Grandes Treinadores e Treinadores de Grandes

"O primeiro jogo do Benfica no campeonato que vi no Estádio da Luz foi há mais de 26 anos. O croata Tomislav Ivic começara a época no banco, numa daquelas tentativas de enfrentar o Porto trazendo para a Luz homens que tinham conhecido o sucesso nas Antas, mas, em dezembro, Jorge de Brito, o último dos presidentes românticos, mandou o croata embora e Toni, depois da experiência de 87/88, foi novamente o bombeiro de serviço e assumiu uma vez mais o cargo de treinador principal. Se a defesa não era das melhores, o meio-campo era de luxo. Naquele jogo, disputado no dia 4 de abril de 1993, a equipa inicial contava com Paulo Sousa, Rui Costa, Stefan Schwarz, Alexandr Mostovoi, Pacheco e Paulo Futre, que chegara meses antes graças à liberalidade da RTP. O adversário nessa tarde de domingo foi o Gil Vicente, que tinha na baliza a promessa Brassard e contava com outros nomes míticos do nosso humilde futebol: Laureta, Cacioli, Tuck e um tal Ljubinko Drulovic. Aos noventa minutos, a equipa de Barcelos fez entrar o não menos mítico Tueba que, anos antes, disputara a nefasta final da Taça dos Campeões pelo Benfica contra o PSV.
Lembro-me que o estádio estava praticamente vazio e que os cinquenta adeptos do Gil Vicente, animados por um imparável bombo, não se calaram durante todo o jogo com gritos de “Gili! Gili! Gili!”, que aumentaram quando o defesa Miguel inaugurou o marcador ainda na primeira parte. A muito custo, o Benfica deu a volta ao resultado na segunda parte com dois golos de Pacheco, também ele um dos sobreviventes da final de Estugarda. Facto curioso é que no banco dos gilistas estava o mesmo treinador que orientou o Gil Vicente neste fim de semana no Estádio da Luz, Vítor Oliveira. Naquela altura ainda não era o rei das subidas, mas é significativo que um quarto de século depois ainda tenha oportunidade de demonstrar a sua competência no principal escalão.
Para se ter noção do feito que isso representa basta olhar para os nomes dos treinadores daquela época: o próprio Toni, José Romão, Paulo Autuori, Zoran Filipovic, Jaime Pacheco, Henrique Calisto, Vítor Urbano, Abel Braga, Rodolfo Reis, Paco Fortes, Manuel José, Vítor Manuel e Fernando Santos, além dos já falecidos Carlos Alberto Silva e Bobby Robson. À excepção do agora seleccionador nacional Fernando Santos e das passagens conturbadas de Autuori e Manuel José pelo Benfica, nenhum teve oportunidade de treinar um grande. Nem sequer o campeão nacional pelo Boavista Jaime Pacheco. Muitos são hoje comentadores e provavelmente não voltarão a orientar uma equipa na primeira liga. Desgastaram-se nos combates pela permanência sempre com o rótulo de treinadores de equipa pequena e acabaram atirados para o caixote do lixo.
Vítor Oliveira foi mais perspicaz. Escolheu sempre os projectos que lhe ofereciam mais garantias, mesmo em divisões inferiores, e hoje está de volta aos palcos principais com o desafio quase sobrenatural de transformar um clube que o ano passado estava no terceiro escalão numa equipa competitiva. A vitória contra o Porto e a boa exibição do Gil Vicente no Estádio da Luz mostram que Vítor Oliveira sabe o que está a fazer. O facto de nunca terem apostado nele para clubes com outras aspirações mostra que os dirigentes muitas vezes não sabem o que estão a fazer.
Em Portugal, o chicote estala com frequência, mas sou capaz de apostar que o treinador do Gil Vicente é dos poucos que não corre esse risco. Como se dá ao luxo de escolher os projectos, só sairá da equipa de Barcelos se e quando quiser. Os restantes vivem com a espada de Dâmocles sobre a cabeça. A dança das cadeiras começa cedo e é normal que essa instabilidade fomente o conservadorismo em detrimento de ideias mais avançadas e de um futebol mais atractivo. O que interessa é o pontinho. Mesmo que um treinador acumule créditos numa época, começa a época seguinte na estaca zero. Veja-se o caso de Silas no Belenenses SAD. E assim vão saltitando de clube em clube, sempre com objectivos de curtíssimo prazo, sem tempo para desenvolverem as suas ideias. Ou encadeiam uma sucessão de épocas positivas e esperam que as circunstâncias os abençoem com um clube grande ou uma aventura no estrangeiro ou vão alternando entre a cadeira e o chicote, com períodos sabáticos no purgatório do comentarismo até já ninguém se lembrar deles para a tarefa de alto risco e parca recompensa que é a de treinar um clube de meio da tabela.
Os próprios treinadores, mais do que ninguém, devem sentir na pele a aleatoriedade dessa hierarquia que põe de um lado os que estão destinados aos grandes e os que nunca hão de conseguir dar o salto. Não pode ser só a capacidade, o conhecimento, a sabedoria. Se assim fosse, Jorge Jesus não teria demorado tantos anos a chegar a um grande, nem Bruno Lage teria saltado da equipa B para a condução da equipa principal do Benfica. Será a postura? O discurso? A cara? É capaz de ser a cara. Penso naqueles treinadores de antanho – Vítor Urbano, Vítor Manuel, José Romão – e vejo que tinham aquela cara sofredora do pontinho e da retranca. Por outro lado, haverá cara mais “retranqueira” do que a de Fernando Santos? Duvido.
Ontem vi a segunda parte do Portimonense-Porto. Nos respectivos bancos, dois ex-jogadores do Porto com uma diferença de quatro anos entre si. Curiosamente são os treinadores mais longevos no mesmo clube. Dá para rir, se não fosse um indicador trágico da condição de treinador em Portugal. Bem, mas o que pensei foi que os papéis poderiam facilmente inverter-se. Não seria um escândalo ver António Folha no banco do Porto e há poucos anos era o próprio Sérgio Conceição que orientava uma equipa algarvia sem outras ambições que não a da manutenção. Com todas as suas limitações, o Portimonense procurar praticar um futebol agradável e o Porto, apesar de todos os recursos, muitas vezes limita-se a ser uma equipa sólida, pouca amiga do espectáculo. Então porque é que um treinador, por acaso o mais velho, está no Portimonense e o outro já foi campeão no Porto?
Uma resposta possível chegou no fim do jogo. Sérgio Conceição não é muito bom a esconder as emoções, o que o torna um caso interessante de acompanhar. Não se trata de elogiar a frontalidade. Trata-se apenas de observar, com algum deleite, a incontinência emocional do treinador do Porto. Pode-se acompanhar o desenrolar de um jogo seguindo unicamente as reacções de Conceição no banco. Ontem, até aos setenta minutos, o treinador azul-e-branco estava controladíssimo. O jogo, até esse momento, tinha sido, mais do que um passeio, uma visita guiada. Se os jogadores do Portimonense tivessem entrado de tuk-tuk e megafone a chamar a atenção dos forasteiros para as belíssimas clareiras no seu meio-campo, arriscavam-se a ganhar um prémio da Região de Turismo do Algarve.
Até que Conceição, segundo a sua análise, resolveu complicar. Chamou Nakajima com um assobio – “um assobio japonês”, de acordo com a tirada inspirada do comentador da Sport Tv – e o internacional japonês foi a correr para entrar em campo. Foi a única vez que cumpriu com eficácia uma ordem do treinador. Seria melhor para o Porto se o treinador tivesse continuado a assobiar em japonês. Com a entrada em campo de Nakajima, ele que na época passada foi o motor dos algarvios, o Portimonense ressuscitou. Dois remates, dois golos. No banco, Conceição escondia o rosto com as mãos. No final do jogo, já depois do golo redentor de Marcano, Conceição dirigiu-se ao diminuto Nakajima com uma fúria de Incrível Hulk. Puxou-o por um braço e tiveram de ser os jogadores a arrefecer os ânimos. Nakajima, com aquele ar indecifrável de personagem de Ozu, revelou uma obediência nipónica à autoridade e nem sequer esboçou uma reacção. E Sérgio Conceição, no seu aparente descontrolo, afirmou-se como treinador de equipa grande.
É a atitude. Só pode ser a atitude. O treinador do Porto sente que aquele lugar é seu por direito e que não há de ser um japonês instável a estragar o que lhe deu tanto trabalho a conseguir. Quando, há dois anos, Conceição encostou Casillas, muitos viram nessa decisão uma reedição dos conflitos cirúrgicos de Mourinho para mostrar quem mandava. Mas duvido que esses confrontos sejam meramente estratégicos. São o resultado de crença e de confiança. Quem manda ali é ele e mesmo que a condenação pública de um jogador possa ser vista como um sinal de fraqueza e não de autoridade, Conceição não especula na hora de afirmar a sua liderança. Talvez seja isso que distingue um treinador talhado para os grandes dos treinadores que passam uma carreira à espera do som do chicote."


