazo. 
Bélgica e Holanda já haviam dado os primeiros sinais, havendo dúvidas sobre o que vai acontecer na Itália, Espanha e Inglaterra, países onde também tem havido intenso debate sobre as condições em que o futebol pode regressar aos estádios.
Na Espanha, sobretudo, parece haver alguma resistência por parte dos jogadores para tudo recomece, colocando estes sobre a mesa exigências que visam a protecção dos seus direitos, particularmente o direito à saúde.
Por cá, depois do plano elaborado da Liga de Clubes, arrojado e já com datas previstas para as fases que poderão seguir-se, a situação deu agora um passo atrás. Antes de tudo, há necessidade de se avaliarem os riscos decorrentes de um recomeço destemperado, que poderá acarretar prejuízos incalculáveis.
Claro que os clubes, sobretudo os maiores, estão numa situação desesperada. Sem receitas e sem perspectivas de as poder recuperar a curto prazo, é caso para dizer que estão à beira do abismo. 
Alguns clubes da primeira liga correm mesmo risco de sucumbir de forma irreversível. Sem precipitações, há pois que avaliar com bom senso os passos que a seguir serão dados.
Para já, a bola está do lado da comissão técnica encarregada de elaborar um parecer definitivo. Sem esquecer que o Comité Médico da FIFA já deu o seu veredicto: “o futebol não deve regressar antes de Setembro”."

28 de abril de 1967: O dia em que Muhammad Ali disse quatro vezes não à Guerra do Vietname. E ficou quatro anos sem combater

"Foi há 53 anos que Muhammad Ali deixou de ser apenas o melhor pugilista do Mundo para se tornar também numa das caras da luta contra a guerra e a discriminação. E assim nasceu o ícone. Mesmo que com custos para a sua carreira

Chamaram o seu nome três vezes. E das três vezes Muhammad Ali ficou quieto, sem mexer um músculo que fosse, a antítese daquilo que fazia nos ringues, onde era tão rápido de mãos e pés, com aqueles reflexos de gato - "planava como uma borboleta e picava como uma abelha", diziam. Das três vezes, Ali renunciou aquilo que lhe parecia inexplicável, sair do seu país, deixar o boxe, para pegar numa arma e ir matar vietnamitas. A guerra não era sua, Ali recusou-a, embora isso fosse crime punível até cinco anos de cadeia, como lhe disse o oficial naquele centro do exército norte-americano em Houston.
E à quarta, Ali voltou a não dar um passo em frente. Foi preso. Nesse mesmo dia, 28 de Abril de 1967, perdeu a licença para combater e os seus títulos mundiais foram-lhe retirados pela Associação Mundial de Boxe. E nos três anos seguintes, Muhammad Ali, "The Greatest", não pode ser o maior nos ringues.
Aquela manhã de Abril de 1967 era o culminar de meses e meses de guerra fria entre Ali, a consciência de Ali e uma América que ele não aceitava. No início de 1966, e apesar do estatuto de campeão mundial de pesos-pesados, Muhammad Ali foi colocado no grupo de norte-americanos elegíveis a serem chamados para o exército, o que naquela altura significava guia de marcha para a selva do Vietname.
Ali recusou, considerou-se um objector de consciência. As razões foram religiosas - Ali já se tinha então convertido ao Islão - mas era também uma questão de direitos humanos. "Eu não tenho nada contra os vietcong. Eles nunca me chamaram preto", diria. Ou ainda: "Porque haveriam de me pedir para vestir um uniforme, viajar milhares de quilómetros para lançar bombas e espetar tiros às pessoas do Vietname quando os chamados pretos de Louisvile continuam a ser tratados como cães, sem os mais simples direitos civis?".
Depois de dizer quatro vezes não ao Exército, Ali foi presente a um tribunal de júri totalmente branco, que em 21 minutos ditou a sentença: culpado por violar a lei militar.
O caso só veria a luz do recurso quatro anos depois e nesses quatro anos Ali não passou pela prisão, mas tão-pouco pode competir. Entre os 25 e os 29 anos, talvez no pico da sua capacidade física, tornou-se um pária para os patriotas, mas um símbolo para todas as vozes que se insurgiam contra a guerra, a favor dos direitos civis, pelo fim da discriminação à qual os negros continuavam a ser subjugados em território norte-americano.
Só em 1970 Ali foi de novo autorizado a combater. Só em 1971, com os EUA já cansados da guerra, a condenação de Ali foi finalmente revertida. E só depois da travessia no deserto, Ali foi o Ali do Combate do Século, do Rumble in the Jungle, do Thrilla in Manila.
Mas terão sido os anos em que a sua consciência não lhe permitiu calçar as luvas de boxe que tornaram Muhammad Ali num ícone, para lá do pugilista mais preponderante da história, ainda que espoliado dos seus melhores anos por uma decisão de um tribunal de homens brancos. "As acções de Ali mudaram os meus critérios para aquilo que considero ser a grandeza num atleta. Ter um lançamento assassino ou a capacidade de parar um golo já não chegava. O que fizeste para libertar o teu povo? O que fizeste para ajudar o teu país a viver de acordo com os princípios do seus fundadores?", escreveu em tempos o jornalista negro William Rhoden no "The New York Times". 
Isso sim, chama-se grandeza."

