domingo, 7 de julho de 2019

Princípio e fim

"Temos, logo no arranque da Liga, jogos entre os ditos grandes e no seu final confrontos entre os reconhecidos candidatos à vitoria final

1. Aprendemos com Maquiavel, nas suas Histórias Florentinas - e há tantos séculos... - que o «que tem começo tem fim»! E aqui estamos no princípio da nova época e aqui vibramos com o fim de competições que encerram a época que já passou. O calendário da Liga já o sabemos, já o vamos analisar, já fizemos as nossas contas, já projectámos as nossas viagens mas, aqui, com a consciência que a data definida não será a data concreta do jogo. Desde sexta à noite é a certeza da sucessão de adversários, da ponderação de determinados jogos com as datas dos jogos da fase de grupos da Liga dos Campeões e, também, da Liga Europa e, até, uma larga vista de olhos pelos jogos dos directos adversários. São, afinal, as contas antes das contas, o começo antes da bola saltar, o principio antes dos árbitros apitarem para o arranque da época. E, em simultâneo, teremos nas próximas semanas os derradeiros jogos da Taça Africana das Nações e, hoje mesmo, em França, a final do Campeonato do Mundo de futebol feminino e no Brasil a final da Copa América. É o começo é é o fim. Na certeza que o presente «não é um passado em potência, ele é o momento da escola e da acção». E em França é a disputa entre EUA e Holanda e no Brasil o confronto entre a canarinha e o surpreendente Peru. E, aqui, com o VAR, e as suas interferências, a serem objecto de muita polémica principalmente em razão do Argentina - Brasil. Mas o futebol sem um pouco de sal e pimenta não é loucamente apaixonante. E é esta paixão que nos leva a saber a sucessão de jogos da nossa equipa e dos nossos directos adversários. É mesmo princípio e fim!

2. Vamos ao calendário da Liga. Com a certeza que o Benfica arranca a época oficial com o Sporting - na Supertaça - e termina, em tese - digo em tese já que acredito que nesta época de 19/20 o Benfica vai marcar presença na final da Taça de Portugal - a referida época recebendo na Luz a 17 de Meio de 2020 o mesmo Sporting. Que quinze dias antes visitará o Dragão o que evidencia que poderemos ter um Maio de 2020 bem quente em termos de classificação final da nossa Liga. Mas o que o Benfica sabe é que em Agosto próximo só sai de Lisboa para a Supertaça. Arranca a reconquista do título nacional com o Paços de Ferreira, visita, em princípio, o Jamor para defrontar a SAD do Belenenses e quase no final do mês - nas ante-vésperas do sorteio da fase de grupos da Liga dos Campeões - recebe na sua catedral o Futebol Clube do Porto. E logo a seguir, e antes da primeira pausa para os compromissos da selecção nacional rumo ao singular Europeu de 2020, desloca-se a Braga para defrontar a equipa agora liderada por Ricardo Sá Pinto. Que, aliás, quinze dias antes, na segunda jornada, irá a Alvalade medir forças com o Sporting. O que fica do sorteio é que temos, logo no arranque da Liga, jogos entre os ditos grandes e no seu final confrontos entre os reconhecidos candidatos à vitória final e à conquista dos lugares de acesso às competições europeias de clubes. E com a certeza que para Bruno Lage o sorteio determina, na essência, o próximo adversário interno da sua solidária equipa. E, assim, a devida e cuidada preparação tendo em vista a conquista dos determinantes três pontos. Sendo que o principio é o jogo e o fim é a conquista. E tendo cada jogador comprometido, como sujeito e não como objecto, com o desígnio que o colectivo, a estrutura, a massa adepta e os milhões de simpatizantes acreditam em cada arranque de época: que uma nova reconquista é possível. Tendo como lema, na linha de Charles Bos, que «a cada instante há que sacrificar o que somos ao que podemos vir a ser». E é este compósito entre o individual, que se pode assumir, e o colectivo, que se deve privilegiar, que marca - sendo uma marca! - a liderança de Bruno Lage. E da sua equipa técnica como bem vimos no momento do agradecimento da conquista do troféu de melhor treinador da Liga 2018/2019!