PS: Por favor Bruno, não confundir mau carácter com capacidade de liderança!

O futuro (não) depende apenas delas

"Quem o viu e quem o vê. O futebol feminino português teve um crescimento absolutamente impressionante nos últimos anos. Num curto espaço de tempo, diria de há quatro/cinco anos a esta parte, houve uma mudança de paradigma no nosso país que permitiu encarar o presente e o futuro da modalidade com outros olhos. Venha ele!
Ponto prévio: A jogadora portuguesa sempre teve muita qualidade, atenção. Não tinha era o espaço nem as condições necessárias para evoluir da melhor forma. Nem tão pouco a atenção mediática que o fenómeno tem por estes dias.
Pese todas as contrariedades, houve quem conseguisse fazer história à sua maneira e conseguisse desbravar o terreno para as gerações vindouras terem um palco à sua medida. Muitas ficaram pelo caminho, é verdade. E não por falta de qualidade. Infelizmente, num mundo ainda mais desigual, não tiveram força para remar contra a maré do preconceito.
Uma coisa que nunca poderá ser apagada é o legado deixado por essas jogadoras, que foi tremendo e serviu de inspiração para a nova vaga. Foi o talento delas que obrigou a Federação e os clubes a tomarem uma posição de força e rectificarem os moldes da aposta no futebol feminino português.
A criação de escalões de base para o futebol feminino foi o primeiro passo de uma transformação que começa a dar agora os primeiros frutos. Ainda há um longo caminho para percorrer, claro que sim, mas estamos muito mais perto.
Para que se perceba a real dimensão desta evolução nos últimos anos, recordo até com certa nostalgia todos aqueles domingos passados à conversa com alguns treinadores das principais equipas do Campeonato português, ainda sem os 100% profissionais SC Braga, Benfica e Sporting.
“Caríssimo Pedro Bouças, daqui Rodrigo Coimbra. Parabéns pela vitória do seu Fófó [Futebol Benfica] neste fim de semana. Desculpe incomodá-lo mais uma vez com isto, mas já deve saber para o que é. Pode dizer-me, por favor, a ficha de jogo deste domingo?”
Parece mentira, mas é pura verdade. O então treinador do Fófó, equipa que teve a hegemonia do futebol português entre 2014 e 2016, traduzida pela conquista de dois campeonatos, duas Taças de Portugal e da primeira edição da Supertaça, ditava-me do outro lado da linha o nome das jogadoras que tinham sido titulares na jornada x ou y, suplentes utilizadas, cartões, golos, árbitra… tudo!
Isto aconteceu há cinco anos apenas. Muito mudou desde então e não sabem o gozo que me dá este crescimento. Mesmo quando, nestes dias, percebo que se quiser falar com um treinador de uma ou outra equipa mais renomada da Liga BPI já tenho de seguir determinado protocolo.
Agora a minha chamada tem de passar primeiro por um assessor de comunicação para perceber se o meu pedido é exequível. Sinais dos tempos.
E o que dizer de jogadoras como a Jéssica Silva, Cláudia Neto, que jogam hoje nas duas melhores equipas europeias – Lyon e Wolfsburgo, respectivamente. Ainda há a Matilde Fidalgo que está no Manchester City, a Andreia Norton no Inter, a Mónica no vizinho AC Milan, a Dolores que o ano passado representou o Atlético Madrid e esteve no Wanda Metropolitano com mais de 50 mil pessoas nas bancadas, e muitas outras que dignificam a bandeira portuguesa lá fora.
Hoje falamos muito de Sporting, Braga e Benfica, equipas que ajudaram sobremaneira a este boom, sobretudo mediático, mas não podemos esquecer o Atlético Ouriense, primeira equipa portuguesa a chegar aos 16-avos da Liga dos Campeões, o Futebol Benfica, equipa que conquistou o primeiro triplete, o 1.º Dezembro, clube que foi unodecacampeão! E tantos outros.
Por fim, podemos ainda olhar para o trabalho da nossa Selecção. Aquela que conseguiu pela primeira vez marcar presença num Campeonato da Europa. Aquela que tem subido patamares qualitativos ano após ano. Coisas que eram impensáveis há um par de anos, como bater o pé à Suécia, à China e ao Canadá, ou ter personalidade na casa das campeãs mundiais, são agora possíveis graças a um trabalho de uma estrutura fantástica.
Claro que vamos continuar a assistir a resultados como o do Braga frente ao todo-poderoso Paris SG (0x7) ou de Portugal nos Estados Unidos (dupla derrota por (0x3). Mas a tendência será que esse fosso diminua.
Agora, não depende apenas delas, até porque têm feito aquilo que melhor sabem dentro das quatro linhas. Um exemplo de respeito e de enorme qualidade em nome do futebol.
A bola também está do nosso lado. E já se começa a sentir um pouco desse crescimento na Comunicação Social, do zerozero ao Canal 11, que vai ser um meio fantástico na transmissão de inúmeros jogos, e passando ainda pelos principais jornais desportivos. Sem esquecer que a primeira liga virtual oficial de futebol feminino da Europa é... portuguesa.
Fantástico!"

Há coisas assim…

""Foi um dos golos mais ridículos da história do futebol"

No dia seguinte, ao jogo Lituânia-Portugal, os jornais de todo o mundo celebravam os 4 golos marcados por Cristiano Ronaldo. Era o regresso do Rei, mais uma exibição fantástica, o maior do mundo no seu melhor.
Se eu não tivesse visto a última meia de hora de jogo, não perceberia. Se tivesse saído quando o relógio marcava 60 minutos, a minha impressão seria a oposta: Ronaldo não jogara nada. Fora um zero à esquerda, uma desilusão para os seus fãs.
A verdade é que, aos 60 minutos, o marcador registava 1-1. E o golo português fora marcado de penálti, logo a abrir o jogo. A partir daí, fora um deserto. Portugal não voltara a marcar nem conseguira claras situações de golo. Quem marcara haviam sido os pobres lituanos, que à partida pareciam condenados à humilhação.
Como o comentador da RTP recordava, a selecção portuguesa valia 600 milhões de euros, e a da Lituânia valia 11. Ou seja, quase 60 vezes mais! Se os milhões valessem resultados, Portugal deveria ganhar por 60-0. Mas felizmente não é assim.
Passada essa primeira hora de jogo, eu pensava com os meus botões: será possível que um ataque que conta com Bernardo Silva, uma das estrelas de uma das grandes equipas do mundo, o Manchester City; que conta com Cristiano Ronaldo, várias vezes considerado o melhor jogador do mundo; que conta com João Félix, protagonista da maior transferência mundial deste ano e uma das maiores de sempre, não consiga marcar um golo de bola corrida à selecção da Lituânia?
Eles andavam para ali a correr, mas nada lhes saía bem. Bernardo fazia umas fintas mas era inconsequente; Félix não fazia nada; e Ronaldo era uma nulidade: não conseguia progredir, falhava consecutivamente os remates.
Mas foi num desses falhanços que tudo mudou de repente. Ronaldo, em mais uma tentativa, acertou nas orelhas da bola, que saiu dos seus pés fraquíssima. O guarda-redes lituano, que tinha feito duas ou três grandes defesas, lançou-se ao chão à confiança para agarrar a bola – mas esta, inexplicavelmente, bateu-lhe nas luvas e subiu. O homem ficou a olhar para todos os lados a ver onde a bola estava; e nisto sentiu a bola bater-lhe na nuca e entrar vagarosamente na baliza.
Foi um dos golos mais ridículos da história do futebol. Mas atribuído incorrectamente a Ronaldo, espevitou-o. Logo a seguir, ele surgiu à frente de toda a gente para desviar um centro para dentro da baliza. E pouco depois aproveitou um passe largo da direita para bater a bola rasteira para o lado contrário, fazendo o seu melhor golo.
Há coisas assim… Jogos em que as equipas e as suas estrelas não estão a jogar nada – e de repente, por um acaso da sorte, tudo se resolve. E resolve-se tão bem que, no dia seguinte, a sua vedeta é celebrada em grandes parangonas por todo o mundo."

