terça-feira, 6 de agosto de 2019

Derby condescendente

"Nem sequer mandei mensagens a provocar os meus amigos sportinguistas. Isso é preocupante. 

Muito boa tarde. Ora bem, o Benfica espetou cinco zero e eu não estraguei nenhuma amizade. Não sei o que se passa. Não sei se é do verão farrusco ou dos simpáticos conteúdos do canal 11, mas não consegui gozar na cara dos meus amigos que apoiam o clube rival. Mais, eles próprios não apresentaram nenhuma justificação absurda para a derrota, não apontaram um bode expiatório, não recorreram aos habituais sofisticados mecanismos de dissonância cognitiva para desculpar a goleada sofrida. Estou desiludido.
Nem sequer mandei nenhuma mensagem a gozar com o Sporting num grupo de amigos. Nem um GIF. Nem uma capa de jornal de há uns meses que agora terá envelhecido mal. Nada. Guardei para mim aquela cueca do Raul que é do Tomás. Podia e devia ter enviado vários emojis da mão cheia, mas contive-me. Vivemos tempos complicados de rivalidade.
Isto, caros leitores, é o pior que pode acontecer a dois clubes rivais. Ambos considerarem que a superioridade de um é indiscutível, que leva ao conformismo de quem está por baixo e à condescendência de quem está na mó de cima. Espero que esta era de paternalismo acabe num futuro próximo. Não podemos permitir que a reacção de quem ganha por 5 ao arquirrival seja confortar o adversário, dizendo “ah é muito cedo, claramente a equipa pode crescer, vocês são melhores do que mostraram hoje, somos todos amigos, vamos dar as mãos, o que interessa é que temos todos saúde”. 
Isto tem origem em vários factores, um deles as boas energias dos dois treinadores. Não há um bate-boca, uma troca de galhardetes. São dois homens que sabem estar. Isto é absolutamente tóxico para o futebol português. Necessitamos urgentemente de formação ao nível da falta de decoro. Mas isto é a Premier League, ou quê? Ao longo deste ano, talvez as máscaras caiam e possamos ver Bruno Lage a chamar “cara de stroopwaffel” a Keiser, ou Keiser a chamar “cabeça de choco frito” a Lage. Só com compromisso dos protagonistas é que poderemos voltar ao ambiente ideal.
De resto, os jogadores de ambas as equipas também têm culpas no cartório. Quantos deles perseguiram o árbitro para lhe gritar na cara? Quantos deles insultaram e provocaram as claques adversárias? Quantos é que encostaram a cabeça num colega de profissão? Exato. Um país campeão da Europa não se pode prestar a estas figuras."

A adaptação Estratégica e a troca de Modelo – A Supertaça

"Muito se falou da Estratégia do Sporting que tudo alterou para se poder bater contra o Benfica.
É uma questão de terminologia – Foi por Estratégia que o Sporting tudo alterou. Mas não é dessa Estratégia que por cá se fala!
Mudar tudo, incluindo a base posicional significa que o Sporting mudou Modelo – jogou com o seu modelo alternativo.
Quem foi estratégico no jogo foi o Benfica – Bruno Lage manteve modelo (4x4x2) mas alterou a forma como defende (Raul defendeu o espaço nas costas de Seferovic, mais próximo em profundidade de Rafa e Pizzi, no espaço entre médios do Sporting) e não no habitual lado a lado com o Suíço, como sempre o Benfica faz.
O Sporting ao alterar tudo mudou sistema e consequentemente modelo! Trocou todos os posicionamentos e não apenas numa fase de um determinado momento – Foi uma Estratégia, sim – Mas não é esse o lado Estratégico que tantas vezes é abordado cá – Porque essa era da Estratégia sugere as adaptações em função de um modelo.
Ou seja – Precisamente aquilo que Bruno Lage vem fazendo desde que pegou no SL Benfica – Mantém a sua identidade, mas sempre cirúrgico nas adaptações para contrair o adversário – E para o magoar quando tem a bola!
Sporting em Organização Defensiva – 4x5x1 – Troca de Sistema – Posicionamentos totalmente alterados em todas as fases defensivas – Um novo Modelo
Benfica na Organização Ofensiva de sempre – 2+2+6 (4 por dentro + 2 por fora)
Benfica Estratégico – RDT trocou o posicionamento ao lado de Seferovic na 1ª Fase defensiva e colocou-se sempre entre os dois médios do Sporting, não saindo para pressionar centrais – Ao Contrário do que é Habitual
Organização Defensiva Habitual do Modelo de Bruno Lage (Sem a nuance Estratégica – Avançados defendem lado a lado)

A Supertaça ficou marcada pelo jogo em que Bruno Fernandes teve menos acções em mais de uma temporada (a excepção é o jogo no Dragão em que o Sporting ficou cedo reduzido a dez) – Mais do que marcar individualmente o médio leonino, a forma como o Benfica preparou a sua organização defensiva para esta partida, impediu o Sporting de em ataque posicional conseguir chegar ao Espaço entre Médios e Defesas encarnados no corredor central.
Pizzi fazia parede a Mathieu; Rafa a Neto; e Raul de Tomas posicionava-se entre médios, enquanto ainda sobrava Florentino e Gabriel que tapavam a entrada de uma possível bola nas suas costas.
É cada vez mais perceptível a importância da leitura e ajuste rápido ao que está a acontecer, e a forma como Lage se mostrou preparado para a surpresa que o Sporting viria a apresentar é bem reveladora da qualidade do seu trabalho.
Quem mais teria desconfiado de que Marcel pudesse voltar a surpreender alterando o seu modelo?"

Um treino de captações com João Félix, Daniel Bragança e Fábio Silva

"Um jogador talentoso consegue afirmar-se em qualquer contexto, por obra e graça do Espírito Santo? Nem pensar, (...) utilizando como exemplos João Félix, Daniel Bragança, Fábio Silva e outros tantos: "O futebol é dos únicos ofícios onde se admite, de forma consensual, que se pode ganhar experiência de jogo sem jogar"

