"Sou capricorniano, casado, tenho 46 anos e uma filha de 9, linda de morrer.
Tenho a vida que quero, a vida que escolhi ter. Isso não me torna nem melhor nem pior do que quem escolheu/escolhe viver de outra forma, porque cada um deve ter a vida que mais gosta e deseja.
O futebol sempre foi o meu mundo. Em jovem, joguei dois anos num clube. Na altura, muitos meninos e meninas da minha idade preferiam o canto ou a pesca, a representação ou a natação, o karaté ou a costura. Preferiam outra coisa qualquer, porque seguiam a voz do coração e o coração tem sempre razão.
Hoje conheço gente dos quatro cantos do planeta. Angolanos e ucranianos, americanos e marroquinos, venezuelanos e indianos. Todos bem diferentes no embrulho, todos muito iguais na essência. A amizade não tem passaporte e o carácter não tem nacionalidade.
O jeito para a bola não era muito, mas a loucura era tanta que tirei o curso de árbitro. Enquanto isso, muitos dos meus colegas mergulhavam nos estudos ou arranjavam trabalho. Uns ficaram por cá, outros emigraram. Uns são felizes, outros procuram a sua felicidade. Todos são pessoas de bem, porque os valores não se medem em extractos bancários ou diplomas universitários.
Tenho amigos em todas as áreas: médicos e mecânicos, engenheiros e padeiros, gestores e caixas de supermercado. Nenhum vale mais do que o outro. Nenhum é mais que o outro. São todos iguais.
Sou cristão mas não vou à missa. Sou um homem de fé em Deus, no meu Deus, mas que respeita muito a fé e crença dos outros. O seu Deus.
Gosto de sushi, de bitoque e, de vez em quando, como carne de porco. Respeito profundamente quem não gosta, quem não come, quem não toca.
Não tenho ideologia política. Apoio projectos em que acredito e pessoas em quem me revejo, mas tenho grandes amizades à esquerda, ao centro e à direita. Gosto das pessoas pelo que elas são, não pelas sua convicção.
Nasci numa família de benfiquistas "não praticantes". De simpatizantes distantes. Cresci com essa influência até ao dia em que a arbitragem ganhou um adepto para a vida. Hoje sou amigo, familiar, vizinho e companheiro de trabalho de sportinguistas e portistas, maritimistas e benfiquistas, flavienses, vitorianos e braguistas. Todos efervescentes, todos normais, todos iguais.
Nos dias que correm, só faz sentido sermos assim. O que queremos e como queremos, desde que nos respeitemos.
As nossas enormes diferenças - que nos tornam humanos ainda mais iguais - só são ameaçadas perante o radicalismo de opinião e o extremismo de posição.
Hoje a vontade de atacar o lado perverso do homem é tão grande que a balança cai, perigosamente, para o lado oposto.
Agora, é "tabu" mencionar qualquer ideia relativa às nossas particularidades enquanto seres humanos e pessoas (todos temos particularidades sociais, genéticas, históricas, culturais), tal o receio de ofendermos o status quo. De sermos inconvenientes. De nos pormos a jeito.
Hoje há medo em abordar este tipo de assuntos. São os chamados "não assuntos". Porque a mera opinião pode logo ser conotada como machista, xenofóba ou racista. Não há margem para arriscar. O melhor é nem falar.
A pressão do "socialmente correto" não esconde uma verdade que nos devia orgulhar a todos. A verdade da diversidade.
Sim. No mundo há preto, branco e amarelo, há inglês, nepalês e sudanês, há muçulmano, católico e ateu, há alto, médio e baixo , há fascista, comunista e democrata, há feio, bonito e deslumbrante, há carnívoro, vegetariano e vegan, há bom, suficiente e mau, há benfiquista, portista e sportinguista, há alheira, açorda e marisco. E depois? E depois?!?
Desta vez, a fava saiu ao Bernardo Silva, que é uma pessoa de bem e com valores no sítio. A brincadeira inocente com o seu melhor amigo (!) está em vias de ser punida, exemplarmente, com chibatadas em plena praça pública, porque importa passar mensagem, ainda que à custa da inocência inocente de alguém.
A FA acha a conduta do português gravíssima, mas não se importa que, quase todos os dias, jogadores profissionais andem à pancadaria em pubs, armem confusão com seguranças, partam tudo com a bebedeira e vomitem dentro de táxis. Agora a onda é outra e isso não importa nada.
O mais curioso é perceber que este movimento, o mais radical e excessivo, nasceu pelo facto de se condenar... o outro. Somos tão estranhos, não somos?
No meio de uma e outra ponta, onde mora a sensatez e a razão? Onde mora a naturalidade das coisas que são naturais?
O Calimero é um pintinho branco? E a Branca de Neve é uma jovem asiática?
De que cor e género serão os próximos desenhos animados? E filmes? E livros?
Por favor. Equilíbrio precisa-se.
Com urgência!"