Decidir ou não decidir: eis a questão

"Há uma Secretaria de Estado do Desporto, que, infelizmente, é uma Secretaria de Estado do Futebol, Similares e Afins

1. O presidente da UEFA varia de opinião mais vezes de que o meu papagaio diz «Benfica!», ao longo do dia, independentemente de se jogar ou não, e do resultado. Já ouvi milhentas versões de como podem vir a decorrer a presente época, as competições europeias, as semanas para as selecções nacionais e, claro está, a próxima temporada. Não é que seja fácil tentar encaixar tudo no calendário anual, que indiferente ao coronavírus, se mantém igual, ainda que bissexto em 2020. Bem pelo contrário, tentar conciliar tudo, mesmo o inconciliável, é uma tormenta. Acontece que, salvo melhor opinião, a UEFA não existe para dar palpites, divulgar opiniões de momento, divagar em forma volitiva de simples desejos. Afinal, esta organização, tão poderosa, inclusiva e fulminante em sancionar clubes e em encaixar fartos fundos, agora está a ser posta à prova num assunto em que, apesar de todas as dificuldades e imprevisibilidade, se exige uma rota menos ziguezagueante para orientação geral.
Já ouvimos n datas para se poder finalizar a Champions e a Liga Europa (taças que, infelizmente, só indirectamente nos interessam), bem como para o reinício e fecho da temporada. Já lemos a recusa de aceitação de cancelamento de campeonatos (por exemplo, o belga) num dia e, em outro a seguir, a possibilidade de considerar essa situação, desde que tudo seja transparente(?). Já se falou tanto de não haver férias de Verão, como o seu contrário, ou até a sua passagem para um mês mais frio. Quanto ao defeso, também há x cenários, que é como chamam à confusão de não decisão. Também já ouvimos, a nível da FIFA, promessa de montantes de apoio aos clubes de um modo tão genérico, que se resumem a um denso nevoeiro.

2. E nada ou muito pouco se tem reflectido sobre o necessariamente diferente paradigma, que vai ser o do futebol de alta competição no futuro. Tal como nas diferentes federações que, umas mais, outras menos, andam longe destas preocupações, apenas assestando baterias para a resolução desta época. Este tempo é um teste fundamental para das duas, uma: ou se mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma, numa lógica falsamente reformadora; ou se enfrenta radicalmente o futuro que jamais coincidirá com o quadro até agora vivido e se começam a reformar as instituições, as leis, as regras, as sociedades desportivas, as competições, o papel da intermediação, os direitos televisivos e de imagem, a fundamentação e sustentação dos níveis salariais.
Sejamos claros: talvez em 2022, possamos ir todos encher estádios sem a angústia de contágios. E até lá como vai ser? Transformar o futebol numa coisa distante visionada sem ser vivida? Manter as cosias como se a normalidade estivesse assegurada? Considerar os jogadores uma espécie de artistas de circo, que se exibem através de uma tela, onde a emoção será quando muito liofilizada? Considerar os atletas cobaias de retoma, indiferentes a segundas vagas pandémicas (o caso da Alemanha, por exemplo)?