A experiência pessoal é a base da maior parte das crenças que dão forma às nossas opiniões. E ainda que não se saiba justificar o porquê de se achar “a” melhor do que “b”, ou “x” mais forte do que “y”, essa percepção está fortemente influenciada pelas vivências que cada um teve. No subconsciente de cada um descansam memórias carregadas de emoções que nos fazem tender mais para um lado do que para os outros. O problema disso é: a nossa experiência, aquilo que o nosso corpo vivenciou, nem sempre nos permite visualizar (captar) da forma mais assertiva a informação que o ambiente nos dá. 
Para quem não está familiarizado com o termo, um treino de captações é um teste que os clubes de futebol realizam para dar uma janela de entrada a jogadores que queiram fazer parte das suas equipas. Esses treinos, que podem diferir na forma e na organização, normalmente funcionam da seguinte maneira: são marcadas datas onde os jogadores podem aparecer, e com o número de jogadores que aparecem são realizados jogos onde os jogadores devem mostrar as suas qualidades, e os argumentos que lhes podem valer a desejada entrada nos clubes.
Tendo em conta o tempo disponibilizado, e a quantidade de jogadores que se mostram para prestar provas, o teste acaba por não cumprir o objectivo de aferir com um alto grau de certeza o real valor de cada um dos que se propuseram a prestar provas. O futebol já é um jogo com um grau de aleatoriedade enorme, e este tipo de teste consegue colocar o índice de incerteza num patamar superior por força dos milhões de milhares de imponderáveis que a situação permite.
Enquanto jogadores, ou seguidores do futebol, quase todos passamos por esse tipo de testes, ou ouvimos falar de situações de pessoas que os enfrentaram. Por tal, por ser uma situação regular, por estar enraizada na cultura do futebol, acha-se que é uma proposta justa para se aferir o valor que cada um tem. Por força do hábito, e da quantidade enorme de coisas que a sociedade nos entrega sem que coloquemos problemas sobre o método, por termos também passado por elas (numas vezes com sucesso, e noutras sem tanto sucesso), sentimos que é possível aos mais fortes sobreviver neste tipo de ambiente.
Pensamos que estão criadas as condições, que se está a proporcionar o desafio certo para que os melhores jogadores de futebol se evidenciem. Afinal, também nós fomos capazes de superar tais testes, ou conhecemos alguém que os tenha superado; quando não o fizemos, foi por não termos sido capazes de superar a concorrência e agradar mais aos avaliadores do que outros que foram escolhidos no nosso lugar - foi por culpa própria. É como aquela velha frase que todos ouvimos das pessoas mais velhas: “Se eu passei por isso e não me matou também não matará os miúdos”.
As pessoas acham que para vingar, para se ter sucesso, para se mostrar qualidade, o único factor relevante é o talento e o trabalho árduo. Independentemente das condições que se dão aos talentosos para aparecer, por força da sua capacidade, eles vão acabar por se superiorizar aos outros e conquistar o seu lugar. Não importa que quem faz a seleção se esteja a borrifar para aquele tipo de talento específico, nem tão pouco que num treino de captações apenas se jogue durante menos de meia-hora com outros jogadores com os quais não existe qualquer relação. Ninguém quer saber se o jogador esteve a prestar provas na posição que mais o favorece, ou se o jogo que se jogava lhe deu a possibilidade de mostrar aquilo que o diferencia dos outros. Interessa pouco se o jogador estava doente, nervoso, pouco inspirado, ou se simplesmente estava num momento menos bom - que se diga, coisas pelo qual todos passam.
Na revista do Expresso de final de época, o Nuno Amado (aquele que é para mim, há anos, quem melhor escreve e analisa futebol em português) escreveu sobre João Félix:
“Na primeira metade da época, ainda com Rui Vitória ao comando do leme encarnado, João Félix foi utilizado de modo intermitente, umas vezes descaído para a ala e com tarefas defensivas muito exigentes, outras vezes em posições centrais do ataque, sem no entanto grandes liberdades e com pouca amplitude de movimentos. Não obstante algumas boas prestações e alguns momentos de génio, não era de modo algum consensual que se pudesse afirmar desde já no plantel principal. Considerava-se que era ainda imaturo, que não estava ainda ao nível que se exige a um titular do Benfica, e que era muito inconstante em termos exibicionais. Para a esmagadora maioria dos adeptos, era um jogador com enorme margem de progressão, do qual se poderia esperar muito no futuro, mas que ainda não estava preparado para assumir a titularidade da equipa. E, de repente, em poucas semanas, tudo mudou. Com a chegada de Bruno Lage, João Félix não só passou a ser titular indiscutível como passou a jogar sistematicamente no corredor central. O maior protagonismo que passou a ter foi uma consequência dessa aposta e desse lugar específico no terreno de jogo. No 4-4-2 de Lage, é ao avançado mais móvel que compete boa parte dos movimentos sem bola entre linhas, e é acima de tudo através desses movimentos que a equipa desenvolve as suas melhores jogadas de ataque. A manobra ofensiva do Benfica passou, por isso, a depender muito de João Félix. Como tem qualidade para desempenhar esse papel, o jovem jogador encarnado aproveitou a oportunidade, e foi ganhando destaque. Como, além disso, começou a somar golos atrás de golos, depressa adquiriu o estatuto de imprescindível. De repente, o talento de João Félix era incontestável. Em Dezembro ninguém imaginava que pudesse chegar a Maio cobiçado pelas melhores equipas do mundo; em Maio, ninguém percebe bem como é que em Dezembro ainda não se imaginava tal coisa.”
Como o Nuno descreve, no caso de João Félix, a maior parte das pessoas achava que o jovem avançado era inconstante fruto da idade, da juventude. E que há uma equação mágica que resolve isso: entre aquelas entradas fugazes no onze inicial, mais as entradas vindo do banco de suplentes, misturadas com alguns jogos a torcer pela equipa no banco de suplentes ou no lugar reservado para os jogadores não convocados, e o trabalho árduo nos treinos - o resultado é infalível! As pessoas esperam que com o tempo, e com a forma inconstante como vão sendo atirados para dentro de campo, os jogadores se tornem consistentes. No fundo, é tudo uma questão de experiência. Mas que experiência?!
O futebol é dos únicos ofícios onde se admite, de forma consensual, que se pode ganhar experiência de jogo sem jogar; é a mesma coisa que pegar num aspirante a pianista, colocá-lo durante um ano a assistir a actuações de outros pianistas e esperar que dessa experiência ele passe a dominar o piano; ou até achar-se que um pianista excepcional se deve evidenciar sempre, mesmo que tocando em pianos sem todas as teclas, e que se o aspirante não for capaz de evidenciar o seu talento nessas condições é por não estar preparado para o nível a que se está a propor; por mais absurdo que possa parecer, há ainda ainda quem ache que, se o aspirante não conseguir recolher uma grande ovação numa audiência de surdos é porque o seu talento não é assim tão relevante, tão diferenciador.
Há, em Portugal, um preconceito muito grande para com jogadores que necessitam, mais do que outros, de condições para evidenciar o seu talento. E, por mais que necessitem mais do que outros dessas condições, são jogadores que com as condições criadas teriam capacidade para suplantar por muito os que concorrem para as mesmas posições nos respectivos clubes. Há demasiados exemplos nos últimos anos que o demonstram de forma evidente, mas a maior parte das pessoas continua a assobiar para o lado como se não fosse nada com elas.
Marcos Bahia, dos sub-23 do Estoril para titular indiscutível na equipa de Paulo Fonseca em Donetsk. Não teve espaço para se afirmar numa equipa que jogava na segunda liga, vai agora jogar na melhor prova de clubes da Europa. “Se fosse assim tão bom, assim tão talentoso, deveria ter vingado facilmente no contexto onde estava...” Hoje, é para todos evidente o talento do jovem jogador, simplesmente por, tal como João Félix, lhe terem oferecido as condições necessárias para que pudesse apresentar rendimento.
A questão permanece: como é que se torna experiente sem experimentar?!
Qual é, afinal, a grande diferença entre de Ligt, de Jong, Kai Havertz ou João Félix e Riqui Puig, Tomás Esteves ou Fábio Silva? São todos talentosos (ainda que com qualidades diferentes), e todos feitos de carne e osso. No entanto, uns brilham ao mais alto nível aos 19 e 20 anos enquanto outros não têm a possibilidade de colocar em campo o que de melhor podem oferecer.
Para lá da coragem dos treinadores para os colocarem a jogar, tiveram a sorte de encontrar um líder que entendeu que a equipa sairia beneficiada se eles conseguissem evidenciar o seu talento. Criaram, por isso, estruturas, dinâmicas, movimentos, que fossem ao encontro das melhores características de cada um deles.
Sim! Já sei que vão todos dizer que Jonas estava lesionado e que por isso a entrada de João Félix para o onze foi fácil; mas não! Bruno Lage alterou o sistema de jogo para que o avançado português pudesse dar o melhor que pode oferecer à equipa. Quantos mais treinadores em Portugal, no resto do mundo, o fariam? Para mim, o grande mérito de Bruno Lage na época anterior foi esse: entendeu, ao contrário do seu antecessor, que João Félix era o seu melhor jogador, não olhou para a idade, não olhou para os peso ou para a altura, e tirou proveito dele. E ainda dizem que é um jogador de grande potencial! Potencial?! João Félix já é! De resto, pode obviamente evoluir como todos os outros jogadores do mundo. Acabem com os chavões porque há jogadores aos 18 anos que jogam mais, que jogam melhor, que jogadores de 30.
É preciso, de uma vez por todas, que se entenda que há uma diferença fundamental entre lançar jogadores e apostar neles. Em Portugal, todos os anos se lançam muitos jogadores formados nos clubes. Aposta-se em poucos, porém. Se o Fábio e o Tomás, aos 20, não forem unânimes, não será por falta de talento ou trabalho. Porque já mostraram com o seu trabalho que têm mais qualidade que os companheiros de equipa que jogam na mesma posição. Será por - assim como com Daniel Bragança - não lhes ter sido dada a possibilidade, a melhor possibilidade, de adquirirem a experiência necessária para vingarem ao mais alto nível."

Desde quando os jogadores têm de pedir desculpa aos adeptos?