3. Permitam que, neste domingo em que se disputa a final do Mundial de futebol feminino, lhes dê nota de uma iniciativa que vai marcar, acredito, os próximos arranques de épocas das grandes marcas do futebol mundial. Diria que é um marcante princípio. E em que o nosso Sporting será testemunha efectiva no Yankee Stadium no próximo dia 24 de Julho. Falo do Liverpool, do campeão europeu. Na sua digressão aos EUA, que arranca a 16 de Julho, o LIverpool junta a equipa masculina com a equipa feminina. As jogadoras estarão nas mesmas cidades - como Boston ou Nova Iorque - disputarão jogos com equipas americanas e como disse Jurgen Klopp «agora viajamos como uma grande família do futebol». Aprendemos como o nosso imortal Luís de Camões que o mundo é feito de mudanças. Mas este sinal que vem de Liverpool de juntar toda a família e ser, desta forma, uma inequívoca marca de igualdade é um princípio motivador. E acredito que outras grandes marcas do futebol europeu, que estão a entrar com todo o empenho no futebol feminino, não deixarão de acompanhar esta deslocação histórica do Liverpool! É um exemplo neste presente. Mas também é um sinal, e que sinal, para o futuro que já está a chegar. E que importa abraçar!

4. Arrancou ontem em Bruxelas mais uma edição da Volta à França em bicicleta, uma das grandes provas do desporto mundial. Organizada pela primeira vez em 1903 torna-se, logo no arranque, um sucesso popular e leva milhares de pessoas para as bermas das estradas e para os atractivos picos da lindas montanhas do mosaico - e do hexágono - francês. E muito mais tarde alarga-se a outros países. Mas continua a ser uma prova emblemática, sob a liderança do principal jornal desportivo francês, e recordando, como aconteceu ontem, figuras da sua história. Ontem foi o belga Eddy Merckx, um grande senhor do ciclismo. Por mim, e regressando à minha adolescência, não esqueço os ciclistas de plástico, os dados para os pontos, a areia lisa da Figueira da Foz ou as tardes em frente à televisão para acompanhar, e vibrar, com a participação de Joaquim Agostinho no Tour. Eram tardes enternecedoras e que, depois, na Volta a Portugal, nos levaram à Torre para vibrar com uma subida única, paisagens singulares, queijo do outro mundo, pão, presunto e chouriço de chorar por mais e um sentido do comunidade - a tribo do ciclismo! - que nos faz, agora, já na terceira idade a ter, ano após ano, vontade de regressar à estrada, de Viseu à Torre, de Montalegre à Senhora da Graça, e de vibrar com os heróis da estrada. E reler um livro de referência, de Serge Laget, 'A saga da Volta a França'! Um livro que já tem quase trinta anos mas que nos ajudou, e ajuda, a conhecer cada mês de Julho em França. Agostinho e Acácio Silva, Coppi e Anquetil, Hinault e Rui Costa, Nélson Oliveira e José Gonçalves, são nomes que estão presentes. Pela história e pelo presente. Os três últimos, aliás, são os portugueses participantes nesta 106.ª edição do Tour de France!"

Fernando Seara, in A Bola

Oportunidades e estética

"Estamos na sociedade com mais sentados por quilómetro quadrado

Sentadinho
1. Para muitos pensadores, estar sentado é uma forma de nos colocarmos em posição frágil, de quem apenas recebe, aceita. É a posição de aluno ou do paciente do hospital: sente-se, por favor. Navegamos na internet e na cabeça (alguns), mas estamos na sociedade dos sentados. A Sociedade com mais sentados por quilómetro quadrado.