Olá, râguebi. Eu sou o Jonah Lomu

"Era anormalmente grande, musculado e rápido para a massa que carregava no corpo. Pedia a bola e, em vez de se esquivar, ia a direito e atropelava, literalmente, quem o tentava placar. O Mundial de 1995 ficou como o ressuscitar da África do Sul, mas, a ser de um jogador, foi do espantoso Jonah Lomu, a primeira estrela global do râguebi.(...)

Ver a cambalear quem tem a bola, está a correr na nossa direcção e quer chegar à área de ensaio por nós protegida, é um bom presságio. Estamos no jogo em que a única forma de parar alguém é placá-lo e, por maior que seja o tipo, vê-lo com as pernas a dar as últimas e o tronco dobrado sobre a cintura atira as probabilidades para o nosso lado.
Vou flectir os joelhos, baixar-me ao nível da relva e atacá-lo por baixo, onde o peso conta menos e a gravidade se abate para ajudar a tombar corpos, pensou Mike Catt, defesa inglês, em 1995, na meia-final do Mundial de râguebi. “Vou fazer o tradicional”. E então plantou os pés, agachou-se, esperou pelo impacto e fechou os braços quase ao nível da cintura, como se ensina .
“Só que ele passou-me por cima”.
Caso não o tivesse abalroado sem pudor, tê-lo-ia “ultrapassado” na velocidade ou “fintado” com a agilidade que não aparentava, disse o arrier inglês, passado a ferro por 1,95 metros, 105 quilos e 20 anos de um neozelandês, antes apenas abrandado por um encosto falhado de Will Carling e um braço rasteirante de Tony Underwood. Os dois tentaram parar e prevenir que a tragédia se abatesse, com estrondo, sobre Mike Catt.



O tornado com pernas tocou com a bola na relva, marcou o ensaio, levantou-se e correu calmamente para trás, sereno, cara de quem tentava convencer o mundo pré-internet, das cassetes VHS e das boas novas que demoravam a ser espalhadas, de que tudo aquilo era normal – quando era tudo menos isso. 
Jonah Lomu chegou a Auckland ainda na barriga da mãe, decidida a tê-lo na Nova Zelândia para poupar o filho de problemas burocráticos de imigração. Cresceu em bairros onde se juntavam descendentes das ilhas do Pacífico sul e deslocou a infância, durante vários anos, de volta ao Tonga, porque a família retornou a casa depois dele ver um dos seus ser assassinado com um machete, no meio de um centro comercial.
Voltariam à capital da Nova Zelândia, ao bairro, ao quotidiano de violência entre gangues que chamava por Jonah. Os pais, apertados em dinheiro, esforçaram-se para o manter num colégio, onde o râguebi é a educação e o sistema do país vai colher miúdos com jeito, para os maturar.
Lomu aprendeu a jogá-lo e juntou-o à anormalidade atlética, vinda da boa fortuna dos genes que ou se têm, ou se invejam. Com 14 anos, já ganhava as provas de 100, 200 e 400 metros e, tendo uma bola oval nas mãos, o físico fenomenal fez com que o pusessem a jogar a número oito, nos tempos em que os adultos determinavam a posição dos miúdos com base no tamanho, e pronto.
Escalou as selecções jovens da Nova Zelândia, espalhou o nome, ouviu-se falar na monstruosidade física para quem os 100 metros se traduziam em menos de 11 segundos, mas o tamanho, a corpulência, a força bruta, mantinham-no a avançado no râguebi de 15 até a variante de sete se interessar por ele.
Lomu é convocado para o Hong Kong Sevens, em 1994. O espaço livre de relva a mais e o estilo frenético fazem-lhe confusão, mas derruba corpos como quem sopra ar contra um mosquito. É o adolescente precoce que dá nas vistas, querem-no ver como All Black, não a limpar corpos em rucks, antes a correr. Torna-se o mais novo estreante (19 anos e 14 dias), na selecção, só que encostado à ponta, à espera de bola para correr, onde ainda está fora de pé nas derrotas contra a França que expõem o quão verde ainda estava por debaixo da musculatura.
É neste contexto que o chamam para o Mundial. Um quê desacreditado, mesmo temível na potência crua do corpo, com apenas dois jogos pela Nova Zelândia e a receber telefonemas de equipas da NFL, a seduzirem-no às escondidas para o primo afastado da vida oval. Deu um não a todos e foi convocado para, nos All Blacks, voltar a jogar na posição que ainda lhe guardava segredos.
O seleccionador, Laurie Mains, construtor civil de profissão em Dunedin, no sul da ilha mais a sul da Nova Zelândia, deixara de o ter em conta depois dos jogos perdidos com a França. Mas, em dias seguidos, miúdos perguntaram-lhe na rua, enquanto reparava telhados, pelos porquês de não contar com Lomu. O treinador com fama de feitio fechado percebeu o peso que Lomu poderia ter, chamou-o para uns testes com a selecção, viu-o a desmontar jogadores com nome, rendeu-se, mas considerou-o inexperiente. Jonah estava fora de forma e exigiu-lhe que trabalhasse no duro para chegar ao ponto rebuçado.
Se há um formato de ironia neozelandesa, é este.
O tal ensaio atropelador de corpos de Jonah Lomu foi o quarto que marcou à Inglaterra, um dos sete que deixou na África do Sul - marcou dois no jogo inaugural, contra a Irlanda, e outro à Escócia. Atinado com a forma, tê-lo à ponta deu a referência para a Nova Zelândia moldar um estilo de jogo. “Não tinha que pensar muito além de olhar para a linha de ensaio e correr. Os treinadores trabalharam para isso. Eles apontavam-me a direcção”, reconheceria, ao “New Zeland Herald”.
Afastar a bola da acumulação de corpos e passá-la, o mais rápido possível, até às mãos de Lomu, tornou-se prática mecânica. Depois, ele desmontava defesas e corpos com um estilo brutal, mas incomum. Preferia manter as linhas de corrida a direito e chocar contra esperançosos placadores, sem necessariamente tentar esquivar-se, trocar os pés ou fintar, como era hábito ver em tipos a jogarem a centro, ponta ou defesa.


Esses tipos, os normais, também era mais estreitos, ‘pequenos’ e ágeis à primeira vista. Eram muito bons de ver (David Campese, Jeff Wilson) por evadiram problemas em campo em vez de os derrubarem, espectacularmente, à força. De lhes baterem de frente e de os verem a tombar, repetidamente. De nem permitir que os adversários o tentassem placar, ao afastá-los (hand off) com a mão. Nunca um ponta fora tão forte, explosivo, brutal e, ao mesmo tempo, rápido, como Jonah Lomu.
A reputação começou a precedê-lo ainda na África do Sul, o primeiro Mundial televisionado a sério, com atenção inflacionada pelos esforços de Nelson Mandela e o ressuscitar pós-Apartheid, ao ponto de uma placagem que Joost Van der Westhuizen lhe fez, na final, ter ficado famosa. Lomu não tocou no troféu, mas foi nele que os magnatas dos media reconheceram potencial para investirem e darem os primeiros passos para a profissionalização do râguebi, ainda em 1995.
Pouco depois, diagnosticaram-lhe a Síndrome Nefrótica que lhe começou a falir os rins, debilitando-os aos poucos, não o impedindo de ainda marcar sete ensaios no Mundial de 1999, mas ruindo-lhe a saúde daí para a frente. Faleceu com 40 anos, em 2015, e a sua morte foi bem mais noticiada do que a sua explosão porque ali acabou o corpo mais fenomenal, incrível e superior ao resto que houve, a certa altura, no desporto oval."

“Foi o Veiga que me pôs nos sub-21, porque quem manda nas seleções são os agentes, para valorizar jogadores, interesses. Agora é o Mendes”

"Carlitos cresceu na zona da Arrentela com o sonho de um dia vingar no Benfica. Chegou lá, mas nunca conseguiu impôr-se no clube que, segundo ele, preferiu enviá-lo para fora a vê-lo em clubes rivais: “fizeram de mim o que quiseram”. Diz que ainda se encontrou com Pinto da Costa, Carolina Salgado e um agente num restaurante fechado só para ele, mas teve medo do presidente do FCP. Confessa que perdeu a cabeça com roupas de marca e carros, mas assume ter amadurecido depois de estar ano e meio sem receber ordenado, na Alemanha. Dedicado aos negócios da construção, vendeu uma casa a Coates, embora gostasse de continuar a jogar futebol. Aos 37 anos, anda à procura de clube

Nasceu em Lisboa, é filho de pai cabo-verdiano e mãe portuguesa. Quando nasceu o que faziam os seus pais?
A minha mãe sempre foi doméstica e o meu pai trabalhava nas obras.