3. É ridículo o modo como algumas equipas voltaram aos treinos. Ridículo e legalmente discutível se considerarmos que ainda estamos na vigência do estado de emergência. Um desporto associativo treinado em regime de separação total dos plantéis, cada qual nos seus privativos metros quadrados (e, neste pormenor, aprofundando a diferenciação entre os clubes que têm campos e instalações que o permitam, aspecto que não se verifica da maioria dos clubes), tomar o duche em casa, etc. Enfim, um simulacro que pode até parecer bem no marketing mediático, mas que é de todo inconsequente. É que, certamente por um qualquer milagre operado, umas semaninhas depois já podem andar todos ao molho e, outras poucas semanas após, jogarem para as competições, não sei se com máscara (como está ser falado na Alemanha em cada 15 minutos de jogo!). Aí, os veremos correndo, chocando, saltando, caindo sozinhos ou em grupo, ainda que, hilariantemente, talvez não possam festejar os golos e, nalguns casos, fazer as rodinhas do antes e do depois.
Sinceramente, acho que, na maioria dos países, se está a forçar uma situação para reatar tão breve quanto possível os jogos por disputar. Percebo a pressa, mas não compreendo a precipitação. Os clubes precisam, naturalmente, de voltar a produzir o serviço que prestam à sociedade. Até aqui nada de diferente de outra qualquer actividade económica de produção de bens ou serviços. Claro que a primeira tendência dos poderes políticos, mais do que das autoridades sanitárias, é de acelerar tanto quanto seja possível a autorização e disponibilização deste bem desportivo e lúcido e com reflexos em muitas outras actividades que vão dos operadores de telecomunicações, a estações de televisão e radio, a publicidade, apostas desportivas e online, etc. Assim o poder reforça a sua perspectiva popular e é aplaudido pela população desejosa de voltar a ter na tela uma catrefada de jogos em modo de salsicharia. No fundo, trata-se de fingir um rápido regresso à normalidade. Acontece que a normalidade já não vai ser o que era, ainda que todos finjam, por agora, que vai. Repisando pontos que já tratei nesta coluna, este frenesim quase planetário leva a um conflito de interesses entre o como acabar a presente época e como deve ser a próxima temporada. Tudo empilhado e encavalitado, onde até agora só tenho visto palpites e suposições. Acresce que, na minha opinião, se está a considerar a eventual pré-época para concluir as competições, como se tratasse de uma pré-época típica do Verão. Creio que as condições de partida para os atletas serão bastante diferentes. Mais tempo de paragem (não menos de 2 meses), uma situação clínica e desportivamente inédita, não existência de um planeamento com conta, peso e medida, como é compreensível, sem jogos amigáveis de preparação e de exigência desportiva, maior dificuldade em percepcionar ou prevenir lesões e consequências para a época seguinte. Depois, imaginemos dois jogos por semana no mês tradicionalmente mais quente e sufocante, como é o de Julho, em que para garantir as transmissões televisivas haverá jogos a horas absolutamente nada recomendáveis. A isto se somam as competições internacionais de selecções e de clubes, o Europeu 2021 (perdão, 2020, depois da corajosa decisão da UEFA) e os Jogos Olímpicos do mesmo ano, a definição dos tempos de defeso e de contratações que corre o perigo de se transformar, ainda mais, numa espécie de amiba transaccional, na qual os mais fortes são sempre beneficiados.

4. Por fim, o absoluto domínio do futebol sobre todos os outros desportos colectivos. Verdadeiramente só se fala do futebol nesta contingência. Parece que o resto não existe ou é desprezível. Basquetebol, hóquei em patins, voleibol, râguebi, andebol, futsal despertam, quanto muito, umas breves notas de rodapé sobre o que lhe está ou pode acontecer. Os atletas estão mais desprotegidos, um qualquer lay-off não suscita interrogações de maior, tudo numa boa visto de fora. E, no entanto, imagino as brutais dificuldades de clubes, não só dos eclécticos e grandes, mas sobretudo dos mais pequenos sem que o seu grito se ouça mediaticamente. Até por uma questão de gratidão, importa considerá-los, pelo muito que, tão abnegadamente, são à modalidade em que competem e à terra que deles se orgulha. Eu, que gosto de futebol, sinto a falta dele, como do hóquei, do basquetebol, de voleibol. Não tenho uma visão totalitária do futebol e recuso olhar para a actividade desportiva centrado apenas neste desporto. As modalidades bem precisariam de um verdadeiro provedor que defendesse os seus valores e interesses. Há uma Secretaria de Estado do Desporto, que, infelizmente, é uma Secretaria de Estado do Futebol, Similares e Afins. Mais uma vez, tudo reflexo dos interesses económicos que o futebol possibilita e as modalidades não envolvem, tudo medido em tácticas posições de retorno político que aquele garante e estas não permitem. Numa imagem caricatural, as modalidades neste tempo de pandemia estão para o desporto global, como as pessoas velhas estão para o resto da população. Descartadas, descentradas, esquecidas.

P.S. - Mesmo neste tempo de insondáveis desafios, há comentadores e jornais da tribo que continuam obcecados, no compulsivo registo habitual,como o inimigo SLB. Façam o favor de olhar para dentro, se querem ter motivos bastantes para se preocuparem ou dar fartas notícias."