Oportunidade
2. Como já falámos em crónicas anteriores, a etimologia é um trabalho de escavação. Em vez de se escavar o solo escava-se uma palavra. É bom perceber o que está debaixo dela.
A palavra oportunidade, por exemplo, segundo diversas fontes, bem da combinação «do prefixo op, em direcção a, e portus, 'porto do mar'».
Diz-se que, na origem, «a palavra era usada apenas para representar os ventos mediterrâneos» que ajudavam «os barcos à vela a chegarem ou a partirem de um determinado porto». Havia «ventos oportunos»: os que nos faziam aproximar do porto certo; e os ventos inoportunos: aqueles que nos afastavam do porto e que queríamos chegar.
Uma oportunidade é, pois, um vento favorável. Algo que, no limite, não depende do humano, depende de algo a que se pode dar o nome da natureza, destino ou acaso.
Uma oportunidade é um vento veloz e rato que se tem de aproveitar. E como? Colocando as velas com a orientação certa e exercendo toda a força necessária para aproveitar essa oportunidade.
Assim, as oportunidades não seriam criações humanas, mas sim elementos não dominados: o vento ou a referida sorte. Uma oportunidade na vida ou num jogo seria isto mesmo: algo que na verdade não criámos, mas que temos de aproveitar.

Como descer? Como subir?
3. O interessante nas pesquisas do google é que estas mostram os saltos que a curiosidade humana dá. Vejamos dois exemplos.
Algumas consultas muito comuns no google, por ordem decrescente de frequência. Descidas.
Como descer a febre
Como descer o colesterol
Como descer escadas com cadeiras de rodas
Como descer a glicose
Como descer a tensão arterial
Como descer escadas de muletas
Algumas consultas muito comuns no google, por ordem decrescente de frequência. Subidas.
Como subir a média do secundário
Como subir a plaquetas
Como subir a pressão arterial
Como subir ao castelo de São Jorge
Como subir a auto-estima
Como subir a tensão
Como subir a Serra da Estrela.
Tentar perceber o que é o ser humano a partir daquilo que ele quer saber.

Estética e estatística
4. Se transformas a estética em estatística perdes a beleza. Se transformas a estatística em estética pode ser que apareça algo de interessante.
Podemos imaginar, disse-me um amigo, cuidados estéticos da estatística. Por exemplo, contratar um extraordinário desenhador para desenhar, isso mesmo, números.
É imaginar, por exemplo, Miguel Ângelo ou Leonardo da Vinvi contratados por um príncipe para pintar, mão um quadro, mas o número 34 na porta do palácio.
Transformar a estatística em estética, uma possibilidade.

Instruções a seguir de forma meticulosa
5. Falemos de outro assunto e olhemos para o mundo. Ramon Gómez de la Serna, escritor espanhol, um provocador, homem do teatro e de tiradas rápidas e decisivas. Morreu em 1963 em Buenos Aires. No youtube encontram alguns vídeos bem insólitos deste escritor-performer.
Eis, pois, uma sugestão, uma sequência de procedimentos meticulosos de Ramon Gómez de la Serna nos deixou e que, infelizmente e violentamente, é bem actual:
«Os que matam uma mulher e depois se suicidam deviam variar o sistema: suicidar-se antes e matá-la depois»."

Gonçalo M. Tavares, in A Bola

Alterações ao RSTP (II)