Tem irmãos?
Quando tinha um ano, a minha mãe separou-se do meu pai. Encontrou um homem, o meu padrasto, que me criou juntamente com ela. Tenho três irmãos da parte da minha mãe e mais um da parte do meu pai.

Onde é que cresceu?
Na Arrentela. Do que me lembro da minha infância, vivi ainda um tempo no antigo Casal Ventoso, uns dois anos. Depois, durante uns tempos andei a saltar de sítio, a minha mãe e o meu padrasto não tinham ainda aquelas condições.

Saiu do Casal Ventoso com quantos anos?
Uns sete, oito anos.

Lembra-se de alguma coisa de lá?
Pouco. Só das ruas e do facto de o ambiente ser pesado. Mas nunca tive problemas.

Estava a contar que cresceu na Arrentela.
Sim, depois fui morar para a Arrentela, para a casa da minha avó, enquanto a minha mãe estava a arranjar casa e depois é que fui para um apartamento. Fiquei ali 12 anos da minha juventude e joguei no clube da Arrentela.

Torcia por que clube?
Sempre pelo Benfica. Eu tinha um tio que era fanático pelo Benfica, ainda é vivo, e que nos levava a todos à bola. Íamos sempre ver o Benfica. A minha família inteira é benfiquista.
Como era a sua relação com a escola?
Não vou mentir: gostava de ficar no recreio a jogar à bola. A escola era só porque tinha que ir. Eu era traquina. Os meus amigos de infância dizem que eu era muito chato quando era pequeno, só queria andar à porrada. Via os filmes de karaté e queria imitar (risos).

Quem eram os seus ídolos?
Tinha um, quando tinha 10 anos, que tinha uma argolinha com uma cruz, o Romário.

Como é que vai para o clube da Arrentela?
O Arrentela era o clube do bairro, os meus amigos foram todos lá treinar e eu fui atrás deles. Comecei com oito anos.

A sua mãe nunca se opôs, nunca disse não?
Não, só me castigou uma vez quando chumbei no 5.º ano. Não me deixou ir mais. O meu padrasto também dizia que era melhor eu não ir, porque não estudava. Mas eu chorei todos os dias durante uns dois meses e ela lá me deixou ir outra vez. E depois nunca mais voltei a chumbar na escola (risos), até ao 11.º ano.

Qual era o seu sonho?
Jogar no Benfica. Lutei sempre para ter e chegar à carreira que fiz, graças a Deus.

Antes do Benfica ainda foi para o Amora.
Isso foi uma história engraçada, porque no Arrentela sempre joguei no campeonato distrital e houve umas captações no Amora para juniores.

Tinha quantos anos?
Devia ter uns 16, 17 anos. Entretanto, fui morar para a Amora. A minha mãe arranjou lá um apartamento e mudámos de casa. Nessa altura, ia e vinha todos os dias de autocarro da escola da Arrentela para a Amora. Mas como eu chumbei no 5.º ano, a minha mãe transferiu-me para a escola da Amora. O campo do Amora era mesmo em frente à minha casa e um dia houve umas captações. O Amora nesse tempo estava a disputar o campeonato nacional de juniores. Como eu na distrital era um jogador com talento e o Amora ia para o nacional, começou a observar os melhores miúdos da região. Eu e muitos miúdos do Seixal fomos lá treinar.
Como correu?
Lembro-me que quando lá fui estava aleijado da anca, e como fiz um treino de porcaria disse para mim que não ia ficar. Doíam-me as costas porque a gente não parava, ia para a piscina da torre e era só saltos e brincadeiras e aleijei-me nas costas. Pensei que não ia ficar, mas como o treinador já me conhecia e gostava de mim, fiquei.

Nessa altura começa a ganhar algum dinheiro ou ainda não?
Não, não. Depois fiz um grande campeonato nacional.

Foi chamado aos seniores quando?
Aos 18 anos. O treinador era o José Carvalho e não foi muito fácil.

Então?
Porque subi eu, mais três colegas dos juniores e como éramos os mais novos ficávamos sempre de lado, a fazer de fiscal de linha (risos) a ver os outros a jogar. Dois não aguentaram e foram embora, mas eu fiquei. Depois, tínhamos aqueles jogos treino e eu, que tinha jogado sempre com o número “10” desde a infância, fui puxado para extremo pelo José Carvalho. Nunca mais me esqueço, entrei num jogo contra o Santa Clara, joguei muito bem e logo no primeiro jogo do campeonato, ele meteu-me a titular.

Tremeram-lhe as pernas?
Foi uma emoção grande. Eu vinha dos juniores, estava sempre a fazer de fiscal de linha, a ver os outros, e não era fácil porque os outros jogadores já eram homens feitos. Fazer o primeiro jogo a titular foi uma emoção grande.

Foi contra quem?
Contra o União da Madeira, lá na Madeira. Também foi a primeira vez que andei de avião.
Fez um época de júnior e uma de sénior no Amora. Continuava sem receber nada?
Nada, zero. Ainda me lembro de uma história. Eu era titular, tinha feito cinco jogos a titular e já havia equipas que me queriam porque eu era jovem...

Tinha empresário?
Não, só o meu padrasto que cuidava de mim e um dia foi falar com o presidente. “Dê lá alguma coisa ao miúdo”. E ele: “ah, tem aí muitas paredes para pintar, se ele quiser fazer um extra ao futebol, temos um museu e ele pode ficar lá a fazer horas extraordinárias”. Nunca me deram nada, depois quando viram que havia muitos clubes atrás de mim, já me queriam dar 500 euros por mês, mas eu não aceitei. Depois eles começaram a tirar-me, já não me punham a jogar.

Que outros clubes é que andavam atrás de si?
O Estoril, o União da Madeira… Depois apareceu um senhor, um velhinho de cabelo branco que era empresário e conhecia o José Veiga. Ainda estava no Amora quando cheguei a ir ao Atlético de Madrid para treinar. Fiquei lá duas semanas mas não aguentei, fartei-me de chorar.

Porquê?
Era jovem, nunca tinha saído de junto da minha mãe, e também não havia as condições que há hoje. Deixaram-me lá sozinho. Meteram-me numa casa onde estavam três argentinos que jogavam na equipa B do Atlético de Madrid. Eu não falava nada de espanhol. Era a primeira vez que estava fora e ficar na casa de três indivíduos que eu não conhecia de lado nenhum...Tinha de apanhar o autocarro para ir não sei aonde. Ia sempre atrás deles para comer num restaurante qualquer coisa. Não aguentei, todas as noites chorava, queria voltar, queria voltar até que voltei.

Aí já tinha o José Veiga como empresário?
Não. Depois esse senhor, acho que se chamava Manuel Gonçalves, é que me levou ao escritório do José Veiga. “Tenho aqui um miúdo que é muito bom”. Ele nem me conhecia. Mas como o José Veiga tinha acções do Estoril Praia ligou ao treinador, que na altura era o Ulisses Morais. “Ó Ulisses conheces o Carlitos? O que é que achas?”; “Quem, o Carlitos que joga no Amora?”; “Sim, sim”; “Fica já com esse miúdo”. Ele tinha em voz alta. “Esse miúdo é muito bom”. E o Veiga, na hora, assinou comigo.
Lembra-se do valor do seu primeiro ordenado?
2500 euros. Tinha 20 anos.

Recorda-se do que fez com esse primeiro dinheiro?
Fui logo comprar um carro. Dei entrada para um carro. Um Citroen Saxo Cup, na altura era o carro da moda. Já tinha carta, porque aos 16 anos tive uma mota, e mal fiz 18 como já tinha o código, fiz logo a condução. Mas já sabia conduzir. Era malandro, agarrava no carro da minha mãe sem meu padrasto saber (risos). 

Como correu essa primeira época no Estoril?
Muito bem, subimos de divisão.

Foi viver para perto do clube ou continuou em casa da mãe.
Fiquei em casa da minha mãe, ia e vinha todos os dias. Correu muito bem: estávamos na II divisão B e subimos de divisão, fomos campeões.

Na época seguinte faz outra vez uma óptima época.
Fui considerado o melhor jogador da II Liga. Sou novamente campeão.

E vai para o Benfica.
Sim, o Veiga entretanto foi para director desportivo do Benfica e levou-me com ele. Na altura tinha o FC Porto e o Benfica a disputar-me, ainda fui falar com o Pinto da Costa, ao Porto.