Bagão Félix, in A Bola

Só o Benfica resiste

"Fez três anos que Luís Filipe Vieira teve uma afirmação muito polémica e que foi manchete em A Bola. Afirmou ele: «Estamos dez anos à frente da concorrência»

O comité executivo da UEFA, na reunião da última quinta-feira, anunciou uma mão cheia de nada em termos de medidas concretas para combater a influência da pandemia no negócio do futebol. Pelo contrário, assumiu a derrota e, no limite, reconheceu às federações liberdade para decidirem em função das orientações recebidas das autoridades de saúde dos respectivos países.
Por cá, o Sporting chegou a um entendimento com o plantel para a redução dos vencimentos em 40 por cento nos meses de Abril, Maio e Junho, no caso de não haver mais competição esta época, com promessa de devolução de 20 por entro se o campeonato recomeçar, paga em duas prestações de dez por cento, a primeira em Dezembro deste ano e a segunda em 2021. Entretanto, ficou a saber-se ainda que, por causa do coronavírus, a administração leonina está a trabalhar na revisão do orçamento 2020/2021, que deverá baixar dos 70 milhões inicialmente previstos devido à contratação do Ruben Amorim. Em concreto, haverá menos dinheiro para «aplicar noutras aquisições ou noutro investimento», conforme esclareceu o administrador Salgado Zenha (A Bola de 22 de Abril).
Nesse mesmo dia soube-se que a equipa técnica do FC Porto aceitara o corte nas remunerações, já partir deste mês, em 40 por cento, enquanto as competições não forem retomadas. No sábado, A Bola noticiou que idêntico acordo fora alcançado com o plantel e que o atraso no entendimento com os jogadores ficara a dever-se a divergências sobre o recebimento da diferença, que deverá ser feito assim que for garantida a entrada na Liga dos Campeões.

Nesta última semana, de terça a terça, o Benfica também foi notícia, mas em contramão ao sentido de leões e dragões. Na quarta-feira (dia 22), foi divulgada o teor de uma carta de Luís Filipe Vieira às casas e associados do clube. No essencial, o presidente encarnado quis dirigir uma palavra de conforto aos sócios («a alma deste clube») e expressar o reconhecimento pela acção das Casas do Benfica («exemplo de solidariedade com as suas comunidades locais»).
Vieira apelou à união do universo benfiquista em momento particularmente severo através de uma mensagem de confiança e de esperança, mensagem confirmada no dia seguinte com a notícia do pagamento na totalidade à estrutura profissional do futebol e com a informação de que eventual revisão salarial apenas será colocada em cima da mesa a partir de altura em que não se vislumbrar outra solução, o que, por ora, não é o caso. E não é porque, como explicou Domingos Soares Oliveira, o administrador executivo da SAD e CEO do grupo Benfica, mesmo em tempo de muitas sombras, a marca está bem preparada e só por isso lhe foi possível reembolsar os investidores do empréstimo obrigacionista 2017-2020, no valor de cerca de 50 milhões de euros, «no meio da maior crise que cada um de nós já viveu».
Domingos Soares Oliveira comunicou ainda que o Benfica reduziu a dívida bancária para «valores quase históricos» e tem em caixa 50 milhões de euros, o que lhe permite olhar em frente com «uma confiança moderada», confiança essa que é sustentada pela condição económico-financeira de águia, com suas disponibilidades de tesouraria, mas, paralelamente, com as reservas que se impõem na medida em que ninguém sabe o que «o futuro nos reserva».

O Benfica é o único que mostra capacidade para resistir aos efeitos da pandemia e é essa estabilidade que irrita, os seus adversários por verem nele, mesmo não o querendo admitir em voz alta, o mais forte de todos. É o maior dos grandes e, devido a essa evidência, a figura de Luís Filipe Vieira é tão massacrada: pelos rivais externos, por terem percebido há muito que enquanto ele tiver saúde e vontade será muito difícil travar a ascensão da águia, e também pelos internos, os quais, sentindo uma irreprimível atracção pelo seu lugar, mas não podendo ignorar a magnífica obra edificada, se agarram à demora do futebol profissional em recuperar a hegemonia que o FC Porto lhe roubou.
É o único argumento, embora falacioso, que poderá gerar incómodo entre família encarnada, apesar de na última década se ter vindo a consolidar essa recuperação: Benfica, seis campeonatos e FC Porto, quatro, nos últimos dez anos, e Benfica cinco e FC porto um nos últimos seis.
Pode parecer pouco aos mais agitados, mas é um inequívoco sinal de mudança, além de não ter sido por falta de condições de trabalho ou de défice de qualidade dos plantéis que o Benfica falhou os títulos de 2012 e 2013, no tempo de Jorge Jesus (excesso de vaidade), de 2018, com Rui Vitória (fraca ambição), e, muito provavelmente, o de 2020, com Bruno Lage (fala de tarimba). No total foram três campeonatos deitados à rua e um quarto em vias disso. Dizia o professor Medeiros Ferreira que todos os treinadores são carprichosos, o problema é que esses caprichos, geralmente, saem caro aos clubes.
Fez agora três anos que Luís Filipe Vieira teve uma afirmação muita polémica e que foi manchete na edição de A Bola de dois de Março de 2017. Afirmou ele: «Estamos dez anos à frente da concorrência».
Não sei se os anos serão tantos, mas o Benfica está muito à frente. Sobre isso não tenho dúvidas."

Fernando Guerra, in A Bola