"Foram introduzidos, pela organização que tutela o futebol a nível mundial, alterações ao Regulamento do Estatuto e Transferência dos Jogadores da FIFA, normativo que regula para todas as associações que sejam suas filiadas vários aspectos relevantes para os atletas, mas também para os clubes, demais agentes desportivos e para as próprias federações nacionais. Para além das alterações que visam esclarecer que o jogador não é um terceiro relativamente à matéria do TPO - que aqui já demos conta -, foram introduzidas outras modificações relevantes.
Foi feita uma alteração ao artigo 24 paragrafo 2 do Regulamento, que aumenta o valor da causa de referência para que um caso seja submetido à apreciação do juiz singular do DRC (Câmara de Resolução de Disputas da FIFA) de 100.000 para 200.000 francos suíços. Esta alteração visa imprimir celeridade nos processos e permitir que mais casos sejam decididos pelo juiz singular do DRC, deixando assim os casos mais complexos para decisão do próprio órgão. Entrará em vigor em 1 de Outubro de 2019. Além disso, foram feitas outras alterações tendo em vista a implementação obrigatória de algumas novas tecnologias.
Por fim, ficou estabelecido nesta nova revisão do Regulamento que todas as transferências internacionais de jogadores amadores também passem a ser processadas pelo Sistema de Transferências da FIFA (conhecido pela sigla TMS).
Estas alterações entrarão em vigor em 1 de Outubro de 2019, sendo a sua aplicação obrigatória a partir de 1 de Julho de 2020.
O texto a explicar todas as mudanças, bem como a versão final do Regulamento, estão publicado e disponíveis para consulta no site da FIFA."

Marta Viera da Cruz, in A Bola

O que se pode esperar de Jhonder Cádiz?

"Uma das aquisições já anunciadas pelo Sport Lisboa e Benfica para a nova temporada foi a do venezuelano Jhonder Cádiz. O avançado, que teve passagens por União da Madeira, CD Nacional, Moreirense FC e que representou o Vitória FC na última temporada, custou três milhões de euros aos cofres dos encarnados.
Claramente, esta contratação não é consensual por parte dos adeptos. Jhonder Cádiz não é o ponta-de-lança que os adeptos desejariam ver de águia ao peito. No entanto, existem vários factores que fazem com que esta contratação mereça o benefício da dúvida da minha parte.
Primeiro que tudo, quando a imprensa o começou a associar ao Benfica, o treinador Bruno Lage elogiou o avançado venezuelano, referindo-o como um jogador muito forte a atacar a profundidade e muito intenso a defender, características importantes no seu modelo de jogo.
Segundo, o Vitória FC teve o terceiro ataque menos concretizador do último campeonato, com apenas 28 golos marcados. Cádiz marcou nove, 32% dos golos marcados pela equipa sadina na Liga. Fora dos quatro primeiros classificados, apenas Tomané no Tondela teve um maior impacto na sua equipa em termos de golos marcados.
Terceiro, da mesma forma que Nicolas Castillo e Facundo Ferreyra na época passada eram vistos como grandes reforços no papel e fracassaram de águia ao peito, o contrário também pode acontecer. Cádiz ainda tem que crescer muito se quiser afirmar-se no Benfica, mas tem características que encaixam no modelo de jogo de Bruno Lage e isso pode ajudá-lo a evoluir.
Há uns tempos atrás, a imprensa avançou que este poderia ser emprestado ao Belenenses SAD. A meu ver, dentro dos clubes da Primeira Liga, é dos melhores clubes onde poderia rodar. Porque, trabalhando com um treinador como Jorge Silas, um eventual empréstimo seria um “tira-teimas” para o jogador, onde se tirariam as conclusões para perceber se Cádiz só serve para andar no carrossel dos empréstimos, ou se serve para algo mais.
O presidente do Benfica Luís Filipe Vieira deixou claro na última Assembleia Geral que havia uma estratégia por detrás desta contratação. Resta aguardar para ver o que o jogador poderá fazer."

Nem tudo é política...