"Desconheço se Bruno Fernandes fez a sua declaração de livre e espontânea vontade ou se foi instruído por alguém. Mas a verdade é que ele seria talvez a última pessoa a ter de pedir desculpa pelo sucedido.

Na sequência da humilhante derrota na final da Supertaça, o capitão do Sporting, Bruno Fernandes veio a público pedir desculpa aos adeptos. O episódio trouxe à memória de muitos o mea culpa de João Pinto a seguir ao célebre 7-0 sofrido pelo Benfica frente ao Celta de Vigo, em 1999.
Desconheço se Bruno Fernandes fez a sua declaração de livre e espontânea vontade ou se foi instruído por alguém. Mas a verdade é que ele seria talvez a última pessoa a ter de pedir desculpa pelo sucedido.
Quem acompanhou o jogo pela televisão reparou certamente no seu esgar de dor enquanto coxeava - mesmo assim, pediu para continuar em campo, sacrificando-se para ajudar a equipa.
Ora, faz-me alguma confusão que alguém que dá o corpo ao manifesto, que se empenha ao máximo, tenha de prestar explicações perante adeptos que estão confortavelmente sentadinhos na bancada ou no sofá lá de casa a mandar uns palpites, com o comando da TV numa mão e uma cerveja na outra. 
Bastaria um mínimo de racionalidade para perceber que não há ninguém mais empenhado em ganhar um desafio contra um clube rival do que os próprios jogadores - e Bruno Fernandes já o demonstrou vezes suficientes para não ter de se prestar a este triste papel de vir pedir desculpa.
Só que, de há uns anos para cá, criou-se esta ideia de que o adepto, tal como o cliente, tem sempre razão - e por isso pode “mandar vir” como bem lhe apetecer quando os resultados não são os esperados. Os jogadores, inversamente, são vistos como uma espécie de gladiadores pagos a peso de ouro que, além de “dar o litro”, têm de se sujeitar a todo o tipo de insultos e imprecações.
Não vejo as coisas assim. Os adeptos não têm de se armar em juízes e muito menos em justiceiros, como agora se arrogam logo à primeira contrariedade. É por essas e por outras que depois acontecem casos lamentáveis como o de Alcochete."

O Bananeira não quis beber champanhe...

"Em 1933: o Benfica bateu o Belenenses e tornou-se campeão de Lisboa. A festa foi de arromba. Até às tantas. Pelo meio dela, um rapaz, chefe de guarda-fios da Companhia dos Telefones, realizado, feliz, absolutamente apaixonado pelo clube em que jogava: João de Oliveira.

O Benfica acabara de bater o Belenenses e era o campeão de Lisboa de 1933. Pois, agora já não há Campeonatos de Lisboa. Ao tempo exacerbavam rivalidades.
Houve um homem em destaque nesse jogo: chamava-se João Oliveira. Não quis beber champanhe para comemorar. 'Sou um atleta. Isso faz-me mal!' Atleta exemplar.
Às vezes vou assim, um bocado ao deus-dará, à procura de curiosidade da história do futebol. De repente, deparo-me com frases que vale bem a pena serem recordadas. Reparem: 'São assim os vermelhos! São assim aqueles que se acolhem sob as asas protectoras da Grande Águia, símbolo indestrutível desse clube que é de todos os portugueses: o Sport Lisboa e Benfica!'
Era meia-noite em Lisboa.
Festejava-se o título. Festa de arromba.
'Entrechocavam-se os vivas, as saudações; enrouqueciam-se gargantas, algumas mesmo só nos dando sons ininteligíveis. Mas que importava? Não estavam todos ali para saudar, para aclamar, para glorificar, enfim, o novo voo altaneiro da indómita águia que nunca esmorece, que nunca treme, sequer, a qualquer ataque dos seus inimigos?'
Palavras cheias de sentimentos.
Discursos e mais discursos; conversas e mais conversas.
No meio de todos, humilde, sem dar nas vistas, um rapaz que era chefe de guarda-fios da Companhia dos Telefones. Tinha uma alcunha: o Bananeira. O nome, já o disse de início, João de Oliveira.

Homens de uma alcunha
'É fácil explicar a alcunha que me deram', contava Bananeira. 'O meu pai era negociante de bananas. Todas as semanas chegavam dos Açores grandes carregamentos. Depois de fornecer os mercados também dava as suas voltas pelas lojas da cidade. Depois ficou Bananeira para cá, Bananeira para lá, eu e o meu irmão fomos sempre Bananeiras. Sem bananas'.
No auge da festa, Oliveira dava uma entrevista à inesquecível Stadium, uma revista que andava cinquenta anos à frente do seu tempo.
Uma hora de manhã: 'Tempo de ir para o descanso', dizia o Bananeira.
Nascido no dia 22 de Maio de 1904, mesmo ano em que nasceu o Benfica. Natural de Matados, freguesia de Chãs de Tavares, Mangualde, distrito de Viseu. Veio ainda bebé para Lisboa, com os pais. Jogou 15 anos consecutivos no Benfica. Mas começou no Santana FC. Um grupo daqueles modestos, que a capital alberga com um carinho especial. Era avançado-centro. Já era sócio do Benfica, ia assistir aos jogos. Depois foi para o Cascalheira. Finalmente, a camisola vermelha da sua predilecção.
'Comecei por interior-direito', ia contando o Bananeira. 'Em seguida fiz o lugar de interior-esquerdo. Finalmente, uma época inteira nas segundas-categorias e médio-centro. Voltei à equipa de honra. E meteram-me à defesa. Dei-me bem. Tão bem, que cheguei a internacional, jogando por Portugal contra a Itália, no Porto'.
João de Oliveira, um homem feliz: 'Ó meu amigo, não há palavras para poder transmitir o que me vai na alma. Este título ainda parece um sonho. Para mim só há o Benfica. Não posso passar sem este clube. É a minha segunda família. No campo desportivo, quando me bato, só tenho uma preocupação: honrar com todas as minhas forças a bandeira encarnada e branca. O meu querido Benfica!'
As lágrimas vinham-lhe aos olhos enquanto, a pouco e pouco, a esta se dispensava. 'Não esquecer nunca o nosso treinador, o tenente-coronel Ribeiro dos Reis. Ele soube como ninguém conduzir-nos à vitória!'
Depois saiu para a rua, tomou o caminho do Largo de São Domingos.
'Adeus! Adeus! Preciso de descansar. E vá lá saber-se como vou descansar com o coração a bater assim de alegria...'
O Bananeira descia a rua. Sóbrio como sempre. Mas trôpego de emoção..."

Afonso de Melo, in O Benfica

Um golo que valeu ouro

"Eusébio comprovou a máxima que quanto mais difícil a conquista, mais feliz é a vitória

mais um golo, Eusébio, só mais um golo! Era o que todos pensavam quando foi dado o apito de início da partida entre o Benfica e Varzim, na última jornada do Campeonato Nacional de 1967/68, no Estádio da Luz. Um jogo que toda a Europa olhava com atenção, pois estava em causa a primeira Bota de Ouro atribuída pelo semanário France Football e patrocinada pela Adidas. O primeiro lugar estava empatado entre Eusébio e Dunai, do Újpest, ambos com 36 golos. O campeonato húngaro já tinha terminado, dependia apenas de Eusébio. E se Eusébio não marcasse? Por cá, não se tinha a certeza...
Como se não bastasse, se o Benfica vencesse este jogo sagrar-se-ia campeão nacional. Poucos duvidavam da vitória benfiquista, só que a 'hipótese do futebol' não permitia que tomassem o título por garantido. Porém, o golo do 'Pantera Negra' tardava em chegar. O conjunto benfiquista, com um grande espírito de união e da amizade, mostrava uma 'febre de servir Eusébio (...) uma vez que toda a gente renunciava ao remate, às vezes nas melhores condições, para proporcionar à «Pantera Negra» a marcação daquele que se tinha como o seu golo'. Contudo, acabou por ter um efeito contrário, tornando-se 'altamente enervante para o próprio Eusébio que, sentido a obrigação de marcar o tal tento, se perturbou um pouco', e, assim notava-se uma certa precipitação na finalização dos lances.
Deste modo, foi Torres quem inaugurou o marcador, e, cerca de vinte minutos depois, com um remate fulminante, o jogador de Torres Novas afastou para cada vez mais longe a incerteza do título. Para mais, o Sporting estava a perder no Restelo. Na 'Catedral', 'a segunda parte era para festa, sem problemas'. Só faltava a cereja em cima do bolo, que foi colocada a um minuto do intervalo! Foi o tento mais aplaudido de todo o encontro e Eusébio viria a partilhar: 'pela sua dificuldade e por me ter dado, suponho, a «Bota de Ouro?, alegrou-me extraordinariamente'. No final do jogo, o Benfica venceu o Varzim por 8-0, com seis golos do 'Pantera Negra', que se tornou num dos melhores marcadores nacionais de sempre.
Para além da Bota de Ouro, Eusébio também conquistou a Bola de Prata, distinção atribuída pela A Bola ao melhor marcador nacional, pela quinta vez consecutiva, um feito que, até À data, ninguém conseguiu repetir.
Estas valiosas e simbólicas peças podem ser vistas na área 24 - O 'Pantera Negra' e Outras Lendas, no Museu Benfica - Cosme Damião."