Como correu?
Uma pessoa óptima. Reservou um restaurante para falarmos. Só estavam os empresários, o tal senhor de cabelos brancos, o meu padrasto, ele e a Carolina Salgado. O restaurante fechado, só nós e as pessoas a servir. Era uma coisa bem elaborada, bem à Pinto da Costa, e eu fiquei com medo.
Porquê?
Eu tinha mais um ano com o Estoril, que era do Veiga e do Damásio, não me iam deixar ir para o Porto. Ele dizia: “Ficas lá mais um ano e eu pago-te o salário”. Achei que ia dar confusão. Quando viemos para baixo disse ao meu padrasto: “Quero ir para o Benfica senão eles ainda vão desistir”. Ainda estávamos a discutir salários e o FC Porto dava muito mais dinheiro do que o Benfica. O tal senhor dos cabelos brancos estava a ver como é que aquilo ia correr, qual era a comissão dele. Aquele joguinho de empresário. Mas eu sempre quis assinar pelo Benfica. Desde pequeno a torcer pelo Benfica, a ver jogos no estádio da Luz, só pensava, um dia quero lá estar.

Recorda-se da primeira vez que entrou no balneário da Luz como jogador?
Claro. Quando entrei não conhecia ninguém, só os via na televisão. Senti-me um bocado constrangido, é normal.

Houve algum jogador que tenha sido mais simpático?
O Luisão foi sempre acolhedor, sempre. É brasileiro, é logo aquele mais extrovertido e quem marcou-me mais no Benfica. Ele ajudava os mais novos.

O treinador era o Trapattoni. Que tal?
Uma pessoa pacata, tranquila, já estava com uma certa idade. Mas os treinos eram bons. Diziam que os treinos dos italianos era mais físico, mais táctico. Ele às vezes punha a gente a correr. Tacticamente era como os italianos são conhecidos, mas era uma pessoa tranquila. E foi quando fui para o Benfica que comprei a minha primeira casa, na Cruz de Pau. Levei a minha mãe, levei a família toda para o apartamento.
E o seu pai, foi mantendo contacto com ele?
O meu pai morreu quando eu tinha 10 anos.

Como?
Entrou numa briga e levou uma facada no coração. Ele tinha-me ido buscar, para irmos a uma feira em Corroios, que é perto de Santa Marta. “Vem com o pai à feira”; “Não, quero ficar aqui”. E foi nessa noite em que eu disse que não queria ir com ele, que ele foi para Santa Marta e mataram-no lá. 

Lembra-se quando e como lhe deram a notícia?
Nem caí logo em mim que o tinham matado, só fiquei apreensivo. Só senti mesmo o choque no enterro quando abriram o caixão. Aí é que tive um choque. Comecei a chorar e a gritar.

Estava a falar do Benfica e dessa primeira época em que comprou a sua casa. Foi logo campeão.
Sim. Por acaso por onde passei sempre ganhei alguma coisa e disputei alguma coisa de valor. 

Lembra-se da emoção de ter ganho esse campeonato pelo Benfica?
Claro, foi no Boavista. Lembro bem da festa e eu vestido de vermelho. Fica na memória para sempre.

Quando chegou ao balneário do Benfica não o praxaram?
Não, por acaso não. Não havia esse hábito. Éramos miúdos e fazíamos tudo o que os mais velhos diziam. Vai buscar aquilo, faz isto... Abusavam um pouco. Mas não é como hoje que os mais novos não respeitam os mais velhos. Já tive essa experiência, ser mais velho e não respeitarem. Antigamente os mais velhos diziam “ai” e a gente tinha que dizer “ai”. Hoje em dia é muito diferente.
Com quem disputava o lugar no Benfica?
Com o Geovanni e o Simão Sabrosa. Eram dois jogadores que tinham vindo do Barcelona. Quando cheguei lá, o Trapattoni queria que eu jogasse e ia apostar em mim. Já ouvi histórias de que ele ia apostar em mim, só que na pré época, na Suíça, aleijei-me na parte de trás da coxa e fiquei dois meses parado. Perdi o barco. E, quando voltei, como não tinha feito pré-época, não tinha aquele andamento que tem de se ter. O Geovanni e o Simão estavam bem, não tiveram lesões, já não deu para eu entrar.

Quando e onde são as suas primeiras saídas à noite?
Eu ia ao antigo Ondeando, na Costa da Caparica. Fui lá muitas vezes quando era jovem, mas não me deixavam entrar. Só quando comecei a jogar no Benfica é que me começaram deixar entrar porque eu era conhecido, já ia cheio da moral (risos).

Os primeiros namoros também começam nessa altura?
Sim. Tive poucos relacionamentos assim duradouros, tive um com 17 anos, outro aos 20 e depois com 22 anos, quando vou para o Benfica, conheci a minha mulher, a Edna. Na altura ela tinha 17 anos. Conhecemo-nos no Ondeando. Estamos juntos até hoje, temos dois filhos. Ela foi sempre a minha companheira.

Essa primeira época no Benfica jogou pouco. Foi muito frustrante?
Sim, a gente quer é jogar. Não é só treinar. O jogo é que dá aquela emoção, aquela garra. Mas sempre soube o meu lugar e sempre trabalhei para tentar conseguir jogar mais. Infelizmente, não consegui. No segundo ano, já foi com o Ronald Koeman.
Como correu?
Eu ainda fiz a pré-época, tudo estava bem. Mas não jogava nunca porque ele metia sempre o Geovanni. Até que houve um jogo contra o Sporting em Alvalade que ele mete-me a titular. Como se diz, atirou-me aos leões. Eu acho que o jogo não me correu mal, joguei até aos 57 minutos. Estava 1-1, nunca mais me esqueço, tirou-me a mim, que estava jogar a extremo direito e estava a apanhar o Tello, um ícone do Sporting. Ele não fez quase nada comigo porque eu estava a defender bem. O Koeman trocou-me pelo Beto e o Tello faz uma jogada, cruza e o Liedson marca golo. Perdemos 2-1. Os jornais caíram todos em cima Koeman por ele me ter feito jogar. Tinha estado uma época inteira sem jogar e depois num jogo desses, um dérbi, meteu o Carlitos a jogar. No fim de semana seguinte ele mandou-me para a equipa B.

Não disse nada?
Não, não tinha o hábito. Naquela altura era jovem. Se fosse hoje... Hoje tenho aquela frontalidade de ir ter com o treinador pedir explicações. Ali não, em tão pouco tempo estava lá em baixo e depois já estava cá em cima, não tinha aquele à vontade de ir falar, de ir pedir satisfações. Mas nunca mais me esqueço, fui eu, o João Pereira e o Hélio Roque para a equipa B. Jogámos contra o Odivelas no estádio do Alverca, estava o Koeman e a equipa técnica toda a ver esse jogo. Eu faço um jogão, marquei três golos e dei duas assistências. Ganhámos 5-0 ao Odivelas. No fim de semana a seguir ele deixa-me de fora e convoca o João Pereira e o Hélio Roque. Nunca ninguém soube explicar. Chega a Janeiro e, como eu não estava a jogar, eles emprestaram-me ao Setúbal. Fiquei seis meses no Setúbal e fiz uma grande segunda volta.

Já vivia com a sua mulher?
Sim, levei-a logo para viver comigo na minha casa da Cruz de Pau. Tinha o meu quarto. Entretanto, ela ficou grávida e teve o nosso primeiro filho, o Martim, com 18 anos.

Assistiu ao nascimento?
Sim, cortei o cordão umbilical e tudo.
Em Setúbal, apanha o Hélio Sousa como treinador, certo?
Sim. Até lhe perguntaram se ele estava surpreendido com a segunda volta e com o Carlitos ter sido um dos melhores da segunda volta. E ele disse :“Não estou surpreendido, já sabia o valor do Carlitos”. Jogámos a final da Taça contra o FCP e eu fui um dos melhores em campo. Até o Pinto da Costa disse: “Boa miúdo, jogas muito”.

Quando é chamado pela primeira vez a uma selecção?
Quando estava no Estoril, fui chamado para o Europeu de 2004 dos sub-21, na Alemanha.

Houve algum jogador dessa selecção com quem tivesse criado maior amizade?
Com o Quaresma. Ele estava no Barcelona, estava cheio de moral, mas como eu sou de bairro e ele também, identificou-se comigo e ficámos amigos.

Recorda-se como correu esse Europeu de 2004?
Correu-nos bem. Fomos disputar o terceiro e quarto lugar. Quem ficasse em terceiro ia aos Jogos Olímpicos e foi a primeira vez que Portugal foi aos Jogos. Fomos a prolongamento com a Suécia, eu marquei o golo do 4-3.

Foi aos JO?
Não, o Benfica não me deixou.