"Nem tudo é política, mas a política está em tudo. No entanto, com o advento do capitalismo neoliberal, a política diluiu-se, proporcionando a hegemonia total a um ditatorial economicismo. Tudo se tornou débil e fraco… menos uma certa economia! O “panem et circenses”, com os seus perturbantes antagonismos, entre nós, Porto-Benfica, Sporting-Benfica e outros patetas e patéticos exacerbamentos, servem, com precisão matemática, para adormecer as pessoas à recusa de uma sociedade sem uma pauta de valores humanizantes.
Quando comecei a teorizar a Ciência da Motricidade Humana (CMH), um objectivo eu tinha (e mantenho) sobre os mais: rejeitar o estafado mecanicismo cartesiano e defender um dualismo epistémico, onde o sujeito não se confundisse com o objecto, onde o sujeito se respeitasse e cuidasse como filho de Deus. Não escondo, nem deveria fazê-lo, o muito que aprendi com Pierre Teilhard de Chardin: “Tradições de todos os géneros, conservadas pelo gesto ou pela linguagem, escolas, bibliotecas, museus, sistemas diversos de direito, de religião, de filosofia ou de ciências – tudo o que se acumula, se organiza, se encontra e se fixa aditivamente para formar a Memória Colectiva da Humanidade. No Homem, por uma espécie de invenção genial da Vida, a hereditariedade, até aí sobretudo cromossómica, isto é, veiculada por genes, torna-se sobretudo noosférica, isto é, transmitida pelo meio ambiente, pela cultura”(l’Avenir de l’Homme, Tomo V das Oeuvres). É como sujeito livre e responsável, dotado de consciência e de cultura, que o homem-desportista deverá observar-se e estudar-se. Ainda há pouco, na revista do Expresso (2019/6/29), Isabelle Hupert, atriz francesa de inegável talento, afirmava convicta que a pessoa da actriz, do actor está antes da personagem. Eu também digo que não há fintas, há pessoas que fintam; não há remates, há pessoas que rematam; não há defesas, há pessoas que defendem – se eu não conhecer as pessoas que fintam e rematam e defendem, jamais compreenderei as fintas, os remates e as defesas. São pessoas que fazem desporto, são pessoas que desejam desporto, são pessoas que dão sentido ao desporto, são pessoas que vivem o desporto.
E a vida é um termo polissémico, é tanto biologia como cultura. E, porque é cultura, enquanto o “esprit de finesse” de Pascal não informar os nossos métodos, a todos os níveis, no desporto, o cartesiano “esprit de géométrie” de certos políticos, de certos universitários, de certos treinadores, de certos dirigentes não deixará de produzir autênticos aleijões, verdadeiras perfídias e aleivosias.
Por outro lado, verifico, com alguma apreensão, que a maioria dos treinadores da alta competição desportiva, nem lêem, nem sabem o que hão-de ler. Nas minhas aulas, no INEF, no ISEF e na FMH, eu dizia, frequentemente, aos alunos: “Leiam boa Literatura. Leiam o Régio, o Torga, o Manuel Alegre, a Sofia, o José Cardoso Pires, o Fernando Namora, o Urbano Tavares Rodrigues, o António Lobo Antunes, o José Saramago, etc. É que a Literatura é vida e tem, por isso, muito a ensinar à prática desportiva”. E cheguei a recitar-lhes poemas de inúmeros poetas. Como este da Sofia:
“Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça,
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos.
Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ler melhor a vida
Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos.
 Fazei Senhor que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos 
A paz sem vencedor e sem vencidos”.
O Desporto é vida e tudo o que for vida (e vida tão luminosa de tão pura) concorre ao progresso, ao desenvolvimento do Desporto. Quando digo que “o desporto é mais do que desporto” não quero dizer outra coisa. Mas interessa também que os “agentes do desporto” se reconheçam, na prática desportiva, como Sujeitos e não como objectos. E que portanto só como ciência hermenêutico-humana o Desporto se pode praticar, teorizar e estudar.