Lídia Jorge, in O Benfica

Cadomblé do Vata (rescaldo da Supertaça...)

"1. O Sporting não ganhou um jogo na pré época, perdeu a Supertaça num derby disputado no Algarve e entrou em campo com um lateral direito que ainda não tinha sido titular nos jogos de preparação... é impressão minha ou o Keizer está a ver se este ano saca um " Rui Vitória 15/16"?
2. Miguel Albuquerque é o gajo mais azarado do futebol português e foi agredido... novamente. Desta vez foram 15 indivíduos que com socos e pontapés lhe fizeram um ferimento no lábio... e isto depois de 14 gajos lhe terem rebentado com o coração com cabeçadas e pontapés durante 90 minutos.
3. Thierry Correia teve uma estreia altamente auspiciosa e foi um dos melhores do Sporting ontem, deixando Rafa fazer o 1-0 nas suas costas, sendo ultrapassado 2 vezes pelo mesmo jogador no 4-0 e estando ausente quando Grimaldo cruzou para a área no golo final da partida... já dizia a minha avozinha "mais vale cair em graça do que ser engraçado".
4. Saldo de Bruno Lage contra o Sporting: 6 meses; 4 jogos; 3 vitórias, 1 derrota; 11-4 em golos... se continuar a tratar os leões desta forma, qualquer dia tem o PAN à perna.
5. Rendimento de Pizzi contra o Sporting em 2019: 3 golos e 3 assistências... eu só gostava que ele jogasse contra os clubes grandes como joga contra estes pequenos."

Benfica a explodir, Sporting a implodir

"O jogo do Sporting no caldeirão dos Barreiros ganhou importância inesperada para as periclitantes equilíbrios do universo leonino...

O Estádio do Algarve foi palco da maior vitória de sempre do Benfica sobre o Sporting em campo neutro, um 5-0 que não era visto desde 1986, quando os encarnados eliminaram os eternos rivais, na Luz, com uma manita da Taça de Portugal. Trata-se, pois, de um resultado com impacto histórico, que pode vir a ter consequências sérias no restante da temporada, no que ao Sporting diz respeito.
Depois desta goleada, que deixou os adeptos leoninos em estado de choque, o desempenho da equipa de Marcel Keizer no caldeirão dos Barreiros, na estreia na Liga, vai revestir-se de uma importância inusitada para o equilíbrio do grupo de trabalho. Num Sporting 70/30, no que concerne aos fiéis do antigo presidente e ex-sócio, Bruno de Carvalho, assombrado por um julgamento do ataque a Alcochete que manterá as feridas mais sérias em carne viva, o sucesso do desempenho desportivo foi, ao longo da última época, um elemento apaziguador e aglutinador. Os leões conquistaram a Taça da Liga e a Taça de Portugal e sagraram-se campeões europeus de futsal e hóquei em patins, o que contribuiu para a coesão interna. O que poderá representar um descalabro no futebol para os periclitantes equilíbrios leoninos? Só o futuro terá resposta...
E Bruno Fernandes? Como se viu no Algarve, nenhuma unidade vale mais do que a equipa, e não foi por ter mantido o seu talentoso capitão que o Sporting não saiu goleado da final de ontem. Se retardaram a venda a pensar na Supertaça, fizeram mal. Porque, inclusivamente, o Sporting preparou o colectivo a contar com o contributo de Bruno Fernandes e perdê-lo agora significará sempre um atraso no processo de automatização da equipa, além de que encontrar um jogador de calibre semelhante não será fácil.
Falta falar do Benfica, que confirmou grande solidez, com ideias definidas e bem trabalhadas, não obstante todas as dificuldades colocadas pelo Sporting ao longo do primeiro tempo. À equipa de Bruno Lage faltará alguma concentração nos momentos de perda de bola, e mais pragmatismo no início do jogo, a partir do guarda-redes. Foi por aí que os leões tiveram oportunidades de marcar em primeiro lugar. Mas, assim a integração de Raul de Tomaz seja mais efectiva e André Almeida regresse à direita (e Samaris, o que se passa com o grego?), a equipa pode superar o patamar da época passada.

Ás
Pizzi
Grande exibição, a marcar e a assistir, confirmando-se como o playmaker que não precisa de jogar a 10 para pôr a equipa a funcionar. O transmontano sente-se confortável no papel táctico que Bruno Lage desenhou a pensar nele e tem direito ao estatuto de peça muito importante em toda a manobra dos campeões nacionais.

Ás
Rafa
Quem o viu, à beira de um ataque de nervos quando encarava a baliza, e agora, frio e cirúrgico na hora de facturar! Como se deve estar a rir Luís Filipe Vieira de quem o criticou por ter pago 16 milhões, por Rafa, ao SC Braga (1 14 por Pizzi, ao Atl. Madrid). Um jogador letal, a dinamitar as linhas a partir das entrelinhas e a fazer a diferença.

Rei
Thierry Correia
O jovem lateral do Sporting, campeão europeu de sub-17 e sub-19, foi dos leões com melhor rendimento na final de ontem e merece que lhe concedam espaço e tempo para se afirmar na equipa principal do Sporting, porque qualidade não lhe falta. Aliás, outros com mais experiência estiveram ligados a momentos embaraçosos.

À boleia de CR7, um 'dream team' de Portugal...
«Gostava de ter jogado com Eusébio na Selecção Nacional. Era um futebolista extraordinário e uma pessoa fantástica...»
Cristiano Ronaldo, jogador da Juventus
Cristiano Ronaldo confessou que gostava de ter jogado com Eusébio na Selecção Nacional. Ok, a frente de ataque está encontrada. À direita jogava Luís Figo e à esquerda Fernando Chalana. Pode ser? Na cabeça da área ficava Mário Coluna e a 10 Rui Costa. Na defesa, Artur Correia, Humberto Coelho, Pepe e Hilário. À baliza ia o Manuel Bento. Uma equipa de sonho...



Parecia impossível
Lembram-se da série japonesa de desenhos animados do Oliver e Benji, dois futebolistas que faziam pontapés de bicicleta mirabolantes e remates supersónicos? O que Kyle Walker fez ontem em Wembley, já no tempo de compensação, evitando o golo de Mo Salah que daria a vitória ao Liverpool, na final da Supertaça frente ao Manchester City, foi tirado da banda desenhada, só pode, uma bicicleta nas alturas, que atirou tudo para os penalties que os citizens venceram. Há momentos inesquecíveis, no futebol. Este é, para os meus olhos, um deles.

Angel Di 'Magia' voltou a atacar
Indiferente às birras de Neymar ou à continuidade de Cavani, Di Maria com uma execução irrepreensível num livre directo, deu a Supertaça francesa ao PSG, que derrotou o Rennes (2-1), na final realizada na China. Aos 31 anos, o jogador que os argentinos tratam por El Fideo (O Esparguete) está como o vinho do Porto..."