Porquê?
Porque tínhamos a pré-eliminatória com o Anderlecht para a Liga dos Campeões. Joguei a titular e perdemos com o Anderlecht, lá.
Voltando a Setúbal, como vai parar a seguir ao Sion, da Suíça?
Eu tinha clubes interessados em mim, o Braga, o Belenenses que na altura estavam bem, o Setúbal inclusive, só que o Benfica não me deixou ficar em Portugal. Disse “Ou vais para fora ou aqui não jogas”.

Também não o queriam no Benfica?
Não. Eu disse que não queria ir para fora, queria ficar aqui no Benfica ou em Portugal. Mas o Luís Filipe Vieira disse: “Não, se ficares aqui em Portugal, ficas a correr à volta do campo”. Eu tinha mais dois anos de contrato. Depois o Veiga fez força, falou comigo, aquela lavagem, “ah és um diamante, tens de ser lapidado, como não fizeste formação no clube tens de ir lá fora para ganhar outra experiência, depois voltas”. Deu-me aquela lavagem. Como qualquer jogador, eu queria jogar, não queria ficar a correr à volta do campo. Aceitei ir emprestado um ano para o Sion.

Foi sozinho?
Não, fui com a família, sempre com a família. O meu filho na altura tinha oito meses.

Como foi o primeiro impacto quando chegou à Suíça?
Foi difícil, como é óbvio. Ainda por cima falavam francês, eu não sabia falar francês. Tive sorte porque ali é uma área em que há muitos portugueses; tinha um português na equipa, o José Manuel Pinto, e tinha outras pessoas que também falavam português, como o Kali, o angolano.

Foi viver para onde?
Para um apartamento num prédio que era do presidente. Ele tinha vários apartamentos no prédio e metia lá os jogadores.

O que lhe custou mais na adaptação?
A comida, porque a minha mulher naquela altura ainda era muito jovem, não sabia cozinhar, tinha de ligar para a mãe a perguntar como é que se fazia. Foi um início um bocado atrapalhado. Depois, veio o inverno e o frio e a neve era demais, a respiração e aqueles flocos de neve a dar no olho, não foi fácil. Mas eu apanhei bem o barco e comecei logo a jogar, fiz uma época extraordinária.
O que faziam nos tempos livres?
Nada. Mesmo nestes últimos cinco anos em que lá estive, era só mesmo treinar, casa, treinar, casa. Já estava saturado.

Em casa a fazer o quê?
Jogava PlayStation. Depois fiz umas amizades e íamos jantar de vez em quando, mas foi difícil. Quando terminou a época o Sion queria-me comprar, o Basileia queria-me comprar. E eu não queria voltar para o Sion.

Porquê?
Porque não gostei da experiência, comparado com o Benfica, o Sion era muito amador. Não tinha as infraestruturas que tem o Benfica e eu queria voltar para Portugal, queria ficar no Benfica. Eles tinham dito para ir para fora porque eu era um diamante, era para rodar. Fui, joguei e joguei bem, ficamos em 3.º, o Sion nunca ficou nessa posição. Jogámos muito bem e eu fui considerado um dos melhores, fui às galas. Quando voltei, disse que queria ficar no Benfica. Mas o presidente disse-me outra vez: “Aqui não jogas”.

Conseguiu perceber qual era a razão dessa vez?
Queria-me esconder, como não joguei no Benfica, também não jogava em mais lado nenhum. Não me deixou aparecer aqui em Portugal de novo. É uma política que eles têm. Depois, com o Fernando Santos deram-me a tanga: “Ah o Fernando Santos prefere o Manú”. Depois houve aquela picardia entre Veiga e o Luís Filipe Vieira, o Veiga entrou lá para tirar os jogadores todos, depois saiu de novo. Foi uma balbúrdia. Eu era do Veiga. Depois o presidente soube que o Sion dava dois milhões por mim e disse: “Vais para o Sion”. “Não, para o Sion não vou”. Eu já tinha ido ver as instalações que o Basileia tinha e eram muito melhores, quase idênticas às do Benfica, era a melhor equipa da Suíça. Por isso disse: “Para ir para o Sion mais vale ir para o Basileia. Para o Sion não vou mais”. Ainda insisti com ele: “Quero ficar aqui no Benfica”; “Não, aqui não ficas. Aqui em Portugal não jogas” disse-me o presidente.
Quem o leva ao Basileia, é o Veiga?
Não, foram uns empresários da Suíça, que me viram jogar e entraram em contacto. Deram-me um cartãozinho, o meu advogado ligou para eles. O Basileia comprou o meu passe por dois milhões e meio. Na altura era muito dinheiro, agora já não é nada (risos).

Chega ao Basileia e é logo campeão.
Sim, campeão outra vez e ganhei a taça também.

Foi a sua melhor época na Suíça, aquela em que marcou mais golos.
Foi.

Gostou de Basileia?
Gostei muito da cidade, só não gostei da fala, porque eles falam alemão e eu odiei alemão. Mas como já tinha aprendido francês, safei-me. O treinador falava francês e tinha muitos franceses na equipa, tinha argentinos também e espanhóis. Mas gostei muito do Basileia. Depois era para sair para a Alemanha e o Basileia não me deixou ir (risos). Nunca me deixavam sair.
Para onde?
Tinha o Estugarda, mas quase todas as equipas me queriam. Também tive o interesse do Roma. Tive várias equipas a ligar mas nunca se concretizou porque o Basileia queria sempre mais dinheiro.

Ficou três épocas no Basileia. Dessas três épocas, o que lhe salta mais à sua memória?
Os títulos: ganhei duas vezes a taça e fui duas vezes campeão. Depois, na última época, lesionei-me. Fui operado ao braço.

Como é que se lesiona?
Cai mal e o ombro saiu. Engraçado porque ao longo da carreira tive sempre problemas no meu último ano de contrato que era para não conseguir dar aquele salto. Porque eu fazia grandes épocas. Fiz duas grandes épocas, fomos campeões, na época em que me lesionei já não fomos campeões. Estive quatro meses lesionado por causa do braço e depois fui para o Hannover 96.

Mesmo assim foi para a Alemanha. Como é que acontece esta passagem para a Alemanha?
Através de um empresário que tinha um intermediário brasileiro que falou comigo. Quando o Veiga desapareceu eu nunca mais assinei por ninguém, só andava por mim. Se calhar foi esse o meu mal, nunca me apareceu uma pessoa que me indicasse, ali, ali, que falasse com o clube, que se dirigisse ao clube e se calhar por isso é que o Basileia me prendeu muito, assim como os outros clubes, mesmo o Benfica fez o que queria de mim. Se calhar foi essa a razão para não ter chegado a outros patamares. 

Mas estava a contar que vai para a Alemanha...
... Eu é que fiz o meu contrato na companhia do meu padrasto. Aí é que fui mesmo enganado.
Como?
Tinha o meu salário, tudo bonitinho, cheguei lá como craque e eles queriam que eu começasse a jogar o mais rápido possível porque ia começar o campeonato. Eu já fui tarde, mas eles meteram-me a jogar logo no primeiro jogo e não me fizeram um seguro que era importante na Alemanha. Eu não sabia as leis, quem tinha que me avisar sobre as leis era o empresário que me meteu lá. Eles tinham de mandar os meus exames para esse seguro, para ver se estava tudo bem. Só que eles só enviaram um dia antes do jogo. “Ah o Carlitos joga. Não tem seguro hoje, mas amanhã já tem”. E eu lesionei-me logo no primeiro jogo. Fiz uma rotura de ligamentos no joelho. Quando fui ver, não tinha salário, não tinha nada, não me pagavam. Esse seguro não foi accionado porque não mandaram o sangue a tempo. Só na semana seguinte é que ia estar pronto, é que faziam a apólice. Fiquei sem salário quase ano e meio.

Teve de pagar o tratamento por sua conta?
Não, tinha o seguro do clube que arca com as despesas. Mas para o salário tem de se ter um seguro à parte, porque o clube, quando um jogador se lesiona, não paga o salário. É esse seguro que não fizeram a tempo.

Não lhe pagaram nada? Vivia como?
Tinha as minhas poupanças do que ganhei nos outros lados; se não tivesse isso, estava desgraçado. Depois, eu queria ser operado em Portugal, o Hannover e o director desportivo não me deixavam vir. Disseram que tinham um bom médico e que era operado lá. Lá me fizeram a cabeça e acabei por aceitar. O médico era especialista de ombro, foi operar-me o joelho e operou-me mal. Fiquei seis meses parado a recuperar da lesão, depois desse tempo voltei, mas quando treinava o meu joelho inchava, nem conseguia dobrar. Depois fui tirar líquido e não sei que mais, sempre no mesmo médico. Quando acabou o campeonato, fui ver um especialista e disseram-me que estava mal operado, que o ligamento estava muito fininho e que estava mal atachado; tinha um parafuso que não estava bem e por isso é que o joelho roçava na cartilagem e inchava sempre. Tive de ser operado novamente e esse médico despediu-se logo do clube.