Por vezes, adormeço, ao escutar algumas versões em circulação, sobre o Desporto mas, podem crer, é mais por irónico desdém do que por me sentir vencido. De facto, há um tema forte e fundo, que volta sempre, como uma obsessão, ao estudo do treino e da competição, no Desporto: a concepção mecanicista do organismo humano e a importância mítica (porque é um mito mesmo) da tecnologia no surgimento de novos génios ou talentos. Esta atitude resulta de uma visão cartesiana do corpo, observado como uma máquina que requer a presença do técnico, para consertá-la, quando sofre uma avaria. E tudo isto se faz, sem ter em conta os aspectos psicológicos, sociais e morais da enfermidade. De acordo com o modelo biomédico de pendor cartesiano, só o médico sabe o que importa à saúde do atleta, pois que todo o conhecimento, acerca da saúde, resulta da observação objectiva dos dados clínicos, dos testes laboratoriais e da medição de parâmetros unicamente físicos. Não se põe em causa o trabalho indispensável do médico, mas que não se esqueça a avaliação do estado emocional, da história familiar e da situação social do atleta, ou do paciente.
Um contexto biomédico reducionista é, frequentemente, transferido para o treino e o ser humano não é uma simples máquina alopoiética, mas autopoiética, quero eu dizer: que a si mesmo se faz. Não posso deixar de fazer alusão às abordagens estritamente fisicalistas e às conclusões que guardam, para a neurobiologia e a anátomofisiologia, as “causas das causas” dos principais factores do treino e da competição. Métodos e técnicas de complexidade e delicadeza, sempre crescentes, não se coadunam com uma exígua base conceitual do treino desportivo e da própria medicina desportiva. A interacção corpo-mente-cultura-desejo-sociedade; a adopção de um conceito holístico e complexo e ecológico de saúde – exigem uma reeducação radical dos “agentes do desporto”, incluindo aqui os médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, etc. O diagnóstico médico (sempre indispensável) não dispensa e supõe bem mais do que os métodos da ciência natural.
É conhecida a frase célebre de Platão, na República: felizes as cidades cujos filósofos são reis, ou cujos reis são filósofos. Aristóteles, na Política, retomou o projecto da República de Platão: fundamentar o Império na Lei e a Lei no Bem. Com o triunfo da mecânica newtoniana, estabeleceu-se o continente físico-matemático, como o de maior importância e relevo, no âmbito do conhecimento científico. Ao mesmo tempo que, paulatinamente, a filosofia e a teologia eram dispensadas de pensar, de criticar a ciência, pois que tudo, no mundo dos homens e das mulheres, deve apresentar um objectivo supremo: o bem comum! O todo é necessariamente anterior à parte e nem a física, nem a matemática, nem a economia deverão esquecer que são partes do mesmo todo. Ora, é sob a hegemonia absoluta dos mercados que se planificam, se estruturam, se propõem, se concretizam os actuais programas políticos. Vivemos num tempo em que tudo é mercadoria. Veja-se o futebol: são os números exorbitantes das quantias gastas na aquisição do atleta que, em primeiro lugar, nos dizem o valor futebolístico de um jogador. E, assim, a verdade da política é a economia! A economia surge como a imagem perfeita de uma política ideal. “Platão concebeu uma ideia tornada clássica, segundo a qual a tirania é o irracional total, o poder sem-Razão (…), o devir-corpo da alma, a alma irrecuperável, completamente perdida. A tirania será o império da paixão, da quase-animalidade, a expressão política do Mal (Sousa Dias, Razão e Império, Livraria Civilização Editora, p. 82). E, na economia imperante, os valores mais publicitados e cultuados são precisamente os que podem quantificar-se monetariamente. E a ênfase atribuída à quantificação confere à economia a aparência de uma ciência exacta cartesiana-newtoniana, onde o qualitativo concreto se desconhece ou despreza, onde o quantitativo abstracto se aceita ou idolatra. Mas não me adianto mais, no curso deste tema. Onde há política, necessariamente. No termo da vida, o chão que percorremos vai-se cobrindo de muitos gestos inúteis, de muitos sonhos falhados. Ser velho é um permanente ato de humildade…"