José Manuel Delgado, in A Bola

'Tsunami' vermelho no Verão algarvio

"Um tsunami vermelho varreu o Estádio do Algarve e engoliu a equipa do Sporting, indiscutível o mérito do Benfica, que fez uma segunda parte avassaladora, com uma invulgar capacidade de concretização e uma rara intensidade explosiva nos movimentos ofensivos. Indiscutível, também, o demérito leonino, que desperdiçou oportunidades flagrantes durante uma primeira parte em que foi surpreendentemente forte e dominador.
Pode parecer cruel que essa consistente exibição sportinguista, durante os primeiros quarenta e cinco minutos de jogo, tenha sido em vão e esteja condenado ao esquecimento, depois do descalabro que se seguiu. É futebol. E se é verdade que nem tudo se explica facilmente num jogo, nem mesmo a dimensão dos resultados, será importante dizer que este dérbi fica marcado por um resultado invulgarmente gordo, consequência de uma manifesta superior qualidade de quem venceu e de um total descalabro psicológico de quem perdeu e que não estava preparado para entender que é globalmente inferior e que por isso precisa de organização, estratégia e, o mais importante, evitar erros fatais.
Questão importante será a de se saber até onde esta estrondosa derrota do Sporting influenciará a época, ou o seu início. E até onde esta esplendorosa vitória do Benfica será capaz de embalar a equipa para um ano de sucesso. Claro que há uma máxima no futebol que é reconhecida por todos: o importante é como acaba e não como começa. É verdade, mas é sempre melhor começar bem do que começar mal.
Além disso, ter melhores jogadores e um treinador que entende e lê bem o jogo, também ajuda muito a vencer."

Vítor Serpa, in A Bola

PS: Até cheira mal, de tanta azia!!!

Qualidade com grande esplendor

"Duas falhas infantis dos centrais mais experientes deitaram por terra as pretensões leoninas

Uma equipa é estado de alma
1. Meia surpresa na disposição táctica do Sporting em função dos indicadores deixados na pré-época. Sabendo que o Benfica se apresentaria com 2 avançados - mais fixos em relação ao ano transacto - Keizer junta Neto aos dois centrais e liberta os laterais, mantendo sempre superioridade numérica no eixo central no momento defensivo. Servido por meio-campo dinâmico, com Wendel a ligar jogo, transportando a bola e fazendo-a chegar com critério aos homens mais avançados, os leões evoluíam no relvado de modo mais escorreito e apresentado apreciável ritmo, apesar do seu jogo parecer assente em impulsos, conduzidos quase sempre por Raphinha. A primeiro situação de golo pertencia ao Sporting e por Bruno Fernandes, com Ferro quase a fazer autogolo. Mais duas oportunidades para Bruno Fernandes, desfraldavam dificuldades vermelhas em travar o ímpeto leonino e traziam para ribalta Vlachodimos, enquanto o castelo leonino parecia assente em bases sólidas apesar de construído com alguns novos elementos - Neto e Thierry - e em tempo record, porventura escasso.

Erros meus, má fortuna
2. Apesar de parecer atordoado, o Benfica foi exibido tranquilidade e espreitava de forma felina e traiçoeira o momento para desferir o seu golpe. Na primeira oportunidade, Pizzi encontrou o seu jogo interior e solicitou Rafa, que com classe inaugurou o marcador. A primeira parte mostrava que, apesar do superior estado de alma da equipa dos leões, a frieza encarnada era premiada com um golo - falha no preenchimento do espaço interior - e lançava novo contexto para a partida, desafiando Bruno Fernandes e colegas a mostrarem o rugido do leão. O segundo tempo iniciava-se de idêntica forma. Apesar de estar em desvantagem a equipa de Keizer revelava-se confiante, com enorme dinâmica colectiva e intensa, desdobrando se com facilidade num 5-2-3 no momento defensivo, para um oleado 3-4-3, quando era preciso pisar terrenos mais avançados e no momento ofensivo. Mas 2 falhas infantis dos 2 centrais mais experientes deitavam por terra as pretensões leoninas e alteravam o estado de alma da equipa, empurrando-a para as trevas. Depois de alguns momentos de desnorte para as cores verde e brancas, as substituições pareciam fazer o Sporting reencontrar o seu rumo, mas mais um momento de inspiração de Pizzi, nos seus agressivos movimentos interiores, destroçava por completo um perdido leão. O Benfica mostrava superior capacidade de aproveitar os erros alheios e de reencontrar dinâmicas já consolidadas. Por seu lado, o Sporting, que apareceu solto e voluntarioso, mostrava lacunas incompreensíveis e o seu castelo desmoronou-se e pareceu afinal assente em bases pouco sólidas e emocionalmente frágeis. O jogo ia deslizando vagarosamente para o fim com o Sporting a mostrar vontade mas desnorte e o Benfica, com o seu rival perigosamente exposto, ameaçava ampliava o marcador.

De retraída à tranquilidade
3. Quanto à equipa de Bruno Lage, entrou mais retraída e menos desenvolta - algo surpreendida - que o seu opositor mas os golos obtidos tranquilizaram-na e deram espaço para a qualidade individual e colectivo aparecer no relvado algarvio com grande esplendor."

Daúto Faquirá, in A Bola

O evangelho segundo Lage

"A religião monoteísta que Bruno Lage professa desde que Vieira deixou de ver a luz que o cegava tem, até prova em contrário, o respeito pelo jogo com único deus. Se, por vezes, reagimos aos flautistas-hipnotizadores de multidões com bocejos de aborrecimento, acredito que o treinador do Benfica tenha mesmo sentido que podia aproveitar a exposição de que dispõe e usá-la para algo de útil. Um passo importante para ajudar a mudar mentalidades.
Tentar a mudança a partir do topo é fazer algo que ainda não foi feito. Contudo, se a disponibilidade é de louvar também acarreta responsabilidades: as circunstâncias não podem alterar a direcção ou a ideia. Se garantir e no matter what, acredito que Lage e quem for na conversa, no bom sentido, possam mesmo dissipar o forte cheiro a naplam que se acumula do início ao fim de cada época.
Junte-se-lhe um Marcel Keizer igualmente pouco interessado em confusões e a FPF, entidade que organiza a Supertaça - e que além do acesso facilitado também possui agora todos os meios, desde a produção à distribuição -, garante os ingredientes para um excelente programa. Claro que a falta de bom conteúdo é um dos pontos de partida para a transposição do lado degradante do jogo para televisões e jornais, e o acesso deveria ser semelhante a quem é e não é organizador de competições, mas também aqui o treinador do Benfica toca num ponto essencial: os «títulos tolinhos» garantem mesmo «reacções tolinhas». Claro que não pode começar e acabar em Bruno Lage, Marcel Keizer e Sérgio Conceição. Há um papel que é do jornalista e do jornalismo. A maioria, porque nunca haverá unanimidade, tem de caminhar de volta à sua razão de ser: informar, com coerência e rigor. Já o falso entretenimento nas TV, que nem jornalismo é, serve para quê, mesmo? Onde se escondem os directores de informação?"

Luís Mateus, in A Bola

Bernardo, a antivedeta

"Metendo o Rossio na Rua da Betesga, podemos acrescentar Alisson, Firmino, Aguero e Bernardo aos dez do prémio 'The Best'

Bernardo Silva é o segundo melhor jogador português da actualidade. Talvez já seja, aqui e ali, o melhor. E sê-lo-á cada vez mais. Pelo menos enquanto Bruno Fernandes e João Félix não derem o salto que lhes permita lutar com o citizen. Ao (ainda) leão falta-lhe provar, numa liga do top-5 europeu, que é capaz de manter o nível dos últimos dois anos; o (já) colchonero terá de mostrar, em Espanha, o que fez desde Janeiro no Benfica. Regressemos a Bernardo Silva. É uma delícia vê.lo jogar. Além de que (o que para nada interessa quando o avaliamos enquanto futebolista) é simpaticíssimo. O anti-craque. A anti-vedeta. Completa 25 anos no próximo sábado. Temos, pois, craque para mais (pelo menos) meia dúzia de anos.