Demitiu-se ou foi despedido?
Não, despediu-se. Ainda tentei fazer uma queixa contra o médico, mas contra médicos esquece, não vale a pena. Na segunda vez já me deixaram vir a Portugal. Fui operado pelo Dr. António Martins e nunca mais tive problemas. Ainda tentei puxar por ele, porque quando me abriu o joelho viu a cagada que ali estava, mas ele disse que de médico para médico não vale a pena. Fiquei um ano e meio parado, só joguei cinco meses. Depois, quando acabou o meu contrato, o treinador ainda queria que eu ficasse lá, mas era tudo conversa - o director desportivo não queria. Por isso, acabou o meu contrato e fiquei sem clube. Estive quase dois anos sem competir por isso depois era difícil arranjar clube.
O que fez?
Foi então que vim ao Estoril. Fiquei lá a treinar só para manter a forma e ver se aparecia alguma coisa e é quando o Marco Silva veio ter comigo e disse: “Não queres ficar aqui para me ajudares?”. E eu respondi: “Vou assinar um ano aqui. Se correr bem, a gente depois vê”. Foi ele, o Marco Silva, que me puxou e me deu a oportunidade.

Gostou dele como treinador?
Foi o melhor que tive até hoje. É uma pessoa excepcional. Ajudou-me no momento mais negro da minha carreira. Puxou-me para cima e deu-me oportunidade de me levantar. E depois, nunca vi uma treinador a fazer uma pré-época sem o físico, assim de correr na mata, nas montanhas. Eu na Suíça corria nas montanhas, mesmo para matar, para estourar. Ele não, sempre a bola e exercícios, era um treino à Barcelona. A gente chegava aquecia e fazia meinhos como o Barcelona faz. Fazíamos tudo o que um jogador de futebol gosta. Tantos anos que tenho de carreira e foram os dois anos em que ia mais contente para o treino.

Nessa altura ficou a viver onde?
Tinha a vivenda da Cruz de Pau, mas, como já estava casado e com filho, comprei outra vivenda em Fernão Ferro.

Na época seguinte continuou no Estoril Praia...
...E fizemos as melhores épocas do Estoril: fomos à Liga Europa e tudo. Foi aí que o Marco se destacou.

Como é que vai parar outra vez ao Sion?
Como lhe disse, fiquei quase dois anos sem ganhar dinheiro no Hannover e as poupanças começaram a cair. Tinha dito ao Marco Silva que ficava ali no Estoril só para ganhar forma, mas que queria ir para fora ganhar dinheiro e refazer a minha vida. No segundo ano também não apareceu nada que eu visse com bons olhos. No ano seguinte, ligou-me o presidente do Sion a perguntar se eu não queria voltar. Fiz tudo por telefone. Ele deu-me o que eu queria e eu arranquei para a Suíça outra vez.

Como é que foi voltar?
Aí já foi diferente, já sabia como era o Sion, já não quis ficar naquele prédio do presidente (risos), escolhi outro apartamento muito melhor. Já fiz tudo à minha maneira.
Chega em 2014 e em 2015 nasce a sua filha. Nasce na Suíça?
Não, fiz questão que a Edna com sete meses viesse para Portugal para a Lara nascer cá.

Também conseguiu assistir ao parto?
Apanhei um avião privado do presidente, ele emprestou-me. Cheguei cá e à noite e como ela não nascia fui para casa dormir, só que houve um episódio muito… A minha mulher, com as dores, saiu do local onde as enfermeiras tinham dito para ela ficar, e foi lá para baixo, para onde são as salas do parto. Já não aguentava mais, mas elas ficaram chateadas. Eu estava em casa a dormir, ela teve o parto de madrugada, às cinco da manhã. E eu que tinha vindo de propósito para assistir ao parto, para estar ao lado dela como sempre, não estive porque as enfermeiras não me ligaram. Só me ligaram depois. Quando eu cheguei lá a minha filha já estava ao colo dela.

Ficou cinco épocas no Sion. Tornou-se suíço praticamente, não?
Se quer que lhe diga, no quarto ano já estava fartíssimo de estar lá.

Do que estava mais cansado?
Da rotina. Foi sempre a mesma coisa durante cinco anos. Porque ali é montanhas de um lado, montanhas do outro, frio e as coisas fechavam todas às cinco, seis horas da tarde. Não havia um centro comercial. Era trabalho, casa, casa, trabalho, sempre. Foi o que eu fiz durante cinco anos. Quando havia jogos da selecção, vinha a Portugal dois dias. Mas já estava farto da rotina. Os meus filhos também já estavam fartos de lá estar. Quando perguntava: “Martim queres ficar aqui ou queres ir para Portugal?”; “Quero ir para Portugal”. A minha mulher também já estava saturada. É doméstica, não tinha nada para fazer.

Pelo meio teve lesões que o afastaram durante algum tempo.
Eu lesionei-me quase no princípio da época de 2017/18 e fiquei até Outubro, Novembro lesionado, com uma pubalgia. Quando já estava bom para jogar, eles não me tinham inscrito. Sempre fui considerado um dos melhores jogadores da Suíça, marquei o melhor golo, estava sempre no 11 e fazerem uma coisa dessas é não terem respeito. Depois, ainda me meteram na equipa B a treinar, num sintético outra vez, porque o campeonato pára até Fevereiro. Nem fiz pré-época nem nada, fiz na equipa B. Depois, como começaram a perder os primeiros jogos, chamaram-me outra vez para a primeira equipa. Já estavam com oito pontos de atraso e fui outra vez herói. Não perdemos mais nenhum jogo e quase que ficamos em terceiro. Chamaram-me herói e não sei que mais. No ano seguinte, na pré-época tive um problema na cartilagem.

O que aconteceu?
Não sei, foi no joelho esquerdo. Lá têm muitos sintéticos. O campeonato são 10 equipas e a gente joga com a mesma equipa quatro vezes. E cada equipa tem três sintéticos. Três equipas têm sintético. Como já disse, o Sion não tem muitas condições de trabalho. Tem um campo, se chove fica alagado, e temos de ir para o sintético. Se neva e está gelo, temos de ir para o sintético. Acabei por jogar muitas vezes no sintético e tive um problema na cartilagem; quando corria, doía-me. Fui lá a um especialista, fizeram-me uma coisa no joelho e tive de ficar parado uns oito meses. Porque primeiro não queriam que eu fosse operado, depois já queriam que fosse operado, aquilo era uma balbúrdia. Já só joguei os últimos jogos.

Entretanto, acaba o seu contrato.
Acabava o contrato, mas eu também já não queria continuar lá. O último ano foi mais para eu ganhar aquele dinheiro e estabilizar a minha vida.

Não queria continuar lá, mas queria continuar a jogar futebol?
Queria, sim. Estou com um empresário, o Paulo Ventura, sei que é difícil, já vou fazer 37 anos, e só joguei sete jogos na época passada. Mas queria continuar a jogar pelo menos mais uma ou duas épocas, porque sinto-me bem.

Em Portugal?
Sim, aqui ao pé de casa.
Não se importava que fosse na II liga?
Não, quero é jogar futebol. Estava disposto a ir fazer uns treinos de captação para verem como é que estava. Mas até agora não tive sorte.

Se não for possível, já pensou no que vai fazer depois de pendurar as botas?
Já faço qualquer coisa. Tenho um sócio que mora ao meu lado, faço construção aqui na Aroeira. Construo e vendo casas. Vendi agora uma ao Coates [jogador do Sporting].

Desde quando está metido no negócio da construção civil?
O meu primeiro projecto foi em 2015. Também tenho uma sociedade com o meu sócio, de venda de carros, ele vende aqui na Charneca. E esse meu empresário, que é amigo também, já disse para eu fazer algumas coisas com ele também.

É isso que se vê a fazer no futuro, trabalhar com a área do imobiliário e também como empresário de jogadores?
Sim, vou entrando devagarinho, quem sabe.

Qual foi a maior extravagância que fez na sua vida?
Gastava muito dinheiro em roupa. Antes era só Dolce & Gabanna, Gucci, gastava rios de dinheiro porque pensava: “Depois vou jogar para ali e vou ganhar mais”.

Já não é assim?
Não, isso era quando estava no Basileia, por exemplo. Quando tive a lesão no Hannover e quando senti aquela dificuldade, parei para pensar. E também sempre gostei muito de comprar carros.