Não concordo, porém, com quem diz que, por ter ganho cinco troféus em 2018/2019, Bernardo Silva tinha de estar nos dez candidatos ao Prémio The Best. Se fosse só por isto, também os brasileiros Gabriel Jesus e Fernandinho e o argelino Riyad Mahrez teriam de integrar a lista da FIFA. Os quatro ganharam Liga Inglesa, Taça da Liga, Taça de Inglaterra e Supertaça inglesa pelo Manchester City. Bernardo ganhou ainda a Liga das Nações por Portugal. Gabriel Jesus e Fernandinho venceram a Copa América pelo Brasil e Riyad Mahrez arrecadou a Taça das Nações Africanas pela Argélia. Ou seja, se formos apenas pelo número de troféus, o quarteto citizen estaria empatado: cinco troféus para todos. Com o português a ficar para trás quando comparamos o peso da Liga das Nações com o muito maior peso da Copa América ou da Taça das Nações Africanas.

Porém, para Bernardo Silva entrar, algum dos dez já indigitados para o The Best teria de sair. Quem? Alguém do Liverpool, campeão europeu (Mané, Salah, Van Dijk)? Alguém do Ajax, campeão holandês e vencedor da taça (De Jong ou De Ligt)? Um dos astros dos últimos dez anos (Ronaldo ou Messi)? Alguém do Chelsea, vencedor da Liga Europa (Hazard)? Alguém do PSG, vencedor da liga francesa (Mbappé)? Ou alguém que nada ainda ganhou na carreira (Kane)? Além de que, se olharmos apenas para os títulos ganhas em 2018/2019, teríamos de acrescentar dois nomes: os brasileiros Alisson Becker e Roberto Firmino. Ganharam (apenas e só) as duas provas mais importantes da época: Liga dos Campeões e Copa América. Temos, assim, 13 nomes para 10 lugares. No mínimo. Podíamos acrescentar Aguero. É como tentar meter o Rossio na Rua da Betesga. Ou passar um elefante pelo buraco de uma agulha. Por mim, apesar de Bernardo ser grandíssimo, recuso-me a tentar."

Rogério Azevedo, in A Bola

PS: A racionalidade tentada neste texto, em vez do patriotismo bacoco, é uma lufada de ar fresco! Mas se o sujeito da crónica fosse o Ronaldo, muito provavelmente, esta opinião seria considerada ofensiva!!!

Uma manita para a história

"Quando era criança as pré-épocas eram períodos de grande entusiasmo benfiquista. Depois de mais alguma época terrível algures nos anos 90, seguia-se a euforia com a chegada de novos reforços e a crença de que «este ano é que é». Sim, os benfiquistas já padeceram dessa doença tão sportinguista. Segundo os jornais, o novo reforço era sempre uma grande promessa, provavelmente até já tinha marcado um golo ao Benfica no seu anterior clube e no seu primeiro treino mostrava sempre pormenores de «craque», deixando «água na boca». Num tempo pré-internet, recordo-me como ia sempre para a banca de jornais entusiasmado para ver qual tinha sido o resultado do jogo de preparação que o Benfica tinha feito no dia anterior. Normalmente era uma derrota «enganadora» ou um empate «prometedor».
Chegamos a 2019 e a pré-época é um período de enorme calmaria para o Benfica em que saem 2 ou 3 jogadores, entram 2 ou 3 jogadores e há mais esperança numa continuação do sucesso dos anos anteriores que entusiasmo nalguma novidade. Prefiro esta rotina.
Para arrancar a época, o mundo Benfiquista deslocou-se ontem ao Algarve para mais uma Supertaça Cândido de Oliveira. Uma competição onde o Benfica nunca foi muito feliz, basta dizer que é o único troféu interno em que o clube não lidera no nº de conquistas. Igualamos o Sporting ontem, mas faltam uns longínquos 13 troféus para igualar o peso nas vitrinas do museu do FC Porto. Quem sabe um dia...
As horas pré-jogo serviram para rever companheiros de clube, retomando no Algarve a rotina habitual na Luz: cerveja, bifanas e um grande convívio que faz logo aí compensar as 2 horas e meia de viagem de carro desde Lisboa, ocupadas a discutir assuntos tão relevantes como «quem foi pior: King ou Edcarlos?».
O Benfica é hoje claramente o clube hegemónico em Portugal e eu sinto essa superioridade. Confesso que a meio da 1ª parte estava a ficar algo apreensivo com o equilíbrio que via em campo. Com todo o respeito pelos adversários, mas o clube está agora um passo à frente. O golo de Rafa foi uma primeira explosão de alegria, mas o que se seguiu na 2ª parte nenhum Benfiquista mais optimista poderia imaginar. Florentino a secar tudo, Seferovic e R.D.T. a desgastar, Rafa, Gabriel e Pizzi a dizimar a defesa contrária e chegaram os dois, três, quatro, cinco golos! La manita, como dizem os nuestros hermanos. Ainda me lembro de ver fascinado o Barcelona de Cruyff a dar 5x0 no Camp Nou ao Real Madrid de Valdano e como o clube blanco respondeu na mesma moeda na época seguinte com outra manita. Também vi tristemente o FC Porto a dar duas manitas ao Benfica em 1996 e 2010, mas ver o meu clube do lado certo num derby ou clássico ainda nunca tinha experimentado. Até ontem.
É que há tantos «check's!» que anseio que o Benfica alcance e que ainda não vivi: um título europeu, um campeonato com vários pontos de avanço, um campeonato invicto, uma goleada ao FC Porto (pode ser uma manita a responder à do Dragão, como fez o Real Madrid). Quanto ao Sporting, já tinha vivido o 3x6 de Alvalade e agora o 5x0 do Algarve.
Muito obrigado a Lage, Pizzi, Rafa e companhia e sigamos em frente! Foi bonita a festa pá, mas os foguetes são para ser lançados apenas lá para maio."

Pizzi, em torno dele tudo cresce

"Jogar com o médio do Benfica deve ser muito fácil: que o digam os companheiros

O que têm em comum Mitroglou, Jonas, João Félix e Seferovic, mais um bocadinho de Lima e outro bocadinho de Raul Jimenez?
Basicamente uma coisa: Pizzi.
Desde que Jorge Jesus teve a brilhante ideia de transformar um extremo de razoável qualidade num médio de enorme talento, o Benfica tem criado avançados de grande capacidade goleadora.
Um pouco mais ou um pouco menos, todos eles beneficiaram da criatividade, visão de jogo e qualidade de passe de Pizzi. Nos casos de Jonas e João Félix, o benefício foi aliás evidente: a conectividade de ambos com o internacional português era indiscutível e impressionante.
A verdade é que ao pensar em Pizzi lembro-me de uma opinião que li há tempos numa revista de televisão. Dizia o jornalista que o mérito de Cristina Ferreira, Sónia Araújo e Teresa Guilherme era o mesmo: Manuel Luís Goucha. Ao lado dele todas as apresentadoras brilhavam.
Não sei se será totalmente assim no caso da televisão, mas não tenho dúvidas que a análise se aplica perfeitamente a Pizzi: ao lado dele todos os avançados brilham.
O médio do Benfica é um homem discreto, talentoso e sobretudo muito inteligente.
Sabe ler o jogo, sabe perceber as movimentações dos colegas, sabe descobrir espaços antes de toda a gente. Por isso dá brilho a quem joga uns metros mais adiantado e de frente para o golo. A exibição que fez na goleada de mão cheia do Benfica sobre o Sporting, no Algarve, foi só mais um exemplo disso.
Em torno de Pizzi tudo cresce."

A lição no golo de Rafa

"O golo que inaugura o marcador e determinou o rumo da Supertaça teve bastante de mérito de uns e demérito de outros.
Do lado do Sporting quase tudo foi mal feito – Destaque para as decisões de Wendel sem bola, sempre a abrir espaços nas suas costas – Fosse pela decisão inicial de ir pressionar libertando todo o meio campo por onde o Benfica pôde sair com Gabriel da pressão leonina, fosse pela última decisão de abandonar espaço e permitir que Florentino colocasse a bola nas suas costas já em zona de criação.
Do lado dos encarnados um elogio muito grande a todos os envolvidos no lance – Serenidade a encontrar sucessivamente homem livre permitiu sair da (insípida) pressão leonina, e posteriormente a ligação para o espaço entre sectores do Sporting, que acabou com uma óptima definição – O fixar de Coates por parte de RDT, e o movimento de Seferovic que levou Neto, para longe do espaço onde RDT e Rafa apareceram em superioridade numérica.
Lição de Ataque Posicional – Da saída sob pressão, à entrada da construção para Criação e daí até à zona de finalização. Ora veja:
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Duas horas em que não parecia Portugal

"A vida muda e esta Supertaça pertenceu a uma nova era. Em 2015, quando o Sporting ganhou o troféu, no lavar dos cestos Jonas e Jorge Jesus trocaram galhardetes, com o brasileiro, irritado pela derrota, a reagir bruscamente à aproximação do responsável pelo seu resgate do desterro de Valência.  
Quatro anos volvidos e sob a bênção do novíssimo canal 11 - mais um galão nos já revestidos ombros de Fernando Gomes - Bruno Lage e Marcel Keizer desfizeram-se em sorrisos e cumprimentos, também ao contrário do que sucedeu antes da última final, quando Rui Vitória e Jorge Jesus - o nosso homem no Rio deve estar a chegar, temos saudades dele! - não estiveram propriamente felizes nos remoques com que se mimosearam. Oxalá essa estúpida antecâmara do ódio e da violência, que a marginalidade bebe com a sofreguidão com que o vampiro suga o sangue, tenha, mesmo, os dias contados.
A actuação dos Expensive Soul ajudou a criar ou a manter um clima de festa e em vez de claques de selvagens, com tochas e rajadas de insultos, vimos, no Estádio do Algarve, adeptos e famílias a desfrutarem do espectáculo, e até - pasmemos - muitos deles misturados com fãs do adversário, sem que viessem a verificar-se casos de confrontação física. Não parecia Portugal. Alguns energúmenos borraram a pintura no fim? Pois, os cobardes dissimulam-se, nunca desaparecem.
Se a Federação mexeu bem nos cordelinhos da concórdia, dentro de campo os artistas contribuíram, com pouca vontade de criar problemas. E quando o marcador se começou a desnivelar e a desilusão se instalou nos leões, nem aí houve tentativas de descarga sobre o opositor. Custa a acreditar.
A questão desta vez foi apenas o futebol. E aí deu-se a inevitável demonstração da supremacia benfiquista, assente num onze muito superior ao do Sporting - a título individual e a nível de competência colectiva - e num plantel infinitamente melhor. Os 5-0 constituem uma nova e penosa marca do delírio que destruiu um grupo de jogadores que se ia esforçadamente batendo para equilibrar a luta com Benfica e FC Porto. Keizer ainda foi apanhando tijolos e segurando barrotes, travando o desmoronamento do edifício, só que a hora da verdade chegou.
É certo que o Sporting teve uma razoável primeira parte, mas cedo se percebeu que a fragilidade do trio de centrais, com Mathieu e Luís Neto muito abaixo do que valem - e Coates, claramente o de maior rendimento, a ser o substituído, coisa estranha... - acabaria por ser um real problema, com RDT e Seferovic muito móveis, e Pizzi e Rafa em forma temível. Ao contrário de Raphinha e de Bas Dost, que pouco ou nada fizeram sem que Keizer mexesse uma palha. Com a goleada e alguma inacção, o holandês terá perdido metade da fama de mestre da táctica de que já gozava.
A seguir, vem o campeonato e a partida de Bruno Fernandes agravará as dificuldades do futebol leonino e abalará primeiro a esperança e mais tarde, eventualmente, a paciência dos seus adeptos. Sacudir essas nuvens negras e preservar as condições para que se possa prosseguir a reconstrução da equipa é agora, de novo, a tarefa de Frederico Varandas. Um trabalho tremendo.
O último parágrafo vai para Ricardo Sá Pinto, que continua igual a si próprio. Espero que a vida lhe corra bem em Braga, ou terá de suportar, no sempre pouco paciente patrão, a "arrogância" que não tolerou ao chefe de cabina. Terá de suportar ou não - esse é o picante da coisa!"

Sporting, tão cedo e já sem margem de erro

"Formação de Marcel Keizer está obrigada a ganhar, ganhar e ganhar, num caminho que se imagina longo

Podia começar-se este texto por dizer que o Sporting não ganhou nenhum jogo da pré-época, mas a verdade é que não seria inédito, mesmo assim, fazer depois disso uma boa temporada.
O Benfica do primeiro ano de Rui Vitória, por exemplo, somou três empates e três derrotas, e depois disso foi campeão nacional.
Portanto vamos esquecer a pré-época e focarmo-nos no essencial: aqueles 5-0 do Algarve.
A verdade é que o Sporting não fez um mau jogo e só aquele segundo golo do Benfica, nascido de um erro individual inadmissível, é que precipitou um resultado tão desnivelado.
A verdade, porém, é que no fim dos noventa minutos isso pouco interessa. Quando o árbitro apitou pela última vez, houve só uma coisa que ficou: o resultado histórico, vergonhoso e humilhante.
Os cinco golos, os insultos, os assobios, as cadeiras lançadas para o relvado, tudo isso nos dizer que o Sporting vai entrar no campo, no próximo domingo, a perder. A formação de Marcel Keizer está sem margem de erro: qualquer tropeço pode ser fatal para o treinador, para a equipa e para a paciência dos adeptos.
O Sporting – este Sporting, humilhado e reprimido – precisa de ganhar, ganhar, ganhar. O caminho para recuperar a credibilidade, e a paz, é longo, mas só se faz caminhando.
Mas não deixa de ser sintomático que já não tenha margem de erro: e ainda é tão cedo."

Conquista e depressão

"Grande demonstração de força do Benfica no Algarve. Uma goleada das antigas ao rival de sempre, no corolário de uma pré-época em que as exibições e os resultados avisavam a navegação: a águia está aí para voltar a ganhar. Diferença no final dos 90 minutos foi brutal.
O leão até começou melhor e a equipa de Keizer foi superior no futebol praticado nos primeiros 45 minutos. Mas a verdade é que o Benfica aproveitou melhor e definiu as oportunidades que o jogo lhe deu. Ir para o intervalo a ganhar foi quanto baste para depois humilhar um leão sem capacidade de inverter o rumo dos acontecimentos.
Com esta goleada o Benfica mostra a FC Porto e Sporting que a estabilidade tem um fim. Lage possui um naipe de jogadores invejável, trabalha com uma dinâmica incrível e estes 5-0 não só significam um troféu, como a saúde manifestada pelo futebol encarnado.
Que impacto terá a humilhação numa equipa já de si à procura de rumo desde o início da pré-temporada? Mais, agora a braços com a provável saída do melhor jogador? Ser goleado num dérbi não dá saúde a ninguém. Do treinador ao presidente. A estrutura vai ser atacada e vai abanar. Do que é feita e que fé existe no trabalho do holandês, eis algo que se verá nos próximos capítulos.
(...)"

O espectáculo - A variável esquecida (II)