Qual o melhor carro que teve?
Para mim é o que tenho agora, um Panamera. Mas já tive Ferrari, já tive X6's, vários. Se eu tivesse muito dinheiro comprava muitos carros.

Depois daquele Europeu de Sub-21 voltou a ser chamado à selecção?
Não, a partir daí nunca mais me chamaram.

Essa é a maior frustração que tem?
Acho que sim. Quando estive no Basileia joguei contra o Barcelona, joguei contra várias equipas e sempre fui um dos melhores da minha equipa, mas nunca tive oportunidade na selecção.
Por que é que acha que nunca teve essa oportunidade?
Acho que a selecção vive à base de jogos de interesses. Os empresários é que mandam, como o Jorge Mendes. A equipa de Portugal é quase toda do Jorge Mendes. Tudo jogos de interesse, para ter internacionalizações para o valor do jogador subir. Eu fui à selecção de Sub-21 por causa do Veiga basicamente. Fui o único da II Liga a ir naquela altura para a equipa de Sub 21 porquê? Porque o Veiga é que me conseguiu meter lá.

Não foi pelo seu talento?
Não. Porque já tinha feito outras épocas e nunca tinha sido chamado. O futebol é um negócio de interesses.

É crente?
Sim, tenho tatuada a última ceia, tenho Jesus e Nossa Senhora Virgem Maria também.

E superstições, tem?
Não. Antes de entrar em campo só beijava a fotos dos meus filhos que tinha nas caneleiras e benzia-me.

Ficou com algum tipo de mágoa pela forma como o Benfica o tratou?
Já passou, já foi há muitos anos, já ultrapassei, mas fiquei com mágoa do Benfica, até deixei de apoiar o Benfica. Agora com a entrada do Lage e a aposta nos miúdos, despertou-me o interesse novamente, mas já não sou aquele ferrenho que era antigamente. Gosto de ver os jogos, apoio o Benfica mas já não sou ferrenho como era.

Quais foram as maiores amizades que fez no futebol?
O Mano, que é padrinho da minha filha, joguei com ele no Estoril. Está no Setúbal agora, é lateral direito. É meu compadre, padrinho da minha filha, a mulher é a madrinha. É padrinho do meu casamento também. Esse é que ficou mesmo marcado. Tive pouco amigos do futebol.

O seu filho Martim vai ser jogador?
Espero que sim, ele tem talento. Jogou sempre no Sion. Tem qualidade, só que ainda não deu aquele pulo. Vai fazer 14 anos. Foi fazer as captações ao Benfica, mas já foi tarde. Quando ele foi já tinham começado o campeonato. Já estão muito avançados e também já têm um porte físico maior, eles têm os ginásios. Agora estou a ver outro clube para ele. Ligaram do Benfica, disseram que ele tem qualidade, mas que tem de jogar no campeonato nacional. Vou com ele ao Belenenses agora. Não é por ser meu filho, mas ele tem uma qualidade técnica fora do normal.

Qual a história mais caricata que viveu no futebol?
Mais caricata foi no Sion. Aquele presidente faz coisas que só se vê lá mesmo. Num jogo, o guarda redes levou um canto directo, ele chegou ao intervalo do jogo foi ter com ele e disse-lhe: “tira o equipamento que amanhã faço as contas e vais-te embora”. Mandou-o embora assim. E às vezes também entrava no balneário e ele é que dava a táctica. O treinador ficava lá quieto. Uma vez ele entrou e começou a falar e um jogador argentino foi embora e nunca mais voltou (risos).

O que faz para se manter em forma?
Treino, jogo sempre à bola. Também estou no crossfit, a nova febre. Tenho um amigo que tem uma box e vou lá bastantes vezes para manter a forma. Pode aparecer alguma coisa e eu tenho que estar minimamente preparado.

Além do Benfica há mais algum clube onde sonhava ter jogado?
O Barcelona. Aí é que eu sou ferrenho, pelo Barcelona. Comecei a ganhar afinidade desde que jogava lá o Romário. E agora também sou mais pelo Messi do que pelo Ronaldo, gosto mais do estilo do Messi. Quando o Ronaldo estava no Real Madrid, eu juntava os amigos para ver os jogos com o Barcelona e fartávamo-nos de berrar quando era golo do Barcelona."

As ridículas sortes do dr. Meirim da justiça desportiva

"Entre as figuras quase pombalinas que conjugam um perfil de peixe-balão pelos cargos de ocupam com uma actuação à dimensão do jaquinzinho está o conselho de disciplina da Federação Portuguesa de Futebol.

Antigamente, a ida às sortes era uma espécie de triagem aleatória para determinar quem, sendo rapaz e tendo idade para ser incorporado para cumprimento de serviço militar obrigatório, era efectivamente integrado e quem seria dispensado. O tempo desportivo não é de guerra real, mas é de guerra surda. A guerra é surda, o comportamento de muitos com responsabilidade na federação e na liga é de cegueira, surdez e paralisia. De quando em vez emergem pungentes apelos à pacificação do ambiente e à valorização do espectáculo desportivo, mas os comportamentos por ação e por omissão são todos em sentido contrário. 
Entre as figuras quase pombalinas que conjugam um perfil de peixe-balão pelos cargos de ocupam com uma actuação à dimensão do jaquinzinho está o conselho de disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, liderado pelo incontornável José Manuel Meirim, uma espécie de Rei Sol do direito desportivo, tal a presunção que irradia.
Tal como na ida às sortes, é na triagem que a porca torce o rabo. Invariavelmente, as sortes do dr. Meirim debitam fustigação ao Sport Lisboa e Benfica e protecção ao Futebol Clube do Porto, com castigos ridículos e decisões que cravejam de nuvens o esplendoroso percurso académico, jurídico e mediático que a personagem procurou construir no panorama português. O azar das sortes do dr. Meirim é que a inclinação das decisões ou das deliberações está destruir o calcorreio de posicionamento que construiu como sol de todo o direito desportivo e a contribuir para a degradação do ambiente desportivo, pela dificuldade em vislumbrar critério de justiça e equidade na aplicação das normas à realidade.
A ida às sortes do dr. Meirim significa, quase sempre, mais condições para a guerra. Para que quem passa boa parte do tempo nos estádios a debitar cânticos de insulto e de destilação de ódio clubístico continue a fazê-lo. Mesmo quando os visados nem sequer são os adversários do dia em campo, como acontece amiúde nos jogos do Porto e do Sporting.
Para que alguns saibam que podem invadir centros de estágio de árbitros, insistir em iniciativas gratuitas de agitação do ambiente desportivo e persistir em programas televisivos para alimentar a única coisa que os mantêm unidos, o ódio ao Benfica. Parece que já nem o presidente do clube consegue esse cimento.
Para que o treinador e os jogadores persistam em campo com comportamentos que, para os outros, são sempre sinónimo de vários jogos de castigo e multas relevantes.
Em suma, se querem um ambiente positivo, de valorização do espectáculo e da relevância económica do futebol, Liga Portugal e Federação Portuguesa de Futebol não podem continuar a refugiar-se no silêncio e na inacção. Disciplinar e mudar comportamentos é difícil, mas tem de ser possível e assumido por todos.
E vem tudo isto a propósito do passivo acumulado de casos de arbítrio do dr. Meirim e seus pares, mas também da ridícula sanção, tão ridícula como a sustentação da decisão, de esboçar uma multa ao Porto por uma enorme tarja de insulto a titulares de dois órgãos de soberania e aos árbitros, aliás, em linha com a programação do Porto Canal. A entorse de permissividade permitido por estas protecções é tal que os autores persistem em perder o foco na realização do trabalho de casa para concentrar toda a energia que resta nos ataques ao Benfica, sem valorizarem o pouco de bom que fazem. No dia em que receberam o prémio da UEFA para Melhor Acção Educativa, no âmbito da Youth League 2018/19, o foco foi… atacar o Benfica, com indisfarçável azia pela decisão judicial de não julgar a Benfica SAD num processo. E o problema é que já contagiaram outros clubes e fazem alastrar a epidemia para o futebol em geral, sem foco no trabalho de casa – a atenção é sempre para a acção destrutiva das construções dos outros.
A verdade é que nenhuma instituição é perfeita, mas uma coisa é manter uma atitude positiva de transformação, de sustentação e de afirmação das potencialidades de um projecto desportivo, alicerçado na formação, nas infraestruturas e na competitividade das modalidades, outra bem diferente é apostar na destruição dos outros e contar com a efectiva protecção da justiça desportiva. É muito português, mas é miserável.
(...)"