"Peter McIntosh (1) foi talvez dos primeiros a equacionar os motivos da existência do espectáculo desportivo ao afirmar que “não há nada de novo no facto de competidores, treinadores, promotores e aqueles que prestam serviços auxiliares, ganharem dinheiro no desporto. Com raras excepções, o dinheiro ganho vem, em última instância, do espectador.” Mas esta era uma análise de 1963, completamente diferente da realidade actual. Fazendo uma retrospectiva histórica, este autor diz-nos que foi por volta de 1880 que várias modalidades desportivas passaram a poder “lucrar com as entradas do público urbano” e que as mesmas, inclusivamente o futebol e o críquete, tornaram-se “indústrias e se juntaram aos desportos já comercializados, se não industrializados, tais como a corrida de cavalos e o boxe.”
Reservemos para um pouco mais à frente o facto de McIntosh referir que quando William MacGregor fundou a Football League em 1888 o objectivo deste era poder proporcionar às pessoas um entretenimento regular semelhante ao proporcionado pelo teatro e que à data da sua obra, na Inglaterra o críquete e o futebol eram tanto desportos como indústrias de entretenimento e floresciam, assim como o facto de logo no ano seguinte Georges Magnane (2) ter feito uma destrinça entre estes dois espectáculos e os seus públicos: enquanto o teatro, e mais ainda o cinema, isolavam o espectador, o espectáculo desportivo incidia principalmente no ambiente colectivo.
E é preciso esperarmos vinte e três anos para aparecerem duas obras abordando o tema em questão: «The Quest for Excitement» (3) de Norbert Elias e Eric Dunning e «Sports Spectators» de Allen Guttmann (4).
Elias e Dunning colocam a génese do desporto moderno no século XVIII, na caça à raposa típica da Inglaterra na época vitoriana. Se por um lado era proibido aos caçadores caçar outros animais, não havendo contrapartidas para eles, por outro lado era proibido aos caçadores matar a raposa, pelo que o único objectivo desta actividade era o prazer obtido pela participação na caçada. “Talvez a sua característica principal fosse a tensão-excitação de um combate simulado que envolvia esforço físico e o divertimento que este oferecia aos seres humanos como participantes ou espectadores.”
Para Elias a passagem dos passatempos a desportos é um exemplo do avanço da civilização, avanço esse que progride através de um «processo» não planeado orientado pela estrutura social das configurações mas que é simultaneamente transformado por elas e em parte provém de um aumento da pressão sobre as pessoas para exercerem um autocontrolo próprio. Quando esse autocontrolo é inexistente por «moto próprio» a sociedade constrói as suas próprias regras. Na maioria dos confrontos desportivos as regras existem para manter essas práticas sob controlo. Elias fala-nos em confrontos altamente regulamentados, exigindo esforços físicos e competência técnica, caracterizados na sua forma de espectáculo como «desporto» e refere que “o termo desporto nunca esteve confinado apenas ao participante isolado: inclui sempre confrontos realizados para satisfação dos espectadores, e o esforço físico principal tanto podia ser dos animais como dos seres humanos.”
Elias também separa o comportamento dos públicos do teatro e do desporto – neste caso os espectadores procuram alcançar uma excitação-tensão controlada. “Pode afirmar-se (…) que o futebol, como outras modalidades de desportos de lazer, se apoia no equilíbrio precário entre o enfado e a violência. O drama de um bom jogo de futebol, segundo a forma através da qual se manifesta, possui qualquer coisa de comum com uma boa peça teatral. Aí também é construída durante algum tempo uma agradável tensão mimética, talvez a excitação, orientada para o clímax e, deste modo, para a resolução da tensão. Porém, uma peça teatral é, em muitos casos, o resultado do trabalho delineado por uma determinada pessoa, enquanto muitas formas de desporto atingiram a maturidade no decurso de um desenvolvimento social não planeado.” Aqui se nota uma diferença em relação à opinião de McIntosh acima apresentada e mais coincidente com a de Magnane, também supra.
Ainda segundo Elias, “dentro de certos limites, um tipo de realização desportiva pode conservar as suas funções como ocupação de lazer: quando assume a qualidade de desporto espectáculo. Considerado nesta perspectiva, o desporto pode resultar numa agradável excitação mimética, que é susceptível de contrabalançar as tensões, normalmente desagradáveis, das pressões derivadas do stress inerente às sociedades, proporcionando uma forma de restauração de energias.”
Assim, para este sociólogo, o espetáculo desportivo surge para controlar comportamentos (poderemos falar de um superego social?) e apresenta até a possibilidade de catarse – “a peça fulcral da configuração de um grupo envolvido no desporto é, sempre, a simulação de um confronto, com as tensões por ela produzidas controladas, e, no final, com a catarse, a libertação de tensão.”
Guttmann (4) numa perspectiva mais histórica revela-nos que no tempo dos gladiadores, na época romana, a maioria dos espectadores pagavam os seus lugares enquanto os mais pobres, os plebeus, tinham bilhetes grátis (por aqui se vê que já naquela altura esta seria uma forma ardilosa de se garantir a enchente do Coliseu). E considera que os jogos de gladiadores “eram verdeiros desportos, no sentido estrito apenas para aqueles que, provavelmente uma minoria, se ofereciam, aqueles que eram atraídos pelo risco envolvido, pelo puro amor ao combate mortal.” Os que tinham de combater sob coacção, os escravos, para Guttmann já não entram nesta categoria…
E a grande questão que este autor nos coloca, situando-a no seu tempo, é a seguinte: “Será que John McEnroe e Martina Navratilova ainda jogam tanto pelo amor ao jogo como por recompensas pecuniárias?”"

Vitória, vitória, vai começar a história!

"O SL Benfica confirmou, com a vitória na Supertaça Cândido de Oliveira, que a máquina está afinada. Os bons resultados obtidos na pré-época, inclusive a vitória na International Champions Cup, são um bom presságio para a temporada que agora se inicia.
Desde o desaire em casa, frente ao RSC Anderlecht, no jogo de apresentação, a turma de Bruno Lage só conhece o sabor da vitória. E que bem que joga este Benfica!
O primeiro jogo contra a equipa belga fez soar os alarmes na Luz. Os encarnados tiveram uma apresentação desastrosa em que pecaram não só na construção de jogo, mas também na finalização. 
Contudo, o melhor estaria para vir e, entre amigáveis e jogos de preparação, a qualidade do plantel começou a ser visível.
A Académica OAF foi o “bode expiatório” para a reconciliação da equipa com os adeptos. As águias levaram de vencidos os “estudantes” por um resultado que enchia a vista: 8-0. Uns atribuíram o mérito à sorte, outros viam um Benfica em crescendo.
A verdade é que o glorioso rumou a terras do tio Sam para disputar a International Champions Cup (ICC) e nessa competição tinham como adversários o Chivas, a ACF Fiorentina e o AC Milan.
O primeiro jogo frente ao Chivas Guadalajara só veio comprovar a veia goleadora dos encarnados demonstrada em Coimbra. Nessa partida, o Benfica venceu por 3-0 um adversário em teoria mais fraco, o que não servia para calar os críticos.
A segunda jornada da ICC colocou a Fiorentina em rota de colisão com os encarnados. O encontro foi muito equilibrado, mas já se notava o entrosamento entre os jogadores e, numa bela jogada de entendimento colectivo, Caio Lucas fez o 2-1 a favor do Benfica já depois do minuto 90.
Em dois jogos da International Champions Cup, o SLB somava seis pontos. Começava-se, então, a pensar que o “caneco dos campeões” poderia vir para Lisboa pela primeira vez. Uma vitória frente ao Milan era o suficiente.
O dia chegou! SL Benfica e AC Milan entravam em campo para a última jornada da competição de pré-época. Taarabt marcou o único golo do encontro, ao passar do minuto 70, num lance em que o marroquino foi feliz. A bola tocou caprichosamente no defesa da equipa italiana e traiu o guarda redes.
Ainda que o principal objectivo não fosse vencer a competição, mas sim testar o plantel para a nova temporada, o Benfica teve um registo impecável e acabou mesmo por vencer a prova. Pela primeira vez, uma equipa portuguesa foi campeã da International Champions Cup.
O SL Benfica voltou a Portugal para preparar o jogo da Supertaça com o Sporting CP e já havia convencido os seus adeptos com os bons resultados obtidos. Ainda assim, o jogo era de máxima importância e não havia margem para erros.
Águias e leões entraram em campo com um único objectivo: ganhar o primeiro troféu da temporada. 
Sem misericórdia alguma (e bem), os encarnados provaram, de uma vez por todas, aquilo que este plantel é capaz. Foram cinco os tentos marcados pelas águias sem resposta por parte dos leões. Uma goleada à antiga, que enxovalhou, por completo, a equipa verde e branca.
O SL Benfica abriu oficialmente a temporada com a conquista de um troféu contra um rival directo e para mais, com um resultado abismal.
A Supertaça foi o primeiro de muitos troféus que os encarnados podem vencer esta temporada e esperemos que seja uma época de sonho. Uma época para a história.
Com todos estes meses de preparação, entre a vitória na International Champions Cup e na Supertaça, será este Benfica capaz de revalidar o título de campeão nacional? SIM, com toda a convicção… A Liga Portuguesa arranca esta semana e o SLB é um sério candidato ao título de campeão nacional, por toda a qualidade que tem vindo a apresentar. Ah, e também por ser o SL Benfica."